ACTAS  
 
03/09/2011
Jantar-Conferência com o Dr. Tomaz Morais
 
Dep.Carlos Coelho

Caro Dr. Tomaz Morais, temos na Universidade de Verão a tradição de começar os jantares com um momento cultural: a leitura de poemas pelos alunos que integram este curso.

Nesta noite essa leitura cabe aos grupos Bege, pelo David Pereira de Castro, e Cinzento, pelo André Couceiro.

[David Pereira de Castro leu "Além Tédio”, de Mário de Sá Carneiro; André Couceiro leu "Se”, de Rudyard Kipling]

 
Filipe Sanches

Caros Colegas, senhor "reitor” Carlos Coelho, Dr. Tomás Morais, restantes presentes, coube ao Grupo Laranja, na minha pessoa, a honra de fazer o brinde neste último jantar conferência da nossa UV 2011.

Queria, antes de mais, agradecer a disponibilidade do Dr. Tomás Morais em ter vindo partilhar connosco os seus conhecimentos e experiências, sobejamente conhecidos de todos nós.

Mas, neste último jantar, não posso deixar de exultar e agradecer o trabalho árdua e a dedicação de toda a equipa da organização que nos proporcionou esta semana fantástica em que todos nós, sem excepção, aprendemos muito, com provas de fogo constantes que, sem dúvida, aceleraram o processo de aprendizagem.

O convidado a quem brindamos neste momento é o exemplo das melhores características que um homem pode ter na sociedade civil e que qualquer político pode e deve seguir.

O Rugby é um jogo de dureza física e mental, características partilhadas pela política. O Rugby é também um jogo disputado por cavalheiros.

E é a esta qualidade - o cavalheirismo na política – bem como às senhoras e cavalheiros de hoje, mas principalmente aos de amanhã, que eu quero dedicar este brinde.

E, tendo em conta que se trata do brinde final desta UV, Viva o Dr. Tomás Morais, Viva a Universidade de Verão 2011, Viva a JSD e Viva sempre e sobretudo Portugal!

Vozes

Viva!!!!

 
Dep.Carlos Coelho

Senhor Dr. Tomaz Morais, senhor Presidente da JSD, senhor deputado Nuno Matias, senhores conselheiros, senhores avaliadores, minhas senhoras e meus senhores, este é o último jantar-conferência desta Universidade de Verão e trazemos um homem especial.

Como foi recordado, o Dr. Tomaz Morais entrou-nos pela casa dentro ainda há pouco mais de um ano com um trabalho fantástico no Rugby e criou num desporto que está longe de ser dos mais partilhados e conhecidos da opinião pública portuguesa, uma sensação de partilha, uma comoção nacional verdadeiramente invulgar.

Como é que se chegou a isto? Como é que isto se faz? O que é que aconteceu? Todos os observadores – eu não que de Rugby não percebo nada – apontaram o dedo e disseram "há aqui um seleccionador nacional que faz toda a diferença!”.

Quando nós convidámos o Dr. Tomaz Morais tínhamos uma dúvida: sobre que tema poderia vir falar-nos? De Política? De Desporto? De Liderança e Motivação? Ele é um cidadão como todos nós, tem ideias sobre como a sociedade se deve organizar, é um perito em Desporto, não apenas como seleccionador, mas também como professor, mas é um exemplo vivo de que com liderança, com motivação, com organização, aquilo que parece impossível se pode fazer. E recordo-vos aquilo que vos dizia ainda ontem, a propósito daquela ideia de que se nós queremos mudar o mundo, se queremos mesmo mudar o mundo, temos a capacidade de o fazer, se tivermos vontade, se tivermos força e se soubermos trabalhar de forma solidária. Como o Filipe recordou, ainda agora, aquilo que nós fizemos esta semana, fizemo-lo em conjunto, organização e participantes, estiveram aqui 120 pessoas a trabalhar conjuntamente e todos os jornalistas que nos acompanharam ao longo da semana e que mandaram lá para fora imagens sobre a Universidade de Verão, não disseram que estiveram uns meninos de laranjinha a descansar no hotel, que andaram a nadar na piscina, que andaram a passear pela região, que andaram a gozar tempos livres. Não! Os jornalistas não puderam deixar de dizer aquilo a que assistiram: o rigor no trabalho que vocês fizeram, o exercício de responsabilidade que manifestaram e a vontade que revelaram de ter um compromisso cívico mais forte.

O nosso convidado de hoje tem comohobbies a actividade física e ler; tem como comida preferida o Gelado; o animal preferido é o pet de estimação da maioria, o cão; o livro que nos sugere é "Vontade de Vencer” de Lance Armstrong com Sally Jenkins; o filme que sugere, um grande filme, é "O Gladiador” e a qualidade que mais aprecia nos outros é a Honestidade.

Dr. Tomaz Morais, cabe-me o privilégio de fazer a primeira pergunta e ela é muito simples, V. Exa é um homem do Desporto, mas é, como disse há pouco, um homem que nos mostrou como através de motivação e liderança se consegue chegar mais longe e a pergunta é muito simples: que conselhos daria a estes jovens que querem fazer a diferença e que serão líderes amanhã?

Minhas senhoras e meus senhores, no último jantar-conferência da Universidade de Verão 2011, um exemplo, o Dr. Tomaz Morais.

[APLAUSOS]

 
Tomaz Morais

Muito boa noite a todos.

Em primeiro lugar, aos jogadores e jogadoras, são sempre eles que nos dão as alegrias, são sempre eles que nos fazem sentir muito bem, muito bem mesmo, quando ganhamos, e são eles que nos confortam quando às vezes não conseguimos ganhar. Sou informal, porque sou desportista, os desportistas têm a vantagem de ter alguma informalidade, foi sempre para eles que tive as primeiras palavras desde o primeiro momento em que estive à frente deles.

Aquilo que primeiramente vou fazer é agradecer o convite. É para mim muito honroso. É a minha primeira aparição junto a uma força política, nunca tinha estado até então, sempre que tinha um convite político fugia a sete pés, portanto sou um homem de medo acima de tudo. Por isso quando tenho convites, digo "prefiro ser pisado, prefiro ser placado, triturado, rebentem-me as poucas vértebras que tenho, mas Política não”. Mas desta vez achei que o estava a fazer por Portugal, que o estava a fazer num momento difícil, fui ler um bocadinho sobre a Universidade de Verão e sobre o convite que o "reitor” Carlos Coelho me tinha feito e sobre a honrosa obra que estava aqui em Castelo de Vide e da qual vocês são a força viva e disse "tenho de ir, tenho que ir e é um grande orgulho”. Acima de tudo é por Portugal e estou aqui porque vocês são Portugal, não tenham dúvida nenhuma.

[APLAUSOS]

Não estou cá para receber palmas, não venho por palmas, venho para aprender, para vos ver. Quero aproveitar esta minha aparição junto da força política que nos tutela e nos lidera neste momento, também para passar as minhas ideias. Eu faço pouco, podia fazer mais, até porque tenho alguma exposição pública, mas sou acima de tudo construtivo e esse é o primeiro grande exemplo que eu vos posso dar – respondendo à pergunta inicial que me foi feita - sejam construtivos enquanto líderes, vocês são os líderes de hoje, não é de amanhã, vocês lideram-se a vocês próprios, essa é a primeira característica que temos de ter enquanto líderes é sabermos liderar-nos a nós próprios.

Se não sabemos estar connosco, se não sabemos quem somos, não podemos jamais estar à frente de uma equipa, a equipa não vai andar, a equipa não vai caminhar e vai parar sistematicamente. A equipa parará, ao primeiro obstáculo, à primeira crise. Palavra tão engraçada, tão na moda... para mim não vale nada, para mim a palavra crise não tem significado absolutamente nenhum, vivi a vida sempre, toda, em crise, toda, toda, toda. Aos seis anos ia para a escola de manhã, trabalhava à tarde, aos doze anos ia para a escola de manhã, trabalhava à tarde, aos catorze ia para a escola de manhã, trabalhava à tarde e ia para os treinos da selecção nacional ao final da tarde e chegava a casa à meia-noite, todo satisfeito.

Nunca refilei, nunca tive com quem refilar, portanto crise não faz parte, crise é aquilo que nós queiramos que seja, não tenho dúvida nenhuma, eu não tenho dúvida nenhuma na prática e transmito-o em casa.

Acima de tudo, o segundo conselho que vos dava como líderes de amanhã que sejam vocês próprios: o maior defeito num líder é quando tenta copiar, o maior defeito de um líder é quando tenta seguir um modelo, quando passa a vida a ler aquilo que os outros líderes fazem.

Um líder é ele próprio, tem as suas convicções, tem a sua metodologia, tem a sua forma de estar e nunca pode perder a sua humildade. Porquê? Porque nós para sermos líderes temos de ter uma equipa, uma equipa é uma coisa muito boa, é uma coisa fantástica, uma equipa é uma família. Alguém dizia aqui há bocadinho, não me recordo quem, que quando falamos de liderança falamos de uma mãe, pois bem, há melhor líder que uma mãe? Há algum líder mais rude que um pai? É essa a questão que vos deixo, também vim para fazer questões. Portanto, é bom que nós possamos seguir enquanto líderes o exemplo das nossas mães, os exemplos dos nossos pais, o valor da nossa família, a força com que estamos uns com os outros enquanto família nos bons e maus momentos. Se pegarmos nisso e transpusermos para nossa actividade profissional, para as sociedades onde trabalhamos e todas as áreas onde nos envolvemos, vamos ter sucesso de certeza absoluta, não tenham dúvidas.

Enquanto treinador, tentei ser sempre o Tomaz e quem era o Tomaz? Quem era o Tomaz? Era alguém que estava acima da equipa? Era alguém que estava abaixo da equipa? Alguém que se sentia um ser superior? Não, o Tomaz era alguém que todos os dias necessitava daquela equipa para se sentir bem, mais nada. Tomaz é alguém que está dentro daquela equipa, está dentro do núcleo da equipa, portanto, fica aqui para mim uma grande lição que tirei, não aprendi na Universidade, não aprendi na escola, não tive a possibilidade de alguém ma passar, aprendi na prática, na minha diária, enquanto treinador, para a equipa me aceitar enquanto seu treinador. Nunca pensei em ser líder, passei a ser líder posteriormente quando comecei a ser convidado pelas Universidades para falar sobre liderança, comecei a associar a função de treinador à função de liderança e comecei a ver que havia ali coisas muito semelhantes.

Por exemplo hoje em dia fala-se muito de coach, o coach guia, o coach ajuda, ele é um treinador. Coach é um treinador, a palavra treinador. Para vos dizer que o treinador se quer ter uma equipa que o aceita todos os dias tem que se sentir como elemento dessa equipa. Pois um grande erro de liderança, muitas vezes, achamos que a equipa está para nos servir e esquecemos que nós estamos para servir a equipa. Quando começamos, enquanto treinadores, a treinar equipas que são pequenas, que têm pouca exposição pública, que não vendem para o exterior, nós estamos dentro da equipa, somos deles, estamos para eles e depois quando começamos a ter algum sucesso, alguma aparição, a equipa fica lá e eu estou aqui, eu ganho e a equipa perde. Eu estou a deixar passar aqui de uma forma um bocadinho distante aquilo que é uma reflexão para a vossa vida: sejam elementos de equipa, sintam-se como parte integrante do núcleo da vossa equipa, não se deixem ir embora a pensar que "eu enquanto líder, sou eu que mando na equipa”, pois o líder não sabe mandar. O líder sabe ajudar os outros a fazer, essa é a principal característica que um bom treinador tem de ter, um bom treinador não manda ninguém jogar, um bom treinador leva os outros a jogar.

Eu conto-vos uma história de quando eu estava desse lado, quando era jogador, quando eu vinha com a maior dinâmica aos treinos que me ensinou muito para a vida. Porquê? Porque eu nunca tive as características físicas de um jogador internacional, era um dedicado por natureza, um dedicado, isso posso dizer com toda, toda… tiro o casaco, era um dedicado por natureza, gostava de treinar mais que os outros, adorava, precisava de descansar menos do que os outros, mas também quando era para festejar festejava mais que os outros, não se preocupem!

[APLAUSOS]

Eu estava no período natalício e recebi uma carta, na altura não havia estes meios tecnológicos, estamos a falar de há uns bons vinte anos atrás e estava em casa, sem saber bem o que vou fazer e recebo uma carta registada da Federação a convocar-me para um grupo de vinte jogadores que iria trabalhar para chegar pela primeira vez a um torneio de Sevens - a variante do Rugby de quinze jogado por sete jogadores. Rugby de quinze tem um jogo de quinze e tem um jogo de sete, tal como o Futebol tem um jogo de onze e depois tem outro de variante reduzida que é o Futsal.

Recebo a convocatória e a primeira reacção que tive foi "eu quero ir, vou” e fiquei doido a olhar para a carta, li aquilo umas dez vezes, se era mesmo o meu nome, se eu estava enganado, se era eu, se era dia do treino e à décima vez de olhar a carta – porque eu sempre fui muito persistente e mesmo às vezes não percebendo as coisas à primeira, insistia, insistia, insistia, até perceber – e quando percebi que o primeiro treino era no dia 2 de Janeiro veio logo uma estratégia à cabeça e o que é a estratégia? Nós, hoje em dia, temos livros inteiros sobre o que é a estratégia e depois esquecemos que a estratégia é muito simples, a estratégia é algo que nos leva sempre a opôr o nosso forte ao fraco dos outros. Resumindo, é nós vermos onde é que está o ponto frágil para nós entrarmos, onde é que a porta está meio aberta para nós passarmos. Eu comecei a pensar: "se os testes físicos são no dia 2 de janeiro, os meus companheiro vão perder-se todos pelas festas de passagem de ano”.

É que mesmo que não nos apeteça ir nós somos obrigados porque a sociedade vai... eles vão-se perder todos e nós vamos ter os testes físicos para esta prova, eu vou ganhar os testes físicos.

Foi logo o meu objectivo, logo. O que é que fiz? Calcei os ténis, comecei a treinar logo naquele dia e quando disse aos meus companheiros, alguns também tinham sido selecionados, que não ía para qualquer festa de fim-de-ano começaram a rir: "ah, estás maluco, não é por isso que não vais, só foste chamado para fazer número”. Muito bem, mas esta é a missão agora e assim foi. Apareci no dia 2, toma lá, dá cá, bati o recorde de flexões de braços que ainda hoje está por bater, ainda está lá, não conseguiram, pouco talento, mas muita flexão.

[APLAUSOS]

Aprendi claramente e passei aos meus jogadores que nem só de talento se faz uma equipa, é preciso trabalhar muito para se ficar numa equipa e vi muitos jogadores que comigo ficaram de fora, enquanto treinadores, cheios de talento, tanto talento que às vezes tropeçavam nele e não conseguiam correr. Mas com pouca capacidade de trabalhar para os outros, com pouca capacidade para se envolverem com uma equipa e com aquilo que nós já vamos ver o que é uma equipa.

Isto para vos dizer que estes testes físicos abriram os olhos ao meu treinador de então, um líder rude – e um líder também tem de ser rude às vezes –, um líder difícil, um líder que tomava decisões, um líder que vinha da Escócia, habituado àqueles Invernos rigorosos, habituado a terminar o dia às cinco horas e fechar até ao dia seguinte, um líder que não nos mostrava os dentes, ria muito pouco connosco e um líder que vinha com métodos muito precisos. Um jogador para jogar Rugby tem de ser grande, tem de ser forte, tem de ser muito bom fisicamente, tem de fazer isto… e quando fiz os testes físicos, não tive dúvidas nenhumas que mostrei àquele líder que eu, enquanto jogador, que não tinha aqueles pergaminhos, podia também ser selecionado. Ele ficou a olhar para mim e tanto ficou que me convocou para os dez finais que foram a Hong Kong. No último treino deu-me um exemplo de liderança que eu mais tarde vim a revelar que era, sem nunca ter essa intenção, nunca tive intenção de ser líder de coisa nenhuma, sempre tive intenção de ser um homem feliz, todos os dias sentir que estava a crescer enquanto pessoa, foi sempre esse o meu objectivo, nunca foi o de ser líder, ou treinador, ou seleccionador, ou estar aqui com vocês. A vida trouxe-me isso, trouxe-me porque fui procurando o meu caminho e quando cheguei ao meu caminho que era ir a Hong Kong.

Estávamos, então, na recta final, nos cinco minutos finais do treino, e ele deu-me o tal exemplo. O que é que ele fez? Deu-me o maior exemplo de competição que eu tive até hoje: pegou nos dez jogadores que iam e pôs a jogar contra os dez que não iam. Puummm! Vocês estão a imaginar aquelas lutas, aqueles animais com 5 metros e puumm! Foi aquilo que aconteceu, levámos uma tareia, os dez que não foram, passaram-nos a ferro, tanto passaram que a mim fizeram uma ferida enorme, não vos vou estragar a digestão, fizeram uma ferida enorme e deixaram-me bem maltratado ao ponto de eu estar no chão inanimado. Não se preocupem o Rugby é mesmo assim. Imaginem-se a ver televisão em casa, entra um bocado de chuva e o canal volta sempre. É assim como nós vemos as lesões no Rugby, não tem qualquer importância, não tenham medo, nem o nosso Ministro da Saúde precisa de ter medo das nossas, não tenham medo, elas curam-se por si próprias.

Eu, quando estava ali deitadinho no chão, pensei "perdi Hong Kong, tanto trabalho e perdi Hong Kong”. Estava a ouvir o treinador em inglês a dizer "ele tem de ir ao hospital, se ele não estiver bem trocamos pelo não-sei-quantos”, já sabia o nome do outro. Eu disse "não”, levantei-me do chão, nem sabia onde é que estava, mas levantei-me, agarrei-me, na altura ao senhor enfermeiro, penso eu que ele era, e disse-lhe "cose-me”, ele disse "ó Tomaz, não, isto há procedimentos, tens que ir ao hospital, nem tenho luz para te coser”, eu disse "cose-me, homem”. Devo ter sido tão incisivo que ele coseu-me mesmo, coseu-me tão bem que me ligou os cabelos à ferida e aquilo ficou disfarçado. Depois fui para Hong Kong. Quando cheguei a Hong Kong e fui fazer o primeiro tratamento, as senhoras que me receberam disseram "quem é que lhe coseu isto?”. Eu disse: "foi alguém em Portugal de quem eu me orgulho imenso, um amigo”.

[APLAUSOS]

Ele foi meu amigo, ele ajudou-me e os amigos ajudam-me. É isso que os líderes têm de perceber: os elementos da nossa equipa ajudam-nos, ajudam-nos, confiam em nós enquanto líderes e jamais podemos quebrar a confiança deles.

Quando fomos para o jogo com umas das selecções mais representativas do mundo, que tinha uns bons monstros lá dentro, que jogavam que se fartavam, o nosso treinador quis-nos convencer que íamos ganhar o jogo. Fazia aquelas palestras, mostrava as fotos deles, mostrava os vídeos, naquela altura com o videotape, andar para a frente, andar para trás, ficámos ali quase quatro horas numa palestra e ele de repente quando diz a equipa que vai jogar olhou lá para trás – eu estava como suplente e sentava-me sempre atrás, mesmo nas aulas, sempre foi um hábito meu –, ele olhou lá para trás "ó Tomaz, tu vais jogar na ponta e vais marcar este jogador”, eu pensei "na ponta? bem, isto há aqui qualquer coisa”, e ele mostrou-me – perdoem-me a expressão – um grande pedação de carne humana.

[RISOS]

Só que tem uma vantagem, olhei para ele e comecei logo a pensar "ele não tem barba na cara”, comecei logo a ser mau "bem, não tem barba na cara, vou ter de usar uns truques” porque ele disse-me e eu sabia que a minha principal característica enquanto jogador era defender bem, era placar, era derrubar, portanto ele queria que eu o placasse, não foi preciso falar muito que eu percebi logo o que é que ele queria de mim, ele depois mostra que ele tem 1,96 m, pesava 120 quilos e corria os 100 metros em onze segundos. Ele não me disse o que é que ia fazer, disse-me só que eu ia lá estar. "Até logo, até logo, até amanhã, amanhã vamos ganhar, vamos fazer história”, estamos a falar de uma equipa que na altura se chamava Nova Zelândia e nós acreditámos e fomos para a cama a pensar que íamos ganhar, íamos aparecer na História e a pensar que íamos depois telefonar para casa, lá pela cabine telefónica, ligar a dizer "ó mãe, ganhámos aos All Blacks, viemos partir isto tudo”.

Mas não foi nada disso, não é? Não foi nada disso.

[RISOS E APLAUSOS]

Se eu estiver a ultrapassar o tempo, mandem-me calar senão eu fico aqui a noite toda.

E quando estávamos no quartinho, o jogador que era para jogar na minha posição tinha sete ou oito anos a mais do que eu e que era o nosso recordista nacional, na altura, dos 400 metros, corria que se fartava, dizia-me assim "ó Tomaz, estás nervoso?”, eu dizia "nervoso, não, estou borrado de medo, não consigo dormir, estou a tremer”, ele disse-me "calma, tens de dormir…”, eu disse "como é que queres que eu durma, já viste o teste que eu vou ter amanhã, ainda tenho aqui umas coisas a coserem-me a cabeça, estou todo partido e ainda vou ter de levar com um monstro”. Ele lá tanto falou que me adormeceu.

Acordámos de manhã, quando entro no elevador do hotel, que o Rugby tem destas coisas, o Rugby de sete, nós podemos ficar no mesmo hotel que o adversário e queremos ganhar à mesma, convivemos e falamos com ele e sabemos o respeito a ter por um adversário é ganhar-lhes com um sorriso na cara e apertar-lhes a mão. Não temos problemas. Escondermo-nos? Não querermos ficar no mesmo hotel? Não, não, não tem problema. Quando descemos do elevador, vocês vejam bem, a equipa portuguesa entrou no da esquerda e sobrei eu, sempre a ficar atrás, e entrei no elevador onde ia a equipa da Nova Zelândia, olhei e só podia olhar para cima.

[RISOS]

Só podia olhar para cima, mas o meu adversário directo não ia ali, eu pensei "não está aqui, ainda bem”. Quando íamos no corredorzinho para entrar, as equipas em fila, o nosso treinador a dizer "não olhem para o lado, vocês têm o vosso objectivo, vocês têm a vossa missão, vamos embora, não passa nada, não passa nada”, eu começo a ver: "ai, ai, ai, está aqui uma mancha ao meu lado” e como a curiosidade faz parte da alma lusitana eu deitei um olhar ao lado e senti que tinha um búfalo a olhar para mim.

[RISOS]

Uma coisa enorme a olhar para mim, eu só tinha um escudo ao peito, só tinha uma coisa muito mal desenhada a dizer Portugal-Rugby, mal cosida, camisola toda esfarinhada, eu disse "bom, sou eu contra ele e isto não se vai passar nada, vamos embora”. Entro no estádio, cinquenta e tal mil pessoas aos gritos, não por mim com certeza por aquela equipa fabulosa. Realmente, o Desporto é uma coisa magnífica. O meu companheiro de equipa que dava o pontapé de saída pôs-me a bola directamente nas mãos. "Bora, Tomaz, hoje é sábado, hoje é sábado à noite, atira-te a ele”. Eu pensei "bom, todos os homens têm partes fracas”, nós sabemos.

[RISOS]

Vocês enquanto líderes não pensem nessa maldade toda.

[RISOS]

Vocês enquanto líderes mantenham-se convictos dos vossos princípios. Não se riam à primeira. Onde é que estavam as partes fracas daquele homem? Com certeza que nas canelas. Não há nenhum homem que goste de ser placado nas canelas, não é por acaso que no Futebol às vezes rasteiram. Eu pensei "bom, a forma de parar este tamanhão todo é ir-lhe às canelas” e assim foi. Não, placado não, placar não podemos placar às canelas, era onde eu podia agarrar, de resto não ia ter dimensão física. Não pensem que é fácil. Eu quando o senti a vir com a bola ao pé de mim, tudo o que tinha aprendido veio-me à cabeça, tudo o que nós aprendemos na teoria veio-me à cabeça: reduz o espaço, vai para cima dele, ataca tu antes que ele te ataque. Ah, pois o confronto foi muito complicado, acordei num placardzinhode publicidade, não vou fazer publicidade àquela companhia, mas nunca mais me esqueci, é uma grande multinacional que está sempre com o Desporto e ainda por cima é uma cervejeira, confesso que gosto bastante de cerveja. Lá fiquei deitadinho e quando me levantei e olhei para minha equipa tinha sete rapazes que supostamente eram minha equipa, meus amigos, meus companheiros, meus colegas de missão, que me chamaram de maricas. Atrás dos postes, nem dez segundos de jogo e já sofremos um ensaio, seu maricas. Eu disse "maricas é que já não!”.

[RISOS]

Já parece o Cristiano Ronaldo contra o Messi, Messi é que não. Maricas é que não, chamar maricas a um português é que não. Vamos embora, venha a segunda, e o meu companheiro de equipa estava-me a testar, pôs-me outra vez a bola nas mãos! Eu disse: "venha!” e quando eu o vi a correr para mim eu disse não me enganam mais, não me enganam que eu até tenho – lembrei-me naquele momento – namorada e família em casa, tenho mais não-sei-quê, afinal isto não é o máximo da vida e quando ele vinha tentei-me atirar para o lado, mas a dimensão era tão grande, que o rapaz conseguiu passar-me por cima, lá vai mais um, «tufa» e atropela-me. Isto para vos dizer o quê? Passei 14 minutos horríveis, era o sonho da minha vida, aqueles primeiros minutos ali, 14 minutos era uma eternidade, os meus companheiros saíram de fato do campo e eu saí todo roto. Cheguei ao balneário e o treinador disse: "falhaste!”. Tínhamos perdido sessenta e tal, a culpa era minha, vejam lá bem. "Falhaste!”. A seguir fomos jogar com o Sri Lanka e os Sri Lanka são uma equipa dos nossos primos, é os Pereiras, os Fernandes, os Silvas, que nós lá deixámos quando lá passamos. Eu disse "tão bom jogar com aquela equipa”, pois entraram todos menos eu, fiquei de castigo no banco e aprendi uma coisa muito simples: quando nós gostamos de estar numa equipa temos sempre de respeitar as decisões, temos sempre que sair de cabeça erguida quando estamos na nossa equipa, temos de dar o nosso melhor, onde quer que estejamos. Enquanto treinador não fui melhor nem pior que os outros, fui diferente dos outros. A única coisa que pedi aos jogadores, em qualquer momento, foi que deixassem tudo dentro do campo e que saíssem de cabeça erguida, independentemente do resultado desportivo.

[APLAUSOS]

Ninguém mais do que eu gosta de ganhar. Isto para vos dizer que enquanto jovens, enquanto líderes, que a liderança é uma acção, a liderança não é uma posição.

A liderança não é uma função, é um processo muito dinâmico que exige acção. O que é que exige a liderança? Que todos os dias vocês se dirijam à vossa equipa com total franqueza, honestidade, com o conhecimento que têm e que trabalhem para eles. Se vocês trabalharem para a vossa equipa, a equipa vai gostar e vai querer ser liderada por vocês. A equipa, todos os dias, sente: "está ali o meu líder, é para ele que eu me movimento, é para ele que eu faço isto, é para ele que fico mais 5 horas neste gabinete, é para ele que eu corro mais 40 quilómetros, é para ele que eu faço mais não-sei-quantas viagens, é para ele que eu não vejo a minha família há mais de dez dias, porque ele simboliza a nossa equipa, ele é a face da nossa equipa, mas ele é um bocado de todos nós”.

Enquanto líderes, sintam-se como alguém que faz um conjunto acções para o bem da equipa, diárias, não é "fiz hoje, agora vou sete dias de férias para o Pacífico Sul e continuo a ser o líder da equipa”, não, para ser os líderes das nossas equipas todos os dias têm de fazer boas acções para elas, temos de nos sentir como tal, não tenham dúvidas nenhumas.

Um líder prático é um líder que dá o exemplo. Se queremos disciplina, se queremos que a nossa equipa chegue a horas, se queremos que a nossa equipa entregue os projectos a horas, se queremos que a nossa equipa termine a cirurgia com sucesso e à hora estipulada pela anestesista, muitos de vocês aqui vão ser médicos, outros engenheiros, têm de fazer projectos, etc., temos de ser nós a dar o exemplo. A nossa equipa faz aquilo que nós queremos que ela faça com o nosso exemplo. Nunca usei grandes papéis, nunca usei grandes regulamentos, mas usei uma coisa muito importante com as minhas equipas – o compromisso. Ainda hoje com uns miúdos de dezoito anos disse-lhes: vocês querem jogar à defesa no primeiro jogo do campeonato da Europa? Não queremos sofrer ensaios. Todos de acordo, então esse é o nosso compromisso, é o compromisso da equipa, é o compromisso do líder, é o compromisso que nos agarra uns aos outros.

Lembrem-se, enquanto líderes e enquanto membros da equipa, não deixem os outros à vossa espera, não deixem os outros a precisa de vocês, se vocês faltarem a equipa vai sofrer, se vocês não estiverem a equipa vai sofrer, se vocês se zangarem com a equipa a equipa vai chorar.

Às vezes é preciso zangarmo-nos com a nossa equipa, às vezes é preciso pôr a nossa equipa a sangrar, mas muitas vezes é preciso dizer à nossa equipa com todo o respeito "eu estou aí, dá-me um abraço, dá-me um beijinho, toca-me”, é preciso estarmos à vontade com a nossa equipa. É muito importante no processo de liderança.

Um líder tem um processo muito complexo em mãos, a liderança é uma coisa muito complexa, trata de pessoas, trata de expectativas, trata de emoções, trata de dar ou retirar oportunidades, trata de atingir ou não objectivos, trata de ganhar ou perder, trata de sucesso ou insucesso. Atenção a isso, não sejam complexos, deixem que a liderança seja um processo complexo e que vocês sejam pessoas simples a liderar, simplifiquem e confiem, é o maior dos conselhos que vos posso dar e o último: simplifiquem enquanto líderes e confiem, ok?

Muito obrigado, gostei imenso.

[APLAUSOS]

[Portugal! Portugal]

[APLAUSOS]

 
Dep.Carlos Coelho

Vamos ao primeiro ciclo de perguntas e vou dar a palavra ao Pedro Sousa do Grupo Verde e ao Tiago Alves do Grupo Cinzento.

 
Pedro Sousa

Boa noite, em primeiro lugar, Dr. Tomaz Morais, gostaria de agradecer a sua presença aqui na Universidade de Verão em nome de todos os alunos. Depois, gostaria também de transmitir toda a admiração pelo seu trabalho e, agora, antes de fazer a questão vou só fazer um àparte porque é a última vez que temos a palavra aqui na UV e o Grupo Verde quer agradecer a toda a equipa da Universidade de Verão, nomeadamente ao seu conselheiro Tiago Alves por todo o apoio e paciência. Muito, muito, obrigado.

[APLAUSOS]

Passando à questão, Dr. Tomaz Morais, a nossa questão tem a ver com a campanha que a JSD está a fazer que é a petição sobre a valorização do jovem atleta português.

A minha pergunta é: que medidas e incentivos deveriam ser implementados para de uma vez por todas se apostar nos jovens atletas portugueses, os quais têm dado grandes provas em várias modalidades no estrangeiro também?

Obrigado.

 
Tiago Filipe Alves

Antes de mais, boa noite, obrigado pela sua presença e pelas suas palavras e antes de formular a questão vou também, já que é a última vez que o Grupo Cinzento pode usar da palavra, aproveitar para agradecer a todo o staffe membros da organização os momentos que nos proporcionaram esta semana e em particular ao Paulo Pinheiro, ao nosso conselheiro, por toda a ajuda e todo o tempo que despendeu connosco, obrigado Paulo.

[APLAUSOS]

Já agora, quero agradecer aos alunos que também partilharam esta semana connosco.

[APLAUSOS]

Em relação à questão, o senhor trocou-me um bocadinho as voltas, porque o seu discurso foi muito à volta daquilo que eu queria perguntar portanto vou ter improvisar um bocadinho.

Acha que a capacidade de liderança é algo que já nasce com a pessoa ou é algo que se desenvolve e, caso seja a segunda opção, como é que se pode desenvolver, ou como é que se pode aprender.

Obrigado.

 
Tomaz Morais

Muito bem, em primeiro lugar deixem-me só dizer que em relação aos jovens portugueses é para mim motivo enorme de orgulho sentir que neste momento existe esta petição, que existe a preocupação, porquê? Porque às vezes temos de conseguir algo, temos de ter um resultado de sucesso, temos de primeiro fazer para depois ter. Se com o Rugby assim o fizermos, agora com a selecção de Futebol foi evidente que o segundo lugar que tiveram no Mundial foi fundamental para as pessoas pensarem e olharem para os jovens.

Foi um grito de força, um grito de força interna, um grito de motivação de jovens que jogam Futebol pela Selecção Nacional, porquê? Porque as coisas não são projectadas, as coisas não são feitas de raiz, reparem bem nesta crítica que eu estou a fazer construtivas: os clubes portugueses investiram em academias de Futebol, eu trabalhei numa delas durante algum tempo e sei os custos que têm, para ir depois na sua equipa representativa contratarem jogadores de variadíssimas nacionalidades e muitos deles mais novos do que aqueles do que aqueles que eles estão a formar na sua Universidade, nas academias. Vejam isso um bocadinho por vocês, pensem aí, nas mesas, em vocês próprios, estão a fazer este investimento aqui para um dia serem os líderes de Portugal e Portugal vai contratar os seus líderes ali ao Norte de África, não faz sentido. Mas foi preciso um bom resultado para pôr as pessoas a pensar.

Vamos começar também a pensar antes dos bons resultados começarem a aparecer, porque eles às vezes também podem nunca vir. Isso com o Rugby, nós sentimos isso, eu dizia todos os dias no balneário: vocês querem treinar todos de igual? Vocês querem jogar é num campo que não tenha coelhos a fazer buracos, vocês querem balneários com água quente, vocês querem ter estágios antes dos jogos? Ganhem primeiro que essas coisas vão aparecer todas e disse-lhes um dia que, aparecendo essas coisas e vocês estando equipados todos de igual, com os melhores equipamentos, treinando nos melhores campos sem entrarem coelhos, depois eles têm saudades dos coelhos. Sem qualquer analogia.

[RISOS E APLAUSOS]

Eu acima de tudo sou um líder brincalhão, um líder tem de ser uma pessoa bem-disposta, um líder tem de ser criador de boas relações, um líder ter de saber estar com os outros e para saber estar com os outros às vezes temos de brincar um bocadinho, mas não era essa a minha intenção. Porque disse-vos que acima de tudo gosto de ser honesto, vocês é que se riram tanto que eu tive de dar o braço a torcer. Para não fugir à pergunta – que veio, já sei, de Arcos de Valdevez, terra que estimo muito e gosto muito, fiz lá grandes jogos de Rugby, partiam-me todo lá em cima, davam-me durinho – o que é que nós temos de fazer? Nós temos claramente, somo nós, não são eles, não são os outros, os jovens portugueses têm de se valorizar. Se querem jogar, treinem mais do que os outros, se querem jogar mostrem-me mais que os outros, se querem jogar, sacrifiquem-se mais que os outros, se querem jogar não errem, não errem, tornem o erro qualquer coisa desumana, o erro não pode ser humano, se assim for os jovens vão jogar e vão ter oportunidades, não tenham dúvidas nenhumas. Não vale a pena só a petição, só medidas políticas, medidas de raiz, vale a pena é cada jovem lutar pela sua posição dentro da equipa, se isso acontecer não tenham dúvida que a posição vai chegar, que vai ser dada a oportunidade e que vão vencer. Não esperem que os outros façam por vocês. Ninguém o vai fazer, se não foram vocês próprios a fazer esqueçam. Pensem assim, se pensarem assim vão conseguir, ok?

Pergunta número dois: trocar as voltas. Pois, um líder tem de saber trocar as voltas. Vocês enquanto líderes há três coisas que não vão poder deixar de fazer à vossa equipa: inspirá-la, a inspiração da equipa é a inspiração do líder e dos membros que a compõem; motivá-la e construi-la. Essas três situações é a associação entre um líder e a sua equipa, portanto, muitas vezes o líder vai ter de saber trocar as voltas aos seus elementos para os inspirar, para os motivar, para os desenvolver e para os capacitar, não tenham dúvidas nenhuma.

O líder nasce ou desenvolve-se? Vocês estão a tramar-me. Nós todos somos líderes, sempre olhei assim. E a determinado momento vai-nos ser dada uma oportunidade de liderarmos uma equipa. Ora bem, o que é uma equipa? Uma equipa pela sua expressão mínima pode ter dois elementos, pela sua expressão máxima pode ter um infinito de pessoas. Quando nós temos a nossa equipa à frente aquilo que lhe temos de aplicar é um conjunto de habilidades nossas nas quais acreditamos – a isso se chama o desenvolvimento de um líder, porque um líder nunca terminou. Um líder nunca acabou, nunca é um processo finalizado, é sempre alguém que está todos os dias em construção, não tenham dúvidas. Nunca conheci líderes perfeitos, conheci foi líderes implacáveis, unificadores, pacificadores, decisores, trabalhadores, animadores. Conheci-os, trabalharam comigo, ensinaram-me liderança. Portanto eu acredito que nós nascemos todos de uma determinada forma, sabemos qual é, não vale a pena fazer-vos aqui rir mais, vocês estão cansados de rir, portanto pensem é que o líder se desenvolve todos os dias. O líder treina-se; vejam o líder como um processo de treino. O que é um processo de treino? O que é um processo de formação? A formação que vocês estão a ter é exactamente igual ao estágio de uma equipa de futebol, de rugby, de andebol, voleibol, é uma semana a reflectirem, é uma semana a cansarem-se, física e intelectualmente, é uma semana a partilharem experiências, é uma semana sequiosos de aprendizagens, é uma semana em que vocês se desenvolvem, é uma semana em que vocês se integram nesta equipa que vocês gostam, nesta equipa que vocês acreditam, nesta equipa que vocês sentem e isso é o quê? Capacitação. O treino é capacitação, a liderança é capacitação, todos os dias vamos à procura de qualquer coisa enquanto líderes, ok?

Portanto, troquei-vos as voltas.

[APLAUSOS]

 
Dep.Carlos Coelho

Segundo bloco de questões: Rosa Nogueira dos Santos do Grupo Castanho, Andreia Gonçalves do Grupo Azul.

 
Rosa Nogueira dos Santos

Boa noite. Dr. Tomaz Morais, um obrigado por estar aqui a partilhar um pouco da sua experiência connosco.

Sofia, nossa conselheira, o Grupo Castanho quer agradecer as tuas orientações e dicas nestes dias intensivos. Agradecemos também a toda a organização e ao magnífico reitor que defende a UV com um brilho nos olhos motivador.

Dr. Tomaz Morais, tendo em conta que os atletas do Rugby apresentam-se por norma como pessoas muito instruídas academicamente, ao invés do que acontece na maioria das outras modalidades, como explica este fenómeno? E antes de me despedir, vou pedir para satisfazer a curiosidade do Grupo Castanho: qual foi o recorde de flexões?

[RISOS E APLAUSOS]

 
Andreia Gonçalves

Boa noite a todos. Dr. Tomaz Morais, muito obrigado pela sua participação e excelente intervenção. Se é verdade que por detrás de um grande homem existe uma grande mulher, também é verdade que por trás de uma grande equipa existe um grande líder. Perante uma plateia repleta de reconhecidos líderes e sobretudo cem futuros líderes, gostaria de formular a seguinte pergunta: no Rugby joga-se para trás para se chegar mais longe. De igual modo, aprendi esta semana é que no nosso PSD quando se põe um pé para trás é para ganhar balanço. Gostaria de saber qual é a sua opinião sobre esta prática para vencer na vida.

Gostaria igualmente de aproveitar para agradecer a todos os participantes da Universidade de Verão de 2011, particularmente ao nosso excelente líder Carlos Coelho. à minha equipa pelo grande espírito de companheirismo e à nossa conselheira Sofia Manso, sem a qual não tínhamos conseguido fazer os trabalhos de grupo.

[APLAUSOS]

Muito obrigado.

 
Tomaz Morais

Vocês não imaginam, eu já vou lá, não quero começar pela segunda pergunta, mas quero dizer-vos que as flexões são um exercício que devíamos fazer em equipa, todos.

[RISOS]

Eu predispunha-me a fazer novamente o recorde, mas vocês tinham de fazer comigo, em equipa. Mas não agora, não agora.

[RISOS]

Não temos espaço; não agora.

Naquele dia, ficaram registadas num minuto (algumas aldrabadas) 82 flexões de braços.

[APLAUSOS]

Estão a ver? Aprendi com essas flexões, que mais do que o volume muscular, é a velocidade com que se executa o movimento, isso é que é importante. O que é que isso me ensinou? Que a velocidade com que nós fazemos as coisas, a velocidade com que nós executamos, a velocidade com que nós pensamos, tem de ser o nosso ritmo, nós temos de ter um ritmo ao fazê-lo. Muitas vezes queremos pensar e fazer ao ritmo dos outros. Essas flexões estavam de acordo com a forma que eu vivia, com a minha dinâmica, com a minha forma muscular, de estar, portanto, com muito treino. Mas não tive dificuldade em fazer as tais flexões. Os jogadores mais pesados não conseguiam, não conseguiam transportar o peso com tanta velocidade.

É bom vocês sentirem Desporto, exercício, eu dar-vos motivação também para, enquanto jovens, continuarem a cuidar do vosso corpo.

É médica, não é? Soube que era médica. Função nobre. Sabe que eu uma vez por ano, vou aos alunos do primeiro ano em Santa Maria, falar-lhes em saber estar como equipa, estou ali uma manhã com eles e porquê? Por uma razão, porque o Rugby está muito próximo da Medicina, nós lesionamo-nos muito.

[RISOS]

Eu, com tantas lesões que tive, fui percebendo que a Medicina precisa de trabalhar melhor em equipa, sempre, e quando me convidaram foi o Doutor Gomes Pedro, professor, eu fui a correr e disse: eu vou com tanta energia, que todos os anos quero vir cá, porque têm que me deixar passar a minha mensagem a estes alunos: os médicos têm de trabalhar em equipa. É fundamental, para nós que estamos nas vossas mãos, portanto, isto um aparte.

Avançando um bocadinho, os valores pedagógicos com que nós estamos no Rugby tanto que é fazê-lo como uma parte o nosso desenvolvimento enquanto pessoas e não como um fim em si, permite que todos os educadores, todos os treinadores e todas as pessoas que estão à volta da modalidade, olhem para o Rugby como um acrescento à pessoa e não como o seu objectivo máximo. Isso dá em que sejam educados a estudar, sejam educados a trabalhar. Eu dava há bocadinho o exemplo, nas nossas academias que temos da Federação, onde temos no Porto, em Coimbra, em Lisboa, temos vários jovens que estão durante a semana a estudar e a treinar connosco. Pois, se eles não tiverem boas notas escolares nós convidamo-los a sair da academia, é o primeiro compromisso que eles assinam connosco. Bons estudantes e bons alunos primeiro e vão de certeza ser bons jogadores, não tenham dúvida. É uma aposta que não é minha, é uma aposta que já vem de há muitos anos na modalidade e felizmente ma passaram, ma transmitiram, podemos fazer Desporto ao mais alto nível e fazer os cursos de Medicina, de Engenharia, de Direito, mesmo que muitas vezes mal compreendidos, ou pessimamente, pelos professores e pelos colegas.

Bom, mulheres líderes, os homens que se preocupem, eu digo-vos porquê: porque tenho quatro mulheres em casa e sou um pau mandado.

[RISOS]

A única pessoa que olha para mim é o cão.

[RISOS]

É o único, é o único que eu consigo liderar naquela família, de resto ando a toque de caixa, não tenho qualquer possibilidade.

Portanto, eu que me proclamo um treinador, em casa "está quieto!” Peço para jogar, posso jogar um minuto?

[RISOS]

Portanto, as mulheres sabem liderar muito bem, têm um instinto dentro delas que as leva a saber muito bem como executar essa acção.

A bola passa-se para trás no Rugby, ou para o lado, só que no Rugby ninguém pode estar parado e eu quando recebo uma bola tenho de estar com dinâmica, tenho de ir a correr com essa bola e ao recebê-la para trás, dá ideia que eu estou a passar para trás, mas o transportador da bola está a passa-la para a frente. Portanto, não há dúvida que o Rugby está perfeitamente no pensamento que vos foi transmitido, de que nós não podemos dar dois passos atrás, temos que dar não-sei-quantos à frente. Como é que era? "Um passo atrás para ganhar balanço”. Portanto, nós passamos a bola para trás, claramente, para chegar mais longe, não tenham dúvida nenhuma. A regra é assim instituída, o que permite que quem tenha a bola na mão tenha sempre que avançar. O primeiro princípio do Rugby, para todos os jogadores, é avançar com a bola. Todos eles, um centímetro que seja, têm de avançar, pois esse é um grande princípio de vida: avançar!

[APLAUSOS]

 
Dep.Carlos Coelho

Terceiro bloco de perguntas: Frederico Almeida Nunes do Grupo Rosa e Filipe Sanches do Grupo Laranja.

 
Frederico Almeida Nunes

Boa noite a todos. Boa noite, Dr. Tomaz Morais.

Antes de mais, em nome do Grupo Rosa, gostaria de agradecer à nossa conselheira, a Catarina Rocha Ferreira, que desde o primeiro dia fez questão em ajudar e aconselhar este grupo. Catarina, a ti, um muito obrigado.

[APLAUSOS]

A pergunta que o Grupo Rosa decidiu fazer ao Dr. Tomaz Morais é a seguinte: se fosse um membro do Governo, responsável pela área da Juventude e do Desporto, qual a primeira medida que tomaria?

 
Filipe Sanches

Ora, já que estamos numa de agradecimentos, eu queria também agradecer ao nosso conselheiro Tiago Alves, pelo seu apoio, dedicação e colaboração, foi incansável, o nosso muito obrigado.

[APLAUSOS]

Quero salientar também que tive muita sorte por ter tido a companhia dos elementos da minha equipa, todos tinham as suas características singulares, mas trabalhámos todos juntos sempre, com um enorme espírito de coro em todas as tarefas, todos deram sempre o seu input, acho que foi uma experiência muito proveitosa para todos.

[APLAUSOS]

Gostaria também de felicitar o Dr. Tomaz Morais, posso-lhe dizer que já assisti a intervenções das mais variadas, umas técnicas, outras mais ideológicas, e hoje queria dar importância à sua, pois nos transmitiu uma coisa muito importante que são os valores, os valores de um líder. Eu tinha três ou quatro perguntas para fazer, mas realmente a sua intervenção respondeu a todas elas.

A uma nota mais pessoal, gostaria de saber qual é a melhor qualidade que reconhece no nosso Primeiro-Ministro, o Dr. Pedro Passos Coelho.

 
Tomaz Morais

Muito bem, ainda só vamos na sexta, à décima vou ter mesmo de fugir.

[RISOS]

De Cascais, de um líder de Cascais, só podia vir uma pergunta difícil. Aquilo é uma terra difícil. Eu sou de Cascais. Aliás, sou de Carcavelos, que em relação ao concelho de Cascais para quem não conhece sempre foi tratado como a fronteira. "Eles são mais de Oeiras do que de Cascais”...

Mas é giro que os jogadores que havia mais incisivos, no meu tempo, a jogar no Cascais que era uma equipa de campeões, ganhavam muita coisa, eram jogadores de Carcavelos e Carcavelos tinha um bairro muito complicado, que era o Bairro das Marianas, um bairro social, que tinha um rio que lá passava e que cheirava muitíssimo mal e quando nós entrávamos no balneário, eles diziam sempre: "lá vem a fossa das Marianas”.

[RISOS]

Eram os jogadores que vinham de Carcavelos e ficámos conhecidos como os jogadores da fossa das Marianas, porque eles tinham respeito dentro do balneário.

O Desporto é uma área nobre, acaba por ter um sentimento muito grande de todas as pessoas, aquelas que gostam mais e que gostam menos, porque o Desporto é associado a muita coisa: ao rendimento, à área lúdica, ao exercício, aparte intelectual, hoje em dia como ninguém, é associado aos valores, acaba por ser um elo de ligação. Ora, vejam bem, Desporto é a grande montra, hoje em dia não podemos ir para uma batalha sem poder levar um cavaleiro com uma bandeira. Hoje em dia quem representa a imagem de um país, muitas vezes, são os desportistas, é aquilo que os desportistas fazem quando representam nos jogos olímpicos, nos campeonatos do mundo, nos torneios, enfim, nas coisas mais simples, quando estão com o nosso escudo, com a nossa bandeira, com o nosso hino nacional, com as nossas cores, são claramente uma imagem do nosso país, nós temos de sentir que quando eles estão lá e ganham, nós ganhamos, quando eles perdem, nós perdemos. No Desporto, eu já fui ao mundo inteiro com o Rugby, todo, já percorri tudo. Vocês não imaginam, o que os portugueses que estão nesses cantos do mundo, que nós nem imaginamos, com as profissões mais variadas, sentem quando nós entramos em campo, eles sentem-se lá dentro, a maior parte nem sabe as regras, ou nunca viu, mas jogam connosco.

Portanto, o Desporto tem de ser visto muito assim dessa forma. Se tivesse essa oportunidade, enfim, não a procuro minimamente, mesmo nada, tentaria construir mais do que uma política, tentaria construir uma acção prática que pudesse levar a que de uma vez por todas, nós quando tivéssemos uma conversa sobre Desporto alguém não dissesse "em Portugal não há cultura desportiva, em Portugal não há cultura desportiva”. Temos campeões do mundo, temos campeões da Europa e não temos cultura desportiva, porquê? Porque nós sentimos que os nossos filhos entram em casa e não sabem as regras dos jogos, não conhecem os valores do Desporto, não conhecem os benefícios do exercício.

Era por aí que eu começava e ía lá bem abaixo, ía tentar passar Desporto às pessoas, nas Escolas, nas acções sociais, nos bairros sociais, tentaria ajudar os jovens mais carenciados, com mais dificuldades, para terem um caminho na vida, no Desporto, dava-lhes um projecto desportivo para a mão, era por aí que eu ía, não ía tanto pela bandeira do país, pelo alto rendimento, ía pelas bases. Ía tentar então parar com essa velha questão de que não temos cultura desportiva. Era essa a medida que eu talvez fizesse, não sei, estou a dizer porque nunca vou lá estar e não é essa a minha função, é sempre mais fácil falar, é sempre mais fácil nós dizermos isso quando não estamos, quando não temos aqueles dossiers todos à frente, são funções muito complicadas nas quais um dia vocês vão estar. Portanto, treinem, treinem, treinem.

Segunda pergunta, qualidade. Vou contar uma pequena história só, rapidamente, para responder à vossa pergunta.

Ouvi uma coisa muito importante neste grupo, que é: "somos todos diferentes, percebemos esta semana que somos todos diferentes”. Pois eu treinei dois génios, entre muitos, treinei dois, que me marcaram muito para a vida, gosto imenso deles, imenso. Um deles quando olhei para ele pela primeira vez disse "este não vai lá, vai para o banco” e o outro, olhei para ele e disse "eu gostava de ser como ele”. É um monstro de músculo, fisicamente bonito, tudo com facilidade, eu disse "este vai ser o melhor jogador português” e depois foi precisamente o contrário. O irmão nunca precisou de uma palavra minha, de uma motivação minha, de uma orientação muito precisa minha, o que eu dava à equipa chegava para ele, durante muitos anos foi o melhor jogador português, o irmão passava um ano, passavam dois, passavam três e nós sempre na esperança, nunca desistimos dele. Depois, no ano passado para mim foi o melhor jogador português. O que é que eu aprendi? Primeiro, compreendi que em equipa nunca devemos desistir das pessoas, as pessoas são todas boas, a nossa equipa é boa, é melhor que as outras, não olhem para a equipa do lado a dizer que eu quero que venham todos para a minha, a nossa equipa tem pessoas de qualidade, a nossa liderança, a influência que exercemos em cada pessoa, a forma como conhecemos cada um, a forma como olhamos todos os dias para cada um, a forma como comunicamos todos os dias com cada um, a forma como eles sentem que nós nos preocupamos com eles vai fazer deles pessoas melhores, ok?

[APLAUSOS]

 
Dep.Carlos Coelho

Quarta ronda de perguntas: Gonçalo Rodrigues do Grupo Amarelo, Diogo Antunes do Grupo Bege.

 
Gonçalo Picarote Rodrigues

Boa noite, Dr. Tomaz Morais, devo confessar que sou um ex-praticante de Rugby, joguei quando era mais novo, é o meu desporto de eleição e há quatro anos que tenho esta pergunta para fazer, mas antes gostava de agradecer o nosso conselheiro, o Jorge Varela, pelo seu apoio, pela sua dedicação e pela sua preocupação.

[APLAUSOS]

Bem, a pergunta é a seguinte, não é muito longa: o que é que se diz aos jogadores, quando está no balneário e estão prestes a entrar no campo, a jogar contra a Nova Zelândia, como é que os motiva? Mas peço um exercício metafórica, imagine que em vez de estarem quinze em campo estão dez milhões e a Nova Zelândia é a Crise.

Obrigado.

 
Diogo Antunes

Boa noite a todos, boa noite à mesa. Boa noite, especialmente ao Dr. Tomaz Morais, que nos deu o imenso prazer de nos receber neste jantar. Antes de mais, queria agradecer, eu e o Grupo Bege, ao

nosso conselheiro Jorge Varela por toda a ajuda que nos deu nesta semana de intenso trabalho e, claro, a todos que fazem parte desta Universidade e que tanto trabalho têm para nos proporcionar esta maravilhosa semana.

Tendo em conta que a maior parte dos seus jogadores não jogam Rugby como profissionais, como é que é feita a gestão de uma equipa cuja actividade principal diária não é o Rugby e que por isso nas respectivas equipas com que tem que lidar nas suas equipas de Rugby e Selecção têm que lidar com as respectivas profissões.

 
Tomaz Morais

Aqui no grupo da pergunta sete temos um porta-voz de Santarém, é verdade. Bem, eu de Santarém guardo uma imagem fantástica, convidaram-me para ir lá às festas e disseram-me que havia lá uns bichos para agarrar. Primeira coisa que fizemos foi exactamente ao contrário do que fazemos no Rugby, comemos e bebemos até partir, depois olhámos lá para baixo e vimos muita gente e vimos um bicho a correr. A nossa preparação física era tanta que achámos que era uma coisa pequena. Lá fomos nós e o entendido da coisa, o treinador, disse assim: "ó, Tomaz, tu vais a número dois”. Ele vai à frente, ele deve ter ido lá para trás e tu vais a número dois e o meu espírito voluntário foi tão grande que fui. Pois bem, passei o resto da noite no hospital de Santarém, conheci o hospital todo, foi a minha visita a Santarém, adorei Santarém. Gostei imenso de Santarém.

[RISOS E APLAUSOS]

Pois bem, falar a dez milhões. Aquilo que se passou no jogo com a Nova Zelândia – eu vou tentar criar-vos aqui uma analogia e vou-vos tentar responder à pergunta – era um jogo muito especial, um jogo de uma vida, acredito que o desafio que o nosso Primeiro-Ministro está a viver neste momento seja o desafio de uma vida, talvez ele nunca acreditou, nessa vossa idade podia ter essa ambição, mas não acreditava que um dia pudesse vir a ser, vê-se que é a sucessão de uma vida, a sucessão do que nós fazemos e a acção boa que nós temos que nos leva a sermos quem somos e a atingirmos lugares de grande destaque.

Quando estávamos no jogo com a Nova Zelândia, eu olhei para a equipa de manhã, no hotel, eu estava a viver um momento particularmente difícil porque tive uma filha minha que nasceu nesse período com problemas gravíssimos, entre a vida e a morte, eu estava meio lá, meio cá

Quando acordámos para esse jogo a primeira coisa que eu quis fazer foi aquilo que eu gosto de fazer: exercício físico. Saí de manhã a correr com o fisioterapeuta, grande conselheiro, grande coach, e eu perguntei-lhe: "E hoje?”. Ele disse-me: "Hoje? Estás a brincar ou quê? Hoje jogamos para o mundo inteiro”. Não são só dez milhões, o mundo inteiro vê jogar a Nova Zelândia e nós hoje vamos ter oportunidade de jogar contra a Nova Zelândia, trabalhámos mais do que ninguém, estamos aqui por mérito próprio, ninguém nos deu nada. Eram mais os que não acreditavam do que os que alguma vez nos disseram que acreditavam. Olhou para mim e disse-me: "Sê tu mesmo”, assim com esta expressão. "Esquece os power points, esquece imagens de vídeo, fala-lhes como falaste como te vi no primeiro dia a entrar no balneário daquela equipa; esquece os papéis”. E assim foi, eu pensei, corremos, tomámos o pequeno-almoço, fizemos os exercícios com a equipa e quando chegámos ao balneário olhei para eles e disse: "Não vos posso mentir, mas posso ser ambicioso” e perguntei o que é que nós hoje podemos fazer no jogo com a Nova Zelândia? E a resposta veio nos olhos deles. Independentemente do resultado, podemos sair de cabeça levantada. Independentemente do resultado, podemos, cada um de nós dar o nosso melhor e podemos ser objectivos. Então, traçámos ali pequenos objectivos, ficaram escritos num papel que depois foi connosco para o balneário. O primeiro objectivo era durante vinte minutos fazer crer a todos os espectadores que nós tínhamos condição para jogarmos de igual para igual contra eles. A equipa aceitou esse objectivo, "a partir daí logo vemos, mas vinte minutos são nossos”. Segundo objectivo, muito ambicioso, mas realista, vamos sair na frente, vamos marcar primeiro, vamos pôr o mundo a olhar para nós durante uns momentos, vamos pôr o mundo a olhar para Portugal, pôr o mundo a dizer "há Rugby em Portugal, eles também sabem mexer naquela bola esquisita”. Terceiro objectivo, muito construído: "Vamos marcar um ensaio”. Aí, já me disseram, "como é que é?”, a equipa dividiu-se. Aqueles que jogam nas linhas atrasadas disseram: "vamos, passem-nos a bola que nós marcamos” e os avançados não. "Vamos enganá-los, eles não estão à espera que nós joguemos pelos avançados, vamos construir o ensaio pelos avançados”. Rapidamente, tínhamos ali um choque dentro da equipa, uma reunião final para o jogo, eu deixei-os discutir um bocadinho e disse: "Bom, vamos marcar o ensaio pelos avançados”. Foi uma traição para as linhas atrasadas, eu sempre joguei pelas linhas atrasadas. Eles: "Epá, Tomaz, o que é isto, pá? Agora retirou-nos a confiança?”.

E o último objectivo era claramente que eles não ultrapassassem os cem pontos. Se isso acontecesse, íamos festejar como se tivéssemos ganho. Saímos assim da reunião de equipa, mas saímos juntos, o mais importante, quem não jogou, quem não foi convocado para o jogo, quem entrou de início, a equipa técnica, todos juntos. Todos juntos, pois essa é a mensagem que eu posso passar. A maior parte dos objectivos, à excepção dos cem pontos, foram atingidos. Estou convencido que muitas das medidas que estão a ser implementadas vão ser atingidas, mas algumas não vão ser. Mas tenho de as traçar, temos de acreditar nelas, temos que as meter em cima da mesa.

As acções do dia-a-dia vão convencer os dez milhões que estamos no caminho certo. Só assim podemos pensar, se realmente acreditamos nelas; nós só podemos implementar esses objectivos e essas medidas se realmente acreditamos neles. Se assim é, não tenho dúvida nenhuma que os dez milhões vão acreditar que estamos a caminhar para um sítio melhor, não tenho dúvida, era o que eu fazia, não com palavras, mas com acções e mais, sentir que quem está a liderar está a fazê-lo para os outros, penso que esse é o maior exemplo que os portugueses agora querem. Eu quando estou em minha casa e quando olho para os meus líderes, quero que eles me mostrem o caminho, quero ver deles o maior dos exemplos, práticos, portanto está respondida a minha pergunta: fomos para o jogo da Nova Zelândia para sermos Portugal e aquilo que eu lhes disse, no final, foram as minhas únicas palavras, foi "hoje é por nós, por todos, por Portugal, bora!”.

[APLAUSOS]

A parte da gestão da equipa, das profissões, é um bocadinho mais simples de responder, foram mais meus amigos. Aquilo que nós fizemos é aquilo que um líder tem de saber fazer com a sua equipa, ninguém lidera sozinho, é um erro nós pensarmos que liderarmos sozinhos. Dentro da nossa equipa temos vários líderes, temos até líderes invisíveis, esse fisioterapeuta que eu falei é uma pessoa que tem características de liderança muito grandes: sabe ouvir muito bem, sabe ouvir muito bem, sabe estar com os outros, sabe ser confiável aos outros, sabe transformar os outros e não precisa de aparecer na fotografia, até nem gosta muito, é um grande líder invisível. Isto para vos dizer que com esses líderes invisíveis comigo, traçámos um plano e quem lidera tem de traçar um plano, quem lidera tem de ter um plano e esse plano era de integração de jogadores. Isto é, quando é que nós podemos treinar de forma a não prejudicar a vida de cada, jogadores a vir de Coimbra, do Porto, outros de França, outros de Itália, outros de Inglaterra e jogadores que não podiam atrapalhar as suas profissões.

Encontrámos um plano, pusemos esse plano em cima da mesa, havia que executá-lo. Portanto, treinávamos às sete da manhã para que os trabalhadores, a maioria, pudessem ir trabalhar às oito e meia e depois voltávamos a treinar à hora do jantar, ao final da tarde, mas só fazia sentido se todos pudessem cumprir o plano, havendo um que não pudesse cumprir esse plano, não servia, e assim foi. Preocupámo-nos imenso com o rendimento deles dentro do campo, mas sempre preocupados com a sua vida pessoal, sem influenciarmos, sem nos envolvermos, mas sempre a saber como é que ela estava a correr e como é que nós podíamos ajudar.

Dou-vos um exemplo muito claro, muito engraçado, cinco meses nos leva a reflectir e talvez seja uma das razões pelas quais vocês estejam aí sentados. Resolvemos, durante cinco meses tirar os jogadores do seu meio profissional e do seu meio estudantil e dar-lhes um pocket money para que eles pudessem treinar como profissionais durante esse tempo. As empresas privadas receberam-nos de braços abertos, de braços abertos! A empresa pública foi a única que não autorizou, a pessoa que lá estava, a fazê-lo, não percebeu que ía jogar por Portugal, se bem que a empresa pública trabalha para Portugal. Acho que há que criar essa sintonia. Portugal não são eles, Portugal somos nós.

[APLAUSOS]

 
Dep.Carlos Coelho

Senhor Dr. Tomaz Morais, nós temos uma tradição na Universidade de Verão que é por uma razão de cortesia deixar a última palavra para o nosso convidado e, portanto, na sequência deste último ciclo de perguntas a última pessoa a usar deste microfone será o nosso convidado, pelo que esta é a oportunidade que eu tenho para dizer duas coisas. Primeiro, como é a última noite, sei que alguns de vós quererão passear na Feira Medieval de Castelo de Vide, até porque hoje não chove e queria pedir-vos apenas que não esquecessem que amanhã às dez da manhã temos a sessão de avaliação. A vossa opinião é fundamental para nós podermos melhorar esta iniciativa para as próximas edições e portanto às dez da manhã vamos contar com o vosso testemunho qualificado de quem passou aqui uma semana e que vai responder a várias perguntas na sessão de avaliação.

E depois para vos dizer que a sessão de encerramento pela primeira vez não vai ter lugar neste hotel, decidimos experimentar uma situação nova, vamos fazer a sessão de encerramento do outro lado da rua, num antigo convento.

Dito isto, agradeço ao Dr. Tomaz Morais o sacrifício que ele fez, veio de propósito para aqui, a seguir regressará e vamos dar a palavra aos dois últimos perguntadores que são: o Afonso Meireles do Grupo Roxo, grupo a quem agradeço o convívio simpático durante esta noite no jantar, e o Jorge Barbosa do Grupo Encarnado.

 
Afonso Meireles

Boa noite a todos, especialmente ao Dr. Tomaz Morais.

Antes de mais, eu quero fazer um agradecimento público ao nosso conselheiro e amigo Paulo Pinheiro, à minha equipa, com quem tenho o prazer de partilhar a companhia durante esta semana e a todos vós e ao staff que fez e tornou este projecto possível, obrigado.

[APLAUSOS]

Agora vou directo à questão: Dr. Tomaz Morais, aquela imagem de vermos, salvo erro, quinze jogadores de Rugby a cantar o hino como se não houvesse amanhã, desculpem a expressão, foi uma imagem que nos marcou e disso não tenho dúvidas, posso dizer que é uma das imagens desportivas do século. O que é que de facto aconteceu nesse dia para que esse grupo de jogadores cantasse o hino exactamente como se não houvesse amanhã e representasse acima de tudo os dez milhões de portugueses que fazem parte de Portugal?

Obrigado.

 
Jorge Barbosa

Boa noite, Dr. Tomaz Morais, peço imensas desculpas por não começar agora a falar consigo, mas tenho mesmo de fazer um grande elogio à nossa conselheira, a conselheira do Grupo Encarnado, a Catarina Rocha Ferreira, a quem vamos oferecer aquela flor num gesto simbólico.

[CATARINA! CATARINA!]

Agora sim, agora também quero aproveitar para agradecer a três grandes líderes, a começar pelo Dr. Tomaz Morais que muito nos honrou, por tudo o que fez nas nossas Selecções Nacionais de Rugby, ao nosso líder da JSD, Duarte Marques e ao líder desta Universidade de Verão, o deputado Carlos Coelho.

[APLAUSOS]

Agora sim, a pergunta ao Dr. Tomaz Morais: eu sou do concelho de Matosinhos, que neste momento está a preparar-se para gastar sete milhões e meio de euros em dois estádios de futebol e eu que sou completamente a favor do desporto escolar e defendo menos dinheiro para os desportos profissionais pagos pelo Estado, gostava de saber qual é a sua opinião sobre os apoios estatais que o Rugby tem a menos que o Futebol e dos apoios que as modalidades amadoras têm em relação ao Futebol.

Obrigado.

 
Tomaz Morais

Muito bem. Isto não é uma placagem, é uma gravata.

[RISOS]

Gravata é a placagem ilegal, é aquela em que levamos cartão encarnado e somos expulsos: "rua, não joga mais”. É isso que vocês querem, é pôr-me na rua.

Bom, a nona e a décima pergunta, ou seja, vocês gostam de ver meninas a chorar. Aqueles matulões chorarem como meninas marcou-vos. Pois eu estava sentado lá em cima, no camarote onde os treinadores têm de ver o jogo e recebi uma mensagem de um grande amigo que jogou comigo e disse-me assim – nunca mais me esqueço desta mensagem – "ó, Morais, dá um grito lá para baixo e pede àquela rapaziada para parar de chorar que até parece mal, eles estão cheios de medo” e eu ri-me, foi o melhor que eu podia fazer naquele momento. Mostrei ao treinador argentino que estava ao meu lado, ao treinador australiano e riram-se todos, foi um momento muito giro. E quando olhei lá para baixo aquela equipa a cantar daquela forma, é exactamente a imagem, era o retrato, era a figura daquilo que tinha sido a nossa qualificação para o Mundial, sacrifícios atrás de sacrifícios, uns que ficaram para trás, uns que não acreditaram, uns que apareceram à última da hora, conflitos resolvidos, conflitos por resolver, conflitos nunca resolvidos, idas a Krasnoyarsk, lá na Sibéria, para jogar com a Rússia perante quarenta mil militares e nem uma bandeira portuguesa, eles a chorarem da mesma forma, só que ninguém viu; com idas ao Uruguai onde eu tive o azar de dizer aos jogadores depois da vitória de estarmos qualificados para o Mundial "partam a loiça toda e amanhã estejam às dez horas no aeroporto”, eles partiram mesmo tudo...

Portanto, isso foram as emoções de uma equipa, nós estarmos dentro de uma equipa, é nós sentirmos a equipa, é nós termos a força da equipa, é nós estarmos lá. É estarmos lá e aquilo que nos levou a chorar naquele momento foi todo esse percurso, foi quando nós estarmos em França, sentirmos a comunidade local a apoiar-nos no primeiro treino que fizemos em solo francês, não só tivemos a visita do Dr. Durão Barroso, como tivemos dez mil portugueses residentes que se deslocaram de todo os lados de França, como quando descemos para ir jogar a cem quilómetros no primeiro jogo com a Escócia, nos últimos dez tivemos um corredor de portugueses a receberem-nos, a aplaudirem-nos, ou no autocarro que não se ouvia uma mosca, ía tudo com o coração aos saltos, pulsações a muito, a muito, todos arrepiados, arrepiados da cabeça aos pés. Eu só me lembro é arrepio, arrepio, não passava o arrepio. Entrámos no estádio e o capitão a olhar para eles, ainda de fato a entrarem no balneário e o capitão a dizer assim: "viram, estamos cá, é real, é real, temos valor para estar aqui”. Depois o vídeo que ele mostrou à equipa, no plasma, antes de entrarem para o campo e o facto de eles olharem para a bancada e sentirem-se Portugal, levou-os talvez a perder o controlo das suas emoções e a sentirem o hino nacional como deles, pode ter sido isso, nunca lhes perguntei. Agora, não foi treinado, não tínhamos tempo para treinar hinos, não foi ensaiado, não tínhamos departamento de marketing ou comunicação, portanto, foi natural, se foi um produto, foi um produto natural.

Desporto escolar, Futebol. Essa é a pergunta que eu já sabia que, enfim, está em cima da mesa, muito fácil: o Futebol se é profissional, se gera receita, se movimenta milhões, então tem de ter o seu fundo de maneio próprio, tem de ter os seus investimentos próprios, não pode depender tanto do apoio estatal. A pergunta tem uma resposta fácil, muito fácil, tem de ser simples, portanto há que olhar e dizer assim: se calhar o Futebol consegue neste momento gerar receitas que muitos mecanismos do Estado não conseguem, portanto eles têm de gerir melhor aquilo que geram e se calhar têm de ter menos do Estado, não digo que se corte tudo, o Futebol também é Desporto, representa-nos e bem a imagem do país, atenção a isso, o Futebol é um rendimento para o país, é um produto que nós não podemos calcular ao máximo quanto é que ele rende quando ele ganha, mas é um grande produto onde podemos investir, podemos se calhar é gerir melhor aquilo que investimos no Futebol, mas não deixar de investir no Futebol, não é justo, não é leal, não boa política nem boa estratégia. Agora, talvez perceber que se nós dermos mais uns pozinhos só, algumas gotas de água, a algumas modalidades, vamos ter resultados – não falo no Rugby, antes pelo contrário –, muito bons resultados, mas mais do que isso diria que temos de dar mais oportunidade de prática aos jovens. Recordo que eu há trinta anos – pensava que era mais da vossa idade – joguei Futebol, fiz boxe, nadei, fiz Rugby, nunca paguei para fazer desporto, um cêntimo que fosse, a não ser o comboio para ir para os treinos. Chegava lá davam-me o equipamento, uma sandes, um Sumol, ensinavam-me a jogar, ensinaram-me a ser aquilo que eu sou, custou zero. Hoje em dia é quase impossível nós queremos dar prática desportiva aos jovens fora da escola pública e não termos de pagar para que eles o façam.

Se calhar, temos mesmo que começar por aí, mais desporto escolar, mais educação física, mais controlada, mais supervisionada, com medidas mais rigorosas de trabalho dos professores, talvez tenha de ser por aí, porque eles são grandes professores, trabalham às vezes como podem, eu trabalhei na escola, vi aulas de educação física em sítios impensáveis, mas a serem dadas e os jovens a fazerem exercício.

Nunca vi ser deixada de dar uma aula por falta de condições de prática, na escola onde eu trabalhei tive esses bons exemplos da escola e mais, a grande percentagem dos meus alunos – tive cá muita sorte na vida, sou muito optimista – vinha para a aulas de educação física com muita alegria e as aulas de educação física eram boas para preparação das aulas de Matemática, eram um bom tranquilizante para os alunos, era um bom meio de eles poderem estar com os outros, eram um bom meio de partilha. Portanto, penso, já o tinha referido há pouco, é uma medida com certeza mais que pensada e revista, não é nova, não é nada de novo, mas tem de ser olhada com muita força, que é vamos dar condições de exercício físico às populações, práticas desportiva aos jovens, vamos ensiná-los a competir porque a vida é muito competitiva, a vida é uma competição. Primeiro competimos por um lugar, depois de estarmos nesse lugar temos de trabalhar em equipa com as pessoas com quem competimos primeiro, já viram isto? Já viram o que o Desporto nos ensina, o que o Desporto nos dá? Quero ganhar a um companheiro meu um lugar para jogar a quem depois vou ter de passar a bola; que grande lição que o Desporto dá para todas as outras áreas.

Ok, não falo mais, vocês estão fartos de mim e com a voz de ordem que venham as festas tradicionais!

[APLAUSOS]

Não percam tempo a dar palmas, vão dançar! Se não vão vocês, vou eu com as caras bonitas que eu estou a ver.

[RISOS E APLAUSOS]