ACTAS  
 
02/09/2011
Jantar-Conferência com o Dr. Mário Soares
 
Dep.Carlos Coelho

Damos sempre início a estas sessões com um momento cultural protagonizado pelos jovens da Universidade de Verão.

Trata-se da escolha de um poema e da sua leitura no início do jantar. O primeiro poema será apresentado pelo Bernardo Branco Gonçalves do Grupo Encarnado, é o poema "Cântico Negro” de José Régio e o Grupo Encarnado recorda-nos que José Régio se consagrou na Poesia como um dos mais originais da sua geração. Contemporâneo de Fernando Pessoa e representante do Modernismo Português, via na Arte uma oportunidade para manifestar sentimentos e expor os conflitos com que se debatia ao longo da vida, tendo sempre o objectivo de traçar caminhos ousados para a poesia lusa.

Neste Cântico Negro, Régio exacerba de forma genial dicotomias que de uma forma ou de outra sempre perseguiram o ser humano: Deus e o Diabo, e o Bem e o Mal.

O Grupo Encarnado optou por esta obra-prima também por se encontrar presente na "Antologia” do Dr. Mário Soares.

O segundo grupo será o Castanho, através do Pedro Roberto, que nos vai apresentar o poema, "A Armadura” de António Joaquim de Castro Feijó, que foi um diplomata mas também poeta.

Nascido a 1 de Junho de 1859, dedicou a sua vida a Portugal espalhando a sua cultura através das nossas embaixadas. O poema que o Pedro Roberto vai ler foi retirado da sua obra "Sol de Inverno”, publicada em 1922. Os seus poemas são envoltos num Naturalismo/Realismo nascido em França, característico da época em que viveu. O poema "A Armadura” foi escolhido pelo simples propósito de enaltecer as batalhas políticas do nosso orador, Dr. Mário Soares. Nem sempre vencemos, nem sempre perdemos, porém a nossa armadura fica marcada para toda a vida com as nossas batalhas – é o nosso troféu!

Vamos, então, ouvir os poemas do Grupo Encarnado e do Grupo Castanho.

[APLAUSOS / AUDIÇÃO DOS POEMAS / APLAUSOS]
 
João Pires Ribeiro

Caro "reitor”, staff, colegas e digníssimos convidados, peço a vossa atenção para umas pequenas palavras. Temos hoje a possibilidade de preparar o futuro conhecendo o passado por parte de um elemento de uma corajosa geração na luta pela liberdade.

Dr. Mário Soares, tal como a sua geração necessitou de coragem para agir, também a nova geração, embora com problemas diferentes, necessita de coragem para superar as dificuldades que se avizinham. Contamos consigo, como representante dessa geração, para partilhar algumas palavras.

Mais uma vez, obrigado por estar aqui numa acção social-democrata e ter acedido a partilhar connosco a sua experiência de vida. Aliás, isto mostra um sinal de amadurecimento democrático, ou seja, uma sociedade aberta e capaz de cumprir os verdadeiros valores da Democracia.

Assim, proponho que nos levantemos e brindemos a um verdadeiro homem da Democracia: Mário Soares!

[APLAUSOS]

 
Dep.Carlos Coelho

Senhor Dr. Mário Soares, senhor Secretário-Geral do PSD, senhor Presidente da JSD, deputado Nuno Matias, Director-Adjunto da Universidade de Verão, deputada Joana Barata Lopes, senhor Presidente da Assembleia Municipal de Castelo de Vide, senhores Conselheiros, senhores Avaliadores, minhas senhoras e meus senhores, é um privilégio ter connosco o Dr. Mário Soares esta noite.

Não porque temos entre nós um ex-Presidente da Republica, um ex-Primeiro-Ministro de Portugal, ou pela circunstância, já por si assinalável, de uma vez mais termos uma grande figura dos socialistas e a mais relevante de todas aquelas que já aceitaram participar em Universidades de Verão, mas porque se trata de Mário Soares.

O Dr. Mário Soares é uma figura própria, um homem controverso, que não suscita indiferença: há quem goste e quem não goste dele. Ambas as reacções são legítimas, mas eu confesso que gosto muito, respeito muito e tenho muita admiração pelo Dr. Mário Soares. Tenho admiração pelo homem que lutou pela Liberdade e pela Democracia antes do 25 de Abril e depois do 25 de Abril contra tentativas totalitárias daqueles que queriam substituir a ditadura corporativa pela ditadura do proletariado. Este homem foi fundamental na História da Democracia e por isso quando vários jornalistas perguntaram porque é que convidámos o Dr. Mário Soares, foi o Presidente da JSD, o deputado Duarte Marques, que disse de uma forma clara: "porque ele é um dos pais da Democracia portuguesa”.

[APLAUSOS]

Estivemos em campos diferentes da vida política e fomos aliados. O Dr. Mário Soares presidiu a um governo de coligação com o PSD, teve como seu Vice-Primeiro Ministro o Prof. Carlos da Mota Pinto e depois o Dr. Rui Machete. Na primeira campanha presidencial do Dr. Mário Soares, houve uma grande controvérsia no PSD porque o partido apoiou a candidatura do Prof. Freitas do Amaral que era uma figura política na altura identificada com o CDS/PP (era apenas CDS, ainda não existia a designação CDS/PP) e essa candidatura não foi bem vista por muitos sociais-democratas. A maior parte da Direcção Nacional da JSD não se reviu na campanha do Prof. Freitas do Amaral e a maioria não aceitou integrar as estruturas de campanha.

Portanto, quando o Dr. Mário Soares foi eleito houve muitos sociais-democratas que viram essa eleição com bons olhos. A maior parte de nós esteve ao seu lado na segunda campanha presencial; eu próprio estive em representação da JSD e tive o privilégio de acompanhar a campanha presidencial do Dr. Mário Soares.

Na altura, o Dr. Soares, que foi o primeiro presidente civil em Portugal, nunca fechou as portas à juventude. A primeira vez que os jovens das delegações da JSD tiveram oportunidade de falar com um Chefe de Estado foi quando o Dr. Soares estava na presidência da República.

Instituímos um princípio: sempre que havia um Congresso, uma delegação dos órgãos eleitos desse congresso ia junto do Presidente da República dizer o que é que a maior representação de juventude portuguesa pensava da situação política e o que é que tinha aprovado no seu órgão máximo.

Uma fotografia, que recentemente foi publicada em muitos órgãos de imprensa, que traz, ainda muito novo, o actual Primeiro-Ministro, Dr. Passos Coelho, com o então Presidente da República Mário Soares, tem que ver exactamente com uma dessas delegações a seguir ao congresso da JSD.

O nosso convidado de hoje tem comohobby a escrita, embora reconheça que para ele isso é mais importante que um hobby. Tem como comida preferida a portuguesa: Cozido, bacalhau com batatas, Tripas à Moda do Porto. Tem como animal preferido talvez o elefante, por ser grande e pacífico, recorda que cavalgou um na Índia, fotografia, aliás, que correu o Mundo. O livro que sugere: "As causas da decadência dos povos peninsulares”, de Antero de Quental. E "com alguma modéstia, se me permitem, o meu: O Elogio da Política”.

O filme que sugere: "Inside Job – a verdade da crise”; que, aliás, já foi também recomendado por outra personalidade convidada da Universidade de Verão.

A qualidade que mais aprecia é a dignidade, a coragem e o amor pelos outros. Senhor Doutor Mário Soares, eu tenho o privilégio de lhe dirigir a primeira pergunta: vivemos tempos difíceis, fala-se em crise nacional, na crise da Europa, na crise do Mundo, embora também seja verdade que alguns Estados conseguem ter crescimento económico e com isso reduzir os níveis de pobreza dos seus povos. Mas fala-se na crise em todas as suas dimensões e como ponto de partida para esta conversa esta noite, perguntar-lhe-ia: qual é a sua perspectiva sobre os tempos que vivemos? O senhor é dos pessimistas, que acham que nós estamos condenados à decadência, ou antes um optimista que acha que há uma saída para a crise?

Minhas senhoras e meus senhores, connosco na Universidade de Verão de 2011, um dos pais da Democracia Portuguesa, Dr. Mário Soares.

[APLAUSOS]
 
Mário Soares

Meu caro Carlos Coelho – desculpe-me tratá-lo com esta familiaridade, nós somos velhos amigos –, meus caros amigos, todos que aqui estão, amigos e companheiros, quero agradecer também as palavras que me dirigiu o João Ribeiro que falou antes do Carlos Coelho e que disse que eu podia dar algumas lições do passado e, realmente, eu vivi uma vida bastante longa, já tenho uma idade provecta, 86 anos, toda a gente sabe, não vale a pena esconder, e acho que "o passado é o passado e pronto”. Depois, se os historiadores quiserem e tiverem ocasião disso, se lhes interessar, dirão qualquer coisa sobre mim. Agora, o que me interessa fundamentalmente é o Futuro.

Hoje estão aqui vocês todos, jovens, são pessoas que estão a começar as vossas vidas, uns já começaram um pouco mais, outros menos, mas a verdade é que estão aqui e devem estar empenhados no Futuro e é do Futuro que acho que devemos falar e não do Passado, e muito menos não de mim, isso não interessa a ninguém senão a mim.

Portanto, eu fiz aqui um discurso lido, mas que é só para dar o tom e depois respondo à pergunta do senhor reitor e depois às perguntas que vocês todos quiserem fazer e façam-nas, quanto mais difíceis melhor.

Agradeço ao deputado Carlos Coelho, o gentil convite que me fez para participar numa sessão da Universidade de Verão da Juventude do PSD. É uma prova, a meu ver, de inteligência, da parte dos organizadores desta Universidade de Verão, do deputado Carlos Coelho, convidar para este jantar-debate alguém que como todos sabem é um adversário político vosso no plano, evidentemente, das ideias e só no planos das ideias. Mas atenção, na Democracia não há inimigos, há adversários que até podem ser amigos pessoais, como é o meu caso relativamente ao deputado Carlos Coelho ou, só citar, um dos fundadores do PSD, Francisco Pinto Balsemão, de quem eu sou amigo desde sempre. Conhecemo-nos há muitos, muitos, anos e temos sido sempre grandes amigos.

Já fui amigo de Sá Carneiro, embora tivesse tido com ele divergências, algumas delas difíceis e da própria Snu de quem eu gostava imenso. Mas, fui sempre amigo e admirador de Francisco Sá Carneiro, como aliás disse já em mil discursos que fiz logo a seguir, num momento muito difícil, quando após a morte dele eu voltei, porque estava retirado do Partido Socialista, como se deve lembrar o Carlos Coelho, por decisão própria. Retirei-me do Partido Socialista porque não queria apoiar o General Ramalho Eanes, mas achava que o Partido devia apoiá-lo, como apoiou realmente, mas eu não queria porque conhecia melhor a personagem, portanto não quis e resolvi retirar-me.

Isto deu origem a um certo conflito interno e algum aproveitamento interno, portanto eu voltei às minhas funções de Secretário-Geral do Partido Socialista, logo a seguir a isso, depois de a Assembleia abrir logo a seguir ao falecimento de Francisco Sá Carneiro, da esposa e de todos os outros.

Eu disse: bem, quem fala aqui hoje na Assembleia em nome do Partido Socialista, sou eu. Não sei se se lembra de que eu fiz um discurso de homenagem a Sá Carneiro e a todos os que morreram e toda a gente aplaudiu de pé o meu discurso, todas as bancadas excepto uma grande parte do PS, mas isso são coisas que acontecem na vida política.

Sugeriram-me que vos falasse da Globalização em primeiro lugar e depois sobre o diálogo entre as gerações, isto é, o diálogo entre nós - que somos de várias gerações. Eu vou fazer exactamente o que me pediu o Carlos Coelho, mas sem demorar mais do que os 15 minutos da praxe. Mas também vos desejo falar um pouco da actualidade, depois vocês terão a oportunidade de me fazer as perguntas que quiserem. Da actualidade, isto é, da Crise em que estamos e como podemos sair dela.

Começando pela Globalização, esta resulta, como sabem, das Novas Tecnologias, sobretudo das tecnologias de informação e comunicação. O Mundo tornou-se um só e toda a gente, onde quer que se encontre – isso é uma coisa que para a vossa geração é normal, mas para a minha não é normal – com um telemóvel na mão, com a Internet, ou com a televisão, sabe tudo o que se passa em qualquer outra parte do Mundo. A Globalização é por isso um facto irreversível, não vai mudar, como a internacionalização das Economias e a interacção das Culturas. Não falemos só das Economias, falemos também das Culturas. Contudo, a Globalização desde que apareceu está desregulada, não obedece a regras éticas e isso está na origem da crise global que hoje afecta uma boa parte dos Estados soberanos incluindo os emergentes.

Muitos deles estão a ser afectados pela crise global, como por exemplo a China - poucos sabem disso - ou a Índia, a Rússia, o próprio Japão está hoje numa situação dificílima. A desregulação da Globalização, sem ética, deu origem a um tipo de capitalismo especulativo, ou selvagem como se diz, donde resultaram a Economia virtual que é o contrário de Economia real.

Todas as grandes negociatas que se fazem no mundo são virtuais, sem se saber como e através de paraísos fiscais e a Economia real dos países não avança como devia avançar. Portanto, resultaram da Economia virtual os paraísos fiscais e a crise global que teve a sua origem, como todos sabem, nos Estados Unidos e propagou-se para a União Europeia e hoje está a contaminar todos os Continentes, para não dizer vários, mas todos os Continentes.

Quanto ao diálogo entre gerações, quanto à Globalização, é de grande interesse que se faça porque enriquece no plano cultural e político os mais velhos, enriquece-me a mim mas enriquece também os mais novos. Sempre houve diálogo entre gerações e ainda bem que assim é, porque esse diálogo fortalece a coesão nacional – o facto de sentirmo-nos todos da mesma pátria – de um Estado ou de uma Nação, é indiferente, o Estado é uma Nação politicamente organizada e a Nação é o conjunto da população.

Pertenço à geração que foi marcada em primeiro lugar pela Guerra de Espanha. Vem aqui um amigo meu, Mário Ruivo, que é um grande biólogo e oceanógrafo, que é mais novo, mas pertence à mesma geração que eu e portanto também assistiu ao que foi a Guerra de Espanha, que nos marcou imensamente.

Foi uma guerra horrível, 1936-1939, e depois veio a II Guerra Mundial a que nós assistimos, 1939-1945. A minha geração viveu e combateu a ditadura salazarista como pôde, fomos presos várias vezes, deportados, para S. Tomé no meu caso, e expulsos de Portugal, como eu também fui expulso e muitos se recusaram a combater nas guerras coloniais por as considerarem guerras injustas e perdidas de avanço como realmente estavam.

Conhecemos e aprendemos com os grandes republicanos que foram socialistas, comunistas, democratas-cristãos, maoístas, o que quiseram, mas todos se bateram contra o Salazarismo. A Democracia Cristã e os democratas-cristãos que nunca se chamaram democratas-cristãos, chamaram-se católicos progressistas, tiveram um papel muito importante na luta final contra o Salazarismo.

Entre os grandes republicanos, eu quero destacar alguns nomes que vocês nunca ouviram falar, mas pesquisem depois na enciclopédia, porque são pessoas tão importantes cultural e intelectualmente na minha geração que era útil que vocês os conhecessem e eu cito entre eles os grandes que eu conheci: Jaime Cortesão, o historiador; António Sérgio, que até vinha nas notas do Banco de Portugal quando havia escudos; Bento Caraça; Mário de Azevedo Gomes; Câmara Reis; Abel Salazar; Rodrigues Lapa; grandes figuras da Cultura e Ciência portuguesas com os quais eu me honro, muito mais novo que eles todos, de ter convivido bastante. Da minha geração restam poucos dos meus amigos e camaradas, mas hoje, modéstia à parte, como vos disse logo no princípio, procuro dialogar sobretudo com os jovens e sobretudo ouvi-los para de algum modo lhes passar o que aprendi, de vida longa e agitada, e compreendê-los na genuinidade das suas ideias, das suas dúvidas e das suas convicções.

Voltando ao ponto de partida, a crise que afecta Portugal – já falei das gerações e da Globalização – como vos disse no início, não é só portuguesa, é muito mais do que portuguesa, é uma crise do Ocidente, todo o Ocidente: Estados Unidos, União Europeia e começa a fazer sentir-se na América Latina, tenham atenção a isso - mesmo países como o Brasil vão entrar em crise também, não somos só nós.

É uma crise global, mundial, vai implicar, creio eu, uma nova ordem mundial – é disso que devemos falar um pouco – porque sem uma nova ordem mundial nós não podemos sair da situação de crise em que estamos; que nos traga esperança a todos e confiança no futuro.

O que é indispensável neste momento, quando se está em crise, é termos esperança no futuro e confiança nesse mesmo futuro.

Contudo, em especial como disse Barack Obama – eu sou fã, não sou fã de nenhum político a não ser dele, tenho uma grande admiração por ele – aquando da sua posse, temos de criar um novo paradigma de desenvolvimento. Estão lembrados disso, alguns pelo menos. Realmente foi extraordinário como ele conseguiu ser eleito e conseguiu ser respeitado por toda a gente, contudo o Presidente Obama não conseguiu ainda pôr em prática esse objectivo, tenho que reconhecer. Uma vez que na oposição feroz tem o conservadorismo republicano, o chamado Tea Party, que confunde o Estado com a Religião, uma confusão que não se deve fazer nem mesmo no mundo islâmico, não lhe tem dado possibilidade para isso, ele tem sido muito atacado, mas espero que vá ter um segundo mandato e que ganhe esse segundo mandato.

A crise global da América comunicou-se à União Europeia porque os principais agentes não souberam, ou não quiseram, fazer-lhe frente criando uma situação grave para o prestígio europeu e a estabilidade do Euro, apesar da moeda única continuar a subir em relação ao dólar, que é uma coisa curiosa, mas péssima para a União Europeia porque sendo mais alta a moeda dificulta as nossas exportações como todos sabem.

Dos Estados da zona Euro, o primeiro a ressentir-se com esta crise foi, como sabem, a Grécia. A União Europeia não lhe deu a solidariedade que devia, não deu e isso é gravíssimo, porque a Grécia não é qualquer país, a Grécia foi o berço da Democracia, da Ciência, da Filosofia e está na origem, como Roma, da civilização ocidental.

Disseram assim: "a Grécia não interessa nada, são preguiçosos”; mas que coisa, que ideia absurda! Depois da Grécia, os países atacados foram, como sabem, a Irlanda e mais recentemente Portugal. Estão agora a começar a ser atacados pelos mercados sem regras éticas, a Itália, país fundador da CEE, não se esqueçam disso, e a Espanha; e a continuar assim, a Bélgica, a França e outros mais países vão ser igualmente atingidos. Portanto, o dilema em que estamos metidos é muito simples: ou se dominam os mercados, metendo na ordem os paraísos fiscais e as agências de rating no plano internacional, ou o Euro será destruído bem como a União Europeia. Seria uma calamidade, não só para todos os países-membros da União, mas também para o Mundo que ficaria de todos os pontos de vista sem controlo se perdermos a União Europeia e o que ela é.

Não creio que os dirigentes europeus sejam tão irresponsáveis – têm sido um bocado – que aceitem sem reagir que a União Europeia, o projecto político mais original desde sempre no Mundo, se auto-destrua. Espero que não o faça, mas não estou seguro, porque realmente quem ouve falar a senhora Merkel e o senhor Sarkozy, etc., pensa que eles estão a pensar nas próximas eleições deles e que não pensam sequer que existe o resto, isso é que é gravíssimo.

Por isso eu acho que Portugal, com a ajuda de uma nova União Europeia que seja mais igualitária e solidária - porque um dos princípios-base da União Europeia é a solidariedade - vai sair da crise sem chegarmos aos extremos que preconiza essa Troika que vem para cá.

Mas atenção, a Troika e o texto da Troika não são uma bíblia, todos os textos políticos têm várias interpretações e podem ser lidos com várias interpretações e nós não temos de estar subservientes em relação a essa Troika sem ter em conta as realidades político-sociais e económico-financeiras que são mutáveis. E, se são mutáveis, a Troika entrará numa situação em que está ultrapassada pelos acontecimentos. Portanto, nós não temos de estar sempre de chapéu na mão e subservientes em relação à Troika e que afinal os tipos da Troika são uns tipos complicados.

Portugal tem condições humanas e naturais para crescer, para crescer muito, vai consegui-lo sem alienar, como alguns querem, o seu património, vendendo-o por tuta-e-meia. Isso não é possível!

Até há empresas nacionalizadas no estrangeiro, são empresas privadas, são empresas públicas, em Portugal, então vamos vendê-las a uma empresa que é uma empresa estadual estrangeira; que raio de lógica é que isto pode ter?

Não pode ter lógica nenhuma, por isso é que eu acho que é preciso ter muito em conta o que são os mercados e o que é que os mercados podem fazer de mal e de bem. Não sou contra o capitalismo: sou contra o capitalismo especulativo e financeiro. Eu não sou pela igualdade absoluta em tudo: sou a favor de menos desigualdade. O nosso país é dos que tem mais desigualdade no mundo e devemos ter em atenção que as pessoas têm de viver e para viver têm de comer, têm de ter tratos de saúde, essas coisas todas que o 25 de Abril lhes deu e que nós não podemos perder em nome da resolução da dívida externa. A dívida externa é muito pouca coisa e há muita coisa para além da dívida.

Muito obrigado, isto foi o discurso.

[APLAUSOS]

 
Dep.Carlos Coelho

Muito obrigado, vamos então passar para a fase das perguntas.

Tem a palavra, pelo Grupo Bege, o Miguel Gavino.

 
Miguel Gavino

Boa noite. Antes de mais, quero agradecer ao senhor Dr. Mário Soares por estar cá, apesar de sermos de partidos diferentes, de termos ideias diferentes e políticas também bastante diferentes, tanto o Socialismo como a Social-Democracia têm como objectivo melhorar a vida dos portugueses e isso é o mais importante, seja à Direita ou seja à Esquerda.

Tendo sido uma personalidade activa na vida política, com cargos da mais alta importância, como Primeiro-Ministro, Presidente da República, entre outros, a pergunta do Grupo Bege vai para o seguinte: como vê o percurso económico do nosso país nos últimos 30 anos e como é que vê os próximos 30?

Muito obrigado.

 
Mário Soares

É muito difícil num mundo tão variável e em ebulição como está o nosso vermos os próximos 30 anos. Realmente é muito difícil. Há pessoas que fazem muito futurologia e são capazes de ver grandes coisas. Eu tenho fama – desculpem dizer isso – de ter escrito alguns livros que já há três anos diziam aquilo que se está a passar hoje e, portanto, posso ter algumas ideias do que pode vir a ser, mas a 30 anos de distância é muito difícil. Mas estará tudo mudado, em 30 anos.

Eu gostaria que tivéssemos uma nova ordem mundial, uma ordem em que todos fôssemos iguais, ou muito próximos. Que houvesse evidentemente distinções, porque há sempre distinções, mas que as pessoas tivessem todas dignidade no seu trabalho, tivessem todas trabalho para fazer e tivessem todos condições para se desenvolver segundo a sua inteligência e as suas capacidades. É isso possível? Bem, já se viram coisas piores.

A própria União Soviética, um regime totalitário, que toda a gente julgava impossível de deitar abaixo, e de repente apareceu um senhor chamado Gorbachev, que eu muito estimo e de quem sou até amigo pessoal e que veio dizer "não, isto é assim, porque nós estamos muito aflitos aqui e ali”, começou a mudar as coisas e aquilo caiu tudo como um castelo de cartas e atrás deles veio o leste europeu que eram tudo democracias populares, como eles chamavam, mas no fundo eram ditaduras.

E depois todo o Mundo, a Europa toda, mudou com isso. Porém, a seguir, os Americanos vieram com a teoria do Neo-Liberalismo e o Neo-Liberalismo é uma ideologia, diferente do Comunismo mas é uma ideologia também.

O Neo-Liberalismo é acreditar que o mercado sozinho, por si próprio, é capaz (pela mão oculta do mercado), de resolver os problemas. Mas isso não é verdade, está provado que os mercados não resolvem e as crises, estamos todos numa crise, desde o Ocidente até os países mais longínquos, não só a América, a América Latina, a Europa, mas também todos os outros países do Mundo e sabemos que por isso é preciso mudar alguma coisa, "mudar o paradigma” dizia o Barack Obama. Esse paradigma é o modelo social. O modelo económico-social, que é dar toda a força aos Mercados como se os Mercados fossem o rei do universo e único valor, é realmente muito grave e leva-nos à situação em que estamos.

É tudo o que eu lhe posso dizer para o futuro próximo.

[APLAUSOS]

 
Dep.Carlos Coelho

António Roxo.

 
António Roxo

Muito boa noite. Dr. Mário Soares, muito obrigado pela sua presença.

Vou ser breve. Tendo em conta que são países muito diferentes, principalmente do ponto de vista democrático, qual acha que deverá ser o papel do Brasil e da Venezuela no Mundo, em especial na ONU e no âmbito desta crise?

Muito obrigado.

 
Mário Soares

Bem, devo dizer-lhe que no dia 6, salvo erro, daqui a poucos dias o ex-Presidente Lula vem aqui a Portugal fazer uma conferência e vai fazer uma conferência no Ritz (não sei se é mesmo no Ritz, parece-me que sim) em que ele vai falar do Mundo no Futuro, como ele vê o Mundo no Futuro. Mas, previno já os senhores jornalistas que estão na sala, que ele disse que não queria jornalistas e que não queria perguntas, só faz a conferência e vai-se embora.

O Lula é uma personalidade eminente do Brasil, foi um grande Presidente e era um homem extraordinário. Vou-vos contar esta anedota, que vocês vão-se divertir: eu fui assistir, convidaram-me, para ir a Brasília à posse do Lula. A posse não é uma coisa como em Portugal, não é feita na Assembleia da República, no Brasil é feita naquela grande área que é Brasília, a grande avenida de Brasília e o Presidente está lá e fala para uma multidão de brasileiros que estão ali e vão aplaudi-lo, etc. Portanto, também não é como em Portugal, o Presidente antigo (que era o Fernando Henrique Cardoso) tem uma faixa e meteu a faixa no Lula, toda a gente bateu palmas, mas a seguir deu-lhe uma coisa que era um pequeno diploma a dizer-lhe que ele era Presidente da República (eu não sabia que se fazia isso, cá em Portugal não se faz) e o Lula o que é que fez? O Lula dirigiu-se ao microfone e disse assim: "meus caros brasileiros, estou muito satisfeito e muito emocionado, calculem que o Presidente Fernando Henrique Cardoso – que é um académico, professor, um homem eminente – acaba de me dar o meu diploma e sabem que este é o meu primeiro diploma, nem sequer fiz a instrução primária?

[APLAUSOS]

Bem, isto é para dizer que o Lula é um homem extraordinário que veio lá do Nordeste e veio até São Paulo, andou a vender as coisas mais diversas, enquanto miúdo, andou a apanhar bonés, para poder subsistir, foi andando, fez-se sindicalista, metalúrgico, foi andando e fez-se Presidente da República e é realmente um homem com uma capacidade de inovação, com uma capacidade de apreciação das situações realmente extraordinárias. Isto para dizer o quê? Que o Lula seguiu a política do Fernando Henrique Cardoso. Eu estou à vontade para dizer isto porque escrevi um livro com o Fernando Henrique Cardoso sobre a situação do Brasil na altura e realmente ele é que resolveu o problema da moeda, a inflação, etc., e depois de ter resolvido isso ele estava com medo que o Lula chegasse e mudasse aquilo tudo. Não mudou nada e continuou, mas ao mesmo tempo fez outra coisa, que é voltou-se para o Povo e conseguiu retirar da miséria milhares e milhares e milhares, senão milhões de brasileiros. Isso é que é uma coisa fabulosa, é por isso que ele é indestrutível, porque na segunda volta ninguém se bateu com ele e não podia ser mais Presidente (por só dois mandatos) como no nosso caso e passou o lugar para a Dilma.

O Brasil deu um salto com essa aquisição de milhões de brasileiros que não pertenciam à sociedade brasileira, estavam à parte, eram pobres, não tinham educação, com a Educação, com o desenvolvimento científico, etc., que deram o impulso ao Brasil que passou a ser um dos países emergentes.

Hoje o Brasil é um país emergente muito mais forte que a Alemanha ou outro país qualquer assim. Tem e fabrica os aviões mais sofisticados, tem uma Medicina extraordinária, Universidades óptimas, mas eles querem mais e têm uma grande ligação com Portugal, querem se desenvolver e querem aproveitar grandes especialistas, portugueses, e nós temos muito bons cientistas hoje com um trabalho que foi feito e que é único, temos hoje cientistas portugueses em todas as matérias estão a ser solicitados pelos chineses para a Universidade de Xangai, por exemplo (estou a dizer coisas que sei), para a Universidade de Macau, para a Austrália, para a América e na América estão a pedir portugueses, estudantes, já licenciados, os Doutorados nas Universidades americanas eles fazem-nos vir para as Universidades portuguesas para haver uma ligação e, hoje, os cientistas portugueses são conhecidos no mundo inteiro. É verdade e são extraordinários, as nossas Universidades são muito boas e temos de dizer isto. Toda a gente acha que Portugal é uma coisa pequena e muito má, mas não é nada disso! O que estou a dizer é absolutamente verdade.

Portanto, eu penso que o Brasil vai ser um país do Futuro e já é um país do Futuro. Há um livro do Stefan Zweig, que diz " Brasil, país do futuro”, no tempo da guerra pensava-se se há este país de futuro nunca mais há o futuro, mas agora já chegou: é um país do Futuro! É um país importante! Tão importante que a China lhe dá a maior das importâncias, a América lhe dá a maior das importâncias, a Rússia lhe dá a maior das importâncias e ele está ao nível desses grandes países. Portanto, eu acho que o Brasil vai ser no Futuro um grande país, como já é.

[APLAUSOS]
 
Dep.Carlos Coelho

Rui Miguel Silva, Grupo Encarnado.

 
Rui Miguel Silva

Boa noite a todos. Começo por agradecer a presença do Dr. Mário Soares na Universidade de Verão 2011.

Dr. Mário Soares, tendo em conta que foi o senhor que assinou o Tratado de Adesão de Portugal à CEE, está orgulhoso do projecto europeu? Era isto que idealizava?

 
Mário Soares

Bem, essa é uma pergunta muito fácil. Eu estou orgulhoso no sentido de que acho que fizemos muito bem. Estamos na moeda única e devemos continuar na moeda única. Seria gravíssimo se saíssemos da moeda única. Foi bom termos entrado no Euro, apesar das dificuldades que o Euro nos traz, mas devemos estar satisfeitos e eu estou satisfeito por entrarmos na CEE.

Se nós hoje temos as estradas que temos, os hospitais que temos, as Universidades que temos, podemos dizer que isso deve-se em grande parte aos fundos da CEE. Mas hoje a CEE não é o que era, nem o que foi quando há 25 anos nós entrámos. Nessa altura havia Democratas-Cristãos e Socialistas e havia solidariedade na Europa.

O que nos fizeram a nós, o que fizeram à Espanha, a muitos países, que vieram do Leste, etc., são actos de solidariedade que hoje se perderam. E em vez de haver como devia haver na União Europeia reuniões de todos os países-membros para discutirem os assuntos, ou pelo menos se não quiserem reunir todos porque isso é difícil, pelo menos recorram à Comissão Europeia que, aliás, é presidida por um português, Durão Barroso, mas não é isso que se faz. O que é que acontece? A senhora Merkel vai a Paris ou o senhor Sarkozy vai a Berlim, decidem as coisas e os outros têm de fazer o que eles mandam. Isto não tem nada a ver com a União Europeia. É ou não é?

O Carlos Coelho, que é deputado da União Europeia, sabe que o que eu estou a dizer é verdade. Isto é uma mudança terrível. Nós temos que acabar com isso. Para isso é preciso continuarmos a desenvolver o projecto europeu e o projecto europeu – eu disse isso já há muitos anos, na altura as pessoas não acreditavam muito, mas agora acreditam – tem de ser federal ou não é.

Hoje já toda a gente reconhece isso. Lembra-se aqui o Carlos que quando eu fui candidato ao Parlamento Europeu disse que era necessário que houvesse um imposto para que o Parlamento Europeu, a Comissão Europeia e as instituições europeias, tivessem dinheiro? Não se fez isso e agora toda a gente diz que é preciso fazer isso. Bem, ou fazemos isso e vamos para a frente, ou não fazemos isso e toda a União Europeia vai sofrer imenso, como já vos disse.

[APLAUSOS]

 
Dep.Carlos Coelho

José Miguel Vitorino, Grupo Verde.

 
José Miguel Vitorino

Boa noite a todos, em especial ao Dr. Mário Soares e permita-me que lhe diga que é uma grande honra para o Grupo Verde recebê-lo aqui hoje na Universidade de Verão do PSD, uma pessoa que já passou por todo o tipo de mudanças no País e tem uma carreira política tão vasta. Creio que, mesmo que estivesse aqui connosco mais tempo, seria impossível ensinar-nos tanto e tudo o que tem para nos ensinar. Em nome de todos nós, penso eu, agradeço-lhe a sua presença aqui.

Vou tentar ser breve na questão. Dado o seu historial político e vivência de grandes mudanças politicas e sociais, como é exemplo o 25 de Abril, como caracteriza a Política das décadas de 80 e 90 comparando com a Política de hoje em dia? Acha que as guerras partidárias de hoje constituem um grande ponto de desagregação que deve ter um fim? Caso não tenha, o que pode acontecer a Portugal uma vez que há já um grande descrédito e cansaço para com a classe política?

Obrigado.

 
Mário Soares

Obrigado.

Realmente a Política nos anos 80 e 90 era diferente. Lembremo-nos que nessa altura a Alemanha tinha à frente um homem extraordinário, europeísta, chamado Kohl, e tinha também o Helmut Schmidt, a França tinha o Miterrand mas também Giscard d'Estaing, por exemplo; a Itália tinha muitas outras pessoas e grandes figuras, o Prodi inclusivamente e todos os países tinham grandes figuras, o nosso vizinho tinha o González, que foi um grande Primeiro-Ministro de Espanha, por aí fora. Portanto, os anos 80 foram anos particularmente bons porque foram anos de solidariedade e de igualdade na Europa e em que a Europa deu um passo em frente com, em 1992, o Tratado de Maastricht em que se disse que a União era uma só e que era um conjunto de países para um desenvolvimento comum. Depois, por razões diferentes, que têm a ver com a evolução, os políticos, e não só, desagregou-se. Está a desagregar-se muito.

Portanto o que se vai passar na actualidade é qualquer coisa de difícil, como já tenho vindo a dizer, mas eu acredito que mesmo os ministros e dirigentes dos países que estão à frente neste momento – pelos quais eu não tenho grande respeito, porque não os considero grandes figuras, porque convivi com outras que era grandes figuras, que eu já citei, por isso posso fazer a comparação -, tenho esperança que eles não vão ter a irresponsabilidade de não fazer a Europa andar para a frente. A Europa tem de andar para a frente.

Eu sou a favor dos eurobonds, por exemplo. Eu sou a favor de que haja um Governo político e um Governo económico e financeiro europeu; se houver essas coisas, se for possível chegarmos a isso, a Europa vai dar um pulo e se der um pulo, nós vamo-nos transformar a União Europeia numa das zonas do Mundo não só a mais próspera, como ainda hoje é, mas talvez aquela que seja um farol para o resto do Mundo. Isso para mim era o mais importante que pudesse acontecer.

[APLAUSOS]

 
Dep.Carlos Coelho

Célia Sousa, Grupo Cinzento.

 
Célia Sousa

Boa noite a todos, em particular gostaria de cumprimentar e agradecer a presença do Dr. Mário Soares.

Dr. Mário Soares é convidado na Universidade de Verão 2011, uma escola de Política com elevado rigor e qualidade. Nós gostaríamos de saber qual é a sua opinião sobre este tipo de iniciativa e se acha que outros partidos deveriam apostar neste tipo de formação. E se sim, em que termos?

Obrigado.

 
Mário Soares

Naturalmente que pôr os partidos a discutir e trazerem cá pessoas que não são do partido, como é o caso, e todos eles fazerem isso seria muito bom. Eu ficaria encantado se os socialistas fizessem uma escola destas e convidassem por exemplo o Dr. Passos Coelho para lá ir fazer um discurso ou coisa assim, ou outro qualquer, o Balsemão, ou o Carlos Coelho. E se o próprio PP o fizesse.

Os da extrema-Esquerda, é mais difícil, mas de qualquer maneira…

[RISOS E APLAUSOS]

Acho que é mais difícil por eles.

Eu acho que sim. Eu acho que é da discussão que nasce a luz, como se diz e realmente todo esse tipo de conversas são estimulantes e as Universidades americanas são extremamente estimulantes, não é só a Bronx, são muitas outras.

Eu por acaso sou Doutorado em três ou quatro Universidades americanas, como sabem, mas não fiz nada por isso, disseram que eu era um homem político e tinha que receber, não foi por desenvolvimento e estudo, isso é outra questão. Portanto, eu acho que as universidades americanas são grandes universidades, são muito boas e eu acho deve haver o máximo de ligação entre as universidades americanas e portuguesas, porque nós temos muitos portugueses na América e como já estamos na 3ª, 4ª, 5ª geração de portugueses na América, há muitos que são muito bons por lá.

É que os portugueses vêm de um país especial, nós descobrimos o mundo inteiro, não se esqueçam disso. Portanto, nós portugueses temos razão de orgulho na nossa Pátria, orgulho em sermos portugueses e, portanto, acho que o desenvolvimento entre Universidades é preciso. Nós cá em Portugal fizemos um grande esforço, eu devo citar aqui o antigo Ministro da Ciência que é um cientista ele próprio, o Mariano Gago, já ouviram falar certamente e que, nessa matéria da Ciência, Portugal deu um grande pulo.

É uma coisa hoje pública, porque nós temos cientistas, como eu disse há bocado, de todos os ramos da Ciência, de grande qualidade, de todos os ramos.

[APLAUSOS]

 
Dep.Carlos Coelho

Liliana Fidalgo Dias, Grupo Castanho.

 
Liliana Fidalgo Dias

Boa noite. Antes de mais nada eu queria agradecer a sua presença e espero que tenha gostado do poema declamado pelo Grupo Castanho. Na Europa está a sentir-se uma mudança de Governos: em Portugal, talvez em Espanha e quem sabe na Alemanha. Tendo em conta o número reduzido de Governos socialistas na Europa, qual é o caminho para o Socialismo?

Obrigada.

 
Mário Soares

Bem, é uma pergunta difícil. Os comunistas diziam que tinham feito um caminho para o Socialismo mas falhou completamente, como todos sabem.

Eu apercebi-me disso muito cedo, muito antes de haver Democracia em Portugal eu apercebi-me disso, porque talvez não saibam, não sei se sabem, mas quando eu era jovem comecei por ser comunista e deixei de ser comunista em 1949. Deixei de ser comunista porque achei que aquilo não tinha a ver comigo, porque era uma coisa muito dura, muito entre barreiras, muito sectária, por isso – não quer dizer que as intenções não sejam boas.

Mais tarde, já eu era socialista, tinha sido eleito Secretário-Geral do Partido socialista, ainda não estávamos em Democracia, estávamos ainda sob a tutela do Marcelo Caetano, eu fui convidado para ir à URSS, porque estavam a fazer uma série de convite para irem sociais-democratas à Rússia para nos convencerem de que aquilo era a pátria do Socialismo.

Bem, eu fui e estive lá um mês, o que foi uma coisa importante, fui para vários sítios, fui a Leninegrado, Moscovo; a Samarcanda, na parte árabe muçulmana; fui à Geórgia porque era a terra do Estaline e eu queria perceber bem aquilo; e fui sempre com uma senhora intérprete russa e posso dizer que era uma intérprete fantástica porque eles falavam russo muito depressa e ela em português muito depressa, como uma metralhadora. Eu às tantas, quando ganhei confiança com ela (estive lá um mês e tal), disse-lhe: "Mas ó senhora Dr.a, a senhora fala tão depressa! Como é que consegue ouvir e falar tão depressa, é uma coisa que me faz confusão.” Ela disse-me: "Ah, não tem problema. Eles dizem sempre a mesma coisa”.

[RISOS E APLAUSOS]

Era realmente verdade! Eu percebi aquilo e depois via aquelas coisas horríveis, aquela gente muito pobre que havia e eles a dizerem que aquilo era a pátria do Socialismo. Pior, não tinham liberdade, etc., enfim, vim de lá com uma lição brutal. Já não gostava, já tinha sido do partido comunista, mas fiquei convertido ao contrário e foi por isso que eu percebi que sem Liberdade não há Socialismo, é preciso a Liberdade.

Mas o que o Socialismo tem além da Liberdade – e a Liberdade é importantíssima, política e cívica – é que as pessoas tenham condições para se respeitarem a elas próprias. Para isso é preciso a dignidade do Trabalho; é preciso dar alguma coisa às pessoas que necessitam. Precisamos de ter condições para fazer deste País um país com igualdade, com mais igualdade e isso é o que tem faltado a Portugal e é com isso que nos temos de ocupar agora. Demos grandes pulos na Educação, demos grandes pulos na Saúde Pública, demos grandes pulos na Segurança Social – tudo isso é óptimo, não deixemos perder isso. Façamos tudo para equilibrar as nossas Finanças, é importante, mas sem pôr em causa tudo que é necessário, como o Emprego, e distribuir os bens com alguma equidade entre os portugueses.

 
Dep.Carlos Coelho

Grupo Azul, Jorge Faria Freitas.

 
Jorge Faria Freitas

Caro senhor Dr. Mário Soares, se a minha memória não me engana foi há 23 anos, em 1988, era na altura o Dr. Mário Soares Presidente da República e então deslocou-se a Guimarães, no âmbito de uma iniciativa chamada "Semana Aberta”. Durante essa visita, deslocou-se também à freguesia de S. Torcato donde eu sou natural, e aí, eu lembro porque estava lá, o Dr. Mário Soares aproximou-se de mim, andava lá a cumprimentar as pessoas todas, e deu-me um beijinho na testa e foi a última vez que o vi pessoalmente. Por isso, tenho todo o prazer de o ver pessoalmente e teria uma maior honra ainda…

[RISOS E APLAUSOS]

 
Dep.Carlos Coelho

Ó Jorge, peço desculpa, fui eu que disse que você queria outro beijinho na testa.

[RISOS E APLAUSOS]

 
Mário Soares

Eu não sei se lhe dei um beijinho na testa ou não; eu gosto de dar mais beijinhos nas senhoras, isso é indiscutível.

[RISOS E APLAUSOS]

Mas com o seu tamanho e com a sua estrutura actual é um bocadinho difícil de lhe dar, devo dizer, mas enfim, se você o diz deve ser verdade. Tinha 4 anitos então está bem.

[RISOS]

 
Jorge Faria Freitas

Não, tinha 2 anos, claro que não me recordo, mas foram os meus pais que me contaram, mas tenho uma pequena memória visual.

Tinha todo o prazer de o cumprimentar, não com um beijinho na testa, mas com um aperto de mão, claro. No entanto, quero-lhe dar as boas-vindas em nome do Grupo Azul e a pergunta que tenho para lhe fazer é a seguinte: na sua opinião, qual será a estrutura, ou como seria a estrutura, Da referida "nova ordem mundial”? Não acha que em vez de um exemplo de Liberdade seria um exemplo de Soberania extrema?

Muito obrigado.

 
Mário Soares

Em primeiro lugar, a Liberdade não é incompatível com a Soberania; não são duas coisas em que se diz ou Liberdade, ou Soberania. Pode haver Soberania e Liberdade, são duas coisas completamente diferentes, mas eu acho que a Liberdade é essencial, em todas as circunstâncias, em qualquer país, a Liberdade é fundamental, porque sem Liberdade não há Progresso, as pessoas não podem evoluir, desenvolver-se, etc.

Mas, claro, temos de tratar de outras coisas para além da Liberdade, que são as coisas sociais. Eu acho que há muita necessidade em Portugal de se continuar a política social portuguesa. Podemos dizer que temos sido despesistas, pode ser, mas corte-se no Estado despesista e não propriamente nas pessoas, ou naquilo a que as pessoas têm direito – isso é que é a grande dificuldade que se põe e que eu chamo a atenção para que estejamos vigilantes nesse aspecto. É o que tenho para lhe dizer.

[APLAUSOS]

 
Dep.Carlos Coelho

Grupo Rosa, Frederico Almeida Nunes.

 
Frederico Almeida Nunes

Boa noite a todos. Boa noite, Dr. Mário Soares.

A pergunta do Grupo Rosa é a seguinte: a Globalização é um dos processos de aprofundamento da integração económica, cultural, social e política. Como se dá o crescimento de Portugal num mundo globalizado?

 
Mário Soares

Bem, a Globalização não é propriamente aquilo que disse, porque a Globalização não leva nem à criação de riqueza nem ao desenvolvimento dos países.

Quando o Clinton era Presidente ele disse uma vez num discurso que a Globalização ia resolver os problemas da Pobreza no Mundo. Não só não resolveu como hoje há muitos mais pobres no Mundo do que havia antes. Portanto, a Globalização não chega para assegurar uma certa igualdade, não é isso, porque para isso é preciso outra coisa, porque a Globalização está desregulada, como eu comecei por dizer.

Portanto, numa organização desregulada quem manda são as potências do dinheiro e do mercado. Como é que é possível, digam-me lá a mim, que haja uma agência de avaliação de mercado e das pessoas que de repente 4 ou 5 tipos – podem ser muito inteligentes, mas – vão e dizem assim: "Portugal está pior; de A passa para B, etc. Uma das agências atreveu-se a dizer que a América também não ia bem. Enquanto foi para os outros estava tudo bem, mas quando chegou à América foi um "alto lá, o que é que vocês estão para aí a fazer?!”.

Como é que é possível fazer isso? Nós não podemos aceitar.

Qual é que é o objectivo dos Mercados? Quero dizer, daqueles que põem o seu dinheiro nos Mercados? É ganhar, é ter lucro. Ora, há mais coisas do que o lucro, importantes, é preciso que as pessoas, tendo ou não tendo lucro, possam ter o mínimo de dignidade no trabalho e o mínimo de profissão, que possam avançar nas suas profissões, é a isso que se chama de Socialismo Democrático ou Social-Democracia.

Há bocado falávamos em Social-Democrata mas eu não disse uma coisa muito importante, é que a família Social-Democrata e a do Socialismo Democrático e Trabalhista é toda a mesma família. Por acaso, em História se explica muito bem, em Portugal não foi. Talvez eu tenha culpas no cartório, acredito que tenha algumas, mas não foi e tem sido doutro estilo. Mas é assim. Pronto, outra pergunta.

[APLAUSOS]

 
Dep.Carlos Coelho

Só para vocês ficarem com a mesma informação, o Dr. Mário Soares fez agora referência a uma conversa que tivemos aqui na mesa com o Grupo Amarelo, o Grupo anfitrião, eu recordei que no início da vida do partido, o Dr. Sá Carneiro tentou que o PPD, na altura era PPD, entrasse na Internacional Socialista, mas o Dr. Soares não deixou e, portanto, o nosso percurso internacional foi outro. Nós já fizemos parte da família liberal e agora fazemos parte do PPE, mas no início o Dr. Sá Carneiro, por razões históricas que estão bem compreendidas, tentou que nós fizéssemos parte da Internacional Socialista. Aliás, o primeiro programa do PSD, se vocês o lerem hoje, acham que é um programa à esquerda do PS, mas enfim o percurso histórico explica isso.

O último Grupo neste jantar-conferência é o Grupo Laranja, Paulo Tiago Santos.

 
Paulo Tiago Santos

Eu começo por desejar boa noite e dizer que em meu nome e em nome do Grupo Laranja é uma honra recebê-lo nesta Universidade de Verão.

A minha pergunta prende-se com o mundo árabe. Eu vi uma entrevista com o Dr. Mário Soares à Agência Lusa em Maio, em que diz que a revolta no mundo árabe é uma semente que fora lançada pela Europa e que florescera. Eu gostaria de saber qual é a sua opinião para o futuro do mundo árabe, que é que acha que vai daí resultar e também qual é que acha que foi a importância da Europa na revolta que está a acontecer.

 
Mário Soares

Antes de responder à sua pergunta, que é complexa, eu queria especificar uma coisinha aqui a propósito das minhas relações com o Dr. Sá Carneiro, desculpem, que é para não ficar com toda a responsabilidade.

A questão é esta: o Dr. Sá Carneiro deu uma entrevista, ainda na altura do Marcelo Caetano, em que dizia a um jornalista da República que era nada mais, nada menos, do que o jovem jornalista Jaime Gama, que aliás está publicada, em que dizia que era social-democrata. Bem, eu não conhecia o Dr. Sá Carneiro, eu era de Lisboa, ele era do Porto, sabia da existência dele, mas eu não o conhecia. Quando ele apareceu deputado em Lisboa já eu estava exilado em França. Onde eu o encontrei, lembro-me precisamente de onde o encontrei, foi depois logo a seguir ao 25 de Abril num cocktail da embaixada francesa e eu fiquei ao lado dele. Eu disse "ó Dr. Sá Carneiro, o senhor é Social-Democrata”, ele disse "pois sou”, eu perguntei "então, porque é que não entra para o Partido Socialista?”, ele disse "eu não entro no Partido Socialista por várias razões e até porque vocês lá são marxistas e não sei quê, era uma coisa a estudar”, eu insistia "pode estudar perfeitamente, entre no partido, entre” e ele "não, eu já estou a caminho de formar um novo partido” e formou o Partido Social Democrata. Bem, ele fundou o Partido Social Democrata, mas todos os partidos sociais-democratas da Europa sabiam que nós éramos sociais-democratas e socialistas, ou trabalhistas, éramos todos da mesma família, ainda hoje somos. Portanto, na altura punha-se o problema: então vai haver dois partidos sociais-democratas, ou um social-democrata e um social-democrático na mesma Internacional socialista?

Hoje a Internacional Socialista já não tem tanta importância, mas naquele tempo era uma coisa importante. Dava-se uma conferência de imprensa numa reunião da Internacional Socialista e todos os jornais do mundo falavam daquilo, hoje não é assim, mas era importante. E só havia um único país em todos os que participavam na Internacional Socialista, que era a Venezuela que tinha dois partidos um social-democrata e outro socialista que estavam ambos na Internacional Socialista e eles disseram dois lugares não pode ser. Nós estávamos lá há mais tempo, desde 1973 ou assim, e fomos nós que ficámos. Portanto, não julguem que eu estive lá a dizer "não entra aqui o Sá Carneiro”, não é isso, é exactamente o contrário.

Bem, dada a explicação, vou responder à pergunta que fez sobre a revolta do mundo árabe. Realmente eu escrevi isso e continuo a escrever e a pensar. Eu achei, sinceramente, que aquilo que se passou na Tunísia foi qualquer coisa de extraordinário. Nunca se tinha visto que num país muçulmano, árabe ou muçulmano, tivesse havido uma manifestação de populares espontânea. E a gritar o quê? Queremos Liberdade, queremos Democracia, queremos mais igualdade e queremos mais emprego e queremos comer! Foi isso que eles gritaram na rua. Ora, eu conheci esses ditadores. Eu conheci o Ben Ali da Tunísia, o Mubarak no Egipto, o Kadafi da Líbia. Vamos falar desses três, depois falamos dos outros.

Bem, o Ben Ali foi dos mais inteligentes apesar de tudo, porque fugiu com a família e lá está em qualquer sítio, deixou aquilo entregue às pessoas e está a haver um grande sentimento de desenvolvimento democrático na Tunísia, sem que tivesse havido grandes lutas ou dificuldades.

O Mubarak foi diferente, porque o Mubarak não quis enfrentar, é um oficial do exército egípcio e era um homem rígido, conheci-o bem, era muito rígido. Então ele refugiou-se, deu poder ao exército e disse "vocês vejam lá se conseguem resolver isto e eu vou ali para uma instância balnear que é uma coisa admirável que há ali no Mar Vermelho” e realmente ele foi para lá e a verdade é que aquilo desenvolveu-se com muitos conflitos e muitos mortos, mas o Mubarak está a ser julgado e aceitou o julgamento. Vamos ver no que aquilo dá, mas eu quero acreditar que ao contrário do que julgam não vão ser os irmãos muçulmanos a ter predominância, porque esses senhores que vieram para a rua são religiosos muçulmanos, mas não são fanáticos, porque põem acima de tudo o bem-estar e a liberdade deles próprios e das famílias, é isso que eles querem.

Bem, quanto ao Kadafi, bem, o Kadafi é um tipo completamente diferente dos outros dois. Eu também o conheci por uma razão muito simples, vou contar. Logo a seguir de 1974 foi a revolução do Kadafi que ele chamava de "revolução verde”, que ele fez para se libertar dos ditadores das tribos que havia na Líbia. Realmente foi uma coisa interessante, essa revolução e eu era Ministro dos Negócios Estrangeiros, logo a seguir à revolução dos cravos e queria entrar em contacto com todas as forças políticas para fazer a descolonização.

Com São Tomé foi facílimo, com Moçambique também foi, mas com Angola foi difícil porque havia três: Holden Roberto, o Agostinho Neto e o Savimbi; e havia um grande conflito entre eles. De modo que eu pensei que tinha de falar com os três. De maneira que foi muito fácil falar com os três: logo no dia 1 de Maio, calculem, eu falei com o Agostinho Neto, em 1974; falei com o Holden Roberto mais tarde e não havia maneira de encontrar o Savimbi que estava lá na selva a combater e não tinha contactos. De modo que eu soube que ele tinha um representante junto do Kadafi na Líbia. Então eu fui à Líbia para falar com esse representante. Fui recebido lá pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros da Líbia que me pôs em contacto com ele, falámos e fizemos um primeiro contacto para nos entendermos em relação a Angola. Eu ía para outro sítio, queria ir-me embora, mas esse Ministro disse-me: "o nosso guia (foi assim que ele o tratou) queria conhecê-lo”. Eu disse "bem, com prazer, com certeza, se ele me quer conhecer. Onde é que ele está? Está aqui?”, ele respondeu-me "não, não, está no deserto”. Eu nunca tinha ido ao deserto. Bem, eu disse "isso é uma boa ideia, eu vou ao deserto”. E fui realmente ao deserto; bem, cento e tal quilómetros, uma coisa muito grande, uma grande caminhada pelo meio do deserto e cheguei lá e encontrei uma fortaleza – muito feia, por acaso, aquilo tudo muito mal, uma coisa horrível; ele ainda não tinhas essas tendas que tem agora.

O homem que me levava foi-me acompanhando naqueles corredores muito cheios de humidade, lá fui pensando "como é que este homem vive aqui num sítio tão feio, tão isolado”, lá fui andando até que cheguei ao fim do jogo e era o escritório dele. Eu ía a entrar e vejo um homem deitado para Meca – eu só depois é que soube que era para Meca claro -, eu ía a entrar e o tipo disse "perdão, o nosso guia está a rezar”. Bem, eu fiquei um bocado desconsolado com aquilo, a pensar "bem, este tipo manda-me chamar, podia pôr-me numa sala à espera, mas agora pôr-me aqui à porta” – aquilo foram dois minutos, mas pareceu-me muito mais, eu já estava irritadíssimo a pensar "eu vou-me já embora” -, até que ele de repente ergue-se, tinha acabado a reza e avança para mim.

Era muito bem-parecido na altura, foi há quarenta anos, muito forte, falando francês muito bem, avança para mim e diz-me assim: eu já tinha visto fotografias suas e estava com impressão, mas agora que vejo-o aqui ao pé tenho a certeza, você é árabe!”.

Ora, eu nem sequer me passou pela cabeça, por falta de experiência, que o tipo quando estava a dizer que eu era árabe era um grande elogio e eu disse assim (isto tudo em francês): é bem possível, é muito possível, porque os árabes como sabe dominaram a península ibérica durante sete séculos por isso é muito possível que eu tenha sangue árabe, é normal, mas também, olhe, vou-lhe dizer, no tempo do Salazar quando eu fui deportado puseram nas paredes assim "abaixo Soares, o cão judeu”.

[RISOS E APLAUSOS]

Eu julgava que ele acharia graça, mas ele não achou graça nenhuma. Não achou graça nenhuma, porque ele estava a dar-me um grande presente, que só depois percebi, que ele estava a chamar-me de árabe que era o máximo dos máximos e eu disse que era um cão judeu.

De modo que a conversa não correu bem desde logo. Bem, é uma história.

 
Dep.Carlos Coelho

Dr. Mário Soares, nós temos um princípio na Universidade de Verão que é dar a última palavra ao nosso convidado e portanto a última pessoa a usar este microfone é o senhor e esta é a oportunidade que eu tenho para lhe agradecer a vinda aqui.

Agradeço, como é da nossa praxe interna, ao Grupo Amarelo o convívio simpático que tivemos na nossa mesa durante este jantar.

Ao contrário do que é habitual, que é eu dar a palavra ao último perguntador, que será também o Grupo Amarelo, o Presidente da JSD reclamou para si o privilégio de dar a palavra ao último grupo nesta noite. Portanto, passo para o Duarte Marques.

 
Duarte Marques

Senhor Dr. Mário Soares, queria apenas dizer-lhe e repetir-lhe que para nós, em nome da JSD nacional, foi uma grande honra tê-lo connosco aqui na Universidade de Verão. Acho que a melhor homenagem que lhe podemos fazer, todos nós, é dizer-lhe que continuaremos a lutar por um Portugal mais igual e um Portugal mais próspero para todos, não há melhor homenagem que esta. Mas há uma coisa que eu gostava de lhe dizer e que não nos leve a mal, e hoje que estamos aqui o fundador do Partido Socialista no meio de tanta gente da JSD, acho que lhe podemos dizer, eu pelo menos posso-lhe dizer porque é que durante tantos anos houve muita gente que disse "Soares é fixe”.

Antes de terminar, gostava de lhe dizer que no dia em que Portugal ganhou quatro a zero e estamos aqui todos, ganhámos quatro a zero ao Chipre, acho que todos podemos dizer que afinal "Portugal é fixe”.

[APLAUSOS E "PORTUGAL, PORTUGAL”]

E dava a palavra à Marta Lopes, do Grupo Amarelo.

 
Marta Lopes

Muito boa noite a todos.

O Grupo Amarelo hoje teve a grande honra e o grande privilégio de poder, à refeição, privar um pouco mais de perto com um homem com "H” capital. Um homem que não veio aqui prestar provas, já as provou na longa vida e notável. Veio aqui de coração despido de divergências partidárias e veio responder também aos anseios e preocupações dos mais jovens. Aliás, somos nós que tem muito ainda a provar.

Assim, a preocupação do Grupo Amarelo é o problema com que temos sido confrontados ao longo desta edição da Universidade de Verão. O afastamento das camadas mais jovens da Política sob o pretexto de que esta compete aos outros. Na sua opinião, Dr. Mário Soares, como podemos nós, cidadãos, políticos, Governo, fazer para resgatar a juventude portuguesa deste estigma e tornar a política e a participação cívica uma coisa nossa?

Muito obrigada.

[APLAUSOS]

 
Mário Soares

Antes de lhe responder à sua pergunta que é muito difícil como imagina, eu tenho de dizer aqui uma coisa ao nosso amigo por causa do "fixe”.

Realmente foi um slogan que surgiu na minha campanha eleitoral, na segunda campanha eleitoral e como é que surgiu? Não fui eu que criei, como imagina. Foi nada menos, nada mais, do que um seu aliado do PP que era um tipo Social-Cristão, mas CDS, que se lembrou desta coisa do "Soares é fixe”. Depois, perguntou-me "senhor Dr., acha que fica mal que diga que Soares é fixe”, eu disse que não, "é óptimo”, e lá ficou "Soares é fixe”, é verdade. Foi a Direita que lançou esse slogan, porque ele estava a fazer campanha, como o PSD fazia, mas foi o CDS que se lembrou.

Muito bem, quanto à questão da Política. Realmente, há uma campanha sistemática e muito que a gente percebe de onde ela vem e que é de uma permanência e que entrou na oposição e no espírito de muita gente, que os políticos são uns desgraçados e que são responsáveis de tudo. Ora, não são. Realmente não são, são responsáveis, mas não são de tudo. Porque é que eles fazem isso? Porque querem governar fora da Política, mas sem Política não há Estado e sem Estado é difícil que haja Política.

Portanto, eu acho que é preciso haver gente contra isso. Eu escrevi um livrinho que lhe vou oferecer. Chama-se "O Elogio da Política”, saiu há dois anos e eu pus-lhe esse título porque exactamente é indispensável perceber que a Política é que é o fundamental.

A Economia é muito importante, mas vem depois, só os políticos é que podem equilibrar a Economia, não são os negociantes, são os políticos. Portanto, vocês que todos têm tendência para serem políticos, têm de se bater pela Política e eu espero que a sua leitura desse livro que é um livro pequeno, lê isso rapidamente, possa-lhe dar algumas ideias. Aqui tem.

Muito obrigado a todos, foi um grande prazer ter contacto com vocês, tão franco, tão simpático e tão positivo para os dois lados, porque realmente gostei muito de vocês e acho que vocês também não ficaram zangados comigo.

[APLAUSOS]

["Soares é fixe”]

["Portugal”]