Muito bom dia, vamos dar então início à nossa sessão
da manhã.
Temos sempre, é um dos temas obrigatórios, desde a
primeira edição em 2003, uma aula centrada sobre as questões da Economia;
chamámos, por razões evidentes, "Há uma saída para a crise?”. E temos o
privilégio de ter connosco o professor Vítor Gaspar.
O professor Vítor Gaspar não está aqui por ser
Ministro das Finanças, o facto de ser Ministro das Finanças é uma honra para
nós e é uma segurança dada a competência do nosso convidado. Mas a verdade é
que o professor Vítor Gaspar já esteve connosco antes aqui na Universidade de
Verão, em 2007, e foi também falar sobre Economia e Europa nas Universidades da
Europa que são uma espécie de mini-Universidade de Verão que organizamos sobre
temas europeus. É portanto um homem que respeitamos há muito, cujo saber é reconhecido
por todos e que nos vai oferecer a aula da manhã.
Eu gostaria de fazer uma nota para os senhores
representantes da Comunicação Social, a quem, com a autorização do senhor
professor Vítor Gaspar, abrimos a primeira parte desta sessão para recordar que
aquilo que lhe pedimos foi um exercício pedagógico e, portanto, compreenderão
que é rigorosamente isto que está pedido. A Universidade de Verão é um espaço
de formação de cem jovens e esta é a prioridade nesta organização.
O nosso convidado tem como hobby ler; tem como comida preferida a Salada, já vêem que os
costumes austeros não são apenas no orçamento de Estado; o animal preferido é o
cão; o livro que nos sugere é um livro de Rawls, "Lectures On The History of
Moral Philosophy”; o filme que sugere é "Manhattan” de Woody Allen e a
qualidade que mais aprecia é a sinceridade.
Senhor professor, muito obrigado por estar connosco,
a palavra é sua.
[APLAUSOS]
Vitor Gaspar
Muito obrigado, senhor Deputado Carlos Coelho, é um
prazer estar aqui mais uma vez. Em 2007 quando estive aqui falei de questões de
competitividade e falei de questões de crescimento de longo prazo e essas
questões de competitividade e de crescimento de longo prazo continuam a ser extraordinariamente
relevantes hoje.
O que eu gostaria de fazer era pôr de novo o meu
chapéu de professor universitário que eu ponho e tiro com uma regularidade
grande e falar sobre o tema "Há uma saída para a crise?”, introduzindo
rapidamente a crise global, a crise europeia e a crise em Portugal, falando de
seguida do tempo e do horizonte que são do meu ponto de vista relevantes para
estas questões e concluindo falando convosco sobre o que me parece poder ser
uma perspectiva útil para vós na actual conjuntura.
Dessa forma, espero que na segunda parte da sessão em
que teremos perguntas e respostas, eu possa beneficiar da vossa sinceridade e,
portanto, possamos ter uma verdadeira troca de ideias em que falamos, ouvimos e
ponderamos em conjunto os argumentos relevantes. Se não for um problema para
vós, eu usarei a técnica que normalmente uso quando dou aulas, isto é, irei
movimentar-me enquanto interajo convosco.
A crise global começou, ou manifestou-se, no próprio
Verão de 2007. Em Agosto de 2007, tivemos as primeiras manifestações da crise
global numa situação em que se verificou um congelamento das transacções no
mercado monetário interbancário, quer nos Estados Unidos da América do Norte,
quer na Europa. Esse fenómeno foi surpreendente, os analistas levaram algum
tempo na altura até conseguirem perceber o que se estava a passar. Esse
fenómeno teve como gatilho a crise das obrigações subprime nos Estados Unidos da América do Norte e que tinham que
ver com a titularização de créditos imobiliários nos Estados Unidos, que por
sua vez tiveram que ver com uma grande alargamento do acesso ao crédito para
compra de casa nos Estados Unidos. Essa expansão de crédito revelou-se frágil,
a qualidade dos créditos revelou-se muito pior do que se esperava e
consequentemente, no Verão de 2007, manifestou-se uma enorme desconfiança
relativamente a esta classe de activos. Foi esse o gatilho da crise global
cujas consequências continuamos a viver. Reparem que uma das observações que
foi feita, logo em 2007, foi a de que este mercado dos créditos subprime, este mercado de títulos, era
um mercado estreito, a importância agregada destes valores era muito reduzida,
no entanto reparem quão longe chegaram as consequências destes eventos, eventos
de que este pequeno mercado financeiro foi o gatilho.
Porque é que as consequências foram tão
generalizadas? Porque a propagação destes efeitos através do sistema financeiro
é complexa, porque a propagação é difícil de quantificar e seguir, e talvez
mais importante, porque o sistema financeiro é baseado na confiança e uma vez
colocada a questão da confiança o restabelecimento de uma nova ordem leva
necessariamente tempo e este é um tema que eu vos quero propor como tema geral
na minha intervenção. A questão do tempo, do tempo no restabelecimento da
confiança, o tempo no processo de reajustamento. Esta questão da crise global
criou desafios muito substanciais para a governação economia e financeira a
nível mundial, questões que estão a ser resolvidas, questões que estão a ser
trabalhadas com a colaboração de organizações internacionais, como seja o BIS,
o Fundo Monetário Internacional, a Comissão Europeia, a OCDE, outras
organizações internacionais e através de iniciativas que são completamente
inovadores como sejam por exemplo as cimeiras do G20. E se olharem para a
cronologia verificam que têm ocorrido inúmeras iniciativas a nível global.
Que a crise é global e continua a ser global, é
patente, por exemplo na decisão recente da Standard & Poor’s em fazer um downgrade do estatuto do AAA da dívida
americana e este abre, julgo eu, um outro tema que vos pode interessar que é o
seguinte: o fundamento para a Standard & Poor’s fazer o downgrade dos Estados Unidos da América
do Norte foi a forma como a negociação, o ajustamento orçamental, em torno do
problema do tecto da dívida pública norte-americana foi gerido de um ponto de
vista político. Isto é, a incerteza fundamental na perspectiva da Standard
& Poor’s decorre precisamente da esfera política e novamente este como tema
do tempo parece um tema que deve ter um grande interesse para vós, isto é, o
papel da política em momentos de crise. Como julgo que o tema que vos interessa
mais neste assunto em concreto não a crise global, eu relativamente a este
tópico ficaria por aqui, estando no entanto absolutamente aberto para discutir
qualquer aspecto da crise global que vos pareça merecer debate mais
aprofundado.
Passemos então para a Europa. A Europa em relação à
crise global forneceu, em parte, uma base, um ponto de referência que foi usado
para permitir uma muito maior coordenação e cooperação a nível global. Se
olharem para aquele fenómeno de que vos falei, a organização do G20 e a
organização de cimeiras a nível do G20, podem verificar que esse processo do
G20 é muito fortemente condicionado, é muito fortemente inspirado na forma como
a própria União Europeia organiza cimeiras, como a própria União Europeia
funciona a partir da liderança política do Conselho Europeu e mais recentemente
das cimeiras de chefes de Estado ou de Governo da área do Euro. Mas a área do
Euro nesta crise revelou-se também vulnerável à própria crise e nesta fase mais
recente uma das maiores preocupações a nível global é a crise da dívida
soberana da área do Euro.
Numa primeira fase da crise, quando se manifestou de
forma aguda, o momento que marca essa fase aguda é a falência da Lehman
Brothers em Setembro de 2008. A falência da Lehman Brothers é um fenómeno que é
conotado com os Estados Unidos da América do Norte. Um facto marcante nessa
fase da crise foi a origem da crise nos EUA e a vulnerabilidade das
instituições americanas nesse contexto. O polo dessa crise passou dos Estados
Unidos da América do Norte para a Europa, nesta fase mais recente e
manifestou-se na forma da crise da dívida soberana na área do Euro.
Como é que esta situação pôde ser possível? Como é
que pode acontecer que a área do Euro, que em termos agregados, tem uma
situação orçamental mais próxima do equilíbrio do que os Estados Unidos da
América do Norte, como é que pode ser que a área do Euro que tem um rácio da
dívida inferior ao dos Estados Unidos da América do Norte fica no centro, se
torna no ponto focal da crise? Isso acontece porque de facto, ao contrário dos
Estados Unidos da América do Norte, a área do Euro, a União Europeia não é um
Estado e não tem as instituições de um Estado-Nação e, portanto, a agregação na
Europa não é um exercício com o mesmo significado que a agregação dentro de uma
economia nacional. Portugal é um Estado soberano, não é uma região da Europa e
esse ponto é fundamental que vale a pena considerarmos a seguir.
Sendo assim, para perceber esta crise, é preciso
perceber quais são os elementos da arquitectura institucional da área do Euro que
potenciam esta fragilidade. Evidentemente eu estarei a sobre-simplificar, mas
dado que temos pouco mais de meia hora não posso fazer doutra maneira e espero
justificar o vosso interesse. Eu quereria ressaltar três aspectos da
arquitectura europeia que a tornam frágil neste contexto: o primeiro aspecto
que é fundamental na arquitectura institucional europeia é a soberania que cada
Estado-Membro pela concessão da sua política orçamental. Peço-vos que
reflictam: este é um aspecto absolutamente fundamental na soberania democrática
de um Estado. Ou seja, a capacidade de um país determinar as opções orçamentais
através do funcionamento do seu processo democrático tem sido sempre o centro
do funcionamento político de uma Nação.
Quando escuto por exemplo o resultado daquilo que no
Reino Unido se chama a Revolução Gloriosa de 1694, o que caracteriza a
Revolução Gloriosa é precisamente a transferência do poder orçamental para o
Parlamento e as nossas democracias foram profundamente influenciadas por essa
alteração no Reino Unido. De facto, as nossas instituições democráticas, todas
elas, reflectiram esta tendência histórica e todas as democracias no mundo são
caracterizadas desta maneira. Não se trata, portanto, de uma questão
secundária, é uma questão absolutamente fulcral, parece-me, da nossa vivência
democrática.
O segundo aspecto da arquitectura europeia que cria
esta tensão é a cláusula de não-responsabilização de um Estado-Membro ou das
instituições europeias pela dívida de outro Estado-Membro. Essa cláusula é
muitas vezes referida como "no bailout” que é basicamente e intuitivamente a
ideia de que cada Estado é responsável pela sua dívida e não é responsável
pelas dívidas dos outros, nem directamente nem através do funcionamento das
instituições financeiras europeias. A cláusula de "no bailout” faz todo o sentido dado o primeiro ponto, se cada
Estado-Membro é responsável pela execução da sua política orçamental, essa
responsabilidade vem a par com o honrar do compromisso de dívida, não é
verdade?
E o terceiro aspecto da arquitectura da União
Europeia é que não existe possibilidade considerada de bancarrota de um Estado,
portanto, temos um triângulo de soberania orçamental, a impossibilidade de
bancarrota e a não-responsabilidade pelas dívidas dos outros, que é um
triângulo que se pode revelar frágil.
De que maneira é que ele se revelou frágil no
contexto desta crise? Bom, uma vez considerada certa a possibilidade de evitar
a bancarrota, uma vez levantada a questão da confiança, a tensão associada a
este triângulo verificou-se com uma determinada força.
Durante muito tempo a tensão associada ao triângulo
esteve disfarçada, esteve ausente, porque era opinião quase unânime que a
capacidade de cada Estado-Membro honrar os seus compromissos de dívida estaria
completamente garantida e nesse contexto a tensão do triângulo não opera, mas
uma vez saindo dessa situação, é necessária uma resposta institucional forte e
esta crise revelou fragilidades fundamentais no sistema da governação da área
do Euro e eu passaria para a questão relativa a Portugal.
Portugal tem então uma situação de crise que se
manifesta no contexto da crise global e da crise da dívida soberana na área do
Euro, mas as causas da crise em Portugal não têm que ver com a crise global e
não têm que ver com a crise da dívida soberana na área do Euro; manifestam-se,
isso sim, neste contexto. As origens da crise em Portugal radicam no processo
de ajustamento à participação na área do Euro que permitiram ao nosso país ter
acesso a crédito em condições completamente impensáveis apenas uns anos antes.
Na minha perspectiva e enquanto eu dou aulas sobre
esta matéria eu começo sempre em 1995. Em 1995, Portugal praticamente não tem
dívida externa, a balança das relações portuguesas está praticamente
equilibrada e a partir de 1995 e até recentemente Portugal acumulou
sucessivamente défices na balança de transacções correntes e Portugal acumulou
um nível de endividamento externo muito considerável. Esse nível de
endividamento externo está partilhado por todos os segmentos institucionais da
sociedade portuguesa, é partilhado no sector público e essa questão tem sido
muito debatida e muito visível, mas também existe um muito elevado
endividamento das famílias portuguesas associado com o esforço de aquisição de
casa própria e um endividamento muito considerável das empresas
não-financeiras, sendo que este endividamento ocorreu sob a forma de
instrumentos de dívida.
Portanto, a nossa posição devedora em relação ao
resto do mundo é concentrada em instrumentos de dívida e esses instrumentos de
dívida foram emitidos fundamentalmente pelo próprio sector público, são títulos
de dívida pública, mas também o sistema bancário, cujo endividamento externo
replica o endividamento das famílias e das empresas não-financeiras
portuguesas. Este endividamento externo foi coincidente com um período em que a
Economia portuguesa não cresceu, em que o investimento produtivo caiu, em que a
produtividade teve um desempenho desapontador e em que o desemprego se manteve
a níveis relativamente elevados face ao passado. Isto é, Portugal durante esta
década não acumulou capital produtivo ao ritmo que seria desejável e, mais, não
acumulou capital produtivo ao ritmo que seria necessário dado o grau de
endividamento externo que estava a ocorrer. Dessa forma, o nosso desafio é
certamente também e fundamentalmente no médio e longo prazo, um desafio que tem
a ver com o crescimento, a Economia portuguesa precisa de crescer.
Dessa forma, tenham um momento de paciência comigo e
vejam que o nosso desafio – novamente muito simplificadamente, estejam à
vontade para pedir esclarecimentos – é caracterizado por três aspectos: um
grande endividamento no sector público, um grande endividamento do sector
privado combinado com baixo crescimento da Economia portuguesa. É este, no caso
português, o triângulo que precisamos de enfrentar, o triângulo que precisamos
de superar.
Estas debilidades que eu acabo de descrever já
existiam há anos na Economia portuguesa, já tinham sido identificadas há anos
na nossa portuguesa, mas só se manifestaram de forma relevante nos mercados e
no discurso político no contexto da crise global e na crise da área do Euro,
não é verdade? O que não é uma coincidência, tipicamente as vulnerabilidades
revelam-se em tempo de crise. A crise é desencadeada por um gatilho qualquer e uma
vez em processo de crise, em que existe um problema de confiança, quando existe
um problema de confiança, todos os agentes, todos os cidadãos se interrogam
"será que aquilo que eu pensava sobre a situação é mesmo verdade?” e quando
essa questão é colocada, algumas vulnerabilidades, alguns problemas, que tinham
sido ocultados pela prosperidade são revelados.
Em momentos de conjuntura expansionista é muito fácil
ser um grande dirigente político, em momento de conjuntura expansionista é
fácil ser empresário, em momentos de grande expansão é fácil ser um grande
líder sindical, mas em momentos de adversidade a qualidade do desempenho
durante esse período de prosperidade nesses momentos de crise é posta em causa
e em muitos casos são reveladas debilidades, fragilidades, situações
insustentáveis, situações de insolvência. E reparem como isso se liga com o
tema do tempo. O tempo em que os desequilíbrios foram acumulados é um tempo
muito longo, estes desequilíbrios acumularam-se, no caso português, se a minha
perspectiva está correcta, ao longo de pelo menos quinze anos, mas a
manifestação desses desequilíbrios é abrupta nesse momento e é nesse momento de
crise que o problema se manifesta e fica a ser relevante e dominante do ponto
de vista político.
Isso leva-me a uma terceira observação sobre o tempo
que é o tempo mediático. O tempo mediático, de facto, é ainda mais curto do que
o tempo de ajustamento, o tempo da dinâmica económica e financeira de longo
prazo, o tempo político que é o tempo em que estes problemas têm de ser
equacionados e resolvidos em Democracia através do debate e da criação de um
consenso; o tempo mediático tem a ver com as notícias que dominam o espaço de
comunicação num muito curto prazo.
O que é necessário para superar a crise é garantir que
estes vários tempos interagem de uma forma harmoniosa. Reparem, então, como é
que se pode numa situação deste tipo equacionar o problema da crise e superar a
crise? Eu tenho esperança que o Deputado Carlos Coelho me possa tornar a
convidar a vir aqui à Universidade de Verão e espero que nesse contexto o tema
da minha próxima lição seja "Depois da Crise”.
[APLAUSOS]
Mas para eu ter possibilidade para falar depois da
crise, teremos de superar a crise e o meu amigo David Westbrook da Universidade
de Nova Iorque fez uma série de palestras em Portugal em que dizia (com a
convicção e o optimismo de que os americanos são capazes) que não há qualquer
espécie de dúvida de que Portugal superará a crise e ele diz isso por uma razão
muito simples, os países perduram sempre, não há qualquer dúvida que Portugal
superará a crise, a questão depende de nós, de quando e quão depressa seremos
capazes de superar a crise.
O primeiro aspecto que temos de perceber é que a
superação da crise não será rápida, não há qualquer solução milagreira para a
crise, milagres não serão possíveis, a situação é difícil, a situação é grave e
será necessário um esforço de ajustamento sustentado, prolongado, vai ser
necessário o sacrifício, o esforço, o trabalho, o empenho de todos.
A nossa estratégia para sair da crise vai ter de ser
baseada em três elementos: a consolidação orçamental, a diminuição do
endividamento – primeiros dois aspectos – e em terceiro lugar, uma estratégia
para ganhar de novo potencial de crescimento na Economia portuguesa. A
consolidação orçamental e a diminuição do endividamento, muitas vezes referida
como "desalavancagem”, são condições necessárias para o ajustamento.
Nós estamos numa situação em que beneficiamos de um
programa de assistência económica e financeira e esse programa tem condições
muito claras que nós estamos obrigados a cumprir, condições, essas, que nós
aceitámos voluntariamente. As condições do programa de assistência económica e
financeira foram subscritas pelos três maiores partidos portugueses, o PSD, o
PS e o CDS, o que quer dizer que essas condições foram em algum sentido
escrutinadas das últimas eleições, mas essas condições são severas, nós estamos
em primeiro lugar com obrigação de cumprir critérios quantificados e esses
critérios referem-se ao défice, à dívida pública e à não-acumulação de
atrasados. Centremo-nos no défice e na dívida pública, o não-cumprimento de
tais condições, poderia pôr em causa o programa e a continuidade do
financiamento e consequentemente poderia significar uma queda abrupta do acesso
ao financiamento da Economia portuguesa com condições impensáveis para as
famílias e empresas portuguesas. Consequentemente, é claro que uma tal situação
não pode ocorrer. É esse o sentido de que Portugal não pode falhar, é esse o
sentido de que Portugal não falhará.
No entanto, este aspecto de consolidação orçamental e
de "desalavancagem”, diminuição de endividamento, não são condições suficientes
para o sucesso, são condições necessárias para quê? São condições necessárias
para permitir uma agenda de transformação estrutural da Economia portuguesa.
Agenda de transformação estrutural que tem de começar pelo sector público, o
sector público tem de diminuir a sua presença na economia e sociedade
portuguesas, o sector público tem de libertar a sociedade civil e libertar o
funcionamento de uma economia de mercado. A posição do sector público em
Portugal tem reforçar a liberdade e a responsabilidade dos portugueses, o
Estado em Portugal tem de confiar nos portugueses, tem de deixar de tutelar os
portugueses. Essa, digamos, transformação estrutural do papel do Estado em
Portugal é um elemento crucial desta agenda de transformação e é também
essencial para poder diminuir de forma estrutural e estável o peso do Estado,
mas a agenda de transformação estrutural não se reduz ao Estado, ela implica
alterações profundas na nossa participação na integração europeia e, em
particular, a nossa participação no jogo do mercado único sem reservas mentais.
Nós precisamos efectivamente de libertar o
funcionamento da Economia, de libertar o mercado de capitais, precisamos de
aumentar a concorrência na nossa economia, porque só com concorrência é que
conseguimos melhorar os indicadores de inovação no nosso país e promover o
progresso tecnológico. Julgo que todos nós sabemos que é quando competimos com
outros que colectivamente melhoramos, não é verdade? A competição é uma das forças
mais efectivas na melhoria dos resultados. O programa de assistência económica
e financeira é muito forte do lado do ajustamento estrutural, há uma série de
medidas de transformação estrutural que incluem o mercado de capitais, programa
de privatizações é uma iniciativa emblemática, a concorrência tem como
iniciativa emblemática a reforma da lei da concorrência, existem iniciativas
para aumentar as concorrências nas profissões reguladas, existem iniciativas
para aumentar a concorrência no mercado do produto, existem iniciativas para
melhorar a flexibilidade no mercado de trabalho. A agenda de reforma estrutural
e de transformação estrutural é profunda. E o nosso sucesso em tornar a nossa
economia mais competitiva e mais próspera e colocar Portugal numa senda de
crescimento sustentado e criador de emprego, depende dessa agenda de
transformação estrutural, depende desse reforço da competitividade.
E quero concluir falando para vós. Como vos disse, na
minha experiência como professor, que é uma experiência descontínua ao longo do
tempo – de quando em vez, dou aulas na Universidade, de quando em vez, não – um
dos aspectos que mais me impressionou foi que quando voltei a dar aulas em
Portugal verifiquei que os alunos com que eu interagia no caso na Universidade
Católica e no ISEG estavam substancialmente mais bem preparados que quando eu
tinha dado aulas pela última vez. Eu julgo que não se trata de um erro de
percepção, eu julgo que de facto é verdade que a vossa geração é a geração mais
bem preparada que Portugal já produziu, a vossa geração beneficia de um
Portugal como nunca houve, a vossa geração já foi muito bem treinada com
critérios de exigência que não eram impostos à minha geração e que beneficia de
um Estado Social maduro em que o acesso à Educação é muito mais generalizado do
que alguma vez foi no país. O progresso de Portugal nas últimas décadas é
verdadeiramente impressionante, como é verdadeiramente impressionante o
progresso no país em matéria de Segurança Social e Saúde. Isto é, a vossa
geração vive num país com um Estado Social que funciona, não é um Estado Social
barato, mas é um Estado Social que funciona e viver num país com um Estado
Social que funciona é um enorme activo, é um enorme privilégio.
No vosso caso, o aspecto mais importante é, de facto,
a Educação e o capital humano que puderam acumular; eu, pela minha parte, fui
completamente treinado em Portugal, toda a minha formação escolar é em Portugal
e eu estou muito grato ao país por ter feito um enorme investimento na minha
educação. Julgo que essa gratidão ao país deve ser defendida a todos, a vossa
geração é muito bem treinada porque o país decidiu colectivamente investir
substancialmente na Educação, isso permitiu que todos vós estejam bem treinados
e tão capazes de enfrentar os desafios como estão.
Mas relativamente à minha geração há um outro aspecto
que é também fundamental – e será o último aspecto que eu quero salientar –,
quando eu fiz a escola primária e o liceu, Portugal era uma ditadura,
certamente que não têm uma noção directa do que é viver em ditadura, mas
deixem-vos assegurar que não há qualquer espécie de comparação entre viver em
ditadura e viver em Democracia, mas o ponto decisivo de viver em Democracia é
que a Democracia responsabiliza cada um de nós pelo funcionamento do sistema
político. Na democracia, todos nós podemos falar, todos nós podemos expressar
as nossas opiniões, todos nós podemos contribuir para uma melhor solução para
os nossos problemas. Num momento de crise, é absolutamente decisivo que em
Democracia através do diálogo e da criação de consenso, sejamos capazes de
todos juntos encontrarmos uma solução. Essa solução, como disse logo de
abertura, não vai chegar rápido, vai exigir um esforço sustentado, um
sacrifício sustentado e um trabalho sustentado, de todos.
Claramente, não há um só caminho de ajustamento, não
há um só caminho de superação da crise. É claro, julgo eu, espero que concordem
comigo, que não há caminhos fáceis, para sair da crise. Mas é absolutamente
crucial que todos juntos encontremos o nosso caminho. Muito obrigado.
[APLAUSOS]
Duarte Marques
Muito obrigado, senhor Professor, bom dia a todos.
Vamos começar agora a fase das perguntas e respostas,
a honra da primeira pergunta cabe à Mariana Fidalgo do Grupo Roxo.
Mariana Fidalgo
Bom dia a todos, eu gostaria de cumprimentar o nosso
orador pela magnífica visão de conjunto, gostaria também de cumprimentar a mesa
e os restantes presentes.
Com menos consumo, menos investimento público e
privado, com o esforço que pedimos de redução de despesas, há um papel
importante reservado às exportações. É certo que o aumento da concorrência
apenas nos beneficia, mas existem certos apoios que são normalmente proibidos pelo
Tratado da União Europeia e pela Lei de Defesa da Concorrência que no caso de
grave crise económica podem ser utilizados. Qual é o papel que nós podemos
reservar no auxílio do Estado no incentivo às exportações.
Vitor Gaspar
Muito obrigado pelas suas palavras amáveis.
É inteiramente verdade o que disse, isto é, uma vez
que temos uma trajectória de contracção da despesa interna o motor do nosso
crescimento são as exportações líquidas, foi exactamente o que disse e é
verdade. Consequentemente, nós temos as exportações líquidas que estão, neste
período de contracção económica, a ajudar a atenuar a contracção económica e
temos que na fase a partir de 2013, em que se espera que o crescimento retome,
as exportações líquidas serão novamente o motor do crescimento.
A minha posição relativamente aos auxílios de Estado
é que, em alguns casos muito pontuais, uma situação de auxílio de Estado pode
verificar-se. No entanto a nossa posição sobre a eficácia de subsídios
sectoriais deve ser, julgo eu, de cepticismo. Porquê este cepticismo? Porque,
como eu procurei argumentar, o nosso problema fundamental em termos de
desequilíbrio macro-económico é um desequilíbrio em termos de excesso de
despesa e que se resolve com o ajustamento da própria despesa e é notável que
em Portugal o sector privado ajustou muito rapidamente. De facto, quero sector
das famílias, quer o sector das empresas não-financeiras, quer o sector das
empresas financeiras, ajustou muito rapidamente a crise e em 2009 o ajustamento
do sector privado já estava em pleno funcionamento. Nós só mantivemos uma
posição de elevado desequilíbrio externo em 2009 porque houve uma enorme
expansão do sector público, houve um enorme aumento do défice público e eu fico
sempre impressionado e espero conseguir impressioná-la ao dizer que no
orçamento de 2009, nos trabalhos de preparação, o número que era adiantado
nessa época para o défice era de 2,2% do PIB. 2,2% do PIB. O resultado foi, de
acordo com os últimos resultados publicados, 10,1% do PIB.
O ajustamento português não ocorreu em 2009 porque
clara e deliberadamente o Governo decidiu seguir uma política "keynesiana” de
expansão que teve de facto os resultados previsto, isto é, Portugal teve uma
recessão inferior à da média da área do Euro e, portanto, a receita
"keynesiana” teve o efeito de curto prazo previsto e o Governo não se cansou de
repetir que o estímulo tinha resultado.
Agora, o que é importante perceber é que o estímulo
que resultou em atenuar a queda económica em 2009 foi exactamente o estímulo
que tornou a nossa posição insustentável e que tornou inevitável a crise em que
nos encontramos hoje e o pedido de ajuda externa. Portanto, é muito importante
perceber que políticas expansionistas e políticas discricionárias de apoio
falham completamente processos de ajustamento. Porque essas políticas
normalmente visam evitar o ajustamento, para resolver uma crise nós precisamos
de fazer o ajustamento e portanto essas políticas revelam-se em geral
completamente contraproducentes.
Por outro lado e muito importante, em geral, uma
empresa exportadora só consegue sobreviver face à concorrência na Europa e no
Mundo, se conseguir viver com a disciplina dessa concorrência. Há alguns anos
em Bruxelas, eu tive o privilégio de me encontrar com o Presidente da Nokia e
ele nesse contexto recebeu a pergunta "o que é que o Governo finlandês pode
fazer para criar o sucesso da Nokia?” e a resposta do Presidente foi "não nos
proteger da concorrência externa”, porque de facto isso implicou que a Nokia
teve de enfrentar a concorrência global e a única maneira de ser um líder
global é ser capaz de vencer essa concorrência. Em geral, não se consegue
produzir um Cristiano Ronaldo se se disser "coitado do rapaz, tem de passar
cinco anos a jogar nos campeonatos regionais para que o seu talento possa
florescer”. A única maneira de se produzir uma organização ou de ter sucesso
pessoal a nível global é enfrentar a concorrência mais difícil que nos possa
aparecer pelo caminho. É em condições de dureza, na concorrência, que se desenvolvem
os talentos, a capacidade tecnológica e de inovação necessários para o triunfo
a nível europeu e a nível global. Espero ter respondido à sua pergunta.
[APLAUSOS]
Duarte Marques
Muito obrigado. Rúben Fonseca, do
Grupo Encarnado.
Rúben Fonseca
Bom dia a todos, bom dia também à mesa e um
cumprimento especial ao professor Vítor Gaspar, Ministro das Finanças, e
dizer-lhe que neste duro percurso que até agora tem feito merece da nossa parte
uma palavra de esperança e de conforto. Todos nós estamos a seu lado e,
portanto, não se sinta sozinho a percorrer esse caminho.
[APLAUSOS]
Como jovem contribuinte, vejo com alguma atenção o
desenrolar da situação do nosso país a nível mundial e vou ser muito directo na
pergunta que vou fazer, que é acerca do sistema financeiro e os offshores.
Em 2009, na conclusão da cimeira G20, a conclusão foi
mais ou menos esta: acabou o segredo bancário no mundo e começou uma
perseguição àqueles que fazem evasão fiscal.
Bom, nós temos muito boas notícias da Madeira nos
últimos tempos, é só boas notícias, mas as boas notícias, as outras boas
notícias que os portugueses não sabem, é que a Madeira esconde um profundo
tesouro que não é revelado ao resto dos portugueses. Mas voltando um bocadinho
atrás, voltando um bocadinho ao mundo e perceber também porque é nós
portugueses devemos todos insistir para que todos cumpram as suas cargas
tributárias e devam fugir àquilo que é uma obrigação de todos, para
contribuirmos todos para o engrandecimento e crescimento do Estado.
Cavaco Silva dizia que há muito tempo que concordava
com o levantamento do sigilo bancário, Pedro Passos Coelho dizia que todos
perdíamos quando alguns, e só alguns, ganhavam muito e eu apresento-lhe alguns
dados: no que diz respeito à União Europeia, aliás a União Europeia fez pressão
há bem pouco tempo para que a Áustria e o Luxemburgo saíssem da lista negra da
OCDE no que diz respeito a offshorese eu volto a Portugal, em 2009, o offshore da Madeira fugia a cerca de 12%,
equivalente a 12% do Produto Interno Bruto; estavam mais ou menos registadas –
eu termino já, Duarte, mas isto é importante que as pessoas saibam – em offshore na Madeira 2700 empresas e
estes números incomodam, incomodam aqueles que pagam; 2435 não tinham um único
trabalhador, só morada, talvez para fugir ao fisco.
Duarte Marques
Rúben, tens de colocar a tua
pergunta. O orador está aqui deste lado.
Rúben Fonseca
Sim. Muito bem e a minha pergunta é: no offshore da Madeira, quando 2637
empresas não pagam qualquer imposto ao Estado português, em média 20%, e quando
57 pagam apenas o mínimo, senhor Ministro, como jovem contribuinte, como é que
olha para este desvio, não-pagamento, do offshoreda Madeira e, portanto, das empresas que lá estão sediadas?
Muito obrigado.
Vitor Gaspar
Muito obrigado pelas palavras de incentivo e apoio,
que são muito apreciadas. Todos os bens raros são preciosos e o apoio vindo de
um jovem contribuinte é particularmente comovente.
[RISOS E APLAUSOS]
A sua pergunta é uma pergunta que tem toda a razão de
ser e que merece, julgo eu, uma resposta geral e uma resposta específica. A
resposta geral é que, evidentemente, o combate à fraude e evasão fiscal é uma prioridade
indesmentível do Ministério das Finanças e o Ministério das Finanças tem de uma
forma clara no seu programa apertar a malha da administração fiscal em torno
desse fenómeno da evasão fiscal. De facto, o ponto que levanta é um ponto que é
verdadeiro em geral, isto é, deve ser sempre assim, não deve ser permitido que
alguns contribuintes evitem as suas responsabilidades contributivas, mas é
particularmente verdade numa situação de crise em que a repartição equitativa
dos sacrifícios associados à crise é um factor decisivo para a unidade de
propósito, para a nossa capacidade de enfrentarmos a crise em conjunto.
Acontece, no entanto, que o combate à fraude e evasão fiscal a nível global é
substancialmente mais difícil que a nível nacional e não obstante os esforços
globais nessa matéria e citou e bem as conclusões do G20 a esse respeito, o
problema está longe de estar resolvido.
Em termos específicos, a questão que levantou tem que
ver com o Centro Internacional de Negócios do Funchal e o offshore da Madeira. Quando eu, enfim, faço conferências de
imprensa tenho à minha frente um dossierque tem respostas previstas a perguntas que são frequentemente colocadas e se
isto fosse uma conferência de imprensa eu teria certamente a resposta oficial à
questão do offshore da Madeira, mas
como esta é uma aula eu não tenho.
A questão coloca-se da seguinte maneira: uma série de
disposições relativas à zona franca da Madeira e ao Centro Internacional de
Negócios do Funchal têm necessariamente de ter um fim faseado, sendo que o
processo começa a ocorrer desde o final deste ano. Para que isso não
acontecesse teria de ter sido tomada pelo Governo anterior uma iniciativa de
abrir negociações com a Comissão Europeia. A Comissão Europeia inquiriu o
anterior Governo acerca deste respeito e o Governo anterior não respondeu, pelo
que o processo de faseamento da descontinuidade do regime privilegiado deste
Centro está a ocorrer, ou melhor, está previsto que ocorra a muito breve
trecho.
A questão tem uma outra dimensão, uma vez que no
quadro do programa de assistência económica e financeira, Portugal está
comprometido a não aumentar e, antes pelo contrário, diminuir os incentivos
fiscais e as despesas fiscais com isenções, subsídios, o que seja e
consequentemente essa cláusula claramente que inclui os privilégios que são
concedidos à zona franca da Madeira e ao Centro Internacional de Negócios do
Funchal, pelo que o Governo respondeu um pergunta que foi colocada por alguns
deputados relativamente a esta questão, dizendo: a pergunta era "o que é que
está a ser feito para prolongar o regime fiscal para a zona franca da Madeira e
ao Centro Internacional de Negócios do Funchal” e a resposta foi "em primeiro
lugar a questão não foi seguida pelo anterior Governo, pelo contrário, o anterior
Governo não respondeu a sucessivos inquéritos da União Europeia”.
Número dois: a Comissão Europeia deu o processo por
encerrado.
Terceiro: a consideração desta questão está
fortemente condicionada pelos termos do programa de assistência económica e
financeira e, portanto, a ocorrer, terá de ser considerada nesse contexto. E
foi posição do Governo que esse assunto não era um assunto oportuno na actual
conjuntura e é essa a posição oficial que eu teria articulado de forma muito
mais clara se eu tivesse a resposta escrita à minha frente.
[APLAUSOS]
Duarte Marques
Muito obrigado. Vasco Moreira do Grupo Verde e depois
a seguir será a Matilde Cardoso.
Vasco Moreira
Muito bom dia. Começo por cumprimentar a mesa e,
muito em especial, o senhor Ministro Vítor Gaspar, a quem agradeço desde já a
excelente aula que nos proporcionou e que nos está a leccionar.
A questão do Grupo Verde é a seguinte: nesta época de
crise sabendo que o país atravessa um período de enorme esforço financeiro e
que adoptou uma política de contenção e de cortes na despesa do Estado,
pergunto-lhe se faz sentido uma aposta forte no investimento e divulgação de
capital de risco baseado em fundos públicos, dirigida a empreendedores,
conduzindo à criação de postos de trabalho e consequentemente a um crescimento
económico. Em caso positivo, quais são os métodos que o Governo poderia
utilizar para concretizar esta ideia. Muito obrigado.
Vitor Gaspar
A questão do capital de risco é central, o acesso a
financiamento para iniciativas de risco é crucial para a inovação e para o
progresso tecnológico, a evidência empírica que está associada ao trabalho de
um economista americano que eu julgo amplamente merecedor do prémio Nobel, mas
que ainda não teve essa distinção, William Baumol, sugere que uma Economia
consegue crescer e inovar quando tem uma combinação de grandes empresas com
capacidade de afirmação global com muitas pequenas empresas que são responsáveis
pelo fundamento das inovações.
A intuição para mim é que as ideias ocorrem sempre em
indivíduos, não é? A ideia é em primeiro lugar gerada na cabeça de um de nós e
depois nós usamos uma ideia através da compreensão da ideia que consigamos
desenvolver colectivamente através da transmissão dessa ideia. Julgo que isso
deve ser completamente intuitivo para vós, dadas as redes sociais de
comunicação que vos põem em permanente contacto com os vossos amigos; quando
alguém tem uma ideia, ela é rapidamente transmitida pelo grupo e usada da
melhor maneira; quando a ideia é má, basicamente o grupo rapidamente a elimina,
que aliás é uma das grandes vantagens da Democracia e da troca aberta de
ideias, quando há uma troca aberta de ideias as más ideias são eliminadas muito
rapidamente. Mas precisamente por termos este processo de geração de inovação e
de ideias e termos propagação e utilização de ideias, as grandes empresas são
cruciais para a execução, as pequenas são cruciais para a produção de novas
ideias e para a inovação. Estas pequenas empresas são extraordinariamente
arriscada. Todos nós produzimos múltiplas ideias as quais muitas são más,
quando estamos a falar de negócios as más ideias levam à falência, o que
significa que do ponto de vista do investidor, do ponto de vista do capitalista
existe um enorme risco, daí o capital de risco ser crucial para o progresso
tecnológico e para a inovação.
A capacidade de gerar financiamento de capital de
risco é particularmente forte por exemplo nos Estados Unidos. O financiamento
das pequenas empresas nos Estados Unidos é particularmente forte, o potencial
de pequenas empresas nos Estados Unidos é muito grande, a capacidade de uma
nova empresa se tornar grande e se afirmar nos Estados Unidos é muito maior que
na Europa. Porque é que eu estou a dizer isto? Porque nos Estados Unidos o
financiamento de capital de risco não é baseado em fundos públicos. Isto é, em
geral, as iniciativas baseadas em fundos públicos funcionam particularmente
mal, isso por uma razão muito simples: a administração de fundos públicos exige
critérios públicos e os critérios públicos são extraordinariamente difíceis de
conciliar com inovação e progresso tecnológico, porque as burocracias são de
natureza conservadoras.
O crucial, portanto, do ponto de vista da intervenção
pública é que o Estado crie condições que permita o desenvolvimento da
iniciativa privada na área do capital de risco. Em algumas áreas pontuais pode
justificar-se a intervenção pública e a competência para essas iniciativas no
Governo está no Ministério da Economia e de facto no Ministério da Economia
existem iniciativas para apoiar a inovação e o empreendedorismo, existem
iniciativas para apoiar o investimento em pequenas e médias empresas e existem
iniciativas com interacção do sistema financeiro visando precisamente o reforço
do capital de risco. Mas, não obstante todas estas iniciativas pontuais, o
ponto que me parece mais importante é o da criação das condições que permitam
ao sector privado efectivar um verdadeiro mercado de financiamento de risco
elevado.
Muito obrigado.
[APLAUSOS]
Duarte Marques
Agora, Matilde Cardoso do Grupo Cinzento e depois
será o Alexandre Ponte pelo Grupo Castanho.
Matilde Cardoso
Bom dia, Doutor Vítor Gaspar deixe-me dizer-lhe em
nome do Grupo Cinzento que estou absolutamente impressionada tanto com a sua
intervenção como com a sua coragem em assumir um cargo como é ser Ministro das
Finanças especialmente num cenário tão complicado como o actual. Tenho a certeza
que será bem-sucedido.
O assunto da pergunta que lhe quero dirigir já foi
tocado por si durante a sua intervenção, mas que não está completamente
esclarecido e por isso quero dirigir-lhe a seguinte pergunta: as medidas
recentemente anunciadas por si permitem concluir que nem os PEC nem o memorando
de entendimento são suficientes para atingir os objectivos do equilíbrio
orçamental. Apesar de repetidamente ter afirmado que o acordo com a Troika é
para cumprir, quais as medidas previstas não subscrevia e, por outro lado, que
outras medidas não contempladas será necessário implementar?
Muito obrigada.
Vitor Gaspar
Muito obrigado. Muito obrigado pelo apoio e pela
pergunta que é uma pergunta difícil mas absolutamente central.
Uma das críticas que eu tenho enfrentado com mais
regularidade tem que ver com a questão de porque é que o Governo afirma que
quer ir para além do que está nos memorandos de entendimento, quer ir além do
que está no acordo com a Troika? E essa questão é uma questão central e absolutamente
legítima e acho que é uma forma de reformular a sua questão. Há duas dimensões
diferentes dessa questão: uma primeira tem a ver com o seguinte – como eu disse
na minha apresentação, mas não pude desenvolver – existe uma hierarquia de
objectivos no programa de assistência. O primeiro nível da hierarquia tem a ver
com critérios quantitativos que nós temos de cumprir, esses critérios têm a ver
com o défice e com a dívida e também com a não-acumulação de atrasados, mas,
como na apresentação, concentremo-nos sobre o défice e a dívida. Para o défice,
nós temos, por exemplo, um limite de 5,9% para este ano e de 4,5% para o
próximo ano.
O cumprimento atempado e escrupuloso das medidas que
estão no memorando de entendimento conduziria, a nosso entender, a um resultado
que estaria substancialmente acima do défice exigido, acima do limite do défice
e acima do limite da dívida. Não obstante o cumprimento escrupuloso de todas as
medidas, um caso desse tipo seria um caso de incumprimento com as condições do
programa porque não respeitávamos o limite do défice e da dívida e nessas
condições os nossos parceiros internacionais não estariam em condições de
concordar com o desembolso da próxima tranche de financiamento e então é neste
sentido que é necessário ir para além do programa da Troika. É necessário
assumir e executar medidas adicionais para garantir o cumprimento dos limites
do programa.
Deixem-me recordar-vos um ponto que eu julgo que
deverá ser importante para vós porque é um ponto central de um ponto de vista
político: a 21 de Julho, Pedro Passos Coelho esteve na cimeira dos chefes de
Estado e de Governo da área do Euro e negociou um comunicado que tem tido,
julgo eu, um grande impacto. Nesse comunicado há um parágrafo que me parece
crucial, que diz que a Europa, os Estados-Membros da área do Euro, estão
dispostos a fazer tudo para apoiar países que tenham um programa como seja
Portugal e a Irlanda, na condição de que eles cumpram as condições centrais do
programa e as condições centrais são o tamanho do envelope financeiro, os
limites do défice e os limites da dívida e esse parágrafo continuava dizendo
que esses países estavam completamente empenhados em conseguir esses
resultados, logo é necessário ir para além das medidas previstas no programa
para cumprir os limites do programa.
Este é um aspecto muito importante, mas o segundo
aspecto, a meu entender é igualmente importante, já conversámos aqui sobre o
facto de que a consolidação orçamental é recessiva, a desacumulação da dívida,
a desalavancagem é recessiva, pelo que precisamos de ter no programa um motor
de crescimento, se não tivermos crescimento no programa não poderemos ser
bem-sucedidos. Esse motor de crescimento tem de vir da agenda de transformação
estrutural que permitirá libertar o potencial de crescimento da Economia
portuguesa e, portanto, precisaremos de ir mais longe e fazer mais rápido a
transformação estrutural requerida, precisamos disso para crescer mais, criar
emprego, ganhar competitividade, criar emprego, para sermos capazes de sermos bem-sucedidos
no mercado europeu e no mercado global, mas no vosso ponto de vista precisamos
disso para que esta geração que é muito bem treinada e está muito bem
preparada, esta geração que é a promessa de capital humano em Portugal, tenha
em Portugal a oportunidade de exercer as suas competências, a sua oportunidade
de ser bem-sucedido no seu país.
Muito obrigado.
[APLAUSOS]
Duarte Marques
Muito obrigado, professor.
Alexandre Ponte do Grupo Castanho e depois será o
João Santos.
Alexandre Ponte
Bom dia a todos.
Caro Doutor Vítor Gaspar, voltando um pouco à
Madeira, na sequência de um pedido de apoio financeiro da parte de Alberto João
Jardim, não acha que seria pertinente propor uma homogeneização das taxas de IRS
em todo o território nacional, incluindo também os Açores? Penso que seria uma
altura ideal para os portugueses se unirem e lutar contra esta crise.
Obrigado.
Vitor Gaspar
Muito obrigado. Eu tive já ocasião de dizer isso
mesmo, isto é, que me parecia que seria oportuno e apropriado que as regiões
autónomas, por sua iniciativa, se disponibilizassem para trabalhar com o
Governo da República para desenhar programas em que fosse explicitado a forma
como essas mesmas regiões partilhariam em concreto o esforço de ajustamento do
todo nacional. Parece-me que isso é muito importante precisamente pela razão
que diz, para garantir que – deixe-me pôr a questão de maneira ligeiramente
diferente – para ser um símbolo da unidade nacional, da unidade de propósito que
todos nós precisamos de ter para superar a crise.
E eu tenho boas indicações de que isso irá ocorrer já
no contexto do primeiro exame regular do cumprimento do programa por parte do
Fundo Monetário Internacional, da Comissão Europeia, do Banco Central Europeu,
os governos regionais através das suas secretarias regionais de finanças
estiveram envolvidas em todo o processo com o melhor espírito de cooperação e,
portanto, foi desde logo claro a disponibilidade dos governos das regiões
autónomas para colaborar com um espírito absolutamente construtivo.
No caso da Madeira é público que houve já uma
formalização desse pedido de cooperação com o Governo da República no desenho
da estratégia de ajustamento estrutural, ontem no Parlamento eu revelei
conhecer uma carta que o Presidente do Governo Regional da Madeira enviou ao
senhor Primeiro-Ministro a esse respeito, relativamente aos Açores não tenho
informação formalizada, mas estou convicto que de facto o Governo Regional dos
Açores irá tomar uma iniciativa para sinalizar também a sua disponibilidade
para trabalhar em conjunto com o Governo da República para desenhar um programa
de ajustamento estrutural com, precisamente, o propósito que indicou.
Muito obrigado.
Duarte Marques
Muito obrigado. João Santos do Grupo Azul e de
seguida o Cristiano Gaspar.
João Santos
Bom dia. Gostaria, antes de mais, em nome do Grupo
Azul, saudar o senhor Ministro e desejar-lhe as maiores felicidades. Considera
que no contexto actual o Euro será para alguns países da União Europeia uma
moeda forte, atendendo até ao ataque cerrado das agências de rating a alguns países? Muito obrigado.
Vitor Gaspar
Muito obrigado pelas suas palavras
simpáticas e pelo seu apoio.
Existem pelo menos duas perguntas diferentes na sua
curta pergunta: uma primeira tem que ver com saber se o Euro é ou não uma moeda
demasiado forte. A forma como eu vejo essa questão é a seguinte e a minha
resposta evidentemente é muito influenciada pelo facto de que eu, por profissão,
sou banqueiro central, não é verdade? Eu passei quase sete anos em Frankfurt
como Director do Gabinete de Estudos Económicos Central Europeu e a minha
carreira em Portugal desde 1993 tem ocorrido no Banco de Portugal. Consequentemente
a questão da moeda forte é vista como uma contraparte da estabilidade de
preços.
Efectivamente, se nós nos lembrarmos da tradição
portuguesa, antes de começar o processo de convergência para a participação na
área do Euro, Portugal era um país de inflacção elevada e era um país de
crédito caro e de crédito escasso, o que significava basicamente que para a
minha geração adquirir casa própria era um desafio muito difícil. Por exemplo,
a instabilidade monetária em Portugal traduzia-se por situações em que não só
tínhamos inflacção elevada como tínhamos uma grande instabilidade associada com
desvalorizações cambiais, nós tínhamos um sistema cambial deslizante, crawling peg, e esse sistema era
pautado, de quando em vez, por crises cambiais e valorizações discretas.
Neste contexto, Portugal era incomparavelmente mais
pobre do que é agora, incomparavelmente mais fechado, a prosperidade do país
era muito menor e sempre que havia uma crise não havia qualquer espécie de
dúvidas, o mecanismo de ajustamento era a queda de salários reais.
Esse facilitismo da moeda fraca e essa desvalorização
permanente conduzia a uma situação em que Portugal estava solidamente ancorado
no passado e em que sectores tradicionais ameaçados constantemente pela
concorrência de países onde a mão-de-obra é substancialmente mais barata,
sobreviviam artificialmente e adiavam a transição do país para uma estrutura
produtiva em sectores de maior tecnologia e de maior valor acrescentado que são
necessariamente os sectores do futuro. Consequentemente, queixarmo-nos de uma
moeda demasiado forte é muito parecido com o estudante que o exame é no dia 4
de Setembro, "se fosse no dia 6 de Setembro é que era bom”, o que o estudante
não se lembra é que se o exame fosse a 6 de Setembro, quando chegasse a 5 de
Setembro a boa data seria 8 de Setembro e é assim com a moeda fraca e com a
valorização. Agora, há também um comentário que faz sobre as agências de
notação, as agências de notação tiveram um papel muito nocivo no quadro da
crise global, esse papel muito nocivo ocorreu, na minha perspectiva, não no
período mais recente, mas quando as agências de notação certificaram que certos
produtos titularizados tinham a melhor qualidade possível, AAA, isso ocorreu na
fase inicial da crise e verificou-se que as agências de notação na altura foram
vítimas de conflitos de interesse absolutamente dramáticos.
As agências de ratingtrabalhavam com bancos, os bancos pagavam as agências de rating e os bancos com
as agências de rating discutiam como é que se podia desenhar um produto de forma
a conseguir o rating AAA. Essa situação levou a uma grande fragilidade da
qualidade certificada desses produtos e que esse processo foi um processo pouco
transparente e pouco eficaz na garantia da qualidade desses produtos foi
absolutamente claro na fase da crise de 2007, 2008, nesse período as agências
de rating tiveram um papel criticável
e foi claro que esse sector precisava de ser regulado, precisava de ser
escrutinado e merecia uma crítica severa. Em parte por causa deste fracasso das
agências de rating na fase inicial da
crise as agências de ratingtornaram-se muito mais ortodoxas na forma como notam os seus produtos e,
consequentemente, as agências de ratingpassaram a ser protagonistas da crise num papel completamente diferente, num
papel em que muitas vezes do ponto de vista mediático elas aparecem como,
digamos assim, os portadores das más notícias, o gatilho que provoca o
ajustamento de mercado.
Acontece, no entanto, se nós olharmos para a
evidência empírica, verificamos que quase inteiramente as agências de rating não seguem a evolução do mercado,
elas reflectem a evolução do mercado e, consequentemente, embora exista uma
relevância mediática muito grande do comportamento das agências de rating neste contexto, eu julgo que a
importância que elas têm tem sido fortemente sobrevalorizada. Os mercados em
períodos de crise tendem a sobre-reagir, a sobre-reacção dos mercados é
reflectida numa sobre-reacção das agências de rating, julgo que é mais isso que se tem passado. Muito obrigado.
Duarte Marques
Muito obrigado, senhor Ministro. Cristiano Gaspar do
Grupo Rosa e depois será o Rui Marques do Grupo Laranja.
Cristiano Luís Gaspar
Antes de mais quero agradecer ao Doutor Vítor Gaspar
pela sua presença e pela excelente intervenção. A minha questão prende-se em
dois pontos: em primeiro lugar, relacionado com os impostos e em segundo lugar,
com o papel da Banca.
Vou falar de um imposto em particular, o IVA, e nos
aumentos que o Estado tem feito. Eu gostaria de lhe perguntar se este aumento
do IVA não iria mexer com as exportações, pois há uma realidade muito
emergente, ou seja, se um país que quer importar produtos irá procurar o mais
barato com certeza. Tendo em conta o valores do IVA português de certeza
absoluta que já não vai procurar no nosso país mas, por exemplo, a Espanha que
temos aqui ao lado.
Em segundo lugar, a minha questão prende-se com a
Banca: na minha opinião o Estado tem que pressionar a Banca para alargar
prazos, para criar condições aos investidores. Isto, para além de fazer com que
a Economia portuguesa conseguisse crescer, iria fazer com que a nossa reputação
na Bolsa aumentasse e consequentemente os investimentos.
Assim, qual a razão deste aumento do IVA e no que é
que mexe com as exportações portuguesas? Em segundo lugar, qual a relação
Estado-Banca? Muito obrigado.
Vitor Gaspar
Muito obrigado pelas duas perguntas. A primeira é
muito mais simples que a segunda.
Relativamente à questão do Imposto sobre o Valor
Acrescentado, ele é baseado no chamado "princípio do país-destino”. O Imposto
sobre o Valor Acrescentado é um imposto sobre a despesa do território. Eu estou
a dizer isto porque as exportações não pagam IVA, as exportações portuguesas
como as exportações de qualquer país europeu não pagam IVA, as exportações não
fazem parte da base do IVA. É, de resto, por isso, que o aumento do IVA faz
parte de um pacote de uma desvalorização fiscal.
Quando se pensa na quebra da taxa social única e da
compensação dessa quebra por um aumento de impostos, o aumento de impostos que
se considera é um aumento de imposto sobre a despesa interna. Qual é a história
aqui? A taxa social única cai e, portanto, o preço na produção cai. Se a
repercussão for total o aumento da tributação indirecta compensa exactamente
esse efeito, mas os preços das exportações caem, está bem?
Portanto, quando pensamos na concorrência entre as
exportações portuguesas e as exportações espanholas, o nível do IVA em Portugal
e Espanha não é relevante. O ponto em que a diferença entre o IVA entre
Portugal e Espanha é relevante tem que ver com as compras transfronteiriças,
isto é, uma família portuguesa pode decidir fazer as suas compras do outro lado
da fronteira se os preços forem mais baixos em Espanha, mas isso não tem
absolutamente nada a ver com exportações, certo? Não são as exportações
portuguesas que estão a ser afectadas.
Se a diferença do IVA entre duas regiões adjacentes
for muito grande pode haver deslocalização de despesa por causa dessa diferença
de impostos, mas nos Estados Unidos em que não há fronteiras e há diferenças
significativas de tributação indirecta entre Estados adjacentes, embora exista
de facto evidência de que alguns cidadãos, cruzam a fronteira estadual para
comprar bens e serviços, esses fenómenos são relativamente pouco importantes do
ponto de vista quantitativo.
A segunda pergunta é mais difícil, porquê? Porque eu
julgo perceber inteiramente qual é o seu pressuposto, isto é, se o crédito for
mais fácil à Economia é mais fácil crescer, se o crédito for mais fácil para as
Pequenas e Médias Empresas é mais fácil ter investimento e inovação. Se o
crédito for mais fácil para as empresas exportadoras é mais fácil exportar, mas
como eu tive ocasião de dizer e repito, nós precisamos de ter um processo de
diminuição de endividamento, precisamos de ter um processo de desalavancagem.
Nesse contexto, os bancos portugueses têm de apresentar planos de financiamento
que garantam, ou que visem garantir, o seu acesso a financiamento de mercado em
condições normais a prazo. Os bancos portugueses no quadro do programa estão
comprometidos a cumprir rácios de capital ambiciosos e a proceder a uma
desalavancagem que significa que a taxa de cobertura de crédito por depósito
tem de aumentar substancialmente. No princípio deste processo, os bancos
portugueses concediam crédito em montante 1,6 vezes os depósitos, neste período
do programa esse rácio terá de reduzir-se para 1,2; é isto a que se chama um
processo de desalavancagem, que como eu disse é uma condição necessária para o
sucesso do nosso ajustamento. E, portanto, não há qualquer espécie de dúvida
que por causa do processo de desalavancagem o custo de acesso a crédito e o
crédito disponível vão ser substancialmente reduzidos. Portanto, a nossa
redução de acesso a crédito vai ser activa. Não há alternativa em termos de
resolver uma crise de endividamento, não é possível resolver uma crise de
excesso de dívida aumentando o nível de endividamento.
Isto dito, nestes quadros que os planos dos bancos
apresentam está estipulado que os planos têm de ser compatíveis com a evolução
macro-económica do próprio programa e com as necessidades de financiamento do
sector público e em particular do sector empresarial do Estado. Aqui, o Estado
pode dar um contributo muito importante, reduzindo muito rapidamente a
necessidade de financiamento do sector empresarial do Estado, poderá libertar
fundos que ficarão disponíveis para crédito a Pequenas e Médias Empresas, a empresas
exportadoras e a outras áreas completamente vitais para o funcionamento da
nossa Economia.
Espero ter respondido.
[APLAUSOS]
Duarte Marques
Obrigado, senhor Professor.
Rui Marques do Grupo Laranja e depois será o João Franco
do Grupo Amarelo.
Rui Marques
Bom dia, senhor Ministro das Finanças, Vítor Gaspar,
permita-me, em nome do meu grupo, enaltecer o seu incansável esforço e
dedicação total nestes dois primeiros meses de Governo.
De acordo com a indicação dada e referenciada na
Comunicação Social no mês de Fevereiro do presente ano por um professor, da
minha escola, Dr. José Ferreira Machado, Director da Nova School of Business
and Economics, o contributo anual desta instituição para as exportações portuguesas
é de 5 milhões de euros anuais, isto é, a mudança de marca e de imagem da
Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa começa precisamente pelo
seu principal objectivo que é exportar Ensino. Exportar para crescer e podermos
honrar os nossos compromissos perante os nossos credores.
Senhor Ministro, não será um caso a replicar por
outras universidades portuguesas até porque, a título exemplificativo, o Ensino
Superior está entre os dez maiores exportadores nos Estados Unidos, Reino
Unido, Canadá e Austrália?
Não seria uma boa resposta à crise apostar neste
nosso capital humano, já que, como referiu, a nossa geração é a geração mais
bem preparada que Portugal já produziu?
Muito obrigado.
Vitor Gaspar
Muito obrigado.
Eu acho que de facto essa visão é uma visão
inspiradora, é uma visão importante. Temos casos de grande sucesso nessa
matéria à volta do mundo. É claro que as duas costas dos Estados Unidos da
América do norte foram extraordinariamente bem-sucedidas nesse quadro. A
exportação de serviços de Ensino superior por parte dos Estados Unidos tem sido
notável. Aqui na Europa temos tido alguns casos de sucesso, em particular, um
exemplo que eu gosto bastante é o do polo universitário em Barcelona, onde
existem algumas instituições de excelência que resultaram de uma aposta
estratégica no Ensino Superior e na excelência e na investigação científica. E
parece-me de facto que a aposta em capital humano é uma aposta que merece todo
o apoio e é uma das áreas em que julgo que podemos estar optimistas.
Na última década, talvez nas últimas duas décadas, o
progresso que conseguimos em Portugal em matéria de Ensino Superior e Ciência é
verdadeiramente notável, é uma das áreas de crescimento, é uma das áreas de
sucesso e, consequentemente, não posso não concordar consigo, a nossa esperança
está em que iniciativas como a aposta na excelência no Ensino Superior e na
Ciência possam merecer reconhecimento internacional e, portanto, Portugal possa
ser eleito como um bom destino para obter formação universitária a nível
superior e de pós-graduação e um bom sítio para investigar e contribuir para o
progresso científico a nível mundial. A aposta na excelência e, novamente, na
concorrência, parecem-me cruciais nessa dimensão.
Muito obrigado por essa tónica de esperança.
[APLAUSOS]
Duarte Marques
Obrigado. João Marques Franco do Grupo Amarelo e de
seguida o Carlos Sampaio da Costa do Grupo Bege.
Joao Marques Franco
Bom dia, senhor Ministro. Também eu e o meu Grupo lhe
agradecemos, também a minha geração lhe agradece o facto de ter tomado conta
das finanças do nosso país, sabemos que o faz todos os dias com grande
sacrifício pessoal e por isso terá sempre da nossa parte uma forte homenagem.
[APLAUSOS]
A pergunta que lhe faço é muito concreta. Nos últimos
dez anos os sucessivos governos têm reduzido, ou congelado, os salários e não
têm tocado no horário do trabalho. A pergunta que eu faço é se não podíamos ter
resultados semelhantes a nível do equilíbrio orçamental com salários fixos, ou
seja, os mesmos que temos agora, aumentando o horário de trabalho e se isso não
teria vantagens económicas e menos castradoras do crescimento económico. Também
não lhe resisto a perguntar qual é o modelo económico que propõe num contexto
pós-Troika, se vamos ver o "falcão liberal” de que já ouvimos falar.
Vitor Gaspar
Muito obrigado.
Deixem-me começar com uma consideração geral. A
responsabilidade pelo reequilíbrio das finanças públicas num país não é uma
responsabilidade individual é uma responsabilidade colectiva.
Nenhum Ministro das Finanças consegue reequilibrar as
finanças públicas por si só. No século XIX, alguém escreveu que quando os
messias não entram em cena fazendo milagres a sua reputação rapidamente
desaparece e eu acho importante ser completamente claro sobre esta questão:
milagres nós não sabemos fazer e, consequentemente, a ideia de que as finanças
estão equilibradas porque estão bem entregues é uma completa falácia. Só vai
ser possível reequilibrar as finanças públicas portuguesas com o empenhamento
de todos; eu, pela minha parte, farei tudo o que possa para não desiludir mas a
solução para o problema é uma solução que nos cabe a todos e será gerada pela
sociedade portuguesa e pelo sistema político português.
A queda e o corte de salários é um fenómeno raro. O único momento em que houve um corte
salários, de remunerações nominais, foi no ano passado, em que o Governo
decidiu cortar os salários dos funcionários públicos em 5%. Um fenómeno desse
tipo é um fenómeno raro e é justamente um fenómeno raro porque o salário de
cada um de nós é crucial para a nossa vida e a protecção do salário, da remuneração
dos trabalhadores, é crucial para a protecção do direito ao emprego. Se nós
estivéssemos numa situação em que o salário pudesse ser reduzido sem restrições
a protecção ao emprego não teria qualquer valor. Não é verdade? Porque se
reduzia o salário até o trabalhador sair voluntariamente.
A questão do horário do trabalho é uma questão de
consciencialização colectiva, isto é, se nós decidíssemos que em vez de 35
horas trabalharíamos, por exemplo, 38,5, o efeito dessa alteração sobre a
produtividade seria muito grande. Uma situação desse tipo teria uma ordem de
grandeza suficiente para criar uma solução viável para a crise. Uma diminuição
do número de feriados e uma restrição à tradição nacional de fazer pontes teria
o mesmo efeito.
A questão é então consciencializar essa alteração,
isto é, se todos nós decidirmos que pudemos ter menos três feriados, menos três
pontes e trabalhar 40 horas em vez de 35, uma grande parte do problema estaria
resolvida; a questão é como fazer isso de uma forma a que seja aceite sem criar
fracturas na sociedade portuguesa.
Portanto, o problema é um problema da acção
colectiva. É saber como é que vamos conseguir fazer isso todos juntos.
O John Maynard Keynes escreveu que para superar uma
crise é preciso resolver um problema da acção colectiva, é como quando dois
carros vêm numa estrada e estão ambos do mesmo lado da estrada, se um deles
continuar no mesmo caminho e o outro se desviar não há problema. Mas se, para
evitarem o acidente, ambos guinarem para o lado o acidente é certo. Para evitar
o acidente é preciso que um deles vire e o outro não. É um problema de acção
colectiva.
Numa crise, o crucial é resolver esse tipo de
problemas, como é que nós podemos garantir que nós nos mantemos no nosso
caminho, ou vice-versa. Não é importante quem vira, mas que vire só um.
Relativamente ao tipo de soluções que colocou, o problema que se põe é este, é
um problema de acção colectiva; se aquilo que sugere fosse consensual sem
fracturas sociais, podia de facto ter o potencial que disse. Na ausência desse
consenso, poderia ser um caminho muito perigoso a trilhar.
Sobre a questão do "falcão liberal”, reparem, prestem
um bocadinho de atenção e olhem para mim: eu pareço-vos um falcão?
[RISOS E APLAUSOS]
Duarte Marques
Muito bem. Vamos dar agora a palavra às perguntas
livres.
Carlos Sampaio do Grupo Bege.
Carlos Sampaio da Costa
Obrigado. Muito bom dia a todos. Senhor Ministro,
mais uma vez muito obrigado por estar na Universidade de Verão. A minha
pergunta é a seguinte: recentemente o New York Times publicou um poderoso e
controverso artigo do Warren Buffett, que em poucas palavras afirmou que os
milionários deveriam pagar mais impostos.
Aqui, em Portugal, a carta de Buffett foi o rastilho
para a discussão da taxação dos ricos que cai sempre bem na opinião pública. No
contexto português, será útil um imposto sobre as grandes fortunas, ou por
outro lado seria mais proveitoso uma diminuição dos impostos em troca da
criação de postos de trabalho?
Vitor Gaspar
Relativamente ao artigo do New York Times e do Warren
Buffet, eu fiquei impressionado pela responsabilidade social e a disponibilidade
que Warren Buffet sinalizou para participar no esforço colectivo que é
necessário para superar a crise. Warren Bufett, como de resto Bill Gates, têm
uma tradição de apoio a causas sociais meritórias e têm uma tradição de
disponibilizar a sua fortuna para a persecução de fins sociais. Esta tradição
de mecenato privado é uma tradição forte nos Estados Unidos da América do Norte
e traduz na minha perspectiva uma grande responsabilidade das elites económicas
e financeiras pelo destino colectivo da nação americana.
Este sentido de responsabilidade das classes
dominantes é muito importante, julgo eu, para a coesão social e nacional e este
artigo do Warren Buffett é um exemplo muito bom nessa matéria.
Relativamente à questão em Portugal, a nossa abordagem
têm sido a de procurar seguir um caminho que nós chamamos de equidade social na
austeridade.
Os aumentos de impostos que têm vindo a ser
anunciados não são uma opção de fundo, são um recurso. Guilherme de Oliveira
Martins, o Presidente do Tribunal de Contas, como historiador escreveu a
História do Ministério das Finanças e uma biografia de Oliveira Martins, que
foi Ministro das Finanças em 1992, na altura de uma grande crise nacional.
Guilherme de Oliveira Martins escreve que esse seu antepassado chegou ao
Ministério das Finanças em período de crise e rapidamente anunciou que queria
colocar medidas com três dimensões: medidas imediatas arbitrárias e violentas
para combater a crise e seria esta a primeira fase. Numa segunda fase
substituiria essas medidas por outras medidas mais equilibradas e mais
equitativas. Numa terceira fase iria combater os desequilíbrios de longo prazo
a nível da administração pública e da sociedade portuguesa. Diz o escritor que Oliveira
Martins apenas pôde realizar a primeira a fase.
A nossa preocupação, neste contexto, foi procurar
enquadrar as medidas de ajustamento urgente necessárias numa estratégia que
fizesse sentido do ponto de vista do médio e do longo prazo. Isto é, os
aumentos de impostos que foram anunciados em sede de imposto sobre rendimento,
sobretaxa extraordinária e a taxa adicional por solidariedade são num caso uma
medida extraordinária que figurará apenas num ano e uma medida transitória que
terá duração limitada no tempo. Os outros casos de aumento de impostos são
simplesmente antecipações de aumentos que já estavam no programa.
Porquê toda esta introdução? Porque a ideia é que nós
procurámos usar o sistema fiscal como ele existe. Isto é, procurámos exercer a
equidade social na austeridade, usando a noção de equidade já consagrada no
sistema fiscal português em que a equidade se define por referência ao sistema
de imposto ao rendimento, o IRS e o IRC. Não nos pareceu ser útil procurar
operacionalizar na crise uma noção diferente de equidade.
Pensem, dada a contestação que temos visto a estes
impostos que são baseados na estrutura existente e que se fazem alguma coisa é
acentuar o carácter redistributivo do sistema fiscal português, o que
aconteceria se nós estivéssemos a tentar transformar e consensualizar a noção
de equidade em Portugal durante o processo de gestão da crise? Parece-me que
uma estratégia desse tipo não seria bem-sucedida e como tal considerar
alterações profundas como do sistema fiscal como seriam implicadas pela
tributação do património, pela tributação das fortunas, foram excluídas desta
equação.
Relativamente à questão do aumento de impostos versus criação de postos de trabalho,
neste momento a questão, julgo eu, não se coloca dessa maneira, porque nós
precisamos de reduzir despesa, fundamentalmente, mas precisamos também de
aumentar impostos por uma razão de consolidação orçamental. E, repito, a
consolidação orçamental não é uma opção, conseguir os objectivos orçamentais a
que estamos comprometidos é um imperativo, não é uma opção.
Portanto, aumentos de impostos têm de ocorrer, no
entanto uma das hipóteses que está na mesa em termos de desvalorização fiscal,
de redução da taxa social única, é precisamente condicionar essa redução à
criação líquida de emprego.
A única dificuldade, ou melhor, a dificuldade
fundamental que se coloca a essa medida é uma dificuldade que tem a ver com o
desenho, a execução e o controlo administrativo do processo. É uma medida
particularmente difícil de arquitectar de um ponto de vista prático, mas se for
possível executar uma medida desse tipo será uma das melhores possibilidades de
conseguir reganhar competitividade para Economia e conseguir criar emprego no
processo, o que é particularmente importante, numa altura em que o Desemprego
em Portugal é dramaticamente elevado, especialmente da vossa geração.
Muito obrigado.
[APLAUSOS]
Duarte Marques
Carlos, temos cerca de meia hora,
não é?
Eu tenho já cerca de quinze inscrições mais ou menos,
só temos 30 minutos. Eu tenho cinco inscrições de pessoas que nunca fizeram uma
pergunta em "Catch the eye”, por isso vou dar já a palavra ao Miguel Oliveira
do Grupo Amarelo e, de seguida, à Sara Teixeira do Grupo Cinzento.
Miguel Oliveira
Bom dia, senhor Ministro. A questão que eu tenho para
colocar é bastante concreta. É uma medida que embora tenha sido amplamente
discutida penso que não foi concretizada. Em suma, poderia a União Europeia
criar um sistema de apoio financeiro que possibilite a recompra de títulos de
vida pública no mercado secundário, portanto, países como a Grécia poderiam
comprar os títulos da dívida que anteriormente tinham sido colocados no
mercado. E, na sua opinião, qual deveria ser o modelo financeiro a adoptar após
o cumprimento do acordo com a Troika? Obrigado.
Sara Teixeira
Bom dia a todos. Começo por cumprimentar a mesa, em
especial o Dr. Vítor Gaspar pela sua excelente explanação.
Foi referido pelo Dr. Jorge Sampaio, ex-Presidente da
República, e ontem aqui reafirmado pelo Dr. Mário Soares: "há mais vida para
além do défice”.
A minha questão é a seguinte: de que forma é que nós
jovens podemos realmente acreditar nisso? Obrigada.
Vitor Gaspar
Muito obrigado. Eu vou começar pela última questão
"há mais vida para além do défice”. Efectivamente, não só há mais vida para
além do défice, como tem de haver mais vida para além do défice e o défice não
se resolve por si só.
Isto é, para repetir o que já disse, a consolidação
orçamental e a diminuição do endividamento e desalavancagem financeira são
condições necessárias para uma agenda de transformação e para retomar ou para
fundamentar uma trajetória de crescimento sustentado para a Economia
portuguesa. O nosso objectivo, aquilo que nos deve inspirar, é essa agenda de
transformação, é essa perspectiva de crescimento. A redução da dívida é um meio
imperioso sem o qual não temos a possibilidade de realizar uma agenda de transformação,
é um meio imperativo no sentido em que sem isso não conseguimos uma transição
para um crescimento sustentado, mas é contudo um meio, o nosso horizonte tem de
ser o crescimento e a criação de emprego, o nosso horizonte tem de ser sermos
concorrenciais, competitivos e bem-sucedidos na Economia europeia e global. O
exemplo da nossa ambição de sermos bem-sucedidos em matéria de Ciência e de
Ensino Superior é um exemplo emblemático dessa ambição nacional.
Relativamente à questão do apoio financeiro para
comprar dívida em mercado secundário, isso está previsto como uma possibilidade
no Fundo europeu de estabilização financeira, as novas regras do fundo
acordadas a 21 de Julho estão em ratificação nos Estados-Membros, as
modalidades exactas em que essa possibilidade possa vir a ocorrer dependem da
forma como o Fundo vai exercer na prática essa possibilidade e as modalidades
em detalhe não são conhecidas. Evidentemente, é nossa posição de que a
possibilidade de intervenção num mercado secundário seria extraordinariamente
favorável para a capacidade europeia de gerir a corrente crise.
"Qual o modelo financeiro a adoptar depois da
Troika”, eu admito livremente que não podiam estar satisfeitos com a minha
resposta porque eu não me lembro de ter respondido a esse aspecto da pergunta.
A ideia é que após a crise nós teremos de ter um sistema financeiro
substancialmente diferente em Portugal e na Europa. As práticas de regulação e
supervisão vão ter de ter evoluído muito consideravelmente, a importância de
instituições europeias na regulação e supervisão deste sector terão de ter
aumentado, a estrutura do sistema bancário terá certamente evoluído, o sistema
bancário será mais integrado e terá uma estrutura acionista mais diversificada
e o sistema financeiro será portanto um sistema financeiro muito mais robusto.
E a Economia portuguesa como um todo estará, após Troika, muito menos
dependente de instrumentos de dívida e isso se formos bem-sucedidos, o volume
directo do estrangeiro em Portugal e a participação de não-residentes em
Portugal terá aumentado muito substancialmente, isto é, teremos substituído
instrumento de dívida por participações em capital. Portanto, do ponto de vista
da estrutura do sistema financeiro, quer na Europa, quer no Estados-Membros,
quer particularmente em Portugal, será uma estrutura profundamente diferente
relativamente à estrutura que temos hoje. Espero agora ter respondido.
Duarte Marques
Muito obrigado, senhor Ministro. Carla Ferreira do
Grupo Verde, pela primeira vez e a Beatriz Cardoso do Grupo Bege.
Carla Ferreira
Cumprimento à mesa, bom dia a
todos.
Professor Vítor Gaspar, a minha questão é de índole
um pouco diferente das que têm sido apresentadas. É a seguinte: face às medidas
de austeridade que têm vindo a ser implementadas e que é chamado a explicar,
quais são as principais dificuldades que encontra em comunicá-las, em fazer
entender a sua urgência e indispensabilidade, tanto ao nível da Assembleia da
República como ao nível do grande público? Já se sentiu incompreendido muitas
vezes? Obrigada pela sua presença e esclarecimentos.
Beatriz Cardoso
Bom dia a todos. Só a médio/longo prazo obtemos
resultados de verdadeiras reformas na nossa Economia. Isso pede o esforço de
todos os portugueses para um resultado visível apenas no futuro. Como se
renovam mentalidades que estão habituadas ao espectáculo e estão próximas de
perder a paciência relativamente a cortes?
Obrigada.
Vitor Gaspar
Eu acho que consigo responder rapidamente, até porque
as duas questões estão muito relacionadas.
Eu tenho muita dificuldade em comentar uma questão do
tipo se me sinto incompreendido, eu não tenho esse tipo de ansiedades
existenciais.
[APLAUSOS]
A questão da mentalidade e a questão da disponibilidade
para suportar sacrifícios, trabalho adicional, carga fiscal, diminuição de
prestações sociais, porventura, consequências pessoais da extinção de alguma
organização do sector público – todas essas questões são centrais ao nosso
esforço. A vantagem que uma crise e uma crise profunda têm é que se a realidade
da crise não for negada a necessidade de um esforço de ajustamento que envolve
todos é razoavelmente patente e eu presumo que para negar a necessidade de
sacrifício é necessário negar a realidade da crise, o que me parece impossível.
Agora, é evidente que é muito importante neste
contexto ter a capacidade de explicar a natureza da crise e ter a capacidade de
explicar que há uma ou mais saídas para a crise. Como eu vos disse na minha
apresentação, o caminho de saída da crise não é único, mas não há nenhum
caminho da saída da crise que seja fácil, mas é crucial que sejamos todos a
fazer o mesmo caminho.
Qual é a maior dificuldade de comunicação neste
contexto? A maior dificuldade de comunicação neste contexto é que o tempo de
comunicação, como eu procurei dizer na minha apresentação, o tempo dos órgãos
de Comunicação Social é muito curto, muitas vezes mede-se em horas, é o facto
político do dia. O processo que estamos aqui a falar é um processo que foi
longo na criação dos problemas e que será também longo na sua solução e é
preciso de ser capaz de comunicar de forma duradoura, o crucial não é o
momento, não é a hora, não é o dia, é a constância de propósito. Para vencermos
esta crise precisamos de ter consciência do ponto de partida e de ter a
determinação de perseverar semanas, meses, alguns anos, para conseguir superar
a crise e nessas condições poderemos organizar uma Universidade do Verão sobre
o depois da crise.
[APLAUSOS]
Duarte Marques
Tenho uma pergunta do Pedro Pires do Grupo Encarnado,
que é a primeira vez também e outra pergunta do Afonso Meireles do Grupo Roxo,
tenho a indicação que também é a primeira.
Pedro Pires
Bom dia a todos. Mais uma vez, agradecer ao Doutor
Vítor Gaspar por estar aqui connosco.
A minha pergunta é a seguinte: a taxa de juros das
obrigações gregas atingiu esta semana o valor de 47% a dar o prazo de dez anos.
Olhando para este valor, à vista desarmada e para quem se calhar não perceba
muito sobre estes mercados, este parece um retorno demasiado atractivo. A
pergunta que eu faço é: aconselharia a mim, ou a qualquer entidade a investir
neste produto? Se não, porquê?
Afonso Meireles
Bom dia à mesa, em especial ao Doutor Vítor Gaspar.
A pergunta que lhe quero fazer é a seguinte: sendo a
Agricultura um sector de extrema importância para o país e que carece de
apoios, de modo a aumentar a competitividade deste sector, quais as medidas de
apoio que gostaria de implementar e como poderia ultrapassar as limitações da
PAC. Obrigado.
Vitor Gaspar
Sobre a questão da Agricultura não tenho grande coisa
a dizer, peço-lhe desculpa, reconheço completamente a legitimidade da pergunta,
mas as questões específicas do sector da Agricultura não fazem parte das
questões sobre as quais eu tenha reflectido nos últimos anos.
Eu tenho um Mestrado em Economia agrícola, mas concluí-o
em 1984. Peço-lhe desculpa, mas não tenho de facto uma resposta específica a
dar-lhe.
À outra pergunta, relativamente às taxas de juros das
obrigações gregas, tenho uma resposta específica. É preciso compreender que o
preço das obrigações gregas, por exemplo, determinado no mercado hoje em dia
reflecte um volume de transacções que é aproximadamente nulo. Isto é, no
mercado de obrigações gregas existe um conjunto extenso de vendedores
potenciais, mas não existem compradores potenciais, portanto, é um mercado que
virtualmente não existe. O preço que reflecte um volume zero de transacções, é
um preço que não é representativo de coisa nenhuma.
Deixem-me fazer-vos uma observação que é geral e que
tenho esperança que vos interesse: na altura em que foi lançada a União
Monetária, o indivíduo que eu prezo muito e acho que é um dos melhores
economistas europeus, Alexander Lamfalussy, escreveu um pequeno artigo de apoio
ao relatório do Comité Delors em que dizia que a disciplina orçamental na
futura União Monetária não podia ser deixada nas mãos do mercado porque a
disciplina de mercado funcionava em momentos normais de forma demasiado fraca e
de forma demasiado lenta e que em períodos de crise era demasiado violenta e
demasiado destruidora.
O que nós vimos nesta crise foi precisamente a
efectivação da segunda parte da frase do Alexander Lamfalussy. O que aconteceu
é que na ausência de confiança sobre certos títulos de dívida pública, o
mercado desses títulos simplesmente desapareceu e como o desaparecimento do
mercado desses títulos, com volumes de transacção que são virtualmente zero, os
preços tornam-se não-representativos.
Mas agora prestem atenção, só um ponto adicional:
imaginem que são detentores de um título desses, que compraram títulos de
dívida grega e que o mercado está como hoje, por qualquer razão (porque tiveram
uma doença na família, porque precisaram de pagar um empréstimo, porque
precisaram de socorrer um amigo, querem vender esses títulos), a verdade é que
vão descobrir quando procurarem vendê-lo que o título não tem nem
aproximadamente o valor que julgavam que tinha. Pensem na vossa angústia nessas
circunstâncias. Porque é que eu estou a fazer toda esta digressão, porque julgo
que este exemplo que é suscitado pela sua pergunta nos leva a colocar-nos do
ponto de vista do credor e a simpatizar com a posição do credor e para nós
percebermos a dinâmica da crise em que estamos envolvidos precisamos não só de
perceber o nosso ponto de vista, o ponto de vista do devedor, mas ser capaz
também de perceber o problema do credor. Não há nenhuma relação de crédito, de
dívida que possa ocorrer se o credor e o devedor não estiverem de acordo. A
solução da crise da dívida soberana da área do Euro vai também exigir um
encontro entre credores e devedores.
Espero ter respondido à sua pergunta.
Duarte Marques
Muito obrigado, senhor Ministro. Pela primeira vez o
Rui Silva do Grupo Encarnado. Alguém que não tenha feito nenhuma pergunta e que
queira fazer que me avise, senão, de seguida, é o André Serras.
Rui Miguel Silva
Bom dia a todos. Começo por agradecer a presença do
Doutor Vítor Gaspar aqui na Universidade de Verão.
O Doutor Vítor Gaspar começou desde logo por referir
que esta é uma crise não só nacional, mas também global e europeia.
Em que medida a aproximação à União Europeia pode
significar uma resposta para a crise? Obrigado.
André Serras
Bom dia, senhor Ministro, bom dia à mesa. A minha
pergunta é a seguinte: visto a poupança ser proveniente do trabalho e também por
saber que num cenário de crise o aumento da produtividade é obtido numa redução
dos custos de produção, porquê taxar o rendimento ao invés da riqueza e porquê
um aumento elevado na electricidade? Por que não aplicar a teoria moderna das
expectativas racionais e adaptativas? Obrigado.
Vitor Gaspar
Muito obrigado.
A questão das expectativas é crucial. Já me
perguntaram aqui sobre a comunicação no quadro de crise a comunicação é arte
integrante da condução da política. Eu já aqui mostrei exemplos da necessidade
de coordenação através da acção colectiva e para que essa coordenação seja
bem-sucedida a Comunicação é crucial. Reparem naquele exemplo que vos dei,
muito simples, de dois carros que estão na mesma faixa de rodagem avançando em
sentidos contrários, é absolutamente claro que apenas um se poderá desviar para
evitar o acidente. As expectativas racionais e adaptativas não ajudam de todo.
Quem tiver uma abordagem de expectativas racionais percebe que há equilíbrios
múltiplos, isto é, existe o equilíbrio em que nenhum deles se desvia e batem,
se desviam os dois batem também e existem equilíbrios em que um guina e o outro
não, ou o outro guina e o primeiro não. Certo? As expectativas racionais não
nos ajudam de todo, há equilíbrios múltiplos e as expectativas racionais não
ajudam. Reparem que isto é um exemplo simplérrimo.
As expectativas racionais como
usadas em Economia consideram que o problema da acção colectiva, o problema da
coordenação foi resolvido e portanto o agente económico individual descobre o
equilíbrio e sabe qual é o equilíbrio. Quando o nosso problema é gerir uma
crise e mobilizar as pessoas, as expectativas racionais não ajudam
absolutamente nada. No caso das expectativas adaptativas o mesmo tipo de
problema ocorre, no meu exemplo dos carros como só há uma observação, ou
bateram ou não bateram, como resultado, aqueles que conseguiram guinar ainda
podem ter mais um período para aprender, mas os que morreram no acidente já não
podem para o período seguinte usar as expectativas adaptativas.
Pelo que não pode ser resolvida a questão assim, tem
de ser mesmo por comunicação. Por exemplo, um dos automobilistas sinaliza o
pisca da direita, o outro vê o sinal do pisca da direita, quer dizer que ele se
vai manter na sua linha, guina e o problema está resolvido. É, portanto,
necessário, comunicar. É preciso fazer uma coisa parecida com sinalizar o pisca
da direita, esse ponto parece-me absolutamente crucial, a comunicação é parte
integrante da política, dado que o nosso problema é muito mais complicado que o
problema do tráfego a comunicação é muito mais complexa.
Como o esforço de ajustamento será repetido,
precisamos de uma constância de propósito e assim sucessivamente. Vai ser um
desafio difícil e constante. Em algum sentido, parece-me importante que cada um
de vós esteja disposto a participar e a ajudar nesse esforço de comunicação.
Reparem que é difícil, não é? Porque cada um que seja afectado negativamente
por uma medida, vai achar que aquela medida em concreto é injusta e é
injustificada, que está mal explicada, que não era necessária. É importante
explicar que medidas desse tipo estão a afectar todos ao mesmo tempo e resolver
o nosso problema de acção colectiva.
Por que não, dado que nós temos um problema de
poupança e temos um problema de actividade, não tributar a riqueza? A
tributação da riqueza é sistémica, é uma tributação difícil. As tentativas de
tributar a riqueza, à volta do mundo não têm sido bem-sucedidas na prática.
Tentar fazer uma revolução tributária desse tipo em período de crise seria,
julgo eu, aumentar imenso a instabilidade no processo.
Parece-me muito mais prometedor usar o sistema que
temos, procurar distorcê-lo o menos possível, ao mesmo tempo que se prepara uma
reforma do sistema de tributação directa a um prazo de dois anos. Nós
anunciamos, desde já, que existirá uma reforma do IRS e do IRC a um prazo de
dois anos, a introdução de um imposto sobre a riqueza tem uma complexidade
consideravelmente superior à reforma do Imposto sobre o rendimento e dizem-me
que está é a última ronda de perguntas, porque esgotámos o nosso tempo, pelo
que deixem-me dar-vos uma mensagem final sobre o tempo: o tempo de comunicação,
o tempo de ajustamento em crise, o tempo para retomar uma trajectória de
crescimento.
O tempo de comunicação vai ser difícil para todos
nós, vai ser necessário conseguir explicar a todos os portugueses, a todos os
participantes no processo político, que o ajustamento é difícil mas indispensável
e que vamos ter perspectivas muito mais favoráveis sendo o ajustamento
bem-sucedido. O ajustamento não é só dívida, o ajustamento não é só défice. O
ajustamento na dívida e o ajustamento no défice são instrumentos para uma
transformação estrutural que é necessária para que o ajustamento do défice e da
dívida sejam bem-sucedidos, mas é mais importante é necessário para pôr
Portugal num patamar diferente de crescimento, desenvolvimento, de exigência,
de qualidade, de prosperidade, de competitividade. Só com essa agenda de
transformação conseguiremos ter uma trajectória de crescimento sustentado, de
criação de emprego e em que a nossa Economia possa prosperar no mundo. Isto
exige, como vos disse, uma grande constância de propósito, uma grande perseverança
no processo de ajustamento. A crise – perguntaram-me – é uma crise, global,
europeia e nacional. A crise portuguesa revelou-se, como seria natural, num
momento de crise europeia e de crise global. Em particular, a Europa necessita
com grande urgência de casos de sucesso no processo de ajustamento dentro da
área do Euro. O sucesso de países como a Irlanda e Portugal têm um interesse
vital para a Europa como um todo, a Europa se perceber a oportunidade desse
sucesso tem toda a disponibilidade, todo o empenhamento e todo o interesse em
facilitá-lo e promovê-lo. Num contexto de aprofundamento da integração europeia
e da política europeia, o nosso esforço, sacrifício e empenho poderão ser
bem-sucedidos e poderão transformar Portugal num caso de sucesso no contexto de
integração europeia e, para isso, o esforço e empenhamento da vossa geração é o
mais importante sinal de esperança e o mais importante factor de sucesso.