Damos sempre início a estas
sessões com um momento cultural protagonizado pelos jovens da Universidade de
Verão.
Trata-se da escolha de um poema e
da sua leitura no início do jantar. O primeiro poema será apresentado pelo
Bernardo Branco Gonçalves do Grupo Encarnado, é o poema "Cântico Negro” de José
Régio e o Grupo Encarnado recorda-nos que José Régio se consagrou na Poesia
como um dos mais originais da sua geração. Contemporâneo de Fernando Pessoa e
representante do Modernismo Português, via na Arte uma oportunidade para
manifestar sentimentos e expor os conflitos com que se debatia ao longo da
vida, tendo sempre o objectivo de traçar caminhos ousados para a poesia lusa.
Neste Cântico Negro, Régio
exacerba de forma genial dicotomias que de uma forma ou de outra sempre
perseguiram o ser humano: Deus e o Diabo, e o Bem e o Mal.
O Grupo Encarnado optou por esta
obra-prima também por se encontrar presente na "Antologia” do Dr. Mário Soares.
O segundo grupo será o Castanho,
através do Pedro Roberto, que nos vai apresentar o poema, "A Armadura” de António
Joaquim de Castro Feijó, que foi um diplomata mas também poeta.
Nascido a 1 de Junho de 1859,
dedicou a sua vida a Portugal espalhando a sua cultura através das nossas
embaixadas. O poema que o Pedro Roberto vai ler foi retirado da sua obra "Sol
de Inverno”, publicada em 1922. Os seus poemas são envoltos num
Naturalismo/Realismo nascido em França, característico da época em que viveu. O
poema "A Armadura” foi escolhido pelo simples propósito de enaltecer as
batalhas políticas do nosso orador, Dr. Mário Soares. Nem sempre vencemos, nem
sempre perdemos, porém a nossa armadura fica marcada para toda a vida com as
nossas batalhas – é o nosso troféu!
Vamos, então, ouvir os poemas do
Grupo Encarnado e do Grupo Castanho.
[APLAUSOS / AUDIÇÃO DOS POEMAS / APLAUSOS]
João Pires Ribeiro
Caro "reitor”, staff, colegas e digníssimos convidados,
peço a vossa atenção para umas pequenas palavras. Temos hoje a possibilidade de
preparar o futuro conhecendo o passado por parte de um elemento de uma corajosa
geração na luta pela liberdade.
Dr. Mário Soares, tal como a sua
geração necessitou de coragem para agir, também a nova geração, embora com
problemas diferentes, necessita de coragem para superar as dificuldades que se
avizinham. Contamos consigo, como representante dessa geração, para partilhar
algumas palavras.
Mais uma vez, obrigado por estar
aqui numa acção social-democrata e ter acedido a partilhar connosco a sua
experiência de vida. Aliás, isto mostra um sinal de amadurecimento democrático,
ou seja, uma sociedade aberta e capaz de cumprir os verdadeiros valores da
Democracia.
Assim, proponho que nos levantemos
e brindemos a um verdadeiro homem da Democracia: Mário Soares!
[APLAUSOS]
Dep.Carlos Coelho
Senhor Dr. Mário Soares, senhor
Secretário-Geral do PSD, senhor Presidente da JSD, deputado Nuno Matias,
Director-Adjunto da Universidade de Verão, deputada Joana Barata Lopes, senhor
Presidente da Assembleia Municipal de Castelo de Vide, senhores Conselheiros,
senhores Avaliadores, minhas senhoras e meus senhores, é um privilégio ter
connosco o Dr. Mário Soares esta noite.
Não porque temos entre nós um
ex-Presidente da Republica, um ex-Primeiro-Ministro de Portugal, ou pela
circunstância, já por si assinalável, de uma vez mais termos uma grande figura
dos socialistas e a mais relevante de todas aquelas que já aceitaram participar
em Universidades de Verão, mas porque se trata de Mário Soares.
O Dr. Mário Soares é uma figura
própria, um homem controverso, que não suscita indiferença: há quem goste e
quem não goste dele. Ambas as reacções são legítimas, mas eu confesso que gosto
muito, respeito muito e tenho muita admiração pelo Dr. Mário Soares. Tenho
admiração pelo homem que lutou pela Liberdade e pela Democracia antes do 25 de
Abril e depois do 25 de Abril contra tentativas totalitárias daqueles que
queriam substituir a ditadura corporativa pela ditadura do proletariado. Este
homem foi fundamental na História da Democracia e por isso quando vários
jornalistas perguntaram porque é que convidámos o Dr. Mário Soares, foi o
Presidente da JSD, o deputado Duarte Marques, que disse de uma forma clara:
"porque ele é um dos pais da Democracia portuguesa”.
[APLAUSOS]
Estivemos em campos diferentes da
vida política e fomos aliados. O Dr. Mário Soares presidiu a um governo de
coligação com o PSD, teve como seu Vice-Primeiro Ministro o Prof. Carlos da
Mota Pinto e depois o Dr. Rui Machete. Na primeira campanha presidencial do Dr.
Mário Soares, houve uma grande controvérsia no PSD porque o partido apoiou a
candidatura do Prof. Freitas do Amaral que era uma figura política na altura
identificada com o CDS/PP (era apenas CDS, ainda não existia a designação
CDS/PP) e essa candidatura não foi bem vista por muitos sociais-democratas. A
maior parte da Direcção Nacional da JSD não se reviu na campanha do Prof.
Freitas do Amaral e a maioria não aceitou integrar as estruturas de campanha.
Portanto, quando o Dr. Mário
Soares foi eleito houve muitos sociais-democratas que viram essa eleição com
bons olhos. A maior parte de nós esteve ao seu lado na segunda campanha
presencial; eu próprio estive em representação da JSD e tive o privilégio de
acompanhar a campanha presidencial do Dr. Mário Soares.
Na altura, o Dr. Soares, que foi o
primeiro presidente civil em Portugal, nunca fechou as portas à juventude. A
primeira vez que os jovens das delegações da JSD tiveram oportunidade de falar
com um Chefe de Estado foi quando o Dr. Soares estava na presidência da
República.
Instituímos um princípio: sempre
que havia um Congresso, uma delegação dos órgãos eleitos desse congresso ia
junto do Presidente da República dizer o que é que a maior representação de
juventude portuguesa pensava da situação política e o que é que tinha aprovado
no seu órgão máximo.
Uma fotografia, que recentemente
foi publicada em muitos órgãos de imprensa, que traz, ainda muito novo, o
actual Primeiro-Ministro, Dr. Passos Coelho, com o então Presidente da
República Mário Soares, tem que ver exactamente com uma dessas delegações a
seguir ao congresso da JSD.
O nosso convidado de hoje tem comohobby a escrita, embora reconheça que
para ele isso é mais importante que um hobby.
Tem como comida preferida a portuguesa: Cozido, bacalhau com batatas, Tripas à
Moda do Porto. Tem como animal preferido talvez o elefante, por ser grande e
pacífico, recorda que cavalgou um na Índia, fotografia, aliás, que correu o
Mundo. O livro que sugere: "As causas da decadência dos povos peninsulares”, de
Antero de Quental. E "com alguma modéstia, se me permitem, o meu: O Elogio da Política”.
O filme que sugere: "Inside Job –
a verdade da crise”; que, aliás, já foi também recomendado por outra
personalidade convidada da Universidade de Verão.
A qualidade que mais aprecia é a
dignidade, a coragem e o amor pelos outros. Senhor Doutor Mário Soares, eu
tenho o privilégio de lhe dirigir a primeira pergunta: vivemos tempos difíceis,
fala-se em crise nacional, na crise da Europa, na crise do Mundo, embora também
seja verdade que alguns Estados conseguem ter crescimento económico e com isso
reduzir os níveis de pobreza dos seus povos. Mas fala-se na crise em todas as
suas dimensões e como ponto de partida para esta conversa esta noite,
perguntar-lhe-ia: qual é a sua perspectiva sobre os tempos que vivemos? O
senhor é dos pessimistas, que acham que nós estamos condenados à decadência, ou
antes um optimista que acha que há uma saída para a crise?
Minhas senhoras e meus senhores,
connosco na Universidade de Verão de 2011, um dos pais da Democracia
Portuguesa, Dr. Mário Soares.
[APLAUSOS]
Mário Soares
Meu caro Carlos Coelho –
desculpe-me tratá-lo com esta familiaridade, nós somos velhos amigos –, meus
caros amigos, todos que aqui estão, amigos e companheiros, quero agradecer
também as palavras que me dirigiu o João Ribeiro que falou antes do Carlos
Coelho e que disse que eu podia dar algumas lições do passado e, realmente, eu
vivi uma vida bastante longa, já tenho uma idade provecta, 86 anos, toda a
gente sabe, não vale a pena esconder, e acho que "o passado é o passado e
pronto”. Depois, se os historiadores quiserem e tiverem ocasião disso, se lhes
interessar, dirão qualquer coisa sobre mim. Agora, o que me interessa
fundamentalmente é o Futuro.
Hoje estão aqui vocês todos,
jovens, são pessoas que estão a começar as vossas vidas, uns já começaram um
pouco mais, outros menos, mas a verdade é que estão aqui e devem estar
empenhados no Futuro e é do Futuro que acho que devemos falar e não do Passado,
e muito menos não de mim, isso não interessa a ninguém senão a mim.
Portanto, eu fiz aqui um discurso
lido, mas que é só para dar o tom e depois respondo à pergunta do senhor reitor
e depois às perguntas que vocês todos quiserem fazer e façam-nas, quanto mais
difíceis melhor.
Agradeço ao deputado Carlos
Coelho, o gentil convite que me fez para participar numa sessão da Universidade
de Verão da Juventude do PSD. É uma prova, a meu ver, de inteligência, da parte
dos organizadores desta Universidade de Verão, do deputado Carlos Coelho,
convidar para este jantar-debate alguém que como todos sabem é um adversário
político vosso no plano, evidentemente, das ideias e só no planos das ideias.
Mas atenção, na Democracia não há inimigos, há adversários que até podem ser
amigos pessoais, como é o meu caso relativamente ao deputado Carlos Coelho ou,
só citar, um dos fundadores do PSD, Francisco Pinto Balsemão, de quem eu sou amigo
desde sempre. Conhecemo-nos há muitos, muitos, anos e temos sido sempre grandes
amigos.
Já fui amigo de Sá Carneiro,
embora tivesse tido com ele divergências, algumas delas difíceis e da própria
Snu de quem eu gostava imenso. Mas, fui sempre amigo e admirador de Francisco
Sá Carneiro, como aliás disse já em mil discursos que fiz logo a seguir, num
momento muito difícil, quando após a morte dele eu voltei, porque estava
retirado do Partido Socialista, como se deve lembrar o Carlos Coelho, por decisão
própria. Retirei-me do Partido Socialista porque não queria apoiar o General
Ramalho Eanes, mas achava que o Partido devia apoiá-lo, como apoiou realmente,
mas eu não queria porque conhecia melhor a personagem, portanto não quis e
resolvi retirar-me.
Isto deu origem a um certo
conflito interno e algum aproveitamento interno, portanto eu voltei às minhas
funções de Secretário-Geral do Partido Socialista, logo a seguir a isso, depois
de a Assembleia abrir logo a seguir ao falecimento de Francisco Sá Carneiro, da
esposa e de todos os outros.
Eu disse: bem, quem fala aqui hoje
na Assembleia em nome do Partido Socialista, sou eu. Não sei se se lembra de
que eu fiz um discurso de homenagem a Sá Carneiro e a todos os que morreram e
toda a gente aplaudiu de pé o meu discurso, todas as bancadas excepto uma
grande parte do PS, mas isso são coisas que acontecem na vida política.
Sugeriram-me que vos falasse da
Globalização em primeiro lugar e depois sobre o diálogo entre as gerações, isto
é, o diálogo entre nós - que somos de várias gerações. Eu vou fazer exactamente
o que me pediu o Carlos Coelho, mas sem demorar mais do que os 15 minutos da
praxe. Mas também vos desejo falar um pouco da actualidade, depois vocês terão
a oportunidade de me fazer as perguntas que quiserem. Da actualidade, isto é,
da Crise em que estamos e como podemos sair dela.
Começando pela Globalização, esta
resulta, como sabem, das Novas Tecnologias, sobretudo das tecnologias de
informação e comunicação. O Mundo tornou-se um só e toda a gente, onde quer que
se encontre – isso é uma coisa que para a vossa geração é normal, mas para a
minha não é normal – com um telemóvel na mão, com a Internet, ou com a
televisão, sabe tudo o que se passa em qualquer outra parte do Mundo. A
Globalização é por isso um facto irreversível, não vai mudar, como a
internacionalização das Economias e a interacção das Culturas. Não falemos só
das Economias, falemos também das Culturas. Contudo, a Globalização desde que
apareceu está desregulada, não obedece a regras éticas e isso está na origem da
crise global que hoje afecta uma boa parte dos Estados soberanos incluindo os
emergentes.
Muitos deles estão a ser afectados
pela crise global, como por exemplo a China - poucos sabem disso - ou a Índia,
a Rússia, o próprio Japão está hoje numa situação dificílima. A desregulação da
Globalização, sem ética, deu origem a um tipo de capitalismo especulativo, ou
selvagem como se diz, donde resultaram a Economia virtual que é o contrário de
Economia real.
Todas as grandes negociatas que se
fazem no mundo são virtuais, sem se saber como e através de paraísos fiscais e
a Economia real dos países não avança como devia avançar. Portanto, resultaram
da Economia virtual os paraísos fiscais e a crise global que teve a sua origem,
como todos sabem, nos Estados Unidos e propagou-se para a União Europeia e hoje
está a contaminar todos os Continentes, para não dizer vários, mas todos os
Continentes.
Quanto ao diálogo entre gerações,
quanto à Globalização, é de grande interesse que se faça porque enriquece no
plano cultural e político os mais velhos, enriquece-me a mim mas enriquece
também os mais novos. Sempre houve diálogo entre gerações e ainda bem que assim
é, porque esse diálogo fortalece a coesão nacional – o facto de sentirmo-nos
todos da mesma pátria – de um Estado ou de uma Nação, é indiferente, o Estado é
uma Nação politicamente organizada e a Nação é o conjunto da população.
Pertenço à geração que foi marcada
em primeiro lugar pela Guerra de Espanha. Vem aqui um amigo meu, Mário Ruivo,
que é um grande biólogo e oceanógrafo, que é mais novo, mas pertence à mesma
geração que eu e portanto também assistiu ao que foi a Guerra de Espanha, que
nos marcou imensamente.
Foi uma guerra horrível,
1936-1939, e depois veio a II Guerra Mundial a que nós assistimos, 1939-1945. A
minha geração viveu e combateu a ditadura salazarista como pôde, fomos presos
várias vezes, deportados, para S. Tomé no meu caso, e expulsos de Portugal,
como eu também fui expulso e muitos se recusaram a combater nas guerras
coloniais por as considerarem guerras injustas e perdidas de avanço como
realmente estavam.
Conhecemos e aprendemos com os
grandes republicanos que foram socialistas, comunistas, democratas-cristãos,
maoístas, o que quiseram, mas todos se bateram contra o Salazarismo. A
Democracia Cristã e os democratas-cristãos que nunca se chamaram
democratas-cristãos, chamaram-se católicos progressistas, tiveram um papel
muito importante na luta final contra o Salazarismo.
Entre os grandes republicanos, eu
quero destacar alguns nomes que vocês nunca ouviram falar, mas pesquisem depois
na enciclopédia, porque são pessoas tão importantes cultural e intelectualmente
na minha geração que era útil que vocês os conhecessem e eu cito entre eles os
grandes que eu conheci: Jaime Cortesão, o historiador; António Sérgio, que até
vinha nas notas do Banco de Portugal quando havia escudos; Bento Caraça; Mário
de Azevedo Gomes; Câmara Reis; Abel Salazar; Rodrigues Lapa; grandes figuras da
Cultura e Ciência portuguesas com os quais eu me honro, muito mais novo que
eles todos, de ter convivido bastante. Da minha geração restam poucos dos meus
amigos e camaradas, mas hoje, modéstia à parte, como vos disse logo no
princípio, procuro dialogar sobretudo com os jovens e sobretudo ouvi-los para
de algum modo lhes passar o que aprendi, de vida longa e agitada, e
compreendê-los na genuinidade das suas ideias, das suas dúvidas e das suas
convicções.
Voltando ao ponto de partida, a
crise que afecta Portugal – já falei das gerações e da Globalização – como vos
disse no início, não é só portuguesa, é muito mais do que portuguesa, é uma
crise do Ocidente, todo o Ocidente: Estados Unidos, União Europeia e começa a
fazer sentir-se na América Latina, tenham atenção a isso - mesmo países como o
Brasil vão entrar em crise também, não somos só nós.
É uma crise global, mundial, vai
implicar, creio eu, uma nova ordem mundial – é disso que devemos falar um pouco
– porque sem uma nova ordem mundial nós não podemos sair da situação de crise
em que estamos; que nos traga esperança a todos e confiança no futuro.
O que é indispensável neste
momento, quando se está em crise, é termos esperança no futuro e confiança
nesse mesmo futuro.
Contudo, em especial como disse
Barack Obama – eu sou fã, não sou fã de nenhum político a não ser dele, tenho
uma grande admiração por ele – aquando da sua posse, temos de criar um novo
paradigma de desenvolvimento. Estão lembrados disso, alguns pelo menos.
Realmente foi extraordinário como ele conseguiu ser eleito e conseguiu ser
respeitado por toda a gente, contudo o Presidente Obama não conseguiu ainda pôr
em prática esse objectivo, tenho que reconhecer. Uma vez que na oposição feroz
tem o conservadorismo republicano, o chamado Tea Party, que confunde o Estado
com a Religião, uma confusão que não se deve fazer nem mesmo no mundo islâmico,
não lhe tem dado possibilidade para isso, ele tem sido muito atacado, mas
espero que vá ter um segundo mandato e que ganhe esse segundo mandato.
A crise global da América
comunicou-se à União Europeia porque os principais agentes não souberam, ou não
quiseram, fazer-lhe frente criando uma situação grave para o prestígio europeu
e a estabilidade do Euro, apesar da moeda única continuar a subir em relação ao
dólar, que é uma coisa curiosa, mas péssima para a União Europeia porque sendo
mais alta a moeda dificulta as nossas exportações como todos sabem.
Dos Estados da zona Euro, o
primeiro a ressentir-se com esta crise foi, como sabem, a Grécia. A União
Europeia não lhe deu a solidariedade que devia, não deu e isso é gravíssimo,
porque a Grécia não é qualquer país, a Grécia foi o berço da Democracia, da
Ciência, da Filosofia e está na origem, como Roma, da civilização ocidental.
Disseram assim: "a Grécia não interessa
nada, são preguiçosos”; mas que coisa, que ideia absurda! Depois da Grécia, os
países atacados foram, como sabem, a Irlanda e mais recentemente Portugal.
Estão agora a começar a ser atacados pelos mercados sem regras éticas, a
Itália, país fundador da CEE, não se esqueçam disso, e a Espanha; e a continuar
assim, a Bélgica, a França e outros mais países vão ser igualmente atingidos.
Portanto, o dilema em que estamos metidos é muito simples: ou se dominam os
mercados, metendo na ordem os paraísos fiscais e as agências de rating no plano internacional, ou o Euro
será destruído bem como a União Europeia. Seria uma calamidade, não só para
todos os países-membros da União, mas também para o Mundo que ficaria de todos
os pontos de vista sem controlo se perdermos a União Europeia e o que ela é.
Não creio que os dirigentes
europeus sejam tão irresponsáveis – têm sido um bocado – que aceitem sem reagir
que a União Europeia, o projecto político mais original desde sempre no Mundo,
se auto-destrua. Espero que não o faça, mas não estou seguro, porque realmente
quem ouve falar a senhora Merkel e o senhor Sarkozy, etc., pensa que eles estão
a pensar nas próximas eleições deles e que não pensam sequer que existe o
resto, isso é que é gravíssimo.
Por isso eu acho que Portugal, com
a ajuda de uma nova União Europeia que seja mais igualitária e solidária -
porque um dos princípios-base da União Europeia é a solidariedade - vai sair da
crise sem chegarmos aos extremos que preconiza essa Troika que vem para cá.
Mas atenção, a Troika e o texto da
Troika não são uma bíblia, todos os textos políticos têm várias interpretações
e podem ser lidos com várias interpretações e nós não temos de estar
subservientes em relação a essa Troika sem ter em conta as realidades
político-sociais e económico-financeiras que são mutáveis. E, se são mutáveis,
a Troika entrará numa situação em que está ultrapassada pelos acontecimentos.
Portanto, nós não temos de estar sempre de chapéu na mão e subservientes em
relação à Troika e que afinal os tipos da Troika são uns tipos complicados.
Portugal tem condições humanas e
naturais para crescer, para crescer muito, vai consegui-lo sem alienar, como
alguns querem, o seu património, vendendo-o por tuta-e-meia. Isso não é
possível!
Até há empresas nacionalizadas no
estrangeiro, são empresas privadas, são empresas públicas, em Portugal, então
vamos vendê-las a uma empresa que é uma empresa estadual estrangeira; que raio
de lógica é que isto pode ter?
Não pode ter lógica nenhuma, por
isso é que eu acho que é preciso ter muito em conta o que são os mercados e o
que é que os mercados podem fazer de mal e de bem. Não sou contra o
capitalismo: sou contra o capitalismo especulativo e financeiro. Eu não sou
pela igualdade absoluta em tudo: sou a favor de menos desigualdade. O nosso
país é dos que tem mais desigualdade no mundo e devemos ter em atenção que as
pessoas têm de viver e para viver têm de comer, têm de ter tratos de saúde,
essas coisas todas que o 25 de Abril lhes deu e que nós não podemos perder em nome
da resolução da dívida externa. A dívida externa é muito pouca coisa e há muita
coisa para além da dívida.
Muito
obrigado, isto foi o discurso.
[APLAUSOS]
Dep.Carlos Coelho
Muito obrigado, vamos então passar
para a fase das perguntas.
Tem a palavra, pelo Grupo Bege, o
Miguel Gavino.
Miguel Gavino
Boa noite. Antes de mais, quero
agradecer ao senhor Dr. Mário Soares por estar cá, apesar de sermos de partidos
diferentes, de termos ideias diferentes e políticas também bastante diferentes,
tanto o Socialismo como a Social-Democracia têm como objectivo melhorar a vida
dos portugueses e isso é o mais importante, seja à Direita ou seja à Esquerda.
Tendo sido uma personalidade
activa na vida política, com cargos da mais alta importância, como
Primeiro-Ministro, Presidente da República, entre outros, a pergunta do Grupo
Bege vai para o seguinte: como vê o percurso económico do nosso país nos
últimos 30 anos e como é que vê os próximos 30?
Muito obrigado.
Mário Soares
É muito difícil num mundo tão
variável e em ebulição como está o nosso vermos os próximos 30 anos. Realmente
é muito difícil. Há pessoas que fazem muito futurologia e são capazes de ver
grandes coisas. Eu tenho fama – desculpem dizer isso – de ter escrito alguns
livros que já há três anos diziam aquilo que se está a passar hoje e, portanto,
posso ter algumas ideias do que pode vir a ser, mas a 30 anos de distância é
muito difícil. Mas estará tudo mudado, em 30 anos.
Eu gostaria que tivéssemos uma
nova ordem mundial, uma ordem em que todos fôssemos iguais, ou muito próximos.
Que houvesse evidentemente distinções, porque há sempre distinções, mas que as
pessoas tivessem todas dignidade no seu trabalho, tivessem todas trabalho para
fazer e tivessem todos condições para se desenvolver segundo a sua inteligência
e as suas capacidades. É isso possível? Bem, já se viram coisas piores.
A própria União Soviética, um
regime totalitário, que toda a gente julgava impossível de deitar abaixo, e de
repente apareceu um senhor chamado Gorbachev, que eu muito estimo e de quem sou
até amigo pessoal e que veio dizer "não, isto é assim, porque nós estamos muito
aflitos aqui e ali”, começou a mudar as coisas e aquilo caiu tudo como um
castelo de cartas e atrás deles veio o leste europeu que eram tudo democracias
populares, como eles chamavam, mas no fundo eram ditaduras.
E depois todo o Mundo, a Europa
toda, mudou com isso. Porém, a seguir, os Americanos vieram com a teoria do
Neo-Liberalismo e o Neo-Liberalismo é uma ideologia, diferente do Comunismo mas
é uma ideologia também.
O Neo-Liberalismo é acreditar que
o mercado sozinho, por si próprio, é capaz (pela mão oculta do mercado), de
resolver os problemas. Mas isso não é verdade, está provado que os mercados não
resolvem e as crises, estamos todos numa crise, desde o Ocidente até os países
mais longínquos, não só a América, a América Latina, a Europa, mas também todos
os outros países do Mundo e sabemos que por isso é preciso mudar alguma coisa,
"mudar o paradigma” dizia o Barack Obama. Esse paradigma é o modelo social. O
modelo económico-social, que é dar toda a força aos Mercados como se os
Mercados fossem o rei do universo e único valor, é realmente muito grave e
leva-nos à situação em que estamos.
É tudo o
que eu lhe posso dizer para o futuro próximo.
[APLAUSOS]
Dep.Carlos Coelho
António
Roxo.
António Roxo
Muito boa noite. Dr. Mário Soares,
muito obrigado pela sua presença.
Vou ser breve. Tendo em conta que
são países muito diferentes, principalmente do ponto de vista democrático, qual
acha que deverá ser o papel do Brasil e da Venezuela no Mundo, em especial na
ONU e no âmbito desta crise?
Muito obrigado.
Mário Soares
Bem, devo dizer-lhe que no dia 6,
salvo erro, daqui a poucos dias o ex-Presidente Lula vem aqui a Portugal fazer
uma conferência e vai fazer uma conferência no Ritz (não sei se é mesmo no
Ritz, parece-me que sim) em que ele vai falar do Mundo no Futuro, como ele vê o
Mundo no Futuro. Mas, previno já os senhores jornalistas que estão na sala, que
ele disse que não queria jornalistas e que não queria perguntas, só faz a
conferência e vai-se embora.
O Lula é uma personalidade
eminente do Brasil, foi um grande Presidente e era um homem extraordinário.
Vou-vos contar esta anedota, que vocês vão-se divertir: eu fui assistir,
convidaram-me, para ir a Brasília à posse do Lula. A posse não é uma coisa como
em Portugal, não é feita na Assembleia da República, no Brasil é feita naquela
grande área que é Brasília, a grande avenida de Brasília e o Presidente está lá
e fala para uma multidão de brasileiros que estão ali e vão aplaudi-lo, etc.
Portanto, também não é como em Portugal, o Presidente antigo (que era o
Fernando Henrique Cardoso) tem uma faixa e meteu a faixa no Lula, toda a gente
bateu palmas, mas a seguir deu-lhe uma coisa que era um pequeno diploma a
dizer-lhe que ele era Presidente da República (eu não sabia que se fazia isso,
cá em Portugal não se faz) e o Lula o que é que fez? O Lula dirigiu-se ao
microfone e disse assim: "meus caros brasileiros, estou muito satisfeito e
muito emocionado, calculem que o Presidente Fernando Henrique Cardoso – que é
um académico, professor, um homem eminente – acaba de me dar o meu diploma e
sabem que este é o meu primeiro diploma, nem sequer fiz a instrução primária?
[APLAUSOS]
Bem, isto é para dizer que o Lula
é um homem extraordinário que veio lá do Nordeste e veio até São Paulo, andou a
vender as coisas mais diversas, enquanto miúdo, andou a apanhar bonés, para
poder subsistir, foi andando, fez-se sindicalista, metalúrgico, foi andando e
fez-se Presidente da República e é realmente um homem com uma capacidade de
inovação, com uma capacidade de apreciação das situações realmente
extraordinárias. Isto para dizer o quê? Que o Lula seguiu a política do
Fernando Henrique Cardoso. Eu estou à vontade para dizer isto porque escrevi um
livro com o Fernando Henrique Cardoso sobre a situação do Brasil na altura e
realmente ele é que resolveu o problema da moeda, a inflação, etc., e depois de
ter resolvido isso ele estava com medo que o Lula chegasse e mudasse aquilo
tudo. Não mudou nada e continuou, mas ao mesmo tempo fez outra coisa, que é
voltou-se para o Povo e conseguiu retirar da miséria milhares e milhares e
milhares, senão milhões de brasileiros. Isso é que é uma coisa fabulosa, é por
isso que ele é indestrutível, porque na segunda volta ninguém se bateu com ele
e não podia ser mais Presidente (por só dois mandatos) como no nosso caso e
passou o lugar para a Dilma.
O Brasil deu um salto com essa
aquisição de milhões de brasileiros que não pertenciam à sociedade brasileira,
estavam à parte, eram pobres, não tinham educação, com a Educação, com o
desenvolvimento científico, etc., que deram o impulso ao Brasil que passou a
ser um dos países emergentes.
Hoje o Brasil é um país emergente
muito mais forte que a Alemanha ou outro país qualquer assim. Tem e fabrica os
aviões mais sofisticados, tem uma Medicina extraordinária, Universidades
óptimas, mas eles querem mais e têm uma grande ligação com Portugal, querem se
desenvolver e querem aproveitar grandes especialistas, portugueses, e nós temos
muito bons cientistas hoje com um trabalho que foi feito e que é único, temos
hoje cientistas portugueses em todas as matérias estão a ser solicitados pelos
chineses para a Universidade de Xangai, por exemplo (estou a dizer coisas que
sei), para a Universidade de Macau, para a Austrália, para a América e na
América estão a pedir portugueses, estudantes, já licenciados, os Doutorados nas
Universidades americanas eles fazem-nos vir para as Universidades portuguesas
para haver uma ligação e, hoje, os cientistas portugueses são conhecidos no
mundo inteiro. É verdade e são extraordinários, as nossas Universidades são
muito boas e temos de dizer isto. Toda a gente acha que Portugal é uma coisa
pequena e muito má, mas não é nada disso! O que estou a dizer é absolutamente
verdade.
Portanto, eu penso que o Brasil
vai ser um país do Futuro e já é um país do Futuro. Há um livro do Stefan
Zweig, que diz " Brasil, país do futuro”, no tempo da guerra pensava-se se há
este país de futuro nunca mais há o futuro, mas agora já chegou: é um país do
Futuro! É um país importante! Tão importante que a China lhe dá a maior das
importâncias, a América lhe dá a maior das importâncias, a Rússia lhe dá a
maior das importâncias e ele está ao nível desses grandes países. Portanto, eu
acho que o Brasil vai ser no Futuro um grande país, como já é.
[APLAUSOS]
Dep.Carlos Coelho
Rui Miguel
Silva, Grupo Encarnado.
Rui Miguel Silva
Boa noite a todos. Começo por
agradecer a presença do Dr. Mário Soares na Universidade de Verão 2011.
Dr. Mário Soares, tendo em conta
que foi o senhor que assinou o Tratado de Adesão de Portugal à CEE, está
orgulhoso do projecto europeu? Era isto que idealizava?
Mário Soares
Bem, essa é uma pergunta muito
fácil. Eu estou orgulhoso no sentido de que acho que fizemos muito bem. Estamos
na moeda única e devemos continuar na moeda única. Seria gravíssimo se
saíssemos da moeda única. Foi bom termos entrado no Euro, apesar das
dificuldades que o Euro nos traz, mas devemos estar satisfeitos e eu estou
satisfeito por entrarmos na CEE.
Se nós hoje temos as estradas que
temos, os hospitais que temos, as Universidades que temos, podemos dizer que
isso deve-se em grande parte aos fundos da CEE. Mas hoje a CEE não é o que era,
nem o que foi quando há 25 anos nós entrámos. Nessa altura havia
Democratas-Cristãos e Socialistas e havia solidariedade na Europa.
O que nos fizeram a nós, o que
fizeram à Espanha, a muitos países, que vieram do Leste, etc., são actos de
solidariedade que hoje se perderam. E em vez de haver como devia haver na União
Europeia reuniões de todos os países-membros para discutirem os assuntos, ou
pelo menos se não quiserem reunir todos porque isso é difícil, pelo menos
recorram à Comissão Europeia que, aliás, é presidida por um português, Durão
Barroso, mas não é isso que se faz. O que é que acontece? A senhora Merkel vai
a Paris ou o senhor Sarkozy vai a Berlim, decidem as coisas e os outros têm de
fazer o que eles mandam. Isto não tem nada a ver com a União Europeia. É ou não
é?
O Carlos Coelho, que é deputado da
União Europeia, sabe que o que eu estou a dizer é verdade. Isto é uma mudança
terrível. Nós temos que acabar com isso. Para isso é preciso continuarmos a
desenvolver o projecto europeu e o projecto europeu – eu disse isso já há
muitos anos, na altura as pessoas não acreditavam muito, mas agora acreditam –
tem de ser federal ou não é.
Hoje já toda a gente reconhece
isso. Lembra-se aqui o Carlos que quando eu fui candidato ao Parlamento Europeu
disse que era necessário que houvesse um imposto para que o Parlamento Europeu,
a Comissão Europeia e as instituições europeias, tivessem dinheiro? Não se fez
isso e agora toda a gente diz que é preciso fazer isso. Bem, ou fazemos isso e
vamos para a frente, ou não fazemos isso e toda a União Europeia vai sofrer
imenso, como já vos disse.
[APLAUSOS]
Dep.Carlos Coelho
José
Miguel Vitorino, Grupo Verde.
José Miguel Vitorino
Boa noite a todos, em especial ao
Dr. Mário Soares e permita-me que lhe diga que é uma grande honra para o Grupo
Verde recebê-lo aqui hoje na Universidade de Verão do PSD, uma pessoa que já
passou por todo o tipo de mudanças no País e tem uma carreira política tão
vasta. Creio que, mesmo que estivesse aqui connosco mais tempo, seria
impossível ensinar-nos tanto e tudo o que tem para nos ensinar. Em nome de
todos nós, penso eu, agradeço-lhe a sua presença aqui.
Vou tentar ser breve na questão.
Dado o seu historial político e vivência de grandes mudanças politicas e sociais,
como é exemplo o 25 de Abril, como caracteriza a Política das décadas de 80 e
90 comparando com a Política de hoje em dia? Acha que as guerras partidárias de
hoje constituem um grande ponto de desagregação que deve ter um fim? Caso não
tenha, o que pode acontecer a Portugal uma vez que há já um grande descrédito e
cansaço para com a classe política?
Obrigado.
Mário Soares
Obrigado.
Realmente a Política nos anos 80 e
90 era diferente. Lembremo-nos que nessa altura a Alemanha tinha à frente um
homem extraordinário, europeísta, chamado Kohl, e tinha também o Helmut
Schmidt, a França tinha o Miterrand mas também Giscard d'Estaing, por exemplo;
a Itália tinha muitas outras pessoas e grandes figuras, o Prodi inclusivamente
e todos os países tinham grandes figuras, o nosso vizinho tinha o González, que
foi um grande Primeiro-Ministro de Espanha, por aí fora. Portanto, os anos 80
foram anos particularmente bons porque foram anos de solidariedade e de
igualdade na Europa e em que a Europa deu um passo em frente com, em 1992, o
Tratado de Maastricht em que se disse que a União era uma só e que era um
conjunto de países para um desenvolvimento comum. Depois, por razões
diferentes, que têm a ver com a evolução, os políticos, e não só,
desagregou-se. Está a desagregar-se muito.
Portanto o que se vai passar na
actualidade é qualquer coisa de difícil, como já tenho vindo a dizer, mas eu
acredito que mesmo os ministros e dirigentes dos países que estão à frente
neste momento – pelos quais eu não tenho grande respeito, porque não os
considero grandes figuras, porque convivi com outras que era grandes figuras,
que eu já citei, por isso posso fazer a comparação -, tenho esperança que eles
não vão ter a irresponsabilidade de não fazer a Europa andar para a frente. A Europa
tem de andar para a frente.
Eu sou a favor dos eurobonds, por
exemplo. Eu sou a favor de que haja um Governo político e um Governo económico
e financeiro europeu; se houver essas coisas, se for possível chegarmos a isso,
a Europa vai dar um pulo e se der um pulo, nós vamo-nos transformar a União
Europeia numa das zonas do Mundo não só a mais próspera, como ainda hoje é, mas
talvez aquela que seja um farol para o resto do Mundo. Isso para mim era o mais
importante que pudesse acontecer.
[APLAUSOS]
Dep.Carlos Coelho
Célia
Sousa, Grupo Cinzento.
Célia Sousa
Boa noite a todos, em particular
gostaria de cumprimentar e agradecer a presença do Dr. Mário Soares.
Dr. Mário Soares é convidado na
Universidade de Verão 2011, uma escola de Política com elevado rigor e
qualidade. Nós gostaríamos de saber qual é a sua opinião sobre este tipo de
iniciativa e se acha que outros partidos deveriam apostar neste tipo de
formação. E se sim, em que termos?
Obrigado.
Mário Soares
Naturalmente que pôr os partidos a
discutir e trazerem cá pessoas que não são do partido, como é o caso, e todos
eles fazerem isso seria muito bom. Eu ficaria encantado se os socialistas
fizessem uma escola destas e convidassem por exemplo o Dr. Passos Coelho para
lá ir fazer um discurso ou coisa assim, ou outro qualquer, o Balsemão, ou o
Carlos Coelho. E se o próprio PP o fizesse.
Os da extrema-Esquerda, é mais
difícil, mas de qualquer maneira…
[RISOS E APLAUSOS]
Acho que é mais difícil por eles.
Eu acho que sim. Eu acho que é da
discussão que nasce a luz, como se diz e realmente todo esse tipo de conversas
são estimulantes e as Universidades americanas são extremamente estimulantes,
não é só a Bronx, são muitas outras.
Eu por acaso sou Doutorado em três
ou quatro Universidades americanas, como sabem, mas não fiz nada por isso,
disseram que eu era um homem político e tinha que receber, não foi por
desenvolvimento e estudo, isso é outra questão. Portanto, eu acho que as
universidades americanas são grandes universidades, são muito boas e eu acho
deve haver o máximo de ligação entre as universidades americanas e portuguesas,
porque nós temos muitos portugueses na América e como já estamos na 3ª, 4ª, 5ª
geração de portugueses na América, há muitos que são muito bons por lá.
É que os portugueses vêm de um
país especial, nós descobrimos o mundo inteiro, não se esqueçam disso. Portanto,
nós portugueses temos razão de orgulho na nossa Pátria, orgulho em sermos
portugueses e, portanto, acho que o desenvolvimento entre Universidades é
preciso. Nós cá em Portugal fizemos um grande esforço, eu devo citar aqui o
antigo Ministro da Ciência que é um cientista ele próprio, o Mariano Gago, já
ouviram falar certamente e que, nessa matéria da Ciência, Portugal deu um
grande pulo.
É uma coisa hoje pública, porque
nós temos cientistas, como eu disse há bocado, de todos os ramos da Ciência, de
grande qualidade, de todos os ramos.
[APLAUSOS]
Dep.Carlos Coelho
Liliana
Fidalgo Dias, Grupo Castanho.
Liliana Fidalgo Dias
Boa noite. Antes de mais nada eu
queria agradecer a sua presença e espero que tenha gostado do poema declamado
pelo Grupo Castanho. Na Europa está a sentir-se uma mudança de Governos: em
Portugal, talvez em Espanha e quem sabe na Alemanha. Tendo em conta o número
reduzido de Governos socialistas na Europa, qual é o caminho para o Socialismo?
Obrigada.
Mário Soares
Bem, é uma pergunta difícil. Os
comunistas diziam que tinham feito um caminho para o Socialismo mas falhou
completamente, como todos sabem.
Eu apercebi-me disso muito cedo,
muito antes de haver Democracia em Portugal eu apercebi-me disso, porque talvez
não saibam, não sei se sabem, mas quando eu era jovem comecei por ser comunista
e deixei de ser comunista em 1949. Deixei de ser comunista porque achei que
aquilo não tinha a ver comigo, porque era uma coisa muito dura, muito entre
barreiras, muito sectária, por isso – não quer dizer que as intenções não sejam
boas.
Mais tarde, já eu era socialista,
tinha sido eleito Secretário-Geral do Partido socialista, ainda não estávamos
em Democracia, estávamos ainda sob a tutela do Marcelo Caetano, eu fui
convidado para ir à URSS, porque estavam a fazer uma série de convite para irem
sociais-democratas à Rússia para nos convencerem de que aquilo era a pátria do
Socialismo.
Bem, eu fui e estive lá um mês, o
que foi uma coisa importante, fui para vários sítios, fui a Leninegrado,
Moscovo; a Samarcanda, na parte árabe muçulmana; fui à Geórgia porque era a
terra do Estaline e eu queria perceber bem aquilo; e fui sempre com uma senhora
intérprete russa e posso dizer que era uma intérprete fantástica porque eles
falavam russo muito depressa e ela em português muito depressa, como uma
metralhadora. Eu às tantas, quando ganhei confiança com ela (estive lá um mês e
tal), disse-lhe: "Mas ó senhora Dr.a, a senhora fala tão depressa! Como é que consegue
ouvir e falar tão depressa, é uma coisa que me faz confusão.” Ela disse-me:
"Ah, não tem problema. Eles dizem sempre a mesma coisa”.
[RISOS E APLAUSOS]
Era realmente verdade! Eu percebi
aquilo e depois via aquelas coisas horríveis, aquela gente muito pobre que
havia e eles a dizerem que aquilo era a pátria do Socialismo. Pior, não tinham
liberdade, etc., enfim, vim de lá com uma lição brutal. Já não gostava, já
tinha sido do partido comunista, mas fiquei convertido ao contrário e foi por
isso que eu percebi que sem Liberdade não há Socialismo, é preciso a Liberdade.
Mas o que o Socialismo tem além da
Liberdade – e a Liberdade é importantíssima, política e cívica – é que as
pessoas tenham condições para se respeitarem a elas próprias. Para isso é
preciso a dignidade do Trabalho; é preciso dar alguma coisa às pessoas que
necessitam. Precisamos de ter condições para fazer deste País um país com
igualdade, com mais igualdade e isso é o que tem faltado a Portugal e é com
isso que nos temos de ocupar agora. Demos grandes pulos na Educação, demos
grandes pulos na Saúde Pública, demos grandes pulos na Segurança Social – tudo
isso é óptimo, não deixemos perder isso. Façamos tudo para equilibrar as nossas
Finanças, é importante, mas sem pôr em causa tudo que é necessário, como o
Emprego, e distribuir os bens com alguma equidade entre os portugueses.
Dep.Carlos Coelho
Grupo
Azul, Jorge Faria Freitas.
Jorge Faria Freitas
Caro senhor Dr. Mário Soares, se a
minha memória não me engana foi há 23 anos, em 1988, era na altura o Dr. Mário
Soares Presidente da República e então deslocou-se a Guimarães, no âmbito de
uma iniciativa chamada "Semana Aberta”. Durante essa visita, deslocou-se também
à freguesia de S. Torcato donde eu sou natural, e aí, eu lembro porque estava
lá, o Dr. Mário Soares aproximou-se de mim, andava lá a cumprimentar as pessoas
todas, e deu-me um beijinho na testa e foi a última vez que o vi pessoalmente.
Por isso, tenho todo o prazer de o ver pessoalmente e teria uma maior honra
ainda…
[RISOS E APLAUSOS]
Dep.Carlos Coelho
Ó Jorge, peço desculpa, fui eu que
disse que você queria outro beijinho na testa.
[RISOS E APLAUSOS]
Mário Soares
Eu não sei se lhe dei um beijinho
na testa ou não; eu gosto de dar mais beijinhos nas senhoras, isso é
indiscutível.
[RISOS E APLAUSOS]
Mas com o seu tamanho e com a sua
estrutura actual é um bocadinho difícil de lhe dar, devo dizer, mas enfim, se
você o diz deve ser verdade. Tinha 4 anitos então está bem.
[RISOS]
Jorge Faria Freitas
Não, tinha 2 anos, claro que não
me recordo, mas foram os meus pais que me contaram, mas tenho uma pequena
memória visual.
Tinha todo o prazer de o
cumprimentar, não com um beijinho na testa, mas com um aperto de mão, claro. No
entanto, quero-lhe dar as boas-vindas em nome do Grupo Azul e a pergunta que
tenho para lhe fazer é a seguinte: na sua opinião, qual será a estrutura, ou
como seria a estrutura, Da referida "nova ordem mundial”? Não acha que em vez
de um exemplo de Liberdade seria um exemplo de Soberania extrema?
Muito obrigado.
Mário Soares
Em primeiro lugar, a Liberdade não
é incompatível com a Soberania; não são duas coisas em que se diz ou Liberdade,
ou Soberania. Pode haver Soberania e Liberdade, são duas coisas completamente
diferentes, mas eu acho que a Liberdade é essencial, em todas as
circunstâncias, em qualquer país, a Liberdade é fundamental, porque sem
Liberdade não há Progresso, as pessoas não podem evoluir, desenvolver-se, etc.
Mas, claro, temos de tratar de
outras coisas para além da Liberdade, que são as coisas sociais. Eu acho que há
muita necessidade em Portugal de se continuar a política social portuguesa.
Podemos dizer que temos sido despesistas, pode ser, mas corte-se no Estado
despesista e não propriamente nas pessoas, ou naquilo a que as pessoas têm
direito – isso é que é a grande dificuldade que se põe e que eu chamo a atenção
para que estejamos vigilantes nesse aspecto. É o que tenho para lhe dizer.
[APLAUSOS]
Dep.Carlos Coelho
Grupo
Rosa, Frederico Almeida Nunes.
Frederico Almeida Nunes
Boa noite a todos. Boa noite, Dr.
Mário Soares.
A pergunta do Grupo Rosa é a
seguinte: a Globalização é um dos processos de aprofundamento da integração
económica, cultural, social e política. Como se dá o crescimento de Portugal
num mundo globalizado?
Mário Soares
Bem, a Globalização não é
propriamente aquilo que disse, porque a Globalização não leva nem à criação de
riqueza nem ao desenvolvimento dos países.
Quando o Clinton era Presidente
ele disse uma vez num discurso que a Globalização ia resolver os problemas da
Pobreza no Mundo. Não só não resolveu como hoje há muitos mais pobres no Mundo
do que havia antes. Portanto, a Globalização não chega para assegurar uma certa
igualdade, não é isso, porque para isso é preciso outra coisa, porque a
Globalização está desregulada, como eu comecei por dizer.
Portanto, numa organização
desregulada quem manda são as potências do dinheiro e do mercado. Como é que é
possível, digam-me lá a mim, que haja uma agência de avaliação de mercado e das
pessoas que de repente 4 ou 5 tipos – podem ser muito inteligentes, mas – vão e
dizem assim: "Portugal está pior; de A passa para B, etc. Uma das agências
atreveu-se a dizer que a América também não ia bem. Enquanto foi para os outros
estava tudo bem, mas quando chegou à América foi um "alto lá, o que é que vocês
estão para aí a fazer?!”.
Como é que é possível fazer isso?
Nós não podemos aceitar.
Qual é que é o objectivo dos
Mercados? Quero dizer, daqueles que põem o seu dinheiro nos Mercados? É ganhar,
é ter lucro. Ora, há mais coisas do que o lucro, importantes, é preciso que as
pessoas, tendo ou não tendo lucro, possam ter o mínimo de dignidade no trabalho
e o mínimo de profissão, que possam avançar nas suas profissões, é a isso que
se chama de Socialismo Democrático ou Social-Democracia.
Há bocado falávamos em Social-Democrata
mas eu não disse uma coisa muito importante, é que a família Social-Democrata e
a do Socialismo Democrático e Trabalhista é toda a mesma família. Por acaso, em
História se explica muito bem, em Portugal não foi. Talvez eu tenha culpas no
cartório, acredito que tenha algumas, mas não foi e tem sido doutro estilo. Mas
é assim. Pronto, outra pergunta.
[APLAUSOS]
Dep.Carlos Coelho
Só para vocês ficarem com a mesma
informação, o Dr. Mário Soares fez agora referência a uma conversa que tivemos
aqui na mesa com o Grupo Amarelo, o Grupo anfitrião, eu recordei que no início
da vida do partido, o Dr. Sá Carneiro tentou que o PPD, na altura era PPD,
entrasse na Internacional Socialista, mas o Dr. Soares não deixou e, portanto,
o nosso percurso internacional foi outro. Nós já fizemos parte da família
liberal e agora fazemos parte do PPE, mas no início o Dr. Sá Carneiro, por
razões históricas que estão bem compreendidas, tentou que nós fizéssemos parte
da Internacional Socialista. Aliás, o primeiro programa do PSD, se vocês o
lerem hoje, acham que é um programa à esquerda do PS, mas enfim o percurso
histórico explica isso.
O último Grupo neste
jantar-conferência é o Grupo Laranja, Paulo Tiago Santos.
Paulo Tiago Santos
Eu começo por desejar boa noite e
dizer que em meu nome e em nome do Grupo Laranja é uma honra recebê-lo nesta
Universidade de Verão.
A minha pergunta prende-se com o
mundo árabe. Eu vi uma entrevista com o Dr. Mário Soares à Agência Lusa em
Maio, em que diz que a revolta no mundo árabe é uma semente que fora lançada
pela Europa e que florescera. Eu gostaria de saber qual é a sua opinião para o
futuro do mundo árabe, que é que acha que vai daí resultar e também qual é que
acha que foi a importância da Europa na revolta que está a acontecer.
Mário Soares
Antes de responder à sua pergunta,
que é complexa, eu queria especificar uma coisinha aqui a propósito das minhas
relações com o Dr. Sá Carneiro, desculpem, que é para não ficar com toda a responsabilidade.
A questão é esta: o Dr. Sá
Carneiro deu uma entrevista, ainda na altura do Marcelo Caetano, em que dizia a
um jornalista da República que era nada mais, nada menos, do que o jovem
jornalista Jaime Gama, que aliás está publicada, em que dizia que era
social-democrata. Bem, eu não conhecia o Dr. Sá Carneiro, eu era de Lisboa, ele
era do Porto, sabia da existência dele, mas eu não o conhecia. Quando ele
apareceu deputado em Lisboa já eu estava exilado em França. Onde eu o
encontrei, lembro-me precisamente de onde o encontrei, foi depois logo a seguir
ao 25 de Abril num cocktail da embaixada francesa e eu fiquei ao lado dele. Eu
disse "ó Dr. Sá Carneiro, o senhor é Social-Democrata”, ele disse "pois sou”,
eu perguntei "então, porque é que não entra para o Partido Socialista?”, ele
disse "eu não entro no Partido Socialista por várias razões e até porque vocês
lá são marxistas e não sei quê, era uma coisa a estudar”, eu insistia "pode
estudar perfeitamente, entre no partido, entre” e ele "não, eu já estou a
caminho de formar um novo partido” e formou o Partido Social Democrata. Bem, ele fundou o Partido Social Democrata,
mas todos os partidos sociais-democratas da Europa sabiam que nós éramos
sociais-democratas e socialistas, ou trabalhistas, éramos todos da mesma
família, ainda hoje somos. Portanto, na altura punha-se o problema: então vai
haver dois partidos sociais-democratas, ou um social-democrata e um
social-democrático na mesma Internacional socialista?
Hoje a Internacional Socialista já
não tem tanta importância, mas naquele tempo era uma coisa importante. Dava-se
uma conferência de imprensa numa reunião da Internacional Socialista e todos os
jornais do mundo falavam daquilo, hoje não é assim, mas era importante. E só
havia um único país em todos os que participavam na Internacional Socialista,
que era a Venezuela que tinha dois partidos um social-democrata e outro
socialista que estavam ambos na Internacional Socialista e eles disseram dois
lugares não pode ser. Nós estávamos lá há mais tempo, desde 1973 ou assim, e
fomos nós que ficámos. Portanto, não julguem que eu estive lá a dizer "não
entra aqui o Sá Carneiro”, não é isso, é exactamente o contrário.
Bem, dada a explicação, vou
responder à pergunta que fez sobre a revolta do mundo árabe. Realmente eu
escrevi isso e continuo a escrever e a pensar. Eu achei, sinceramente, que
aquilo que se passou na Tunísia foi qualquer coisa de extraordinário. Nunca se
tinha visto que num país muçulmano, árabe ou muçulmano, tivesse havido uma
manifestação de populares espontânea. E a gritar o quê? Queremos Liberdade,
queremos Democracia, queremos mais igualdade e queremos mais emprego e queremos
comer! Foi isso que eles gritaram na rua. Ora, eu conheci esses ditadores. Eu
conheci o Ben Ali da Tunísia, o Mubarak no Egipto, o Kadafi da Líbia. Vamos
falar desses três, depois falamos dos outros.
Bem, o Ben Ali foi dos mais
inteligentes apesar de tudo, porque fugiu com a família e lá está em qualquer
sítio, deixou aquilo entregue às pessoas e está a haver um grande sentimento de
desenvolvimento democrático na Tunísia, sem que tivesse havido grandes lutas ou
dificuldades.
O Mubarak foi diferente, porque o
Mubarak não quis enfrentar, é um oficial do exército egípcio e era um homem
rígido, conheci-o bem, era muito rígido. Então ele refugiou-se, deu poder ao
exército e disse "vocês vejam lá se conseguem resolver isto e eu vou ali para
uma instância balnear que é uma coisa admirável que há ali no Mar Vermelho” e
realmente ele foi para lá e a verdade é que aquilo desenvolveu-se com muitos
conflitos e muitos mortos, mas o Mubarak está a ser julgado e aceitou o
julgamento. Vamos ver no que aquilo dá, mas eu quero acreditar que ao contrário
do que julgam não vão ser os irmãos muçulmanos a ter predominância, porque esses
senhores que vieram para a rua são religiosos muçulmanos, mas não são
fanáticos, porque põem acima de tudo o bem-estar e a liberdade deles próprios e
das famílias, é isso que eles querem.
Bem, quanto ao Kadafi, bem, o
Kadafi é um tipo completamente diferente dos outros dois. Eu também o conheci
por uma razão muito simples, vou contar. Logo a seguir de 1974 foi a revolução
do Kadafi que ele chamava de "revolução verde”, que ele fez para se libertar
dos ditadores das tribos que havia na Líbia. Realmente foi uma coisa
interessante, essa revolução e eu era Ministro dos Negócios Estrangeiros, logo
a seguir à revolução dos cravos e queria entrar em contacto com todas as forças
políticas para fazer a descolonização.
Com São Tomé foi facílimo, com
Moçambique também foi, mas com Angola foi difícil porque havia três: Holden
Roberto, o Agostinho Neto e o Savimbi; e havia um grande conflito entre eles.
De modo que eu pensei que tinha de falar com os três. De maneira que foi muito
fácil falar com os três: logo no dia 1 de Maio, calculem, eu falei com o
Agostinho Neto, em 1974; falei com o Holden Roberto mais tarde e não havia
maneira de encontrar o Savimbi que estava lá na selva a combater e não tinha
contactos. De modo que eu soube que ele tinha um representante junto do Kadafi
na Líbia. Então eu fui à Líbia para falar com esse representante. Fui recebido
lá pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros da Líbia que me pôs em contacto com
ele, falámos e fizemos um primeiro contacto para nos entendermos em relação a
Angola. Eu ía para outro sítio, queria ir-me embora, mas esse Ministro
disse-me: "o nosso guia (foi assim que ele o tratou) queria conhecê-lo”. Eu
disse "bem, com prazer, com certeza, se ele me quer conhecer. Onde é que ele
está? Está aqui?”, ele respondeu-me "não, não, está no deserto”. Eu nunca tinha
ido ao deserto. Bem, eu disse "isso é uma boa ideia, eu vou ao deserto”. E fui
realmente ao deserto; bem, cento e tal quilómetros, uma coisa muito grande, uma
grande caminhada pelo meio do deserto e cheguei lá e encontrei uma fortaleza –
muito feia, por acaso, aquilo tudo muito mal, uma coisa horrível; ele ainda não
tinhas essas tendas que tem agora.
O homem que me levava foi-me
acompanhando naqueles corredores muito cheios de humidade, lá fui pensando
"como é que este homem vive aqui num sítio tão feio, tão isolado”, lá fui
andando até que cheguei ao fim do jogo e era o escritório dele. Eu ía a entrar
e vejo um homem deitado para Meca – eu só depois é que soube que era para Meca
claro -, eu ía a entrar e o tipo disse "perdão, o nosso guia está a rezar”.
Bem, eu fiquei um bocado desconsolado com aquilo, a pensar "bem, este tipo
manda-me chamar, podia pôr-me numa sala à espera, mas agora pôr-me aqui à
porta” – aquilo foram dois minutos, mas pareceu-me muito mais, eu já estava
irritadíssimo a pensar "eu vou-me já embora” -, até que ele de repente
ergue-se, tinha acabado a reza e avança para mim.
Era muito bem-parecido na altura,
foi há quarenta anos, muito forte, falando francês muito bem, avança para mim e
diz-me assim: eu já tinha visto fotografias suas e estava com impressão, mas
agora que vejo-o aqui ao pé tenho a certeza, você é árabe!”.
Ora, eu nem sequer me passou pela
cabeça, por falta de experiência, que o tipo quando estava a dizer que eu era
árabe era um grande elogio e eu disse assim (isto tudo em francês): é bem
possível, é muito possível, porque os árabes como sabe dominaram a península
ibérica durante sete séculos por isso é muito possível que eu tenha sangue
árabe, é normal, mas também, olhe, vou-lhe dizer, no tempo do Salazar quando eu
fui deportado puseram nas paredes assim "abaixo Soares, o cão judeu”.
[RISOS E APLAUSOS]
Eu julgava que ele acharia graça,
mas ele não achou graça nenhuma. Não achou graça nenhuma, porque ele estava a
dar-me um grande presente, que só depois percebi, que ele estava a chamar-me de
árabe que era o máximo dos máximos e eu disse que era um cão judeu.
De modo que a conversa não correu
bem desde logo. Bem, é uma história.
Dep.Carlos Coelho
Dr. Mário Soares, nós temos um
princípio na Universidade de Verão que é dar a última palavra ao nosso
convidado e portanto a última pessoa a usar este microfone é o senhor e esta é
a oportunidade que eu tenho para lhe agradecer a vinda aqui.
Agradeço, como é da nossa praxe
interna, ao Grupo Amarelo o convívio simpático que tivemos na nossa mesa
durante este jantar.
Ao contrário do que é habitual,
que é eu dar a palavra ao último perguntador, que será também o Grupo Amarelo,
o Presidente da JSD reclamou para si o privilégio de dar a palavra ao último
grupo nesta noite. Portanto, passo para o Duarte Marques.
Duarte Marques
Senhor Dr. Mário Soares, queria
apenas dizer-lhe e repetir-lhe que para nós, em nome da JSD nacional, foi uma
grande honra tê-lo connosco aqui na Universidade de Verão. Acho que a melhor
homenagem que lhe podemos fazer, todos nós, é dizer-lhe que continuaremos a
lutar por um Portugal mais igual e um Portugal mais próspero para todos, não há
melhor homenagem que esta. Mas há uma coisa que eu gostava de lhe dizer e que
não nos leve a mal, e hoje que estamos aqui o fundador do Partido Socialista no
meio de tanta gente da JSD, acho que lhe podemos dizer, eu pelo menos posso-lhe
dizer porque é que durante tantos anos houve muita gente que disse "Soares é
fixe”.
Antes de terminar, gostava de lhe
dizer que no dia em que Portugal ganhou quatro a zero e estamos aqui todos,
ganhámos quatro a zero ao Chipre, acho que todos podemos dizer que afinal
"Portugal é fixe”.
[APLAUSOS E "PORTUGAL, PORTUGAL”]
E dava a
palavra à Marta Lopes, do Grupo Amarelo.
Marta Lopes
Muito boa noite a todos.
O Grupo Amarelo hoje teve a grande
honra e o grande privilégio de poder, à refeição, privar um pouco mais de perto
com um homem com "H” capital. Um homem que não veio aqui prestar provas, já as
provou na longa vida e notável. Veio aqui de coração despido de divergências
partidárias e veio responder também aos anseios e preocupações dos mais jovens.
Aliás, somos nós que tem muito ainda a provar.
Assim, a preocupação do Grupo
Amarelo é o problema com que temos sido confrontados ao longo desta edição da
Universidade de Verão. O afastamento das camadas mais jovens da Política sob o
pretexto de que esta compete aos outros. Na sua opinião, Dr. Mário Soares, como
podemos nós, cidadãos, políticos, Governo, fazer para resgatar a juventude
portuguesa deste estigma e tornar a política e a participação cívica uma coisa
nossa?
Muito
obrigada.
[APLAUSOS]
Mário Soares
Antes de lhe responder à sua
pergunta que é muito difícil como imagina, eu tenho de dizer aqui uma coisa ao
nosso amigo por causa do "fixe”.
Realmente foi um slogan que surgiu na minha campanha
eleitoral, na segunda campanha eleitoral e como é que surgiu? Não fui eu que
criei, como imagina. Foi nada menos, nada mais, do que um seu aliado do PP que
era um tipo Social-Cristão, mas CDS, que se lembrou desta coisa do "Soares é
fixe”. Depois, perguntou-me "senhor Dr., acha que fica mal que diga que Soares
é fixe”, eu disse que não, "é óptimo”, e lá ficou "Soares é fixe”, é verdade.
Foi a Direita que lançou esse slogan, porque ele estava a fazer campanha, como
o PSD fazia, mas foi o CDS que se lembrou.
Muito bem, quanto à questão da
Política. Realmente, há uma campanha sistemática e muito que a gente percebe de
onde ela vem e que é de uma permanência e que entrou na oposição e no espírito
de muita gente, que os políticos são uns desgraçados e que são responsáveis de
tudo. Ora, não são. Realmente não são, são responsáveis, mas não são de tudo.
Porque é que eles fazem isso? Porque querem governar fora da Política, mas sem
Política não há Estado e sem Estado é difícil que haja Política.
Portanto, eu acho que é preciso
haver gente contra isso. Eu escrevi um livrinho que lhe vou oferecer. Chama-se
"O Elogio da Política”, saiu há dois anos e eu pus-lhe esse título porque
exactamente é indispensável perceber que a Política é que é o fundamental.
A Economia é muito importante, mas
vem depois, só os políticos é que podem equilibrar a Economia, não são os
negociantes, são os políticos. Portanto, vocês que todos têm tendência para
serem políticos, têm de se bater pela Política e eu espero que a sua leitura
desse livro que é um livro pequeno, lê isso rapidamente, possa-lhe dar algumas
ideias. Aqui tem.
Muito obrigado a todos, foi um
grande prazer ter contacto com vocês, tão franco, tão simpático e tão positivo
para os dois lados, porque realmente gostei muito de vocês e acho que vocês
também não ficaram zangados comigo.