Almoço-Conferência com o Prof. Doutor António Barreto
Dep.Carlos Coelho
Senhor Professor Dr. António Barreto,
temos uma tradição na Universidade de Verão que é iniciar todos os
jantares-conferência com um momento cultural. Neste momento, V. Exa olhará para
mim e dirá "Bem, o meu relógio não está
atrasado, nem adiantado, isto não é um jantar”. Não, de facto não é. É um
Almoço-Conferência e é a primeira vez em nove anos que existe um
Almoço-Conferência na Universidade de Verão.
[APLAUSOS]
Para aqueles que estão na sala e
se perguntarão porque é que este ano decidiram fazer um Almoço-Conferência? A
explicação é muito simples: há quatro anos que eu tento que o Professor António
Barreto venha à Universidade de Verão e quando este ano ele me deu a alegria de
dizer que estava disponível, nós tivemos de encontrar uma solução para contar
com a participação deste homem fantástico nesta nossa iniciativa. Por isso, em
honra dele, criámos esta inovação, que em princípio não é para repetir, e
teremos um Almoço-Conferência na Universidade de Verão.
[APLAUSOS]
Dizia eu, que começamos sempre com
um momento cultural: trata-se da escolha de um poema e da sua leitura pelos
alunos da Universidade. De seguida, um brinde em honra do nosso convidado.
Vamos ouvir.
[Poema "Nuvens correndo no rio”,
de Natália Correia, dito pela Alexandra Rebelo e pela Ângela Caeiro do Grupo
Laranja; Poema "Sísifo”, de Miguel Torga, dito pela Laura Horta e pelo José
Miguel Vitorino do Grupo Verde]
André Marques
Excelentíssimo Reitor da
Universidade de Verão 2011, caro Secretário-Geral do PSD, caros colegas, peço
por breves momentos a vossa atenção para o presente "comunicado”.
Em 1942, viviam-se tempos assaz
difíceis, decorria a II Guerra Mundial. Felizmente a guerra acabou com a
vitória dos Aliados, terminando de vez o pesadelo Hitleriano. Por sua vez,
nesse mesmo ano, em 1942, nasceram dois vultos que ficaram na História: no
Estado americano de Washington nasceu o maior guitarrista que o Mundo já viu, o
Jimmy Hendrix e, no Porto, nasceu o sociólogo mais eminente da nossa
academia.
[APLAUSOS]
Ingressou na vida política aos 21
anos como militante do Partido Comunista Português, entre 1963 e 1970 e em 1974
aderiu ao Partido Socialista. Foi deputado em 1975 e 1987, membro do I Governo
Constitucional e o grande autor da famosa "Lei Barreto” que devolveu a
normalidade à Agricultura nacional após a tormenta revolucionária. Apoiou o
projecto da Aliança Democrática de Francisco Sá Carneiro através do Movimento
Reformador de que foi um dos protagonistas em conjunto com o preclaro
socialista Medeiros Ferreira.
Afastou-se definitivamente do PS
na década de 90.
A personalidade de que vos falo
destacou-se pelo singelo facto de se ter dedicado à investigação sociológica,
com especial incidência em temas relacionados com a evolução da sociedade
portuguesa, designadamente em tudo aquilo que contemple os mais variados
indicadores sociais, sem obnubilar as questões de Justiça, Emigração,
Socialismo, Reforma Agrária, Estado e Administração Pública, entre outros.
Em termos empresariais, em 2009,
assumiu a presidência do Conselho de Administração da Fundação Francisco Manuel
dos Santos. Convém relembrar aos mais esquecidos que António Barreto é o pai do
portal de informação estatística Pordata. Desde 2009 é também Presidente da
Comissão Organizadora do Dia 10 de Junho, nomeado pelo Presidente da República.
É comentador e cronista.
Defendeu que o Eng. José Pinto
Sousa "precisava de ser muito, muito,
severamente castigado, através da via eleitoral por ser o principal responsável
pelo estado calamitoso a que Portugal chegou, designadamente nas Finanças
Públicas e na Economia”. António Barreto foi um dos mais cáusticos críticos
deste funesto movimento político conhecido como "Socratismo”.
Em nome do Grupo Azul, é uma honra
apresentar-vos o nosso ilustre convidado deste Almoço-Conferência de hoje, o
Professor António Miguel Morais Taborda Barreto.
[APLAUSOS]
E, em sinal desta homenagem, passo
então a fazer um brinde ao Doutor António Barreto.
Dep.Carlos Coelho
Senhor Secretário-Geral do PSD,
senhor Presidente da JSD, senhor deputado Nuno Matias, Director-Adjunto da
Universidade de Verão, senhores conselheiros, minhas senhoras e meus senhores,
não sabem o meu prazer em ter o privilégio de estar ao lado do nosso convidado
de hoje.
O Professor António Barreto é das
pessoas com quem me cruzei na vida que mais respeito. Pela inteligência: é um
homem notável; pela coragem: já houve aqui a ocasião de recordar a "Lei
Barreto”, a lei da reforma agrária no I Governo
Constitucional – que herdou do PREC uma situação desgraçada na Agricultura;
devolveu lógica, não apenas sob o ponto de vista da lógica económica, mas do
respeito do Estado de Direito e, por essa razão, onde demonstrou grande
coragem, tornou-se o homem mais conhecido do País durante muitos anos e, hoje,
ainda consigo ver, nalgumas paredes que não foram caiadas, grandes parangonas a
dizer "Barreto, rua!”. Creio que em nenhum momento na História de Portugal,
tivemos tantas ruas baptizadas com o nome de uma pessoa.
[RISOS E APLAUSOS]
Depois, é um homem coerente. Eu
tive o privilégio de ser seu colega e de aprender muito com ele, fomos
deputados na Assembleia da República na mesma altura, fizemos algumas
conspirações… Parte substancial da Lei de Autonomia Universitária resultou de
um grande conflito entre uma lógica centralista do Estado e uma lógica de
responsabilização das instituições e o Professor António Barreto, eu e os
deputados da JSD na altura, conseguimos encontrar uma maioria no Parlamento para
combater algumas tentações centralistas.
Recordo-me muito de manifestações
de inquietação do Professor Barreto na altura. Dizia-me ele: "É impossível encontrar soluções para os
problemas que temos à nossa frente se nós não conseguimos fazer o diagnóstico
da realidade”. Isso demonstra o espírito de rigor, seriedade intelectual e
um inconformismo com o facto da Administração Pública não ser capaz de
fornecer, nem aos deputados da República, retratos rigorosos da situação. Nós
trabalhávamos com estatísticas que, muitas vezes, eram velhas, de doze anos.
Como é que é possível encontrar respostas políticas para problemas da
actualidade com base em indicadores de há 12 anos? Isto era algo que o
Professor Barreto me dizia há 20 anos no parlamento português e vejam a
coerência de um homem, mesmo titular de um órgão de soberania, apontando uma
fragilidade da Administração Pública. Quando lhe deram os meios, conseguiu
fazer a diferença.
A Pordata não é apenas meter
números no computador e oferecê-lo gratuitamente aos cidadãos. É a capacidade
de nós sabermos qual é o diagnóstico do País em que vivemos, a cada momento, e
podermos comparar a realidade portuguesa com a de outros países com que temos
de competir, designadamente dentro da União Europeia. E não encontro muitos
exemplos de pessoas que com 20 ou 30 anos de diferença, identificando um
problema que era necessário resolver, tenham tido a capacidade, a tenacidade, a
seriedade intelectual, de prosseguir com esse esforço.
Podemos dizer, agora, corrigindo
algo que o Professor Barreto disse sobre outra pessoa, que já foi aqui citada,
ele sim, lidera pelo exemplo, porque isto é um exemplo que fica para todos nós.
O nosso convidado tem como hobby a Fotografia; tem como comida
preferida, a Pasta; tem como animal
preferido, o tigre; o livro que nos sugere é de Tocqueville "O Antigo Regime e
a Revolução”; sugere também um filme de Visconti "Il Gattopardo”; e a qualidade
que ele mais aprecia é uma qualidade que ele tem para dar e vender: o carácter.
Senhor Professor tenho o
privilégio de lhe fazer a primeira pergunta e é muito simples: o Parlamento
Português em funções tem poderes constitucionais e esta é uma querela no
momento político – há quem considera que é necessário mudar a lei fundamental,
há quem considera que isso é meter um factor de artificialismo político e de
contundência desnecessária no nosso combate democrático. Qual é a sua opinião:
é necessária, ou não, uma reforma constitucional e em que sentido?
Minhas senhoras e meus senhores,
no único Almoço-Conferência, realizado em nove edições da Universidade de
Verão, o privilégio de termos connosco o Professor Doutor António Barreto.
[RISOS E APLAUSOS]
António Barreto
Muito boa tarde a todos, Senhor
Secretário-Geral do PSD, senhor Presidente da JSD, senhor Reitor da
Universidade de Verão, meu querido amigo Carlos Coelho. Tenho muito, muito
prazer em estar aqui. Fico muito comovido, evidentemente, que tivessem
inventado um Almoço-Conferência. Foi simpático para mim, mas impedir-vos de ter
duas horas de pausa, piscina e outros prazeres, foi um bocado injusto para
vocês.
É verdade que eu há três ou quatro
anos fui convidado para vir aqui, não calhou, não por motivos políticos ou de
qualquer ordem, simplesmente por motivos pessoais, estava fora de Portugal ou
com outros compromissos. Este ano coincidiu, pois só estou de férias daqui a
uma semana e aceitei com muito prazer, ainda por cima, convidado pelo Carlos
Coelho; nós corremos o risco de nos digladiarmos com piropos e elogios, mas eu
admiro o Carlos Coelho há 25 anos. É obra!
É verdade que estive no Parlamento
em 85 e 91. Entre muitas coisas que tínhamos de fazer, sobretudo ele, que se
mexia entre pelo menos uma dúzia de comissões e outras coisas, nós trabalhámos
bastante na área da Educação, das Universidades, da Cultura e eu fiquei a
admirá-lo, não só pela enorme energia dele – multiplica-se em iniciativas e
acções – mas também pela imaginação, que creio que ainda tem. Admiro-o também
pela capacidade de diálogo e argumentação em permanência. Eu vi o Carlos Coelho
mudar de opinião e eu mudei de opinião ao conversar com ele: isto está no
centro de uma relação política adulta, séria e construtiva – poder mudar de
opinião e poder argumentar os seus pontos de vistas e, em vez de argumentar com
os velhos lugares comuns "nós pensamos
assim”, ou "é assim porque é assim”,
nós argumentámos, fizemos algumas coisas boas juntos, intrigámos bem, cometemos
erros, juntos. Curiosamente, vocês são um pouco mais novos do que eu, pensem na
vossa vida futura, as boas amizades, sejam pessoais ou políticas, fazem-se
quando há trabalho feito em conjunto, quando há vitórias conjuntas, derrotas
conjuntas, erros conjuntos, é isto que consolida (e olhem, no amor é tudo isso,
mais o sofrimento), é isto que consolida as relações pessoais, seja na
política, seja na profissão, seja no Futuro.
[APLAUSOS]
Estes três minutos não contam, só
tenho vinte minutos e sei que a disciplina aqui é um bocadinho…
[RISOS]
Em resposta directa à pergunta do
Carlos Coelho, sobre a Revisão Constitucional, eu digo-lhe imediatamente que
sim. Considero que a Revisão Constitucional, ou a refundação da Constituição,
ou a elaboração, ou a renovação profunda da Constituição, é uma tarefa muito
urgente, muito séria, que deve ser feita de modo especial e que não deve ser
feita como no passado.
Se me disserem que estamos a viver
tempos de crise, de dificuldades, crise social, crise económica, crise
financeira, eu acrescento, "mais uma razão”. A Constituição de 76 que nós temos
foi feita num dos momentos de pior crise que Portugal jamais conheceu e foi
essa Constituição que ajudou a resolver essa crise, apesar de ter sido feita em
enormes dificuldades e em circunstâncias muito complicadas. Eu não creio que a
Constituição seja a fonte e repito, eu não creio que a Constituição seja a
fonte dos nossos problemas, a causa dos nossos problemas, não é! Nós podemos
viver com ela, já vivemos, podemos continuar a viver, eu acho que vivemos mal,
mas podemos continuar a viver. Não sou o catastrofista que vem dizer que com
esta Constituição está tudo perdido, não é verdade. Esta Constituição não nos
cria problemas, não é a causa, mas impede-nos de encontrar melhores soluções e
é por isso que devia ser aberto um período, daqui para a frente, para podermos
olhar a Constituição com serenidade.
Este Parlamento tem, durante 4
anos, poderes constituintes, poderes revisionistas que já nasceram na
legislatura anterior mas não foram utilizados e por isso repercutem-se nesta
legislatura. Eu defendo uma nova Constituição cuja estrutura, essência,
dimensão, linguagem e propósito sejam bastante diferentes da actual. Devo
dizer, que nunca fui radical, ou melhor radical fui, mas extremista não. Também
me contentarei com uma profunda renovação, pode-se fazer uma que vá bastante
longe em relação à que nós temos.
Agora, vou tentar ser telegráfico,
peço perdão mas quero deixar-vos a mensagem essencial e o tempo não é muito.
Porque é que eu acho que devemos rever?
Cinco ou seis argumentos:
1 - Muita gente se queixa de
tropeçar nas disposições da Constituição. A própria não é uma Magna Carta para estar sempre a ser
invocada a bem e a mal;
2 – A Constituição impede
políticas, impede reformas, a procura livre de soluções para muitos dos nossos
problemas. Ora, não se pode definir e praticar as políticas correntes, de todos
os dias, as políticas sociais, económicas, educativas; há muitas políticas que
não podem ser formuladas por um parlamento maioritário ou por um Governo por
causa dos travões da Constituição;
3 – A Constituição, pela sua carga
ideológica e até quase partidária, obriga a políticas muito concretas
contrárias à vontade do Soberano, tal como se mede pelas eleições, ou
contrárias às maiorias parlamentares. Não é imaginável que se possa viver assim
na procura das soluções;
4 – Condiciona excessivamente o
Parlamento e o Governo, condiciona o legislador, as novas gerações, a vossa
geração, está condicionada pela intenção ou pelo propósito constitucional expresso
há 35 anos;
5 – Transforma os debates
políticos, muito frequentemente, entre a favor ou contra a Constituição. E é
muito frequente ver-se que há um problema qualquer (económico, empresarial,
cultural, educativo) e em vez de se discutir os méritos da questão, se a
solução deve ser A ou B, o que se discute é se é contra ou a favor da
Constituição. Isto não é saudável. Nós temos de discutir os méritos das
soluções e não se são ou não contra a Constituição e, depois ir ao Parlamento,
ir aos Juízes, ao Presidente da República, pedir a fiscalização anterior. A
Constituição parece uma espécie de permanente empecilho ou permanente arma de
arremesso entre as forças políticas.
E, finalmente, por esta razão tão
simples, a frase não é minha, é de um professor há alguns anos e que não posso
citar porque foi em privado, todas as gerações têm o direito de olhar para a
Constituição. Todas as gerações têm o direito de rever a Constituição,
sobretudo quando ela é muito política, muito programática. Se fosse do tipo americano
em que são princípios duráveis, universais e de longa duração, seria diferente.
Segundo ponto, que eu gostaria de
vos transmitir, diz respeito ao Método. O método de revisão, para mim, no
actual momento em que vivemos é tão importante quanto os objectivos da revisão.
Quer isto dizer que nós corremos o risco, se for como nos anteriores, de haver
um partido que amanhã põe um projecto de revisão no Parlamento, há um prazo,
todos os partidos vão a correr para apresentarem também um projecto e começa a negociação:
tu dás-me um bocadinho de sector privado, eu dou-te um bocadinho de Aborto; tu
dás-me um bocadinho de Casamento Gay, eu dou-te Regiões Autónomas e começa uma
negociação que é tudo menos a afirmação de um Povo, de uma Nação, de uma ideia
política.
[APLAUSOS]
Porque é que o Governo, o
Parlamento e o Presidente da República não tomam iniciativas, dizendo
claramente o que pretendem? A criação, por exemplo, de uma comissão de debate,
não é uma comissão de aprovação, é uma comissão de debate sobre a Constituição,
com um mandato de um ano, para que possa discutir publicamente toda a
Constituição. Porque é que não se associam altas entidades do Estado, os
Tribunais Superiores, as Universidades, as Confederações Patronais, os
Sindicatos, as Autarquias, todas as pessoas, o Povo Português, todos eles têm a
dizer sobre a sua Magna Carta. E,
finalmente, todo o Povo, para que ninguém diga "eu não tenho nada a ver com isso”, nem o Presidente da República,
nem o Parlamento, que ninguém diga que não tem nada a ver com isso, pois todos
têm muito a ver com isso.
Evidentemente, que este debate
deveria terminar, a meu ver, num referendo, em que o Povo português votasse se
quer aquela Constituição.
Deixem-me agora aludir a alguns
antecedentes; faço-o, pois já percebi que a idade média desta reunião já é
pós-Constituição, imagino. Houve sete ou oito revisões, só duas é que foram
realmente importantes, a de 82 que limpou uma série de dispositivos
anti-democráticos que ela continha, nomeadamente a exigência de um Conselho da
Revolução, o poder político dos militares, etc., e a de 89 que limpou uma carga
colectivista e comunista, relativamente à Economia e à iniciativa privada. As
restantes, foram cinco ou seis, sobre pequenos pormenores: era preciso aderir
ao Euro, era preciso contar com o voto dos emigrantes… Deixem-me dizer-vos, com
toda a sinceridade e sem jogos de palavras, esta Constituição é uma obra-prima;
começou a ser feita em Maio/Junho de 75, Portugal queimava, estava em brasa,
estava a metros da Guerra Civil. E foi graças à Constituição que se fez durante
mais de um ano, que é um albergue espanhol, uma manta de retalhos, uma
caldeirada inimaginável, mas foi graças a esta Constituição que se salvou e se
fundou a Democracia. Nessa perspectiva é uma obra-prima e cumpriu uma função
absolutamente essencial, mas à parte disso, é uma caldeirada: é comunista, é
socialista, é social-democrata, é democrata, é corporativa, é revolucionária, é
tudo, não há uma inspiração forte, permanente, não há visão de longo prazo, ninguém
em Portugal se reconhece naquilo, senão eventualmente os quatro ou cinco que a
fizeram, que são verdadeiros engenheiros constitucionais e jurídicos.
Além disso, é uma Constituição
super defensiva. Eu só fui constituinte durante três meses, depois fui para o
Governo, para Secretário de Estado e deixei a Assembleia Constituinte. Tive a
sorte de aprovar 10 ou 15 artigos e devo dizer-vos que já não tenho idade para
me comover mas comovi-me no dia em que aprovámos a abolição da Pena de Morte,
porque de facto, apesar de se dizer que Portugal aboliu a Pena de Morte desde o
século XIX, não é verdade, pois ainda havia em casos especiais. Por exemplo em
caso de deserção militar, ainda havia em 75 e eu ver aquela aprovação – não se
pode dizer que se estava a fazer História, isso são coisas pomposas de se
dizer, mas de repente, olha, pronto, eu ajudei a acrescentar uma vírgula, mais
os 250 que lá estavam, ajudei a isto.
Esse tipo de trabalho foi
interessante, simplesmente a partir do artigo 25/28/29, a Constituição escapa
completamente, era preciso evitar os Militares, o Comunismo também, mas também
os Fascistas, os Caciques, então, a Constituição é uma espécie de compêndio de
ratoeiras defensíveis para evitar os perigos da altura. É uma Constituição
conjuntural, passageira, de circunstância. Era preciso evitar que houvesse um
militar populista; que o General Vasco Gonçalves fizeste isto, que o General
Spínola fizesse aquilo, ou o Costa Gomes fizesse algo; ou o que o Álvaro Cunhal
viesse, ou o Sá Carneiro viesse por aí afora, ou o Mário Soares; era preciso
evitar e, então, a Constituição não é de afirmação de orgulho, de um sistema
democrático, de Liberdade de nós todos; é uma Constituição totalmente
defensiva, cheia de ratoeiras, é por isso que há as discussões
constitucionalistas que vocês bem conhecem.
Dito isto, ela é barroca, é
presunçosa, ilusória, corporativa, vista hoje é um horror, não há outra
palavra, mas o principal e mais importante defeito da Constituição é que
diminui a liberdade dos cidadãos, dos seus representantes, do Parlamento e do
Governo. Por um lado, obriga as gerações actuais e futuras a aceitar, sem
liberdade, decisões de gerações anteriores, por outro lado, limita a liberdade
de escolha e de decisão dos Governos e Parlamentos para traçarem as políticas
correntes como entenderem.
Eu creio que não se deve mudar os
direitos fundamentais, do Homem e da Mulher, não se mexem de 10 em 10 anos ou
de 20 em 20 anos, porque são os princípios universais e permanentes. A maior
parte da Constituição não é feita de princípios universais e permanentes, é
feita de tácticas e estratégicas a curto prazo e de circunstância.
Quais os objectivos?
Dar aos Portugueses vivos, às
gerações contemporâneas, o direito de reverem a sua Constituição, actualizar a
Constituição no seu tempo, libertar a legislação da sua altura – há inúmeras
soluções, inúmeros exemplos, dezenas e centenas de políticas que poderiam ser
experimentadas por exemplo para resolver a crise económica e social actual e
que não podem ser, porque a Constituição proíbe de uma maneira qualquer.
O objectivo de escrever uma
Constituição para os cidadãos, para todos os cidadãos e acabar com a
fragmentação dos direitos.
Se um dia tiverem um momento, com
muita paciência e tenacidade, leiam a Constituição: há mais direitos parcelares
do que universais.
Os direitos das mulheres são às
centenas; dos jovens são às dezenas; os das crianças são diferentes dos dos
jovens; dos trabalhadores são às centenas; dos artistas; dos emigrantes; … –
isto não é uma Constituição, é um programa político.
A Constituição define direitos
universais! Não importa se é homem, mulher, criança, doente ou saudável. A
nossa Constituição deveria viver de direitos universais e não de direitos
segmentários que no fundo é para contentar clientelas – isso é o que fazem os
Governos, os Partidos, na actuação do Governo quotidiano.
O objectivo de renovar a
representação popular, nomeadamente recriar um sistema eleitoral que não exclua
cidadãos.
Vocês olham para mim, muitos de
vocês estão inscritos no PSD, JSD, são deputados, e pensam "mas a Constituição não exclui ninguém”.
Exclui. Exclui, não mais, não menos, que nove milhões de portugueses que não se
podem candidatar a eleições. Não é possível um cidadão independente, um grupo
local, um grupo de uma região, um partido regional, um partido pequenino, um
grupo pequenino de pessoas, que queiram candidatar um deputado independente, a
não ser que aceite inscrever-se num partido, ser militante independente de
barriga-de-aluguer de um partido, etc.. Isso não é igualdade de direitos. Se 10
milhões de Portugueses têm direito a eleger, os mesmos 10 milhões deveriam ter
direito a ser eleitos: as candidaturas independentes nominais é uma falta
inexplicável e injustificável na nossa Constituição. Acrescento já, sobretudo
em sede partidária ou proto-partidária como a vossa, que eu não quero que um
parlamento seja composto de 250 cidadãos independentes: é uma trapalhada,
Portugal não se governaria nunca. Os partidos políticos, as associações
políticas, os movimentos políticos, criam racionalidade às decisões e aos
programas políticos. O que eu quero é ter um meio de escolha dos partidos
políticos. Se os partidos políticos se sentirem ameaçados porque o candidato de
Fornos de Algodres, ou de Vila Real, ou de Lisboa, são maus candidatos, mal
escolhidos, porque são fiéis e não-imaginativos e não-livres e
não-independentes; se o partido tem medo dos independentes dentro de si
próprio, então os independentes correm por fora; isto obrigaria, a prazo, cinco
ou dez anos, estou convencido que isto melhoraria a saúde política e
imaginativa dos partidos políticos e que o número de deputados independentes
seria sempre ínfimo, pequenino, como é noutros casos, vão a Inglaterra, Estados
Unidos, França, Países Nórdicos, há sempre dois, três, cinco, dez, quinze
deputados independentes, mas no essencial são deputados dos partidos eleitos
nesse sistema.
Finalmente, o último objectivo:
reformar a Constituição judiciária, isto é, a parte relativa à justiça
portuguesa. Considero há 20 anos que o sistema de Justiça é o pior problema de
Portugal, político, social, económico, financeiro, é o pior problema de
Portugal. Problema para o qual os Governos do País, dos últimos 15 anos, não
têm conseguido encontrar solução. E para a Justiça não há alternativa, por isso
é o pior problema de todos. Se vocês querem casar, vender, comprar, trabalhar,
empregar, ser empregado, mudar de casa, despejar, etc., para tudo isto é
necessária a Justiça e a Justiça é pública.
É das raras funções que não deve
ser privatizada. E das mais nobres do Estado e não há alternativa, pois não
posso ir buscar Justiça a Espanha; posso ir buscar Saúde ou Educação se tiver
dinheiro; não posso ir a França ou Inglaterra para que me ajudem a resolver um
problema; não posso ir a um offshore,
um paraíso fiscal, para resolver os meus problemas de Justiça. É em Portugal
que eu tenho de resolver, com a justiça portuguesa. Eu creio que é o capítulo
em que a revisão profunda da Constituição deveria agir.
O Carlos Coelho está a contar os
minutos, já viu que fizemos exactamente vinte minutos e eu vou-me calar mas
espero que depois as vossas perguntas incidam sobre isso.
O que rever em particular?
1 – Fazer com que a Constituição
Portuguesa seja universal e que acabe com a multiplicação de direitos
parcelares, porque um direito parcelar é sempre um direito contra alguém.
Quando eu dedico 10 artigos enormes, por exemplo, aos direitos dos
trabalhadores e uma linha à empresa económica, estou a consagrar um direito
contra o outro; quando dedico 12 artigos aos sistemas judiciais e corporativos
e duas linhas ao sistema privado, estou a consagrar alguém contra alguém;
quando dedico três linhas às Pequenas e Médias Empresas – que vem na
Constituição - porque é que eu excluo as grandes? Porque é o Estado português
há-de ter uma política que é contra ou indiferente às grandes empresas; as
pequenas, as médias e as grandes empresas, fazem todas parte do tecido
nacional. Uma Constituição universal é o primeiro objectivo.
2.º O sistema eleitoral, não me
vou alargar sobre isto. Um sistema eleitoral em que todos tenham o direito a
ser eleitos nas mesmas condições, qualquer que seja a sua situação partidária
ou não.
3.º Um retoque essencial no
Sistema do Governo que incidiria sobre o facto de o Governo ter de ter o seu
programa aprovado por maioria no Parlamento e acabar com as tentações e
tentativas de governo minoritário como já tivemos no passado.
4.º O sistema de Justiça. Não vou
dar os pormenores, pois há várias coisas a fazer na Justiça, nomeadamente,
evitar que o Presidente do Supremo seja o Presidente do Conselho Superior;
eliminar os três Conselhos superiores, fazer um só; retirar poderes ao
Conselho, há vários dispensáveis; porque actualmente é um dos corpos mais
poderosos e mais distantes da legitimidade democrática, mais afastado do
Soberano e com mais poder próprio. Em Portugal criou-se um vício semântico e
político em nome da independência do juiz quando julga – princípio sagrado – em
nome disso, criou-se a independência e a auto-gestão dos juízes e isso é
inaceitável.
[APLAUSOS]
Se os juízes são órgãos de
soberania, como alguns pretendem ser, têm de respeitar o Soberano e o Soberano
é o Povo, directa ou indirectamente. Se os juízes são funcionários públicos,
como alguns querem ser, pelo menos alguns membros de sindicatos de juízes, pura
e simplesmente deveriam, não digo ser proibidos (que a palavra é feia), mas
inibidos do direito sindical. Os militares são inibidos de direito sindical e
ninguém grita, ninguém berra que os juízes também deveriam ser.
Há certamente muitas mais
formulações e objectivos globais. Estes, para mim, são os mais importantes, é
sobre estes que poderei alongar-me se quiserem. O que eu pretendo é que haja um
debate sereno, profundo, racional, sobre a Constituição; que quem dirigir e
orientar esse debate durante meses – e não de supetão, como se costuma fazer na
Assembleia – que o faça com a certeza de que o Povo está à escuta, que os
Portugueses querem saber, se lhes disserem, se lhes falarem alto, se souberem,
se puderem participar, se chamarem as Universidades, se chamarem as Empresas,
os sindicatos a colaborar no que seria uma obra histórica.
Eu gostava de sonhar com uma
Constituição positiva, orgulhosa, não-defensiva, simples, breve, que me diga
onde está a minha liberdade que é a coisa mais importante de todas; quais são
os meus direitos, deveres e garantias. Para que é que eu preciso de saber que a
Constituição também se interessa pela Crianças, de modo diferente que se
interessa pelos Jovens, Adultos, Velhos e Idosos?
É essa Constituição universal que
faria de nós cidadãos universais, além de Portugueses e com a qual eu sonha que
seria uma afirmação clara, serena e tranquila do meu País e do meu Povo. Muito
obrigado.
[APLAUSOS]
Dep.Carlos Coelho
Primeiro ciclo de perguntas: pelo
Grupo Encarnado, Pedro Pires; pelo Grupo Verde, Rogério Gomes Gouveia.
Pedro Pires
Boa tarde a todos, Professor
António Barreto, mais uma vez muito obrigado por estar aqui connosco. A minha
pergunta é a seguinte: no âmbito de uma revisão constitucional acha que uma
Constituição mais simples, com princípios mais universais e menos restritiva
poderia ajudar a combater a burocratização pela qual o Estado é tantas vezes
criticado?
Obrigado.
Rogério Gomes Gouveia
Boa tarde a todos. Professor
António Barreto, antes de mais, quero agradecer a sua vinda cá e depois também
gostava de lhe dizer uma coisa: eu considero que o Professor António Barreto
tem sido meu professor ao longo destes anos. Tem-me ajudado a perceber a
realidade portuguesa, como tem-me ajudado a ser crítico e a participar
activamente na vida política.
O Grupo Verde encontrou uma
afirmação que achou muito interessante, que é de uma entrevista dada a um meio
de comunicação, a qual eu passo a ler: "Os
políticos devem exprimir-se com verdade, pois os Portugueses merecem ser
tratados como cidadãos livres e não apenas como leitores resignados e
contribuintes inesgotáveis”.
Nós sabemos que hoje a política
portuguesa baseia-se em confrontos políticos entre os partidos, agressividade
e, muitas vezes, mentiras. Essa é uma das razões que os Portugueses se estão a
afastar da política e cada vez mais desacreditam da mesma. O que acha que vai
acontecer à vida política portuguesa se os políticos continuarem com essa forma
de o fazer?
Obrigado.
António Barreto
Eu estou mandatado a dar respostas
curtas.
Grupo Encarnado, a Burocracia. Eu
creio que uma boa revisão constitucional poderia contribuir, não é o seu
objectivo mais importante de todo, mas poderia contribuir. Poderia, por
exemplo, esclarecer, de uma vez por todas, a questão da Regionalização ("ou
sim, ou sopas”). O que está é ridículo: há distritos, não há; há Governadores
Civis, mas não há; em que situação é que nós vivemos? Neste domínio, algumas
coisas poderiam ser mudadas e ter um resultado positivo. Vou-lhe dar outro
exemplo (queria dar há bocado, mas estava um bocadinho apressado). Eu sou da
opinião pessoal (tem o risco de estar errada como qualquer outra) favorável ao
desmantelamento do carácter unitário e integrado do sistema educativo
português. Isto é, uma redução das funções do ministério da educação,
praticamente ao mínimo indispensável, que é o orçamento nacional, do currículo
nacional e a função da inspecção, creio que no essencial é tudo, e que as
Escolas sejam entregues – depois podemos discutir a quem – às comunidades
locais.
O que são as comunidades locais?
Podem ser as autarquias, os pais, os professores, ou uma junção deles todos.
Não pensem que estou a sonhar. Ou, antes, para Portugal, estou a sonhar. Há
hoje, centenas, milhares, de escolas em vários países do Mundo que perceberam
que há 10/20 anos bateram na parede, que tinham situações muito más, tão más
quanto nós, e começaram a pensar serenamente novas Escolas. Há hoje em
Inglaterra, o movimento das Academies,
das Free Schools e das Charter Schools na Inglaterra e nos
Estados Unidos. E, atenção, não pensem já: "está a privatizar tudo”? Não, não
está a privatizar tudo. A maior parte das Free
Schools e Charter Schools que
existem na Inglaterra, Holanda, Suécia, Finlândia, Noruega e Estados Unidos, de
que toda a gente fala e ninguém cá de Portugal foi ver, são escolas públicas
que se candidatam a receber do Estado o financiamento. Os professores são
recrutados pelas escolas, uma parte do currículo pode ser determinado pela
escola, é ela quem faz os seus próprios objectivos e faz a sua própria
avaliação.
Qual Ministério da 5 de Outubro,
qual carapuça! Isto é totalmente impossível de fazer com a constituição que
temos. Mesmo tentar empiricamente encontrar novas soluções para a Saúde,
Educação, Segurança Social e, portanto manter esta Burocracia, no sentido de
poder de Estado, poderia haver muitos casos de soluções em que melhorariam a
gestão e combateriam a burocratização, pelo menos indirectamente.
Quanto à pergunta Verde, eu não
lhe posso dizer onde é que vamos acabar. "Onde é que isto vai dar?”, é a
pergunta que se faz muitas vezes. Eu vou (agora diz-se muito partilhar coisas
com os outros) também partilhar convosco qualquer coisa. Sou muito optimista,
comigo próprio, com a minha vida, sou optimista em geral, mas tenho a reputação
de ser céptico, de ser pessimista, não sei porquê. Pela primeira vez na minha
vida, eu sinto que a próxima década vai ser má (isto é, a década que começou
hoje) e que vai haver outra década boa, mas já não estarei cá, já tenho 70
anos, é o que acontece às pessoas.
Porque toda a minha vida eu pensei
"a seguir a isto, vai correr bem”; ao
regime anterior, à Censura, à Polícia, à PIDE, ao PREC, à Revolução, ao
Comunismo, a tantas coisas, e as coisas acabaram a correr bem. Houve uma vez,
em que me enganei redondamente, em fins de Março de 1974, faltava um mês para o
25 de Abril, já tinha havido uma rusga, que os mais velhos se lembram, era a
descida das Caldas da Rainha sobre Lisboa, toda a carga militar que ia fazer o
golpe, foi tudo preso. Eu vivia na Suíça e fiquei furioso com os militares, com
o Spínola, com toda a gente, deixei o emprego, fui andar pela Europa de comboio
durante 15 dias porque estava furioso, disse aos meus amigos "olha, já não há Liberdade para Portugal, não
há outra oportunidade”; tinha 30 anos (e vejam só o que é ser parvo às
vezes), ainda lhes disse "nunca vou ver a
Liberdade em Portugal, o fim do Apartheid e o fim do Comunismo”. A
Liberdade em Portugal ainda se podia discutir; agora, pensar que o Apartheid
podia um dia acabar… Alguns de vocês não sabem o que é o Apartheid ou o
Comunismo, e curiosamente enganei-me redondamente nas três e felizmente.
O que vem a seguir, não sei, vai
ser difícil. O que eu sei é o seguinte: se não há uma mudança importante no
comportamento político e dos dirigentes portugueses, se não há uma atitude mais
nobre e verdadeira em relação à informação, se não se diminui profundamente o
grau de manipulação e condicionamento de informação dos cidadãos, se não se
encontram os dispositivos para interessar os cidadãos para a vida política, que
se possa inverter de uma maneira qualquer essa tendência terrível do
abstencionismo e da distância, para a frase terrível que provoca alucinação "São todos os mesmos, para que é que eu lá
vou; são todos iguais, tudo do mesmo”. Vocês ouviram esta frase dezenas de
vezes. Se nada se fizer e se se fizer uma espécie de conservadorismo, "que já era assim antigamente”...
Eu conheço algumas pessoas que nos
jornais e telejornais, todos os dias, dizem a mesma coisa: "já era assim há 10 anos, já era assim há 100
anos”. Não acreditem que era assim. Há coisas que mudam e muito. Se não se
fizer nada para alterar a vida política e a relação dos dirigentes com os
cidadãos, isto acaba mal. Também penso que depende mais dos cidadãos do que dos
políticos para mudar.
[APLAUSOS]
Dep.Carlos Coelho
Já que estamos em momentos de
partilha: em 82, eu fiz com alguns companheiros nossos, particularmente com o
actual Primeiro-Ministro, uma coisa que foi o PPJP – Projecto Político para a
Juventude Portuguesa – e recordo-me de ter lido um livro "A queda final” do
Emanuel Todd, em que ele previa o fim do império soviético, não por razões
políticas mas económicas, que aquilo era economicamente impossível e ia acabar
por ruir. Estávamos no Hotel Alfa, na fase final do projecto, e virei-me para o
Dr. Pedro Passos Coelho e disse-lhe: "Ó,
Pedro, este gajo é doido, quero dizer, é evidente que o império soviético não
pode ruir”. Era com a tal lógica das coisas; era a estrutura mais sólida
que nós tínhamos na política internacional, a lógica do mundo bipolar..., e
ruiu, ruiu.
Esta é uma boa lição que a
partilha desta história da vida do Professor Barreto, de Março de 1974 nos
deixa: vocês não tomem nada por definitivo, as coisas mais sólidas, as verdades
que parecem mais garantidas, podem mudar, sobretudo se quisermos que elas mudem
e se, pela nossa acção, nós as conseguirmos transformar.
Segundo ciclo de perguntas:
Leandra Cordeiro do Grupo Cinzento e Marcelo Rafael do Grupo Castanho.
Leandra Cordeiro
Boa tarde a todos, um cumprimento
especial ao Dr. António Barreto e agradecer o facto de privar connosco neste
Almoço-Conferência. No entanto, não podia deixar de referir que o agradecimento
maior é o que o País lhe deve, pelo rigor e seriedade com que sempre
diagnosticou a real situação do país, por ser incómodo e certeiro. Em nome do
Grupo Cinzento, o nosso obrigado.
[APLAUSOS]
Nos seus discursos, não ignora
nada nem ninguém, não esquece as desigualdades, a crucialidade de reforma
constitucional como acabou de referir, a inevitabilidade da mudança do
paradigma que a Esquerda tanto gosta de inscrever no seu património genético,
mas o Estado Social é e a sua garantia é uma preocupação nossa, aliás, só faz
sentido se for uma preocupação de todos. Dr. António Barreto, ao falar-se de
Estado Social, perguntamos: Igualdade ou Equidade Social? Segundo: podemos nós
falar de Justiça Social sem falarmos de Solidariedade?
Obrigada.
Marcelo Rafael
Boa tarde Dr. António Barreto, é
com grande prazer que estou aqui a almoçar consigo, tanto eu, como o meu Grupo
Castanho.
A minha pergunta vai um bocado no
meu interesse. Eu sou de Alcains, perto de Castelo Branco, sou do Interior, por
isso a minha pergunta é a seguinte: Portugal, apesar da reduzida dimensão em
relação dos restantes países europeus, actualmente revela claras diferenças
estruturais entre o Interior e o Litoral, resultado de um modelo de
desenvolvimento económico e social que ignora o Interior.
Sendo sociólogo de formação,
tem-se dedicado à investigação de temas como a evolução da sociedade
portuguesa, indicadores sociais e reforma agrária. Em sua opinião, qual é
futuro do Interior, será que vale a pena morar no Interior?
[APLAUSOS]
António Barreto
Muito obrigado pelas suas
perguntas.
O problema é que as vossas
perguntas são tão complexas e exigiriam tanto tempo, depois quem aguenta com o
Carlos Coelho sou eu.
[RISOS]
Grupo Cinzento, vou tentar ser
verdadeiramente telegráfico. Em primeiro lugar, o Estado Social Europeu é a
criação de vários partidos, não é apenas da Esquerda nem da Direita; não é
criação de um grupo político apenas. Eu sei que a Esquerda considera-se – pois,
se quiserem também podemos discutir isto - proprietária do Estado Social e não
é verdade. Entre os grandes fundadores do Estado Social Europeu e da União
Europeia e da Europa, contam-se alguns Sociais-Democratas, alguns Socialistas,
muitos Democratas-Cristãos, até tendências de partidos liberais e radicais, do
Centro-Direita faziam parte dos grupos de fundadores e, portanto, não é verdade
o Estado Social seja exclusiva propriedade da Esquerda, como não é verdade que
o sentimento de protecção e de solidariedade sejam propriedade privada de um
partido ou outro.
O que você perguntou, eu não
percebi muito bem a parte final, sobre Justiça Social ser possível sem
solidariedade. Eu creio que não, não há justiça social sem solidariedade com
certeza. Eu acho que hoje ultrapassa isso. O ponto mais importante nos tempos
modernos foi a criação dos Direitos Sociais; aqueles que se chamam de segunda
ou terceira geração, já há quem diga direitos de quarta geração, mas isso faz
parte da semântica dos especialistas. Vocês na nossa Constituição e em muitas
das Constituições através do Mundo encontram coisas como: Direito ao Emprego, Direito
à Habitação, Direito ao Trabalho, Direito à Saúde, até já há quem fale em
Direito à Felicidade. Os primeiros a falar em Direito à Felicidade foram os
Americanos, a Constituição Americana, mas curiosamente, como sempre, eles
conseguiram com a retórica política americana que é excepcional – e quando
vocês tiverem tempo para ler a grande retórica dos políticos dos Estados
Unidos, leiam porque se aprende – fala-se em Direito a fazer tudo o que é
preciso para que cada indivíduo possa perseguir a felicidade "in pursuit of happiness”. A ideia geral
de Solidariedade criou um conjunto de obrigações de uns para com os outros.
Isso é que é Solidariedade, como ela é entendida normalmente, e faz com que
haja descontos, Segurança Social, emprego, Subsídio de Gravidez, etc., para os
pobres, Rendimento de Inserção, etc…
A criação de Direitos Sociais é, a
meu ver, um avanço no progresso da Humanidade e de, hoje (uma vez mais) ninguém
se pode reivindicar como sendo os exclusivos proprietários ou autores, porque
não é verdade, é uma mentira. O problema é que o Direito Social criou/teve um
efeito inesperado, um efeito perverso, foi que retirou a dimensão humana da
solidariedade.
Vocês já viram, certamente,
discussões em público, a dizerem "eu sou
pela Solidariedade, mas sou contra a assistência, a caridade, isto não é uma
caridadezinha, isto é solidariedade”. Ora as duas coisas são
indispensáveis. Quando vocês vão a uma prisão, quem está a visitar os presos
não é o Estado, são as pessoas e são voluntários, muitas vezes ligados à
Igreja, acrescento eu. Quando vocês vão aos hospitais, quem está a visitar os
doentes humanamente, além da família de vez em quando, são voluntários que
estão lá a título pessoal e que não conhecem os doentes. Isto não é apenas
Solidariedade, isto é outra coisa, porque Solidariedade é a que se organiza
através dos Ministérios.
A meu ver, além de que o Estado
Social só se deve construir à medida que se tem meios para isso e em Portugal
fez-se um bocado o contrário, começou-se por criar os benefícios e os
dispositivos todos e depois é que foi tentar criar a riqueza à altura disso – é
uma das razões das causas para a situação em que vivemos. Além disso, a
Solidariedade deve viver não só de direitos sociais mas também de voluntarismo,
voluntariado, acções humanas, pois sem humanidade não há Solidariedade plena, é
apenas Solidariedade do cheque ao fim do mês e que não chega para resolver.
Grupo Castanho, esta é a pergunta
do milhão de libras, do milhão de dólares. Eu vou dizer uma coisa que vai
desagradar a si e às outras pessoas que aqui estão.
Em Portugal, uma grande parte do
Interior despovoado é irreversível. Não vale a pena pensar que é possível fazer
coisas tão loucas, como já há vários Primeiros-Ministros, Políticos e
Presidentes das Repúblicas disseram, que é voltar a revitalizar o Interior ou
voltar a fazer com que se criem raízes no Interior e então a frase mais odiosa
que é "fixar as populações do Interior no
Interior”. Se me tivessem fixado quando eu tinha 10 anos, eu estava em Vila
Real de Trás-os-Montes sem sair para sítio nenhum do Mundo; não ia para a
Universidade, não ia para a Suíça, não ia para o Mundo, estava fixado. Isto não
é aceitável, em nome da Liberdade, não é aceitável.
De qualquer maneira, o nosso
desenvolvimento económico ou falta dele, os modelos de crescimento económico ao
longo destes 40/50 anos foram tais que condenaram uma parte importante do
Interior (não digo todo) a não estar povoado conforme estava, que deixou de ser
definitivamente a sociedade rural que era, com habitações, aldeias, montes
dispersos ou juntos. Isso é irreversível, não é possível voltar atrás, mas o
que é possível é permitir, incentivar e estimular o desenvolvimento de alguns
núcleos urbanos importantes no Interior. Às vezes tenho essa impressão, de que,
quem sabe, a partir de Évora, Viseu, talvez de Castelo Branco um pouco, Vila
Real, provavelmente, é possível que estes núcleos com serviços públicos,
empresas, criação de riqueza, com pessoas, que estes núcleos se possam
desenvolver e manter parte do Interior. O mais importante para mim é que o
Interior mesmo despovoado não seja abandonado, isso é que é o ponto e em que
Portugal tem falhado; quando as pessoas saem, não fica nada: não fica uma
floresta produtiva, não fica uma floresta bem tratada, não ficam caminhos e
serras e terras onde as pessoas possam ter as suas casas de fim-de-semana, onde
as pessoas possam passear, ter as suas férias, ter madeira, recursos naturais…
Eu visitei longamente uma das regiões mais lindas do mundo que é a Escócia, que
tem milhares de quilómetros sem pessoas, mas as florestas estão bem
aproveitadas e bem tratadas.
Eu sei que nós temos o incêndio,
mas o incêndio não é uma condenação; há mais incêndios em Portugal com o calor
do que na Escócia, mas pode haver muito menos do que há hoje, se for bem
aproveitado e bem explorado. Há muito para fazer no Interior para aproveitar. O
que eu quero é que tirem da cabeça que é – quando um político diz "eu quero revitalizar as populações do
Interior, ou fixar as populações”, normalmente está a fazer um comício no
Interior e está a tentar ganhar votos –, as populações não querem ser fixadas,
querem ter liberdade e oportunidades, seja lá seja noutro sítio qualquer! Há
coisas que são irreversíveis na História da Humanidade e quando é assim temos é
de encontrar novas soluções para os novos problemas, nomeadamente o abandono, o
abandono é que é o ponto, não o despovoamento.
[APLAUSOS]
Dep.Carlos Coelho
Vamos fazer um ciclo de três
perguntas: João Bastos do Grupo Azul; Carolina Cruz Xavier do Grupo Rosa; e
Afonso Leitão do Grupo Laranja.
João Bastos
Bem, antes de mais, boa tarde ao
Dr. António Barreto. Vou fazer uma pergunta breve e telegráfica. O que eu
queria perguntar é se acha que o actual Governo de Passos Coelho tem capacidade
para levar avante as reformas a que se propôs com a Troika? E também lhe
pergunto outra coisa: caso o Governo não tenha essa capacidade, se a própria
III República pode estar em risco.
Para terminar, vou aproveitar
aqui, peço desculpa aos restantes comensais se cometer alguma injustiça, mas
vou citar aquele que é provavelmente, ou melhor, indubitavelmente, para mim o
político português mais talentoso da actualidade que é o Dr. Paulo Rangel e que
disse uma vez que caso o governo português não seja capaz de realizar as
reformas que são necessárias é possível que o País entre numa convulsão
constitucional. Acha isso possível?
E agora termino a minha
intervenção e a minha pergunta recordando o filme que sugere, do grande Luchino
de Visconti, iremos todos acabar como dizia o Príncipe de Salina "é preciso às vezes que tudo mude, para que
fique tudo na mesma”.
Obrigado.
Carolina Cruz Xavier
Boa tarde, Dr. António Barreto, em
nome de todo o Grupo Rosa nós gostaríamos de agradecer imenso aqui a sua
presença. A nossa pergunta é a seguinte: será útil alterar a Constituição no
sentido presencial, ao invés do actual sistema parlamentar de Assembleia, tendo
em conta e, na medida em que, é difícil formar maiorias estáveis, e a maior
responsabilização dos governantes?
Muito obrigada.
Afonso Leitão
Ora, muito boa tarde! Em primeiro
lugar, no nome do Grupo Laranja, dar as boas-vindas e felicitar o Dr. António
Barreto por estar aqui presente. A nossa questão é a seguinte: não há só os
direitos, liberdades e garantias nacionais, também há direitos oriundos da
União Europeia. Na possibilidade de existir uma nova Constituição, qual
consideraria ser o texto mais adequado no sentido de salvaguardar aquilo que
existe que é o princípio do primado do Direito da União Europeia sobre o
Direito nacional e qual era o conteúdo mais correcto para salvaguardar esses
Direitos, Liberdades e Garantias dos cidadãos.
António Barreto
Grupo Azul, se o Governo tem
capacidade… Primeiro é muito cedo para avaliar o actual Governo; eu tenho
esperança e gostaria que ele conseguisse, com certeza, e ele tem a
possibilidade de conseguir. Se tem as capacidades e se consegue mesmo, não sei;
podia estar a fazer uma profissão de Fé, mas isso não interessa para estas
coisas.
Tem a possibilidade, tem sim
senhor, em dois, quatro anos, tem a possibilidade de fazer a diferença e de pôr
as coisas num bom caminho, tem sim senhor. De tudo resolver, acho que não,
porque acho que a maior parte não se resolve em três anos.
No quadro da Troika, você
mencionou a Troika, eu não quero discutir; vocês já estiveram com o Vítor
Gaspar, já estiveram com pessoas mais sabedoras, mais eminentes, mais talentosas
do que eu; não quero discutir esse assunto, vocês devem já saber tudo. A minha
convicção laica, isto é, não sendo Economista e, ainda menos, Financeiro, é que
o acordo entre Portugal e a Troika foi um acordo excessivo no prazo. Eu estou
convencido que tudo aquilo que ali está podia ser perfeitamente feito em 5 ou 6
anos e que é excessivo no prazo.
Talvez uma maneira boa de começar
a fazer um primeiro ano, bem feito, bem cumprido, até por excesso pelos vistos,
a fim de renegociar, estou convencido, não é renegociar a dívida, isso é
conversa fiada; este programa pode dar efeitos, pode ser menos violento, menos
ríspido com a Sociedade se for feito em cinco ou seis anos, os resultados serão
tão bons ou melhores do que assim. Há possibilidade de uma convulsão? Com
certeza, não é para amanhã, não é para depois de amanhã. A Sociedade Portuguesa
tem mostrado uma resiliência superior a muitas outras em situações semelhantes
e alguma paciência, e as pessoas estão com medo. Há muita gente, sobretudo nas
classes mais desfavorecidas, que estão com receio de perder o Pão, a Escola, o
Trabalho, o Emprego e quando as pessoas estão nestas circunstâncias normalmente
têm mais que fazer do que andar a fazer convulsões por qui e por acolá.
Estou convencido que as coisas não
serão para amanhã, eu já sei que há políticos que dizem que em Outubro ou
Setembro as convulsões vão começar, eu creio que não, mas há riscos de a prazo
maior haver alterações importantes. Ficar tudo na mesma, não vai ficar de
certeza. O que nós estamos a viver é tão sério, tão grave, tão fundo, que
Portugal não vai ser o mesmo daqui a 10 anos, nem pensem nisso, até porque como
Portugal também vai mudar muita coisa na Europa e não se pense que nós temos a
nossa Paróquia e que vai resolver os nossos problemas. Sem, ou fora da Europa,
ou com a Europa, ou contra a Europa, mas o que acontecer na Europa nos próximos
10 anos vai ser decisivamente importante para Portugal ao longo destes 10 anos.
Estar a prever, não percam tempo;
percam tempo a idealizar cenários possíveis (A, B, C, D): Portugal sem o Euro,
Portugal fora do Euro, mas na União; Portugal fora da União; passar a haver
várias Uniões Europeias, é possível. Aliás, vocês se fizerem um bocadinho de
esforço, há pelo menos três Europas: a União Europeia é uma, a de Schengen é
outra (há quem esteja dentro e quem esteja fora) e há a Europa do Euro – são
três Europas pelo menos que existem. Eu não queria vos surpreender se daqui a
cinco anos houvesse quatro Europas, ou cinco Europas, e que se encontrasse uma
ginástica qualquer. Ou senão – agora vou-vos dar a minha opinião, que eu não
resisto – se a Europa quando um dia tiver juízo trava a federalização e diz "ok, agora nos próximos 30 anos não vamos
avançar”; aquela história da bicicleta que é dada pelo Jacques Delors, e
portanto não vamos avançar, porque vamos deixar que apareçam Europeus, porque
não há Europeus.
Quando aqui nesta sala, eu estiver
com homens e mulheres de várias nacionalidades, casados uns com os outros,
mestiços, com vários cores, um esloveno, um eslovaco, um polaco, um inglês, um
francês, um suíço, nessa altura, quando as empresas forem de vários países,
quando as universidades forem de vários países, quando isso estiver realmente
entrosado, então sim, teremos uma Europa. Hoje não temos uma Europa, temos um
continente e temos vários países lá dentro.
Equipa Rosa, é Rosa?
[RISOS]
Eu omiti este capítulo na minha
apresentação, de propósito, pois isto é uma coisa muito polémica e corremos o
risco de perder tempo com isto. Eu sou favorável na revisão constitucional, eu
sou muito favorável a uma alteração do sistema de Governo e de regime, no
sentido da sua parlamentarização. Acho que o regime mais civilizado, mais de
progresso, mais laico, mais racional, é um sistema em que o Parlamento é
realmente a primeira instância política do país. Mas, como a maioria da
população, como hoje há muita gente que
pensa nisto, que é melhor favorecer a presidencialização, isto é, o Presidente
com mais poderes, porque estamos a viver uma grande crise e há uma grande
fragmentação do País, eu não ficaria totalmente descontente.
Porque é que eu estou a falar
assim, pareço estar a ser Salomão e a tirar os burrinhos da água, não, eu
prefiro a parlamentarização, mas o que eu quero acima de tudo é que a revisão
constitucional clarifique, porque o que nós temos, uma vez mais, não é nada.
Quem vos disser que é semi-presidencialismo, está a mentir. Portugal não é
semi-presidencialista; é-o a França: o Presidente da República manda no Governo
e reúne o Conselho de Ministros. Cá em Portugal isso não acontece: o nosso
Presidente da República nos últimos seis anos perdeu mais tempo a dizer que não
tem nada a ver com o assunto do que a dizer que tem a ver com esse assunto.
O Presidente da República não se
pode exprimir, não se deve exprimir; ele disse isto muitas vezes, como vocês
sabem; é a interpretação dele e eu respeito-a, sublinho, mas não estou de
acordo, que é outra coisa.
O que eu queria era a clarificação
do sistema político e do regime, e prefiro o Parlamento. Porque é que eu não me
importo que a Inglaterra seja monárquica, sendo eu Republicano? Porque o
Parlamento é que é o último órgão de poder e nos países em que há monarquias
mas em que é o parlamento que é o verdadeiro representante do Povo, eu sinto-me
bem e entre gente civilizada.
Equipa Laranja, eu gostaria que a
nova Constituição fosse suficientemente flexível para, por um lado afirmar os
princípios nacionais, os princípios da liberdade dos cidadãos portugueses tanto
quanto é possível do ponto de vista universal, mas que ao mesmo tempo estivesse
flexível para Portugal se poder ligar a uma Europa ou a outra Europa, isto é,
eu não tenhamos, para tudo o que a gente faça no futuro, estar a rever
novamente a Constituição porque há qualquer coisinha que não funciona: porque o
Banco de Portugal isto, porque a moeda aquilo, porque o Supremo Tribunal
aqueloutro. Nós temos de ter a construção de quanto menos programática e
política, mais a Constituição Portuguesa é flexível para poder, porque o que
vai acontecer na Europa é imprevisível. Tenhamos consciência disto.
O Carlos Coelho sabe mais da
Europa que todos nós juntos. Fez um belíssimo livro, de compêndio, de cicerone
e de guia, do que é a Europa; ele deve saber certamente o que a Europa será
daqui a cinco ou dez anos é imprevisível hoje.
[APLAUSOS]
Dep.Carlos Coelho
Senhor Professor, nós temos uma
tradição, nestes jantares, ou almoços, conferência, que é deixar a última
palavra ao nosso convidado, por uma questão de cortesia, portanto eu não torno
a pegar no microfone para lhe agradecer este fantástico momento pelo qual
ansiei durante quatro anos. Quero confirmar aquilo que o Professor Barreto
disse há pouco: não foi por nenhuma razão especial, ele tem um retiro em Oxford
todos os anos; sim, porque ele é um homem do mundo - nós fazemos aqui em
Castelo de Vide ou nas praias de Portugal, mas há pessoas mais elegantes que
fazem retiros intelectuais em Oxford e coincide sempre com a Universidade de
Verão - e este ano tivemos o privilégio de o termos cá nesta altura.
Portanto, queria agradecer-lhe
sinceramente, sabe que é do fundo do coração, aprendemos sempre muito consigo e
para mim, pessoalmente, é um privilégio ter aqui.
Para a última ronda de perguntas
ao nosso convidado, ao Professor Doutor António Barreto, daremos a palavra à
Tânia Bragança do Grupo Amarelo, ao Tiago Cunha do Grupo Bege e ao Vasco
Teixeira do Grupo Roxo.
Tânia Bragança
Olá, muito boa tarde, à mesa. Olá,
muito boa tarde, Dr. António Barreto, é com grande honra que o grupo Amarelo
tem o prazer de o receber neste agradável almoço. Obrigada por nos fazer
reviver o debate sobre a Constituição e a questão que o Grupo Amarelo tem para
lhe colocar é sobre a Pordata.
Nós gostaríamos de saber se a
Pordata é essencial ao futuro da política, qual é o passo seguinte e como
pretende fazer evoluir esta ferramenta.
Muito obrigada, boa tarde.
Tiago Cunha
Boa tarde. Excelentíssimo senhor
Professor Doutor António Barreto, muito obrigado por ter vindo à nossa
Universidade de Verão da JSD e a questão que queremos colocar será: estaremos a
assistir à substituição das estruturas de participação social e política
tradicionais, tais como os partidos, sindicatos e associações, por novas
estruturas, como os fóruns políticos espontâneos, blogues, comissões de
trabalhadores e movimentos de protesto? Como deve ser este processo reflectido
no processo político?
Obrigada.
Vasco Teixeira
Boa tarde a todos e Professor
Doutor António Barreto. A dúvida do Grupo Roxo é muito simples e directa: no
âmbito da reforma administrativa acha que a Regionalização poderá ser parte da
solução para Portugal?
António Barreto
A coisa mais inesperada que ouvi
hoje, foi uma pessoa que todos os meses vai almoçar e jantar durante uma semana
no sítio onde se come melhor no Mundo, que é Estrasburgo, mostrar um bocadinho
de inveja porque eu estou numa casa em Oxford a ler livros.
[RISOS E
APLAUSOS]
Nunca
esperei.
[RISOS]
Grupo
amarelo, a Pordata está em vésperas de mais umas revoluções, mais uns passos em
frente. Já agora, o lema da Pordata é "o
Conhecimento é a Liberdade” e que sem o Conhecimento não podemos exercitar
a nossa Liberdade. É um serviço público, o mais complexo possível, como sabem,
temos Portugal por um lado, por outro lado temos a União Europeia.
Todos
vocês, os que têm um iPhone já podem descarregar a Pordata, quem está tanto em
Portugal como na Europa.
Vamos
ter uma secção que é a evolução da opinião pública Portuguesa e Europeia ao
longo de 30 anos. Nós recolhemos todos os barómetros europeus, a começar pelo
EuroBarómetro; recolhemos desde os anos 80, foram trabalhados para poderem ser
compatíveis, como vocês sabem há quatro fontes de sondagens permanentes às
atitudes e comportamentos europeus e conseguimos saber, por exemplo, a evolução
dos portugueses ao longo de 20 anos, dos sentimentos religiosos, a Família e
perante a Economia. É muito interessante ver em longos períodos como a
expressão das atitudes é consistente.
Em
segundo lugar, no fim do ano ou no princípio do próximo ano, metemos o quarto
grande capítulo da Pordata, que são as regiões e municípios, ou seja, vamos
multiplicar 308 que é o número de municípios em Portugal, cada município
passará a ter a sua Pordata, a sua evolução económica, social, demográfica,
etc.
Depois,
vamos ter ainda este ano, a partir talvez já de Outubro, ainda não tem nome
definitivo portanto não vos posso dizer qual é o nome definitivo. É uma espécie
de Pordata da Crise. Nós juntámos todos os dados que sendo anuais, semestrais,
trimestrais e mensais, nos podem dar uma dimensão muito mais rápida de como é
que estão a evoluir as dificuldades dos Portugueses, incluindo dados privados,
vamos ter dados sobre os produtos alimentares, as escolas, a organização das
famílias, até o consumo da gasolina relacionado com o uso de transporte
públicos ou privados; como é que as pessoas reagem: se compram menos frango e
mais salsicha, menos carne de vaca e mais carne de porco. Tudo isto é possível,
hoje em dia, verificar, ver e acompanhar de muito mais próximo o que se está a
passar. Vamos ter dados das organizações de Solidariedade: quantas refeições
são dadas por dia, quanta comida é distribuída, roupa, etc., e vamos ter
finalmente, uma medida – eu já estou farto de ouvir (peço desculpa) "bocas”: "ah, a Sociedade está terrível; milhares de
pessoas tiveram de tirar crianças das escolas; milhares de crianças não comem
isto ou aquilo” e a gente pergunta "Como
é que sabe? Onde é que está a informação?”, "Ah, isso não sei, ouvi dizer”. Ouvi dizer?! Não podemos viver num
país em liberdade só com o "ouvi dizer”.
E,
finalmente, daqui a um ano e meio vamos ter, aquilo que já se começou a fazer,
o final desta construção que é uma coisa que nós entre nós chamamos GlobalData,
que vocês não podem chamar assim porque não se vai chamar assim, que é uma
espécie de Pordata para o Mundo inteiro, para 180 países e para 800 indicadores
de toda a espécie, para os países em que existem indicadores, porque alguns não
há como vocês sabem.
Nós,
daqui a três anos talvez tenhamos o essencial da obra feita, mas há sempre mais
qualquer coisa; agora vamos pôr os rios, depois as montanhas, as serras, as
cidades; está constantemente a evoluir.
Já agora
digo aquilo que disse ao vosso Presidente: qualquer grupo de portugueses numa
empresa, numa escola, numa faculdade, numa juventude partidária, qualquer grupo
de 10 pessoas em qualquer sítio do país que queiram uma formação à Pordata,
como é que se trabalha com aquilo e como é que se faz, nós vamos lá. Basta
pedir, é pago por nós, vai um quadro nosso especializado nisso, vai a qualquer
sítio do País: já esteve em 70 concelhos diferentes a dar acções de formação da
Pordata; basta pedir, ele vai.
Grupo
Bege, acho que sim. Acho que nas próximas décadas, por causa da organização
social das pessoas – organização política, territorial e social -, por causa da
União Europeia e das novas realidades que cria, por causa das duplas e triplas
nacionalidades de pais e filhos, por causa da Internet, por causa de todas as
formas de comunicação rápida e imediata, é evidente que os partidos políticos,
tal como existem hoje, terão de se ajustar a esse novo mundo e terão que
combinar com outras formas de organização. Não digo mais do que isto, porque
entramos em território desconhecido e terreno muito perigoso para o meu
entender.
Há
muitas dessas formas de atomização do cidadão que são formas anti-democráticas.
Onde se pensa "ah, agora a gente vota na
Internet e tudo”; tenho muito medo dessas coisas ditas assim. Vota na
Internet, quer dizer que não discute à séria, não conversa à séria, que não
está com pessoas – eu, apesar de tudo, estou a falar com a Rosa, estou a falar
com vocês, estamos a discutir, estamos a nos ver, isto é também uma maneira de
fazer política – e eu tenho receio do fetichismo: isto do Facebook, a gente
resolve aqui tudo e tal. E o Facebook, tanto deu para convocar manifestações
democráticas, como dá para anti-democráticas. O Facebook dá para tudo. São
instrumentos. Não vamos subjugar o essencial aos instrumentos, os instrumentos
podem servir o essencial.
[APLAUSOS]
Reforma
Administrativa, Regionalização, era? Eu fui favorável à Regionalização entre
1974 e 1980 talvez, 78, por aí. Houve uma altura em que em Portugal não havia
Estado. Estava desfeito, destruído. Não havia Forças Armadas, que estavam
divididas. Não havia grupos empresariais privados, estavam desfeitos,
destruídos e exilados.
Não
havia empresas públicas eficientes; não havia autoridade pública, pura e
simplesmente. Nessa altura, dizia-me eu, eu preciso de ter um sítio para pôr o
pé, quero atravessar o rio, ou o mar, ou o vale, eu tenho de saber onde estão
as pedrinhas para pôr o pé, ainda não consigo andar em cima da água, portanto,
tem de ser com as pedrinhas. Pensei, honesta e sinceramente, durante quatro ou
cinco anos, que a Regionalização era esse meio, isto é, recomeçar a organizar o
Estado Democrático, de baixo para cima, através das regiões.
A partir
do final dos anos 80, comecei a perceber que passou a existir poder autárquico,
poder central, Estado Democrático Constitucional, Estado Democrático com a
abolição dos fenómenos anti-democráticos que existiam na altura; começou a
haver gradualmente um poder empresarial e grupos económicos privados que
ajudassem a dar racionalidade ao sistema e comecei a perceber que a
Regionalização sem alterações fundamentais e decisivas na construção do Estado,
era um erro, e é o que eu penso hoje. Fazer a Regionalização, sem se ter
alterado previamente a Educação em Portugal, por exemplo, é um erro crasso. A
Regionalização vai acrescentar-se ao que temos e não vai substituir o que
temos. Podemos discutir horas e horas este assunto. Estou convencido que a
Regionalização servirá grupos interessados na Sociedade, servirá para reforçar
poderes corporativos ou poderes de caciques ou de partidos, seja o que for, e
que se acrescentará ao que a sociedade tem de negativo, em vez de substituir o
que a Sociedade tem de negativo.
Se
começássemos por fazer a reforma das freguesias ou dos municípios... não vou
dizer quais são, porque não tenho ideias; é algo que o País inteiro deve
discutir, não é "os iluminados”, não
é à volta aqui de uma mesinha que vamos resolver esse assunto.
Eu faço
muitas vezes a comparação: na Suíça, onde vivi muitos anos, é um país
complicadíssimo, há vinte e seis cantões e vinte e seis Ministros da Educação.
Não existe um Ministro da Educação suíço, há vinte e seis e eles entendem-se
entre eles. O ano lectivo em Genebra começa em Agosto, mas o ano lectivo em
Friburgo começa em Janeiro e o ano lectivo não sei onde começa em Maio, mas
eles arranjam-se entre eles. Se os pais de um sítio vão viver para outro e
levam os filhos, esses filhos entram na escola no outro sítio, não ficam presos
à cidade de origem.
Neste
país que tem vinte e seis cantões há duas mil comunas, duas mil câmaras, nós só
temos 300, só que eles não têm freguesias. Portanto, o que substitui as 4200
freguesias e os 300 concelhos, são duas mil comunas simplesmente, obviamente
que eles não tratam a comuna de Bäretswil, que eu conheço e que tem duzentos
habitantes, como se fosse a comuna de Genebra ou Zurique que tem meio milhão de
habitantes.
O
Presidente da Câmara de Bäretswil, para já não é a full-time, não ganha dinheiro e o trabalho dele é limpar as ruas,
cortar os galhos das árvores, que é a vida comunitária. O Presidente da Câmara
de Genebra, ou por exemplo, de Zurique, tem outras responsabilidades, é
obviamente profissionalizado; tem uma geometria variável da sua administração.
Creio que em Portugal o mais importante é flexibilizar e criar esta geometria
variável para a reforma administrativa, primeiro, a Regionalização para mim, se
vier, vem depois, por enquanto não sou favorável.
Parece
que sou o último a falar, muito obrigado por esse privilégio. Deixem-me
dizer-vos que é um grande, grande, prazer. Eu gostava de ter falado mais, se o
Carlos deixasse, depois vocês vinguem-se nele.
[RISOS]
Tive
muito prazer, sobretudo gostava de vos ter ouvido mais. Eu acho que falei
demais, gostava de ouvir a vossa opinião sobre muita coisa, porque são quê, dez
ou quinze anos que nos separam, imagino.
[RISOS]
Deixem-me
só dizer-vos uma coisa, que é para fechar mesmo.
Em toda
a vossa vida, peço-vos que pensem numa coisa: que o saber é essencial para a
Liberdade e que a Liberdade é o valor mais perene, mais durável, mais antigo e
mais revolucionário que existe, é a Liberdade Individual!