ACTAS  
 
03/09/2011
Almoço-Conferência com o Prof. Doutor António Barreto
 
Dep.Carlos Coelho

Senhor Professor Dr. António Barreto, temos uma tradição na Universidade de Verão que é iniciar todos os jantares-conferência com um momento cultural. Neste momento, V. Exa olhará para mim e dirá "Bem, o meu relógio não está atrasado, nem adiantado, isto não é um jantar”. Não, de facto não é. É um Almoço-Conferência e é a primeira vez em nove anos que existe um Almoço-Conferência na Universidade de Verão.

[APLAUSOS]

Para aqueles que estão na sala e se perguntarão porque é que este ano decidiram fazer um Almoço-Conferência? A explicação é muito simples: há quatro anos que eu tento que o Professor António Barreto venha à Universidade de Verão e quando este ano ele me deu a alegria de dizer que estava disponível, nós tivemos de encontrar uma solução para contar com a participação deste homem fantástico nesta nossa iniciativa. Por isso, em honra dele, criámos esta inovação, que em princípio não é para repetir, e teremos um Almoço-Conferência na Universidade de Verão.

[APLAUSOS]

Dizia eu, que começamos sempre com um momento cultural: trata-se da escolha de um poema e da sua leitura pelos alunos da Universidade. De seguida, um brinde em honra do nosso convidado.

Vamos ouvir.

[Poema "Nuvens correndo no rio”, de Natália Correia, dito pela Alexandra Rebelo e pela Ângela Caeiro do Grupo Laranja; Poema "Sísifo”, de Miguel Torga, dito pela Laura Horta e pelo José Miguel Vitorino do Grupo Verde]

 
André Marques

Excelentíssimo Reitor da Universidade de Verão 2011, caro Secretário-Geral do PSD, caros colegas, peço por breves momentos a vossa atenção para o presente "comunicado”.

Em 1942, viviam-se tempos assaz difíceis, decorria a II Guerra Mundial. Felizmente a guerra acabou com a vitória dos Aliados, terminando de vez o pesadelo Hitleriano. Por sua vez, nesse mesmo ano, em 1942, nasceram dois vultos que ficaram na História: no Estado americano de Washington nasceu o maior guitarrista que o Mundo já viu, o Jimmy Hendrix e, no Porto, nasceu o sociólogo mais eminente da nossa academia.

[APLAUSOS]

Ingressou na vida política aos 21 anos como militante do Partido Comunista Português, entre 1963 e 1970 e em 1974 aderiu ao Partido Socialista. Foi deputado em 1975 e 1987, membro do I Governo Constitucional e o grande autor da famosa "Lei Barreto” que devolveu a normalidade à Agricultura nacional após a tormenta revolucionária. Apoiou o projecto da Aliança Democrática de Francisco Sá Carneiro através do Movimento Reformador de que foi um dos protagonistas em conjunto com o preclaro socialista Medeiros Ferreira.

Afastou-se definitivamente do PS na década de 90.

A personalidade de que vos falo destacou-se pelo singelo facto de se ter dedicado à investigação sociológica, com especial incidência em temas relacionados com a evolução da sociedade portuguesa, designadamente em tudo aquilo que contemple os mais variados indicadores sociais, sem obnubilar as questões de Justiça, Emigração, Socialismo, Reforma Agrária, Estado e Administração Pública, entre outros.

Em termos empresariais, em 2009, assumiu a presidência do Conselho de Administração da Fundação Francisco Manuel dos Santos. Convém relembrar aos mais esquecidos que António Barreto é o pai do portal de informação estatística Pordata. Desde 2009 é também Presidente da Comissão Organizadora do Dia 10 de Junho, nomeado pelo Presidente da República. É comentador e cronista.

Defendeu que o Eng. José Pinto Sousa "precisava de ser muito, muito, severamente castigado, através da via eleitoral por ser o principal responsável pelo estado calamitoso a que Portugal chegou, designadamente nas Finanças Públicas e na Economia”. António Barreto foi um dos mais cáusticos críticos deste funesto movimento político conhecido como "Socratismo”.

Em nome do Grupo Azul, é uma honra apresentar-vos o nosso ilustre convidado deste Almoço-Conferência de hoje, o Professor António Miguel Morais Taborda Barreto.

[APLAUSOS]

E, em sinal desta homenagem, passo então a fazer um brinde ao Doutor António Barreto.

 
Dep.Carlos Coelho

Senhor Secretário-Geral do PSD, senhor Presidente da JSD, senhor deputado Nuno Matias, Director-Adjunto da Universidade de Verão, senhores conselheiros, minhas senhoras e meus senhores, não sabem o meu prazer em ter o privilégio de estar ao lado do nosso convidado de hoje.

O Professor António Barreto é das pessoas com quem me cruzei na vida que mais respeito. Pela inteligência: é um homem notável; pela coragem: já houve aqui a ocasião de recordar a "Lei Barreto”, a lei da reforma agrária no I Governo Constitucional – que herdou do PREC uma situação desgraçada na Agricultura; devolveu lógica, não apenas sob o ponto de vista da lógica económica, mas do respeito do Estado de Direito e, por essa razão, onde demonstrou grande coragem, tornou-se o homem mais conhecido do País durante muitos anos e, hoje, ainda consigo ver, nalgumas paredes que não foram caiadas, grandes parangonas a dizer "Barreto, rua!”. Creio que em nenhum momento na História de Portugal, tivemos tantas ruas baptizadas com o nome de uma pessoa.

[RISOS E APLAUSOS]

Depois, é um homem coerente. Eu tive o privilégio de ser seu colega e de aprender muito com ele, fomos deputados na Assembleia da República na mesma altura, fizemos algumas conspirações… Parte substancial da Lei de Autonomia Universitária resultou de um grande conflito entre uma lógica centralista do Estado e uma lógica de responsabilização das instituições e o Professor António Barreto, eu e os deputados da JSD na altura, conseguimos encontrar uma maioria no Parlamento para combater algumas tentações centralistas.

Recordo-me muito de manifestações de inquietação do Professor Barreto na altura. Dizia-me ele: "É impossível encontrar soluções para os problemas que temos à nossa frente se nós não conseguimos fazer o diagnóstico da realidade”. Isso demonstra o espírito de rigor, seriedade intelectual e um inconformismo com o facto da Administração Pública não ser capaz de fornecer, nem aos deputados da República, retratos rigorosos da situação. Nós trabalhávamos com estatísticas que, muitas vezes, eram velhas, de doze anos. Como é que é possível encontrar respostas políticas para problemas da actualidade com base em indicadores de há 12 anos? Isto era algo que o Professor Barreto me dizia há 20 anos no parlamento português e vejam a coerência de um homem, mesmo titular de um órgão de soberania, apontando uma fragilidade da Administração Pública. Quando lhe deram os meios, conseguiu fazer a diferença.

A Pordata não é apenas meter números no computador e oferecê-lo gratuitamente aos cidadãos. É a capacidade de nós sabermos qual é o diagnóstico do País em que vivemos, a cada momento, e podermos comparar a realidade portuguesa com a de outros países com que temos de competir, designadamente dentro da União Europeia. E não encontro muitos exemplos de pessoas que com 20 ou 30 anos de diferença, identificando um problema que era necessário resolver, tenham tido a capacidade, a tenacidade, a seriedade intelectual, de prosseguir com esse esforço.

Podemos dizer, agora, corrigindo algo que o Professor Barreto disse sobre outra pessoa, que já foi aqui citada, ele sim, lidera pelo exemplo, porque isto é um exemplo que fica para todos nós.

O nosso convidado tem como hobby a Fotografia; tem como comida preferida, a Pasta; tem como animal preferido, o tigre; o livro que nos sugere é de Tocqueville "O Antigo Regime e a Revolução”; sugere também um filme de Visconti "Il Gattopardo”; e a qualidade que ele mais aprecia é uma qualidade que ele tem para dar e vender: o carácter.

Senhor Professor tenho o privilégio de lhe fazer a primeira pergunta e é muito simples: o Parlamento Português em funções tem poderes constitucionais e esta é uma querela no momento político – há quem considera que é necessário mudar a lei fundamental, há quem considera que isso é meter um factor de artificialismo político e de contundência desnecessária no nosso combate democrático. Qual é a sua opinião: é necessária, ou não, uma reforma constitucional e em que sentido?

Minhas senhoras e meus senhores, no único Almoço-Conferência, realizado em nove edições da Universidade de Verão, o privilégio de termos connosco o Professor Doutor António Barreto.

[RISOS E APLAUSOS]

 
António Barreto

Muito boa tarde a todos, Senhor Secretário-Geral do PSD, senhor Presidente da JSD, senhor Reitor da Universidade de Verão, meu querido amigo Carlos Coelho. Tenho muito, muito prazer em estar aqui. Fico muito comovido, evidentemente, que tivessem inventado um Almoço-Conferência. Foi simpático para mim, mas impedir-vos de ter duas horas de pausa, piscina e outros prazeres, foi um bocado injusto para vocês.

É verdade que eu há três ou quatro anos fui convidado para vir aqui, não calhou, não por motivos políticos ou de qualquer ordem, simplesmente por motivos pessoais, estava fora de Portugal ou com outros compromissos. Este ano coincidiu, pois só estou de férias daqui a uma semana e aceitei com muito prazer, ainda por cima, convidado pelo Carlos Coelho; nós corremos o risco de nos digladiarmos com piropos e elogios, mas eu admiro o Carlos Coelho há 25 anos. É obra!

É verdade que estive no Parlamento em 85 e 91. Entre muitas coisas que tínhamos de fazer, sobretudo ele, que se mexia entre pelo menos uma dúzia de comissões e outras coisas, nós trabalhámos bastante na área da Educação, das Universidades, da Cultura e eu fiquei a admirá-lo, não só pela enorme energia dele – multiplica-se em iniciativas e acções – mas também pela imaginação, que creio que ainda tem. Admiro-o também pela capacidade de diálogo e argumentação em permanência. Eu vi o Carlos Coelho mudar de opinião e eu mudei de opinião ao conversar com ele: isto está no centro de uma relação política adulta, séria e construtiva – poder mudar de opinião e poder argumentar os seus pontos de vistas e, em vez de argumentar com os velhos lugares comuns "nós pensamos assim”, ou "é assim porque é assim”, nós argumentámos, fizemos algumas coisas boas juntos, intrigámos bem, cometemos erros, juntos. Curiosamente, vocês são um pouco mais novos do que eu, pensem na vossa vida futura, as boas amizades, sejam pessoais ou políticas, fazem-se quando há trabalho feito em conjunto, quando há vitórias conjuntas, derrotas conjuntas, erros conjuntos, é isto que consolida (e olhem, no amor é tudo isso, mais o sofrimento), é isto que consolida as relações pessoais, seja na política, seja na profissão, seja no Futuro.

[APLAUSOS]

Estes três minutos não contam, só tenho vinte minutos e sei que a disciplina aqui é um bocadinho…

[RISOS]

Em resposta directa à pergunta do Carlos Coelho, sobre a Revisão Constitucional, eu digo-lhe imediatamente que sim. Considero que a Revisão Constitucional, ou a refundação da Constituição, ou a elaboração, ou a renovação profunda da Constituição, é uma tarefa muito urgente, muito séria, que deve ser feita de modo especial e que não deve ser feita como no passado.

Se me disserem que estamos a viver tempos de crise, de dificuldades, crise social, crise económica, crise financeira, eu acrescento, "mais uma razão”. A Constituição de 76 que nós temos foi feita num dos momentos de pior crise que Portugal jamais conheceu e foi essa Constituição que ajudou a resolver essa crise, apesar de ter sido feita em enormes dificuldades e em circunstâncias muito complicadas. Eu não creio que a Constituição seja a fonte e repito, eu não creio que a Constituição seja a fonte dos nossos problemas, a causa dos nossos problemas, não é! Nós podemos viver com ela, já vivemos, podemos continuar a viver, eu acho que vivemos mal, mas podemos continuar a viver. Não sou o catastrofista que vem dizer que com esta Constituição está tudo perdido, não é verdade. Esta Constituição não nos cria problemas, não é a causa, mas impede-nos de encontrar melhores soluções e é por isso que devia ser aberto um período, daqui para a frente, para podermos olhar a Constituição com serenidade.

Este Parlamento tem, durante 4 anos, poderes constituintes, poderes revisionistas que já nasceram na legislatura anterior mas não foram utilizados e por isso repercutem-se nesta legislatura. Eu defendo uma nova Constituição cuja estrutura, essência, dimensão, linguagem e propósito sejam bastante diferentes da actual. Devo dizer, que nunca fui radical, ou melhor radical fui, mas extremista não. Também me contentarei com uma profunda renovação, pode-se fazer uma que vá bastante longe em relação à que nós temos.

Agora, vou tentar ser telegráfico, peço perdão mas quero deixar-vos a mensagem essencial e o tempo não é muito. Porque é que eu acho que devemos rever?

Cinco ou seis argumentos:

1 - Muita gente se queixa de tropeçar nas disposições da Constituição. A própria não é uma Magna Carta para estar sempre a ser invocada a bem e a mal;

2 – A Constituição impede políticas, impede reformas, a procura livre de soluções para muitos dos nossos problemas. Ora, não se pode definir e praticar as políticas correntes, de todos os dias, as políticas sociais, económicas, educativas; há muitas políticas que não podem ser formuladas por um parlamento maioritário ou por um Governo por causa dos travões da Constituição;

3 – A Constituição, pela sua carga ideológica e até quase partidária, obriga a políticas muito concretas contrárias à vontade do Soberano, tal como se mede pelas eleições, ou contrárias às maiorias parlamentares. Não é imaginável que se possa viver assim na procura das soluções;

4 – Condiciona excessivamente o Parlamento e o Governo, condiciona o legislador, as novas gerações, a vossa geração, está condicionada pela intenção ou pelo propósito constitucional expresso há 35 anos;

5 – Transforma os debates políticos, muito frequentemente, entre a favor ou contra a Constituição. E é muito frequente ver-se que há um problema qualquer (económico, empresarial, cultural, educativo) e em vez de se discutir os méritos da questão, se a solução deve ser A ou B, o que se discute é se é contra ou a favor da Constituição. Isto não é saudável. Nós temos de discutir os méritos das soluções e não se são ou não contra a Constituição e, depois ir ao Parlamento, ir aos Juízes, ao Presidente da República, pedir a fiscalização anterior. A Constituição parece uma espécie de permanente empecilho ou permanente arma de arremesso entre as forças políticas.

E, finalmente, por esta razão tão simples, a frase não é minha, é de um professor há alguns anos e que não posso citar porque foi em privado, todas as gerações têm o direito de olhar para a Constituição. Todas as gerações têm o direito de rever a Constituição, sobretudo quando ela é muito política, muito programática. Se fosse do tipo americano em que são princípios duráveis, universais e de longa duração, seria diferente.

Segundo ponto, que eu gostaria de vos transmitir, diz respeito ao Método. O método de revisão, para mim, no actual momento em que vivemos é tão importante quanto os objectivos da revisão. Quer isto dizer que nós corremos o risco, se for como nos anteriores, de haver um partido que amanhã põe um projecto de revisão no Parlamento, há um prazo, todos os partidos vão a correr para apresentarem também um projecto e começa a negociação: tu dás-me um bocadinho de sector privado, eu dou-te um bocadinho de Aborto; tu dás-me um bocadinho de Casamento Gay, eu dou-te Regiões Autónomas e começa uma negociação que é tudo menos a afirmação de um Povo, de uma Nação, de uma ideia política.

[APLAUSOS]

Porque é que o Governo, o Parlamento e o Presidente da República não tomam iniciativas, dizendo claramente o que pretendem? A criação, por exemplo, de uma comissão de debate, não é uma comissão de aprovação, é uma comissão de debate sobre a Constituição, com um mandato de um ano, para que possa discutir publicamente toda a Constituição. Porque é que não se associam altas entidades do Estado, os Tribunais Superiores, as Universidades, as Confederações Patronais, os Sindicatos, as Autarquias, todas as pessoas, o Povo Português, todos eles têm a dizer sobre a sua Magna Carta. E, finalmente, todo o Povo, para que ninguém diga "eu não tenho nada a ver com isso”, nem o Presidente da República, nem o Parlamento, que ninguém diga que não tem nada a ver com isso, pois todos têm muito a ver com isso.

Evidentemente, que este debate deveria terminar, a meu ver, num referendo, em que o Povo português votasse se quer aquela Constituição.

Deixem-me agora aludir a alguns antecedentes; faço-o, pois já percebi que a idade média desta reunião já é pós-Constituição, imagino. Houve sete ou oito revisões, só duas é que foram realmente importantes, a de 82 que limpou uma série de dispositivos anti-democráticos que ela continha, nomeadamente a exigência de um Conselho da Revolução, o poder político dos militares, etc., e a de 89 que limpou uma carga colectivista e comunista, relativamente à Economia e à iniciativa privada. As restantes, foram cinco ou seis, sobre pequenos pormenores: era preciso aderir ao Euro, era preciso contar com o voto dos emigrantes… Deixem-me dizer-vos, com toda a sinceridade e sem jogos de palavras, esta Constituição é uma obra-prima; começou a ser feita em Maio/Junho de 75, Portugal queimava, estava em brasa, estava a metros da Guerra Civil. E foi graças à Constituição que se fez durante mais de um ano, que é um albergue espanhol, uma manta de retalhos, uma caldeirada inimaginável, mas foi graças a esta Constituição que se salvou e se fundou a Democracia. Nessa perspectiva é uma obra-prima e cumpriu uma função absolutamente essencial, mas à parte disso, é uma caldeirada: é comunista, é socialista, é social-democrata, é democrata, é corporativa, é revolucionária, é tudo, não há uma inspiração forte, permanente, não há visão de longo prazo, ninguém em Portugal se reconhece naquilo, senão eventualmente os quatro ou cinco que a fizeram, que são verdadeiros engenheiros constitucionais e jurídicos.

Além disso, é uma Constituição super defensiva. Eu só fui constituinte durante três meses, depois fui para o Governo, para Secretário de Estado e deixei a Assembleia Constituinte. Tive a sorte de aprovar 10 ou 15 artigos e devo dizer-vos que já não tenho idade para me comover mas comovi-me no dia em que aprovámos a abolição da Pena de Morte, porque de facto, apesar de se dizer que Portugal aboliu a Pena de Morte desde o século XIX, não é verdade, pois ainda havia em casos especiais. Por exemplo em caso de deserção militar, ainda havia em 75 e eu ver aquela aprovação – não se pode dizer que se estava a fazer História, isso são coisas pomposas de se dizer, mas de repente, olha, pronto, eu ajudei a acrescentar uma vírgula, mais os 250 que lá estavam, ajudei a isto.

Esse tipo de trabalho foi interessante, simplesmente a partir do artigo 25/28/29, a Constituição escapa completamente, era preciso evitar os Militares, o Comunismo também, mas também os Fascistas, os Caciques, então, a Constituição é uma espécie de compêndio de ratoeiras defensíveis para evitar os perigos da altura. É uma Constituição conjuntural, passageira, de circunstância. Era preciso evitar que houvesse um militar populista; que o General Vasco Gonçalves fizeste isto, que o General Spínola fizesse aquilo, ou o Costa Gomes fizesse algo; ou o que o Álvaro Cunhal viesse, ou o Sá Carneiro viesse por aí afora, ou o Mário Soares; era preciso evitar e, então, a Constituição não é de afirmação de orgulho, de um sistema democrático, de Liberdade de nós todos; é uma Constituição totalmente defensiva, cheia de ratoeiras, é por isso que há as discussões constitucionalistas que vocês bem conhecem.

Dito isto, ela é barroca, é presunçosa, ilusória, corporativa, vista hoje é um horror, não há outra palavra, mas o principal e mais importante defeito da Constituição é que diminui a liberdade dos cidadãos, dos seus representantes, do Parlamento e do Governo. Por um lado, obriga as gerações actuais e futuras a aceitar, sem liberdade, decisões de gerações anteriores, por outro lado, limita a liberdade de escolha e de decisão dos Governos e Parlamentos para traçarem as políticas correntes como entenderem.

Eu creio que não se deve mudar os direitos fundamentais, do Homem e da Mulher, não se mexem de 10 em 10 anos ou de 20 em 20 anos, porque são os princípios universais e permanentes. A maior parte da Constituição não é feita de princípios universais e permanentes, é feita de tácticas e estratégicas a curto prazo e de circunstância.

Quais os objectivos?

Dar aos Portugueses vivos, às gerações contemporâneas, o direito de reverem a sua Constituição, actualizar a Constituição no seu tempo, libertar a legislação da sua altura – há inúmeras soluções, inúmeros exemplos, dezenas e centenas de políticas que poderiam ser experimentadas por exemplo para resolver a crise económica e social actual e que não podem ser, porque a Constituição proíbe de uma maneira qualquer.

O objectivo de escrever uma Constituição para os cidadãos, para todos os cidadãos e acabar com a fragmentação dos direitos.

Se um dia tiverem um momento, com muita paciência e tenacidade, leiam a Constituição: há mais direitos parcelares do que universais.

Os direitos das mulheres são às centenas; dos jovens são às dezenas; os das crianças são diferentes dos dos jovens; dos trabalhadores são às centenas; dos artistas; dos emigrantes; … – isto não é uma Constituição, é um programa político.

A Constituição define direitos universais! Não importa se é homem, mulher, criança, doente ou saudável. A nossa Constituição deveria viver de direitos universais e não de direitos segmentários que no fundo é para contentar clientelas – isso é o que fazem os Governos, os Partidos, na actuação do Governo quotidiano.

O objectivo de renovar a representação popular, nomeadamente recriar um sistema eleitoral que não exclua cidadãos.

Vocês olham para mim, muitos de vocês estão inscritos no PSD, JSD, são deputados, e pensam "mas a Constituição não exclui ninguém”. Exclui. Exclui, não mais, não menos, que nove milhões de portugueses que não se podem candidatar a eleições. Não é possível um cidadão independente, um grupo local, um grupo de uma região, um partido regional, um partido pequenino, um grupo pequenino de pessoas, que queiram candidatar um deputado independente, a não ser que aceite inscrever-se num partido, ser militante independente de barriga-de-aluguer de um partido, etc.. Isso não é igualdade de direitos. Se 10 milhões de Portugueses têm direito a eleger, os mesmos 10 milhões deveriam ter direito a ser eleitos: as candidaturas independentes nominais é uma falta inexplicável e injustificável na nossa Constituição. Acrescento já, sobretudo em sede partidária ou proto-partidária como a vossa, que eu não quero que um parlamento seja composto de 250 cidadãos independentes: é uma trapalhada, Portugal não se governaria nunca. Os partidos políticos, as associações políticas, os movimentos políticos, criam racionalidade às decisões e aos programas políticos. O que eu quero é ter um meio de escolha dos partidos políticos. Se os partidos políticos se sentirem ameaçados porque o candidato de Fornos de Algodres, ou de Vila Real, ou de Lisboa, são maus candidatos, mal escolhidos, porque são fiéis e não-imaginativos e não-livres e não-independentes; se o partido tem medo dos independentes dentro de si próprio, então os independentes correm por fora; isto obrigaria, a prazo, cinco ou dez anos, estou convencido que isto melhoraria a saúde política e imaginativa dos partidos políticos e que o número de deputados independentes seria sempre ínfimo, pequenino, como é noutros casos, vão a Inglaterra, Estados Unidos, França, Países Nórdicos, há sempre dois, três, cinco, dez, quinze deputados independentes, mas no essencial são deputados dos partidos eleitos nesse sistema.

Finalmente, o último objectivo: reformar a Constituição judiciária, isto é, a parte relativa à justiça portuguesa. Considero há 20 anos que o sistema de Justiça é o pior problema de Portugal, político, social, económico, financeiro, é o pior problema de Portugal. Problema para o qual os Governos do País, dos últimos 15 anos, não têm conseguido encontrar solução. E para a Justiça não há alternativa, por isso é o pior problema de todos. Se vocês querem casar, vender, comprar, trabalhar, empregar, ser empregado, mudar de casa, despejar, etc., para tudo isto é necessária a Justiça e a Justiça é pública.

É das raras funções que não deve ser privatizada. E das mais nobres do Estado e não há alternativa, pois não posso ir buscar Justiça a Espanha; posso ir buscar Saúde ou Educação se tiver dinheiro; não posso ir a França ou Inglaterra para que me ajudem a resolver um problema; não posso ir a um offshore, um paraíso fiscal, para resolver os meus problemas de Justiça. É em Portugal que eu tenho de resolver, com a justiça portuguesa. Eu creio que é o capítulo em que a revisão profunda da Constituição deveria agir.

O Carlos Coelho está a contar os minutos, já viu que fizemos exactamente vinte minutos e eu vou-me calar mas espero que depois as vossas perguntas incidam sobre isso.

O que rever em particular?

1 – Fazer com que a Constituição Portuguesa seja universal e que acabe com a multiplicação de direitos parcelares, porque um direito parcelar é sempre um direito contra alguém. Quando eu dedico 10 artigos enormes, por exemplo, aos direitos dos trabalhadores e uma linha à empresa económica, estou a consagrar um direito contra o outro; quando dedico 12 artigos aos sistemas judiciais e corporativos e duas linhas ao sistema privado, estou a consagrar alguém contra alguém; quando dedico três linhas às Pequenas e Médias Empresas – que vem na Constituição - porque é que eu excluo as grandes? Porque é o Estado português há-de ter uma política que é contra ou indiferente às grandes empresas; as pequenas, as médias e as grandes empresas, fazem todas parte do tecido nacional. Uma Constituição universal é o primeiro objectivo.

2.º O sistema eleitoral, não me vou alargar sobre isto. Um sistema eleitoral em que todos tenham o direito a ser eleitos nas mesmas condições, qualquer que seja a sua situação partidária ou não.

3.º Um retoque essencial no Sistema do Governo que incidiria sobre o facto de o Governo ter de ter o seu programa aprovado por maioria no Parlamento e acabar com as tentações e tentativas de governo minoritário como já tivemos no passado.

4.º O sistema de Justiça. Não vou dar os pormenores, pois há várias coisas a fazer na Justiça, nomeadamente, evitar que o Presidente do Supremo seja o Presidente do Conselho Superior; eliminar os três Conselhos superiores, fazer um só; retirar poderes ao Conselho, há vários dispensáveis; porque actualmente é um dos corpos mais poderosos e mais distantes da legitimidade democrática, mais afastado do Soberano e com mais poder próprio. Em Portugal criou-se um vício semântico e político em nome da independência do juiz quando julga – princípio sagrado – em nome disso, criou-se a independência e a auto-gestão dos juízes e isso é inaceitável.

[APLAUSOS]

Se os juízes são órgãos de soberania, como alguns pretendem ser, têm de respeitar o Soberano e o Soberano é o Povo, directa ou indirectamente. Se os juízes são funcionários públicos, como alguns querem ser, pelo menos alguns membros de sindicatos de juízes, pura e simplesmente deveriam, não digo ser proibidos (que a palavra é feia), mas inibidos do direito sindical. Os militares são inibidos de direito sindical e ninguém grita, ninguém berra que os juízes também deveriam ser.

Há certamente muitas mais formulações e objectivos globais. Estes, para mim, são os mais importantes, é sobre estes que poderei alongar-me se quiserem. O que eu pretendo é que haja um debate sereno, profundo, racional, sobre a Constituição; que quem dirigir e orientar esse debate durante meses – e não de supetão, como se costuma fazer na Assembleia – que o faça com a certeza de que o Povo está à escuta, que os Portugueses querem saber, se lhes disserem, se lhes falarem alto, se souberem, se puderem participar, se chamarem as Universidades, se chamarem as Empresas, os sindicatos a colaborar no que seria uma obra histórica.

Eu gostava de sonhar com uma Constituição positiva, orgulhosa, não-defensiva, simples, breve, que me diga onde está a minha liberdade que é a coisa mais importante de todas; quais são os meus direitos, deveres e garantias. Para que é que eu preciso de saber que a Constituição também se interessa pela Crianças, de modo diferente que se interessa pelos Jovens, Adultos, Velhos e Idosos?

É essa Constituição universal que faria de nós cidadãos universais, além de Portugueses e com a qual eu sonha que seria uma afirmação clara, serena e tranquila do meu País e do meu Povo. Muito obrigado.

[APLAUSOS]

 
Dep.Carlos Coelho

Primeiro ciclo de perguntas: pelo Grupo Encarnado, Pedro Pires; pelo Grupo Verde, Rogério Gomes Gouveia.

 
Pedro Pires

Boa tarde a todos, Professor António Barreto, mais uma vez muito obrigado por estar aqui connosco. A minha pergunta é a seguinte: no âmbito de uma revisão constitucional acha que uma Constituição mais simples, com princípios mais universais e menos restritiva poderia ajudar a combater a burocratização pela qual o Estado é tantas vezes criticado?

Obrigado.

 
Rogério Gomes Gouveia

Boa tarde a todos. Professor António Barreto, antes de mais, quero agradecer a sua vinda cá e depois também gostava de lhe dizer uma coisa: eu considero que o Professor António Barreto tem sido meu professor ao longo destes anos. Tem-me ajudado a perceber a realidade portuguesa, como tem-me ajudado a ser crítico e a participar activamente na vida política.

O Grupo Verde encontrou uma afirmação que achou muito interessante, que é de uma entrevista dada a um meio de comunicação, a qual eu passo a ler: "Os políticos devem exprimir-se com verdade, pois os Portugueses merecem ser tratados como cidadãos livres e não apenas como leitores resignados e contribuintes inesgotáveis”.

Nós sabemos que hoje a política portuguesa baseia-se em confrontos políticos entre os partidos, agressividade e, muitas vezes, mentiras. Essa é uma das razões que os Portugueses se estão a afastar da política e cada vez mais desacreditam da mesma. O que acha que vai acontecer à vida política portuguesa se os políticos continuarem com essa forma de o fazer?

Obrigado.

 
António Barreto

Eu estou mandatado a dar respostas curtas.

Grupo Encarnado, a Burocracia. Eu creio que uma boa revisão constitucional poderia contribuir, não é o seu objectivo mais importante de todo, mas poderia contribuir. Poderia, por exemplo, esclarecer, de uma vez por todas, a questão da Regionalização ("ou sim, ou sopas”). O que está é ridículo: há distritos, não há; há Governadores Civis, mas não há; em que situação é que nós vivemos? Neste domínio, algumas coisas poderiam ser mudadas e ter um resultado positivo. Vou-lhe dar outro exemplo (queria dar há bocado, mas estava um bocadinho apressado). Eu sou da opinião pessoal (tem o risco de estar errada como qualquer outra) favorável ao desmantelamento do carácter unitário e integrado do sistema educativo português. Isto é, uma redução das funções do ministério da educação, praticamente ao mínimo indispensável, que é o orçamento nacional, do currículo nacional e a função da inspecção, creio que no essencial é tudo, e que as Escolas sejam entregues – depois podemos discutir a quem – às comunidades locais.

O que são as comunidades locais? Podem ser as autarquias, os pais, os professores, ou uma junção deles todos. Não pensem que estou a sonhar. Ou, antes, para Portugal, estou a sonhar. Há hoje, centenas, milhares, de escolas em vários países do Mundo que perceberam que há 10/20 anos bateram na parede, que tinham situações muito más, tão más quanto nós, e começaram a pensar serenamente novas Escolas. Há hoje em Inglaterra, o movimento das Academies, das Free Schools e das Charter Schools na Inglaterra e nos Estados Unidos. E, atenção, não pensem já: "está a privatizar tudo”? Não, não está a privatizar tudo. A maior parte das Free Schools e Charter Schools que existem na Inglaterra, Holanda, Suécia, Finlândia, Noruega e Estados Unidos, de que toda a gente fala e ninguém cá de Portugal foi ver, são escolas públicas que se candidatam a receber do Estado o financiamento. Os professores são recrutados pelas escolas, uma parte do currículo pode ser determinado pela escola, é ela quem faz os seus próprios objectivos e faz a sua própria avaliação.

Qual Ministério da 5 de Outubro, qual carapuça! Isto é totalmente impossível de fazer com a constituição que temos. Mesmo tentar empiricamente encontrar novas soluções para a Saúde, Educação, Segurança Social e, portanto manter esta Burocracia, no sentido de poder de Estado, poderia haver muitos casos de soluções em que melhorariam a gestão e combateriam a burocratização, pelo menos indirectamente.

Quanto à pergunta Verde, eu não lhe posso dizer onde é que vamos acabar. "Onde é que isto vai dar?”, é a pergunta que se faz muitas vezes. Eu vou (agora diz-se muito partilhar coisas com os outros) também partilhar convosco qualquer coisa. Sou muito optimista, comigo próprio, com a minha vida, sou optimista em geral, mas tenho a reputação de ser céptico, de ser pessimista, não sei porquê. Pela primeira vez na minha vida, eu sinto que a próxima década vai ser má (isto é, a década que começou hoje) e que vai haver outra década boa, mas já não estarei cá, já tenho 70 anos, é o que acontece às pessoas.

Porque toda a minha vida eu pensei "a seguir a isto, vai correr bem”; ao regime anterior, à Censura, à Polícia, à PIDE, ao PREC, à Revolução, ao Comunismo, a tantas coisas, e as coisas acabaram a correr bem. Houve uma vez, em que me enganei redondamente, em fins de Março de 1974, faltava um mês para o 25 de Abril, já tinha havido uma rusga, que os mais velhos se lembram, era a descida das Caldas da Rainha sobre Lisboa, toda a carga militar que ia fazer o golpe, foi tudo preso. Eu vivia na Suíça e fiquei furioso com os militares, com o Spínola, com toda a gente, deixei o emprego, fui andar pela Europa de comboio durante 15 dias porque estava furioso, disse aos meus amigos "olha, já não há Liberdade para Portugal, não há outra oportunidade”; tinha 30 anos (e vejam só o que é ser parvo às vezes), ainda lhes disse "nunca vou ver a Liberdade em Portugal, o fim do Apartheid e o fim do Comunismo”. A Liberdade em Portugal ainda se podia discutir; agora, pensar que o Apartheid podia um dia acabar… Alguns de vocês não sabem o que é o Apartheid ou o Comunismo, e curiosamente enganei-me redondamente nas três e felizmente.

O que vem a seguir, não sei, vai ser difícil. O que eu sei é o seguinte: se não há uma mudança importante no comportamento político e dos dirigentes portugueses, se não há uma atitude mais nobre e verdadeira em relação à informação, se não se diminui profundamente o grau de manipulação e condicionamento de informação dos cidadãos, se não se encontram os dispositivos para interessar os cidadãos para a vida política, que se possa inverter de uma maneira qualquer essa tendência terrível do abstencionismo e da distância, para a frase terrível que provoca alucinação "São todos os mesmos, para que é que eu lá vou; são todos iguais, tudo do mesmo”. Vocês ouviram esta frase dezenas de vezes. Se nada se fizer e se se fizer uma espécie de conservadorismo, "que já era assim antigamente”...

Eu conheço algumas pessoas que nos jornais e telejornais, todos os dias, dizem a mesma coisa: "já era assim há 10 anos, já era assim há 100 anos”. Não acreditem que era assim. Há coisas que mudam e muito. Se não se fizer nada para alterar a vida política e a relação dos dirigentes com os cidadãos, isto acaba mal. Também penso que depende mais dos cidadãos do que dos políticos para mudar.

[APLAUSOS]

 
Dep.Carlos Coelho

Já que estamos em momentos de partilha: em 82, eu fiz com alguns companheiros nossos, particularmente com o actual Primeiro-Ministro, uma coisa que foi o PPJP – Projecto Político para a Juventude Portuguesa – e recordo-me de ter lido um livro "A queda final” do Emanuel Todd, em que ele previa o fim do império soviético, não por razões políticas mas económicas, que aquilo era economicamente impossível e ia acabar por ruir. Estávamos no Hotel Alfa, na fase final do projecto, e virei-me para o Dr. Pedro Passos Coelho e disse-lhe: "Ó, Pedro, este gajo é doido, quero dizer, é evidente que o império soviético não pode ruir”. Era com a tal lógica das coisas; era a estrutura mais sólida que nós tínhamos na política internacional, a lógica do mundo bipolar..., e ruiu, ruiu.

Esta é uma boa lição que a partilha desta história da vida do Professor Barreto, de Março de 1974 nos deixa: vocês não tomem nada por definitivo, as coisas mais sólidas, as verdades que parecem mais garantidas, podem mudar, sobretudo se quisermos que elas mudem e se, pela nossa acção, nós as conseguirmos transformar.

Segundo ciclo de perguntas: Leandra Cordeiro do Grupo Cinzento e Marcelo Rafael do Grupo Castanho.

 
Leandra Cordeiro

Boa tarde a todos, um cumprimento especial ao Dr. António Barreto e agradecer o facto de privar connosco neste Almoço-Conferência. No entanto, não podia deixar de referir que o agradecimento maior é o que o País lhe deve, pelo rigor e seriedade com que sempre diagnosticou a real situação do país, por ser incómodo e certeiro. Em nome do Grupo Cinzento, o nosso obrigado.

[APLAUSOS]

Nos seus discursos, não ignora nada nem ninguém, não esquece as desigualdades, a crucialidade de reforma constitucional como acabou de referir, a inevitabilidade da mudança do paradigma que a Esquerda tanto gosta de inscrever no seu património genético, mas o Estado Social é e a sua garantia é uma preocupação nossa, aliás, só faz sentido se for uma preocupação de todos. Dr. António Barreto, ao falar-se de Estado Social, perguntamos: Igualdade ou Equidade Social? Segundo: podemos nós falar de Justiça Social sem falarmos de Solidariedade?

Obrigada.

 
Marcelo Rafael

Boa tarde Dr. António Barreto, é com grande prazer que estou aqui a almoçar consigo, tanto eu, como o meu Grupo Castanho.

A minha pergunta vai um bocado no meu interesse. Eu sou de Alcains, perto de Castelo Branco, sou do Interior, por isso a minha pergunta é a seguinte: Portugal, apesar da reduzida dimensão em relação dos restantes países europeus, actualmente revela claras diferenças estruturais entre o Interior e o Litoral, resultado de um modelo de desenvolvimento económico e social que ignora o Interior.

Sendo sociólogo de formação, tem-se dedicado à investigação de temas como a evolução da sociedade portuguesa, indicadores sociais e reforma agrária. Em sua opinião, qual é futuro do Interior, será que vale a pena morar no Interior?

[APLAUSOS]

 
António Barreto

Muito obrigado pelas suas perguntas.

O problema é que as vossas perguntas são tão complexas e exigiriam tanto tempo, depois quem aguenta com o Carlos Coelho sou eu.

[RISOS]

Grupo Cinzento, vou tentar ser verdadeiramente telegráfico. Em primeiro lugar, o Estado Social Europeu é a criação de vários partidos, não é apenas da Esquerda nem da Direita; não é criação de um grupo político apenas. Eu sei que a Esquerda considera-se – pois, se quiserem também podemos discutir isto - proprietária do Estado Social e não é verdade. Entre os grandes fundadores do Estado Social Europeu e da União Europeia e da Europa, contam-se alguns Sociais-Democratas, alguns Socialistas, muitos Democratas-Cristãos, até tendências de partidos liberais e radicais, do Centro-Direita faziam parte dos grupos de fundadores e, portanto, não é verdade o Estado Social seja exclusiva propriedade da Esquerda, como não é verdade que o sentimento de protecção e de solidariedade sejam propriedade privada de um partido ou outro.

O que você perguntou, eu não percebi muito bem a parte final, sobre Justiça Social ser possível sem solidariedade. Eu creio que não, não há justiça social sem solidariedade com certeza. Eu acho que hoje ultrapassa isso. O ponto mais importante nos tempos modernos foi a criação dos Direitos Sociais; aqueles que se chamam de segunda ou terceira geração, já há quem diga direitos de quarta geração, mas isso faz parte da semântica dos especialistas. Vocês na nossa Constituição e em muitas das Constituições através do Mundo encontram coisas como: Direito ao Emprego, Direito à Habitação, Direito ao Trabalho, Direito à Saúde, até já há quem fale em Direito à Felicidade. Os primeiros a falar em Direito à Felicidade foram os Americanos, a Constituição Americana, mas curiosamente, como sempre, eles conseguiram com a retórica política americana que é excepcional – e quando vocês tiverem tempo para ler a grande retórica dos políticos dos Estados Unidos, leiam porque se aprende – fala-se em Direito a fazer tudo o que é preciso para que cada indivíduo possa perseguir a felicidade "in pursuit of happiness”. A ideia geral de Solidariedade criou um conjunto de obrigações de uns para com os outros. Isso é que é Solidariedade, como ela é entendida normalmente, e faz com que haja descontos, Segurança Social, emprego, Subsídio de Gravidez, etc., para os pobres, Rendimento de Inserção, etc…

A criação de Direitos Sociais é, a meu ver, um avanço no progresso da Humanidade e de, hoje (uma vez mais) ninguém se pode reivindicar como sendo os exclusivos proprietários ou autores, porque não é verdade, é uma mentira. O problema é que o Direito Social criou/teve um efeito inesperado, um efeito perverso, foi que retirou a dimensão humana da solidariedade.

Vocês já viram, certamente, discussões em público, a dizerem "eu sou pela Solidariedade, mas sou contra a assistência, a caridade, isto não é uma caridadezinha, isto é solidariedade”. Ora as duas coisas são indispensáveis. Quando vocês vão a uma prisão, quem está a visitar os presos não é o Estado, são as pessoas e são voluntários, muitas vezes ligados à Igreja, acrescento eu. Quando vocês vão aos hospitais, quem está a visitar os doentes humanamente, além da família de vez em quando, são voluntários que estão lá a título pessoal e que não conhecem os doentes. Isto não é apenas Solidariedade, isto é outra coisa, porque Solidariedade é a que se organiza através dos Ministérios.

A meu ver, além de que o Estado Social só se deve construir à medida que se tem meios para isso e em Portugal fez-se um bocado o contrário, começou-se por criar os benefícios e os dispositivos todos e depois é que foi tentar criar a riqueza à altura disso – é uma das razões das causas para a situação em que vivemos. Além disso, a Solidariedade deve viver não só de direitos sociais mas também de voluntarismo, voluntariado, acções humanas, pois sem humanidade não há Solidariedade plena, é apenas Solidariedade do cheque ao fim do mês e que não chega para resolver.

Grupo Castanho, esta é a pergunta do milhão de libras, do milhão de dólares. Eu vou dizer uma coisa que vai desagradar a si e às outras pessoas que aqui estão.

Em Portugal, uma grande parte do Interior despovoado é irreversível. Não vale a pena pensar que é possível fazer coisas tão loucas, como já há vários Primeiros-Ministros, Políticos e Presidentes das Repúblicas disseram, que é voltar a revitalizar o Interior ou voltar a fazer com que se criem raízes no Interior e então a frase mais odiosa que é "fixar as populações do Interior no Interior”. Se me tivessem fixado quando eu tinha 10 anos, eu estava em Vila Real de Trás-os-Montes sem sair para sítio nenhum do Mundo; não ia para a Universidade, não ia para a Suíça, não ia para o Mundo, estava fixado. Isto não é aceitável, em nome da Liberdade, não é aceitável.

De qualquer maneira, o nosso desenvolvimento económico ou falta dele, os modelos de crescimento económico ao longo destes 40/50 anos foram tais que condenaram uma parte importante do Interior (não digo todo) a não estar povoado conforme estava, que deixou de ser definitivamente a sociedade rural que era, com habitações, aldeias, montes dispersos ou juntos. Isso é irreversível, não é possível voltar atrás, mas o que é possível é permitir, incentivar e estimular o desenvolvimento de alguns núcleos urbanos importantes no Interior. Às vezes tenho essa impressão, de que, quem sabe, a partir de Évora, Viseu, talvez de Castelo Branco um pouco, Vila Real, provavelmente, é possível que estes núcleos com serviços públicos, empresas, criação de riqueza, com pessoas, que estes núcleos se possam desenvolver e manter parte do Interior. O mais importante para mim é que o Interior mesmo despovoado não seja abandonado, isso é que é o ponto e em que Portugal tem falhado; quando as pessoas saem, não fica nada: não fica uma floresta produtiva, não fica uma floresta bem tratada, não ficam caminhos e serras e terras onde as pessoas possam ter as suas casas de fim-de-semana, onde as pessoas possam passear, ter as suas férias, ter madeira, recursos naturais… Eu visitei longamente uma das regiões mais lindas do mundo que é a Escócia, que tem milhares de quilómetros sem pessoas, mas as florestas estão bem aproveitadas e bem tratadas.

Eu sei que nós temos o incêndio, mas o incêndio não é uma condenação; há mais incêndios em Portugal com o calor do que na Escócia, mas pode haver muito menos do que há hoje, se for bem aproveitado e bem explorado. Há muito para fazer no Interior para aproveitar. O que eu quero é que tirem da cabeça que é – quando um político diz "eu quero revitalizar as populações do Interior, ou fixar as populações”, normalmente está a fazer um comício no Interior e está a tentar ganhar votos –, as populações não querem ser fixadas, querem ter liberdade e oportunidades, seja lá seja noutro sítio qualquer! Há coisas que são irreversíveis na História da Humanidade e quando é assim temos é de encontrar novas soluções para os novos problemas, nomeadamente o abandono, o abandono é que é o ponto, não o despovoamento.

[APLAUSOS]

 
Dep.Carlos Coelho

Vamos fazer um ciclo de três perguntas: João Bastos do Grupo Azul; Carolina Cruz Xavier do Grupo Rosa; e Afonso Leitão do Grupo Laranja.

 
João Bastos

Bem, antes de mais, boa tarde ao Dr. António Barreto. Vou fazer uma pergunta breve e telegráfica. O que eu queria perguntar é se acha que o actual Governo de Passos Coelho tem capacidade para levar avante as reformas a que se propôs com a Troika? E também lhe pergunto outra coisa: caso o Governo não tenha essa capacidade, se a própria III República pode estar em risco.

Para terminar, vou aproveitar aqui, peço desculpa aos restantes comensais se cometer alguma injustiça, mas vou citar aquele que é provavelmente, ou melhor, indubitavelmente, para mim o político português mais talentoso da actualidade que é o Dr. Paulo Rangel e que disse uma vez que caso o governo português não seja capaz de realizar as reformas que são necessárias é possível que o País entre numa convulsão constitucional. Acha isso possível?

E agora termino a minha intervenção e a minha pergunta recordando o filme que sugere, do grande Luchino de Visconti, iremos todos acabar como dizia o Príncipe de Salina "é preciso às vezes que tudo mude, para que fique tudo na mesma”.

Obrigado.

 
Carolina Cruz Xavier

Boa tarde, Dr. António Barreto, em nome de todo o Grupo Rosa nós gostaríamos de agradecer imenso aqui a sua presença. A nossa pergunta é a seguinte: será útil alterar a Constituição no sentido presencial, ao invés do actual sistema parlamentar de Assembleia, tendo em conta e, na medida em que, é difícil formar maiorias estáveis, e a maior responsabilização dos governantes?

Muito obrigada.

 
Afonso Leitão

Ora, muito boa tarde! Em primeiro lugar, no nome do Grupo Laranja, dar as boas-vindas e felicitar o Dr. António Barreto por estar aqui presente. A nossa questão é a seguinte: não há só os direitos, liberdades e garantias nacionais, também há direitos oriundos da União Europeia. Na possibilidade de existir uma nova Constituição, qual consideraria ser o texto mais adequado no sentido de salvaguardar aquilo que existe que é o princípio do primado do Direito da União Europeia sobre o Direito nacional e qual era o conteúdo mais correcto para salvaguardar esses Direitos, Liberdades e Garantias dos cidadãos.

 
António Barreto

Grupo Azul, se o Governo tem capacidade… Primeiro é muito cedo para avaliar o actual Governo; eu tenho esperança e gostaria que ele conseguisse, com certeza, e ele tem a possibilidade de conseguir. Se tem as capacidades e se consegue mesmo, não sei; podia estar a fazer uma profissão de Fé, mas isso não interessa para estas coisas.

Tem a possibilidade, tem sim senhor, em dois, quatro anos, tem a possibilidade de fazer a diferença e de pôr as coisas num bom caminho, tem sim senhor. De tudo resolver, acho que não, porque acho que a maior parte não se resolve em três anos.

No quadro da Troika, você mencionou a Troika, eu não quero discutir; vocês já estiveram com o Vítor Gaspar, já estiveram com pessoas mais sabedoras, mais eminentes, mais talentosas do que eu; não quero discutir esse assunto, vocês devem já saber tudo. A minha convicção laica, isto é, não sendo Economista e, ainda menos, Financeiro, é que o acordo entre Portugal e a Troika foi um acordo excessivo no prazo. Eu estou convencido que tudo aquilo que ali está podia ser perfeitamente feito em 5 ou 6 anos e que é excessivo no prazo.

Talvez uma maneira boa de começar a fazer um primeiro ano, bem feito, bem cumprido, até por excesso pelos vistos, a fim de renegociar, estou convencido, não é renegociar a dívida, isso é conversa fiada; este programa pode dar efeitos, pode ser menos violento, menos ríspido com a Sociedade se for feito em cinco ou seis anos, os resultados serão tão bons ou melhores do que assim. Há possibilidade de uma convulsão? Com certeza, não é para amanhã, não é para depois de amanhã. A Sociedade Portuguesa tem mostrado uma resiliência superior a muitas outras em situações semelhantes e alguma paciência, e as pessoas estão com medo. Há muita gente, sobretudo nas classes mais desfavorecidas, que estão com receio de perder o Pão, a Escola, o Trabalho, o Emprego e quando as pessoas estão nestas circunstâncias normalmente têm mais que fazer do que andar a fazer convulsões por qui e por acolá.

Estou convencido que as coisas não serão para amanhã, eu já sei que há políticos que dizem que em Outubro ou Setembro as convulsões vão começar, eu creio que não, mas há riscos de a prazo maior haver alterações importantes. Ficar tudo na mesma, não vai ficar de certeza. O que nós estamos a viver é tão sério, tão grave, tão fundo, que Portugal não vai ser o mesmo daqui a 10 anos, nem pensem nisso, até porque como Portugal também vai mudar muita coisa na Europa e não se pense que nós temos a nossa Paróquia e que vai resolver os nossos problemas. Sem, ou fora da Europa, ou com a Europa, ou contra a Europa, mas o que acontecer na Europa nos próximos 10 anos vai ser decisivamente importante para Portugal ao longo destes 10 anos.

Estar a prever, não percam tempo; percam tempo a idealizar cenários possíveis (A, B, C, D): Portugal sem o Euro, Portugal fora do Euro, mas na União; Portugal fora da União; passar a haver várias Uniões Europeias, é possível. Aliás, vocês se fizerem um bocadinho de esforço, há pelo menos três Europas: a União Europeia é uma, a de Schengen é outra (há quem esteja dentro e quem esteja fora) e há a Europa do Euro – são três Europas pelo menos que existem. Eu não queria vos surpreender se daqui a cinco anos houvesse quatro Europas, ou cinco Europas, e que se encontrasse uma ginástica qualquer. Ou senão – agora vou-vos dar a minha opinião, que eu não resisto – se a Europa quando um dia tiver juízo trava a federalização e diz "ok, agora nos próximos 30 anos não vamos avançar”; aquela história da bicicleta que é dada pelo Jacques Delors, e portanto não vamos avançar, porque vamos deixar que apareçam Europeus, porque não há Europeus.

Quando aqui nesta sala, eu estiver com homens e mulheres de várias nacionalidades, casados uns com os outros, mestiços, com vários cores, um esloveno, um eslovaco, um polaco, um inglês, um francês, um suíço, nessa altura, quando as empresas forem de vários países, quando as universidades forem de vários países, quando isso estiver realmente entrosado, então sim, teremos uma Europa. Hoje não temos uma Europa, temos um continente e temos vários países lá dentro.

Equipa Rosa, é Rosa?

[RISOS]

Eu omiti este capítulo na minha apresentação, de propósito, pois isto é uma coisa muito polémica e corremos o risco de perder tempo com isto. Eu sou favorável na revisão constitucional, eu sou muito favorável a uma alteração do sistema de Governo e de regime, no sentido da sua parlamentarização. Acho que o regime mais civilizado, mais de progresso, mais laico, mais racional, é um sistema em que o Parlamento é realmente a primeira instância política do país. Mas, como a maioria da população, como hoje há muita gente que pensa nisto, que é melhor favorecer a presidencialização, isto é, o Presidente com mais poderes, porque estamos a viver uma grande crise e há uma grande fragmentação do País, eu não ficaria totalmente descontente.

Porque é que eu estou a falar assim, pareço estar a ser Salomão e a tirar os burrinhos da água, não, eu prefiro a parlamentarização, mas o que eu quero acima de tudo é que a revisão constitucional clarifique, porque o que nós temos, uma vez mais, não é nada. Quem vos disser que é semi-presidencialismo, está a mentir. Portugal não é semi-presidencialista; é-o a França: o Presidente da República manda no Governo e reúne o Conselho de Ministros. Cá em Portugal isso não acontece: o nosso Presidente da República nos últimos seis anos perdeu mais tempo a dizer que não tem nada a ver com o assunto do que a dizer que tem a ver com esse assunto.

O Presidente da República não se pode exprimir, não se deve exprimir; ele disse isto muitas vezes, como vocês sabem; é a interpretação dele e eu respeito-a, sublinho, mas não estou de acordo, que é outra coisa.

O que eu queria era a clarificação do sistema político e do regime, e prefiro o Parlamento. Porque é que eu não me importo que a Inglaterra seja monárquica, sendo eu Republicano? Porque o Parlamento é que é o último órgão de poder e nos países em que há monarquias mas em que é o parlamento que é o verdadeiro representante do Povo, eu sinto-me bem e entre gente civilizada.

Equipa Laranja, eu gostaria que a nova Constituição fosse suficientemente flexível para, por um lado afirmar os princípios nacionais, os princípios da liberdade dos cidadãos portugueses tanto quanto é possível do ponto de vista universal, mas que ao mesmo tempo estivesse flexível para Portugal se poder ligar a uma Europa ou a outra Europa, isto é, eu não tenhamos, para tudo o que a gente faça no futuro, estar a rever novamente a Constituição porque há qualquer coisinha que não funciona: porque o Banco de Portugal isto, porque a moeda aquilo, porque o Supremo Tribunal aqueloutro. Nós temos de ter a construção de quanto menos programática e política, mais a Constituição Portuguesa é flexível para poder, porque o que vai acontecer na Europa é imprevisível. Tenhamos consciência disto.

O Carlos Coelho sabe mais da Europa que todos nós juntos. Fez um belíssimo livro, de compêndio, de cicerone e de guia, do que é a Europa; ele deve saber certamente o que a Europa será daqui a cinco ou dez anos é imprevisível hoje.

[APLAUSOS]

 
Dep.Carlos Coelho

Senhor Professor, nós temos uma tradição, nestes jantares, ou almoços, conferência, que é deixar a última palavra ao nosso convidado, por uma questão de cortesia, portanto eu não torno a pegar no microfone para lhe agradecer este fantástico momento pelo qual ansiei durante quatro anos. Quero confirmar aquilo que o Professor Barreto disse há pouco: não foi por nenhuma razão especial, ele tem um retiro em Oxford todos os anos; sim, porque ele é um homem do mundo - nós fazemos aqui em Castelo de Vide ou nas praias de Portugal, mas há pessoas mais elegantes que fazem retiros intelectuais em Oxford e coincide sempre com a Universidade de Verão - e este ano tivemos o privilégio de o termos cá nesta altura.

Portanto, queria agradecer-lhe sinceramente, sabe que é do fundo do coração, aprendemos sempre muito consigo e para mim, pessoalmente, é um privilégio ter aqui.

Para a última ronda de perguntas ao nosso convidado, ao Professor Doutor António Barreto, daremos a palavra à Tânia Bragança do Grupo Amarelo, ao Tiago Cunha do Grupo Bege e ao Vasco Teixeira do Grupo Roxo.

 
Tânia Bragança

Olá, muito boa tarde, à mesa. Olá, muito boa tarde, Dr. António Barreto, é com grande honra que o grupo Amarelo tem o prazer de o receber neste agradável almoço. Obrigada por nos fazer reviver o debate sobre a Constituição e a questão que o Grupo Amarelo tem para lhe colocar é sobre a Pordata.

Nós gostaríamos de saber se a Pordata é essencial ao futuro da política, qual é o passo seguinte e como pretende fazer evoluir esta ferramenta.

Muito obrigada, boa tarde.

 
Tiago Cunha

Boa tarde. Excelentíssimo senhor Professor Doutor António Barreto, muito obrigado por ter vindo à nossa Universidade de Verão da JSD e a questão que queremos colocar será: estaremos a assistir à substituição das estruturas de participação social e política tradicionais, tais como os partidos, sindicatos e associações, por novas estruturas, como os fóruns políticos espontâneos, blogues, comissões de trabalhadores e movimentos de protesto? Como deve ser este processo reflectido no processo político?

Obrigada.

 
Vasco Teixeira

Boa tarde a todos e Professor Doutor António Barreto. A dúvida do Grupo Roxo é muito simples e directa: no âmbito da reforma administrativa acha que a Regionalização poderá ser parte da solução para Portugal?

 
António Barreto

A coisa mais inesperada que ouvi hoje, foi uma pessoa que todos os meses vai almoçar e jantar durante uma semana no sítio onde se come melhor no Mundo, que é Estrasburgo, mostrar um bocadinho de inveja porque eu estou numa casa em Oxford a ler livros.

[RISOS E APLAUSOS]

Nunca esperei.

[RISOS]

Grupo amarelo, a Pordata está em vésperas de mais umas revoluções, mais uns passos em frente. Já agora, o lema da Pordata é "o Conhecimento é a Liberdade” e que sem o Conhecimento não podemos exercitar a nossa Liberdade. É um serviço público, o mais complexo possível, como sabem, temos Portugal por um lado, por outro lado temos a União Europeia.

Todos vocês, os que têm um iPhone já podem descarregar a Pordata, quem está tanto em Portugal como na Europa.

Vamos ter uma secção que é a evolução da opinião pública Portuguesa e Europeia ao longo de 30 anos. Nós recolhemos todos os barómetros europeus, a começar pelo EuroBarómetro; recolhemos desde os anos 80, foram trabalhados para poderem ser compatíveis, como vocês sabem há quatro fontes de sondagens permanentes às atitudes e comportamentos europeus e conseguimos saber, por exemplo, a evolução dos portugueses ao longo de 20 anos, dos sentimentos religiosos, a Família e perante a Economia. É muito interessante ver em longos períodos como a expressão das atitudes é consistente.

Em segundo lugar, no fim do ano ou no princípio do próximo ano, metemos o quarto grande capítulo da Pordata, que são as regiões e municípios, ou seja, vamos multiplicar 308 que é o número de municípios em Portugal, cada município passará a ter a sua Pordata, a sua evolução económica, social, demográfica, etc.

Depois, vamos ter ainda este ano, a partir talvez já de Outubro, ainda não tem nome definitivo portanto não vos posso dizer qual é o nome definitivo. É uma espécie de Pordata da Crise. Nós juntámos todos os dados que sendo anuais, semestrais, trimestrais e mensais, nos podem dar uma dimensão muito mais rápida de como é que estão a evoluir as dificuldades dos Portugueses, incluindo dados privados, vamos ter dados sobre os produtos alimentares, as escolas, a organização das famílias, até o consumo da gasolina relacionado com o uso de transporte públicos ou privados; como é que as pessoas reagem: se compram menos frango e mais salsicha, menos carne de vaca e mais carne de porco. Tudo isto é possível, hoje em dia, verificar, ver e acompanhar de muito mais próximo o que se está a passar. Vamos ter dados das organizações de Solidariedade: quantas refeições são dadas por dia, quanta comida é distribuída, roupa, etc., e vamos ter finalmente, uma medida – eu já estou farto de ouvir (peço desculpa) "bocas”: "ah, a Sociedade está terrível; milhares de pessoas tiveram de tirar crianças das escolas; milhares de crianças não comem isto ou aquilo” e a gente pergunta "Como é que sabe? Onde é que está a informação?”, "Ah, isso não sei, ouvi dizer”. Ouvi dizer?! Não podemos viver num país em liberdade só com o "ouvi dizer”.

E, finalmente, daqui a um ano e meio vamos ter, aquilo que já se começou a fazer, o final desta construção que é uma coisa que nós entre nós chamamos GlobalData, que vocês não podem chamar assim porque não se vai chamar assim, que é uma espécie de Pordata para o Mundo inteiro, para 180 países e para 800 indicadores de toda a espécie, para os países em que existem indicadores, porque alguns não há como vocês sabem.

Nós, daqui a três anos talvez tenhamos o essencial da obra feita, mas há sempre mais qualquer coisa; agora vamos pôr os rios, depois as montanhas, as serras, as cidades; está constantemente a evoluir.

Já agora digo aquilo que disse ao vosso Presidente: qualquer grupo de portugueses numa empresa, numa escola, numa faculdade, numa juventude partidária, qualquer grupo de 10 pessoas em qualquer sítio do país que queiram uma formação à Pordata, como é que se trabalha com aquilo e como é que se faz, nós vamos lá. Basta pedir, é pago por nós, vai um quadro nosso especializado nisso, vai a qualquer sítio do País: já esteve em 70 concelhos diferentes a dar acções de formação da Pordata; basta pedir, ele vai.

Grupo Bege, acho que sim. Acho que nas próximas décadas, por causa da organização social das pessoas – organização política, territorial e social -, por causa da União Europeia e das novas realidades que cria, por causa das duplas e triplas nacionalidades de pais e filhos, por causa da Internet, por causa de todas as formas de comunicação rápida e imediata, é evidente que os partidos políticos, tal como existem hoje, terão de se ajustar a esse novo mundo e terão que combinar com outras formas de organização. Não digo mais do que isto, porque entramos em território desconhecido e terreno muito perigoso para o meu entender.

Há muitas dessas formas de atomização do cidadão que são formas anti-democráticas. Onde se pensa "ah, agora a gente vota na Internet e tudo”; tenho muito medo dessas coisas ditas assim. Vota na Internet, quer dizer que não discute à séria, não conversa à séria, que não está com pessoas – eu, apesar de tudo, estou a falar com a Rosa, estou a falar com vocês, estamos a discutir, estamos a nos ver, isto é também uma maneira de fazer política – e eu tenho receio do fetichismo: isto do Facebook, a gente resolve aqui tudo e tal. E o Facebook, tanto deu para convocar manifestações democráticas, como dá para anti-democráticas. O Facebook dá para tudo. São instrumentos. Não vamos subjugar o essencial aos instrumentos, os instrumentos podem servir o essencial.

[APLAUSOS]

Reforma Administrativa, Regionalização, era? Eu fui favorável à Regionalização entre 1974 e 1980 talvez, 78, por aí. Houve uma altura em que em Portugal não havia Estado. Estava desfeito, destruído. Não havia Forças Armadas, que estavam divididas. Não havia grupos empresariais privados, estavam desfeitos, destruídos e exilados.

Não havia empresas públicas eficientes; não havia autoridade pública, pura e simplesmente. Nessa altura, dizia-me eu, eu preciso de ter um sítio para pôr o pé, quero atravessar o rio, ou o mar, ou o vale, eu tenho de saber onde estão as pedrinhas para pôr o pé, ainda não consigo andar em cima da água, portanto, tem de ser com as pedrinhas. Pensei, honesta e sinceramente, durante quatro ou cinco anos, que a Regionalização era esse meio, isto é, recomeçar a organizar o Estado Democrático, de baixo para cima, através das regiões.

A partir do final dos anos 80, comecei a perceber que passou a existir poder autárquico, poder central, Estado Democrático Constitucional, Estado Democrático com a abolição dos fenómenos anti-democráticos que existiam na altura; começou a haver gradualmente um poder empresarial e grupos económicos privados que ajudassem a dar racionalidade ao sistema e comecei a perceber que a Regionalização sem alterações fundamentais e decisivas na construção do Estado, era um erro, e é o que eu penso hoje. Fazer a Regionalização, sem se ter alterado previamente a Educação em Portugal, por exemplo, é um erro crasso. A Regionalização vai acrescentar-se ao que temos e não vai substituir o que temos. Podemos discutir horas e horas este assunto. Estou convencido que a Regionalização servirá grupos interessados na Sociedade, servirá para reforçar poderes corporativos ou poderes de caciques ou de partidos, seja o que for, e que se acrescentará ao que a sociedade tem de negativo, em vez de substituir o que a Sociedade tem de negativo.

Se começássemos por fazer a reforma das freguesias ou dos municípios... não vou dizer quais são, porque não tenho ideias; é algo que o País inteiro deve discutir, não é "os iluminados”, não é à volta aqui de uma mesinha que vamos resolver esse assunto.

Eu faço muitas vezes a comparação: na Suíça, onde vivi muitos anos, é um país complicadíssimo, há vinte e seis cantões e vinte e seis Ministros da Educação. Não existe um Ministro da Educação suíço, há vinte e seis e eles entendem-se entre eles. O ano lectivo em Genebra começa em Agosto, mas o ano lectivo em Friburgo começa em Janeiro e o ano lectivo não sei onde começa em Maio, mas eles arranjam-se entre eles. Se os pais de um sítio vão viver para outro e levam os filhos, esses filhos entram na escola no outro sítio, não ficam presos à cidade de origem.

Neste país que tem vinte e seis cantões há duas mil comunas, duas mil câmaras, nós só temos 300, só que eles não têm freguesias. Portanto, o que substitui as 4200 freguesias e os 300 concelhos, são duas mil comunas simplesmente, obviamente que eles não tratam a comuna de Bäretswil, que eu conheço e que tem duzentos habitantes, como se fosse a comuna de Genebra ou Zurique que tem meio milhão de habitantes.

O Presidente da Câmara de Bäretswil, para já não é a full-time, não ganha dinheiro e o trabalho dele é limpar as ruas, cortar os galhos das árvores, que é a vida comunitária. O Presidente da Câmara de Genebra, ou por exemplo, de Zurique, tem outras responsabilidades, é obviamente profissionalizado; tem uma geometria variável da sua administração. Creio que em Portugal o mais importante é flexibilizar e criar esta geometria variável para a reforma administrativa, primeiro, a Regionalização para mim, se vier, vem depois, por enquanto não sou favorável.

Parece que sou o último a falar, muito obrigado por esse privilégio. Deixem-me dizer-vos que é um grande, grande, prazer. Eu gostava de ter falado mais, se o Carlos deixasse, depois vocês vinguem-se nele.

[RISOS]

Tive muito prazer, sobretudo gostava de vos ter ouvido mais. Eu acho que falei demais, gostava de ouvir a vossa opinião sobre muita coisa, porque são quê, dez ou quinze anos que nos separam, imagino.

[RISOS]

Deixem-me só dizer-vos uma coisa, que é para fechar mesmo.

Em toda a vossa vida, peço-vos que pensem numa coisa: que o saber é essencial para a Liberdade e que a Liberdade é o valor mais perene, mais durável, mais antigo e mais revolucionário que existe, é a Liberdade Individual!

Muito obrigado a todos.

[APLAUSOS]