Vamos dar início à nossa aula da
tarde que se chama "Ser Social-Democrata no séc. XXI”.
Em todas as Universidades de
Verão, desde a primeira, em 2003, temos sempre um tema mais ligado à reflexão
ideológica e programática. O ano passado foi feita pelo Professor Marcelo
Rebelo de Sousa e, este ano, temos o privilégio de contar com a Dr.ª Assunção
Esteves que, como sabem é a primeira senhora a exercer a função de Presidente
da Assembleia da República, ou seja, é a segunda figura na hierarquia do Estado
Português.
[APLAUSOS]
A Dr.ª Assunção Esteves tem uma
carreira muito grande, quer sob ponto de vista político, quer sob ponto de
vista jurídico: ela foi Juíza do Tribunal Constitucional; deputada à Assembleia
da República várias vezes; deputada ao Parlamento Europeu, onde tivemos um
percurso na mesma altura, fomos colegas em Bruxelas e em Estrasburgo; e tem
diversas obras publicadas, como viram pelo currículo que distribuímos.
A nossa convidada tem como hobby o Cinema e a Literatura, sobretudo
o Cinema porque tem uma mensagem completa, com o argumento, a imagem, o som e a
liberdade de interpretação que também nos deixa. A comida preferida são
cerejas, caça e perceves; o animal preferido é o cão – o animal de estimação
mais votado na Universidade de Verão; sugere-nos um livro de José Saramago, "As
intermitências da Morte”, porque nos desnuda as peripécias da existência e da
política, e a nossa natureza comum entre o riso e o drama, através de uma
narrativa deslumbrante. O filme que sugere é o "Invictus”, porque mostra que o
carácter de um homem pode ter a força de um exército e o efeito de uma
revolução; e a qualidade que mais aprecia é a coragem porque liga a verdade e a
força.
Minhas senhoras e meus senhores,
connosco, na Universidade de Verão de 2011, a Dr.ª Assunção Esteves
Assunção Esteves
Senhor Director da Universidade de
Verão e meu caro amigo deputado Carlos Coelho; caro Duarte, meu colega de
Parlamento; cara Joana que é também minha colega de Parlamento, militante do
PSD e já vi que se senta aqui nesta sala; meus caros alunos da Universidade de
Verão e meus amigos.
Queria em primeiro lugar dar os
parabéns ao deputado Carlos Coelho por esta iniciativa que todos conhecemos há
uns anos e que marca, do meu ponto de vista, um dos aspectos mais importantes
da actividade dos partidos, que é da formação cívica para a intervenção.
Um dia no Parlamento, a propósito
de um determinado contexto, eu disse que a melhor forma de homenagear o
pensamento é transformá-lo em acção, mas também é importante que a acção tenha
exactamente um pensamento bem formado, um pensamento crítico. Não é possível
construir um mundo melhor, nem os partidos podem ter o seu protagonismo de corpo
inteiro, que têm do ponto de vista do seu lugar no sistema político, mas do
ponto de vista da Razão, do ponto de vista da sua capacidade de estar nesse
sistema e de o influenciar, não o podem fazer sem ter um pensamento crítico de background. É a formação desse
pensamento crítico que nós temos aqui nesta Universidade e é essa a sua valia
especial; é também com ela que o PSD, enquanto Partido, dá o exemplo no sistema
partidário, de um partido vivo e que se renova, justamente através do mais
importante que pode ter, que são as estruturas do pensamento. É por isso que
quero dar os parabéns ao Carlos Coelho e ao PSD que acolhe, nas suas entranhas,
estas iniciativas.
[APLAUSOS]
Eu devo dizer que o desafio de vir
aqui é para mim, como cidadã e como ser humano, dos desafios mais interessantes
que me podem pôr. Eu sempre gostei de influenciar (passo aqui a prosápia),
sempre gostei de intervir, mas sobretudo sempre gostei de desafiar os mais
novos e de sentir o efeito reprodutivo que um auditório como este tem sobre
aquilo que nós dizemos. É diferente do efeito imediato, prático e contido de
muitas coisas que, em cada dia, nós como agentes políticos, decidimos. Há aqui
um efeito que permanece no tempo, através da vossa juventude, da vossa
aprendizagem e vossa posterior intervenção. Este sentido duma pedagogia que se
reproduz na vossa própria natureza, em função da idade, da vontade e dos vossos
contextos existenciais, dão especial motivo para falar aqui.
O meu tema traduz-se em "o que é
ser Social-Democrata no séc. XXI?”. Eu olhei para este tema e a primeira
questão que se me pôs é: como é que nós vamos abordar esta temática? Como é que
eu vou dizer aos alunos o que é ser Social-Democrata no século XXI?
Antes disso, é primeiro necessário
perguntar o que é ser político no século XXI e depois como temos a
Social-Democracia como referente de intervenção – ideologia sentida e escolhida
– então nós derivamos facilmente.
O que é ser Social-Democrata no
século XXI? Ser Social-Democrata no século XXI é sobretudo uma atitude, uma
atitude de intervenção: olhar para nós como Sociais-Democratas é revisitarmos
de certo sentido a ideologia do Centro-Esquerda, em que nos definimos, mas
revisitá-la olhando para a frente. O desafio que eu hoje trago aqui, mais do
que uma aula, é o desafio de nos enquadrarmos ideologicamente olhando para a
frente. É por isso que eu venho aqui dizer que ser Social-Democrata no século
XXI é, antes de mais, estar preparado para formar novos paradigmas na política,
criar novos métodos e criar novas atitudes.
Um escritor francês, ainda deste
século, disse um dia que "não há revolução possível se nós alternarmos os
actores sem mudarmos os papéis”. O que eu venho dizer a esta Universidade é
que, não apenas alternar os actores, mas mudar os papéis, é o que se nos impõe
para mudarmos o mundo. É por isso que eu decidi vir aqui falar-vos dos novos
paradigmas. O método que eu escolhi para poder ser mais capaz de chegar ao
auditório, foi o seguinte: começar por vos indicar vários tópicos que eu
considero que são elementos do mundo novo em que nós intervimos e para o qual
temos de escolher novos paradigmas e, mais, no qual já se nos deparam novos
paradigmas.
Há uns que nós construímos, há
outros que o presente já vai construindo. Depois de vos indicar estes tópicos
que aqui quero sublinhar, queria dar a Europa como um exemplo preferido a todos
estes tópicos e finalmente deixar aqui claro uma espécie de exercício firme de
vontade política que eu gostava de fazer convosco numa espécie de conclusão.
Jurarmos todos que faremos melhor, abraçaremos o mundo com sentido de cidadãos
do mundo e seremos protagonistas nestes novos paradigmas, praticantes nestes
novos métodos e sujeitos nestas novas atitudes.
Qual é o primeiro ponto que eu
quero referir perante estes novos paradigmas? O primeiro é que não há Justiça
se ela não for global. O primeiro paradigma é de que o mundo exige-nos um
paradigma global. Não há Justiça olhando só para nós, ou só para o nosso
bairro, ou para o nosso Estado, ou mesmo para a nossa região; temos de olhar
para o mundo para termos uma concepção de Justiça e praticá-la. Esse é o
primeiro tópico. Hoje, o mundo global exige uma justiça global.
Então, quais são as características
destas novidades que nos exigem uma atitude perante um mundo novo e que nos
exige que sejamos protagonistas neste mundo novo? O poder político hoje,
podemos considerá-lo, não tem território. Até há pouco tempo, as Constituições,
a noção de Poder, tinham todas um referente, um espaço de referência, era um
território. Os alunos que estudam Direito e estão sentados nesta sala, sabem
que ainda hoje os próprios manuais ensinam que a Constituição é referida a um
território e que o próprio Estado tem como elemento integrante o território.
Que o Estado tem como elemento integrante o território continua a ser verdade,
que a Constituição é referida a um território nacional começa a deixar de ser
verdade. O Poder hoje constrói-se sem território e decai na lógica da soberania
(como eu explicarei mais à frente). É um Poder global, que é mais traduzido
como uma espécie de acção partilhada do que como autoridade confinada a um
certo espaço e do que como autoridade hierarquizada. O Poder é um Poder que, ao
contrário da sua configuração clássica, hoje se exige como poder em
articulação. Vejam o caso da Europa: os Estados dão as mãos e a lógica já não é
de acordo ocasional, é a lógica da integração, é a lógica da união, é a lógica
das normas comuns.
É diferente dois Estados
colaborarem ocasionalmente, concederem entre si, ou criarem na base normas
comuns às quais se vinculam e depois devem conjuntamente obediência. O
paradigma novo que eu vos apresento, em primeira mão, é este. O Poder perdeu
território, as Constituições deixam de ser referidas a um espaço nacional.
Por outro lado, o Poder perdeu
soberania e passou a ser acção partilhada. Como disse Hanna Arendt, uma grande
filósofa de que já com certeza ouviram falar, "o poder político é cada vez mais
poder político sem soberania”. Eu não estou a pedir aqui aos alunos que sejam
iconoclastas, mas estou-lhes a pedir que percam os limites dos mitos. O mito da
soberania fez sentido de certo modo num estádio da História para construir os
Estados, para reforçar os poderes centrais e acabar com os poderes particulares
dos grandes senhores e, nesse sentido, a soberania significou, na História,
evolução.
Maquiavel veio afirmá-la – como
sabem os das humanísticas que aqui se sentam, porque sei que não são só alunos
das humanísticas -, veio afirmá-la como um Poder forte que na altura reagia aos
senhores feudais e afirmava a centralização moderna, afirmava o Estado moderno.
Mas o Estado moderno evoluiu por si e, nós hoje, não estamos já só na
modernidade, estamos a viver uma espécie de pós-modernidade política, em que
tudo se reinventa com as novas tecnologias, a circulação de pessoas, sobretudo
os grandes fluxos migratórios; a economia-transfronteiras; o problema das
alterações climáticas; temos tantas modificações. As interacções permanentes
que este mundo se permite já não são consentâneas com uma expressão de um poder
clássico que se refere ao Estado-Nação e que pensa que se basta com essa
referência. Por isso, Maquiavel morreu duas vezes, costumo eu dizer: morreu
quando os Estados ensaiaram a lógica da sua cooperação e ganharam uma lógica de
maior integração; e morrerá duas vezes quando os Estados perderem ainda mais
esse sentido de soberania, para levar mais à frente e assumirem com maior
intensidade a capacidade de se entenderem e formarem federações de Povos no
sentido de maior capacidade de intervenção no mundo e um maior conseguimento de
uma justiça global.
Temos, portanto, uma perda de
território para o Poder, na medida em que ele se tornou transnacional e não
apenas nacional; uma perda de soberania na medida em que as relações entre os
Estados passaram a ser relações de integração e não apenas de cooperação; em
que o paradigma começou a ser o paradigma da colaboração e não o paradigma da
contraposição. A Europa de Vestfália – como sabem deu nome ao Tratado que pôs
fim à Guerra dos 30 anos – está posta em causa com as novas fórmulas de
entendimento entre os Estados. Provavelmente, poderíamos aqui fazer revivescer
a velha Liga Hanseática, entre o século XII e o século XVII, que mostrou que as
pessoas podiam entender-se para além das fronteiras. A Guerra dos 30 anos veio
dar aos Estados um sentido de autarcia, de isolamento e uma atitude de
contraposição que é incompatível com o mundo moderno, com os desafios da
economia transfronteira e com as exigências mais profundas de uma justiça
global. Os Estados têm que, de novo, se virar uns para os outros e deixar essa
lógica de antagonismo e contraposição; lógica, aliás, que foi reforçada a
seguir à I Guerra Mundial e, depois, reforçando o sentido do Tratado de
Vestefália, "cada um por si e nenhum por ninguém”, e depois com a criação das
fronteiras a sua definição geográfica, e depois com a II Guerra Mundial com
aquilo que eu chamaria de definição de fronteiras ideológicas – a Guerra Fria
que separou o Ocidente do Leste Europeu e, de certo modo, o Ocidente do Leste
em geral. É esse decaimento das fronteiras, como forma de afirmação de uma
humanidade nova que tem que ser recebida pelas atitudes, os métodos e
paradigmas da política. É nesse sentido que temos de entender, que hoje as
soluções – e eu provavelmente, no fim, vou sintetizar-vos estas ideias com
aquilo que eu deixei dito à Comunicação Social antes de entrar aqui – é este
conjunto de referências que nos levará a perceber e eu antecipo que os grandes
problemas que temos hoje só podem mesmo ser solucionados pelo esforço que
fazemos dentro das nossas fronteiras, dentro delas, mas sobretudo para além
delas.
Eu queria lembrar aqui, uma vez
que vos indiquei aqui um livro de José Saramago, "As intermitências da Morte”,
que nesse livro há uma passagem sobre a falácia do sentido das fronteiras. Há
uma família de camponeses que tenta chegar ao outro país onde se morre – porque
no seu país não se morre e há pessoas que querem mesmo morrer, porque já estão
doentes, não querem continuar a subsistir naquelas condições – e pedem para
passar a fronteira e ir morrer ao país do lado. É uma família de camponeses que
se prepara para passar para o país limítrofe e tem um problema porque não
consegue ver onde é a fronteira e há uma passagem interessante em que José
Saramago diz: "a lua cheia brilhava, lá à frente encontrava-se uma linha que só
nos mapas é visível. ‘Quando lá chegarmos como saberemos?’ – perguntou a
mulher.”
Isto é muito importante porque
José Saramago quando faz a referência à lua que brilhava e, portanto, se via
muito bem, mostra que na realidade não há fronteiras; elas estão nos mapas,
estão lá para definir quadros funcionais de actuação, para definir lógicas de
autoridade que são necessárias, visto que a organização entre os homens é
necessária e a política tem essa dimensão organizatória incontornável e a
autoridade não pode ser desdita quando nós aqui afirmamos a decadência das
fronteiras. Mas mostra, de certo modo, que há uma dimensão de mito nas
fronteiras que nós, hoje, para resolvermos os grandes problemas, temos que
perder; há uma dimensão de mistificação das fronteiras que hoje temos de
perder.
E esta geração nova perante a
lógica de um mundo novo e perante os seus desafios tem de perceber que a nossa
atitude já não pode ser paroquial, do nosso bairro, nem sequer pode ser a
atitude nacional, do Estado, tem de ser a do cidadão do mundo, tem de conseguir
compreender a diferença entre o nosso espaço cultural que resulta de um estar e
o nosso espaço social político que resulta de um querer.
Curiosamente, Habermas, um grande
filósofo de intervenção nos nossos tempos, dizia que o que caracteriza o mundo
de hoje é sobretudo essa espécie de separação não-traumática entre a Nação como
espaço de cultura e a cidadania como espaço de intervenção política. A Nação
define-nos como seres culturais, é o nosso referente do Ser, é o nosso
referente de origem, mas é o mundo que nos dá o toque da participação, é o
mundo que nos chama à cidadania e a nossa cidadania já não se cola apenas ao
seu estatuto de nacionalidade, a nossa cidadania como participação, como
elemento de actuação do querer, cola-se à transnacionalidade.
Sendo assim, meus queridos alunos,
eu queria deixar aqui sintetizado neste primeiro ponto que é um segundo e um
terceiro, dada uma certa síncrise para que o entusiasmo da temática nos lança
várias referências. Estamos num mundo moderno que exige aos Sociais-Democratas
a abertura a novos paradigmas, a criação de novos métodos e a tomada de novas
atitudes. O que caracteriza estes novos modelos é perpassado por novas
referências, como um Poder mais desterritorializado, um Poder cada vez menos
Soberano, um Poder entendido como projecto moral e acção partilhada, um Poder cada
vez mais antropocêntrico, porque o que conta quando nós encaramos a política
global – integrada entre as fronteiras – é que as pessoas são o último desígnio
delas e não as Instituições. Por outro lado, aponta também para soluções
políticas de integração, que leva o mundo, tal como o Iluminismo previu, a uma
solução histórica de uma federação de federações de Povos. Mesmo que este
desígnio – não digo final, porque não se pode chamar assim – este desígnio mais
audaz esteja ainda longe, uma coisa é certa, cada vez mais a política se liga a
um desígnio de justiça, cada vez mais ela é integrada por um sentido do Outro e
de humanidade que nos é imposto pela globalização.
Cada vez mais, nós como
Sociais-Democratas, temos que olhar o mundo, não conformados com uma economia
que perdeu a sua hétero-regulação pela política e com a cupidez dos mercados
financeiros, sem arregaçarmos os braços e sentirmos que se temos a política nas
nossas mãos é para lhe imprimir a sua capacidade programante em larga escala,
não apenas em pequena escala, e que a solução dos problemas só pode estar aí.
Quando vos falei dos novos
paradigmas, falei do método. O método é melhor intuído por vós do que por mim.
Nós sabemos que hoje nada se faz sem ser em Rede. Até eu, que fui até há pouco
uma espécie de info-excluída, posso dizer que concedo à ideia de que sem networking não há mundo, não
funcionamos, não interagimos, não colaboramos, não há inclusão e não há
justiça.
Hoje, a política global exige-nos
um network político que está também
exemplificado de uma maneira curiosa pelo próprio sistema da União Europeia. Se
olharem o Tratado de Lisboa, estão pelo menos confrontados com o método como os
parlamentos nacionais controlam previamente a legitimidade da legislação
produzida no centro político europeu, controlando o Princípio da
Subsidiariedade.
Para quem não é jurista, os
parlamentos nacionais controlam se aquela legislação que vai ser produzida ao
nível do Conselho e do Parlamento Europeu é da competência dessas instituições,
ou é antes da competência dos Parlamentos nacionais. Existe uma relação de
comunicação entre os parlamentos nacionais - e controlo – e os centros de
decisão legislativa europeia, para dizer "cuidado, isto não é da vossa
competência, vamos lá ver se quem legisla é o centro europeu, ou se são
parlamentos nacionais”. E quem dá este exemplo da lógica de rede ao nível da
legislação, também o dá ao nível da execução. Os alunos já ouviram falar na
"comitologia” na União Europeia, naquele sistema de comités de execução das decisões
europeias, que funciona também numa espécie de rede entre a Comissão Europeia e
os comités dos Estados-Membros, quando se trata de executar as decisões
europeias e funciona tudo numa lógica de representação e de comités. Isto é
óbvio e é quase uma espécie de consequência ao mesmo tempo lógica e geométrica:
se o espaço de intervenção política alargou, então as formas de comunicação
também mudaram; há um trabalho em rede, há um modo de organização que exige um
sistema de "comitologia”, há um modo de controlo mais complexificado entre os
diferentes intervenientes na legislação, há portanto um network político que, de certo modo - e eu aqui avanço – está de
certo modo à procura do aperfeiçoamento da sua própria legitimação.
Este network político põe-nos problemas importantes de legitimação. Como
nós estamos num espaço alargado e complexo, como é que vamos saber quem
decidiu, o quê, sobre o quê, para podermos responsabilizar, para depois nas
eleições podermos escolher? É este o desafio. A relação entre legitimidade e
complexidade do nosso trabalho é outro desafio que os sociais-democratas têm de
se habituar a enfrentar. É preciso, provavelmente, para nestes novos paradigmas
que eu aqui levanto e para os quais não trago uma solução no bolso, perguntar
se o método de controlo político dos decisores políticos, hoje se conforma com
aquilo que se chama de modelo de mercado. O que é o modelo de mercado? É eu
votar, pedir satisfações à pessoa, aos deputados, ao Governo que eu elegi, no
fim do mandato e dizer "voto em ti outra vez ou não, conforme tu satisfizeste
ou não as minhas expectativas”. A isso as teorias republicanistas chamam de
modelo do mercado; o modelo do mercado aplicado à política. "Eu dou-te o voto,
tu responsabilizas-te, eu depois da próxima vez dou-te o voto ou não conforme o
que eu aferi da tua responsabilidade ou não”.
Hoje, provavelmente, ou com toda a
certeza, os mecanismos de comunicação política terão também de ser
reinventados. A comunicação política não pode ser apenas ocasional, isto é, ao nível
do tempo das eleições; e vertical, isto é, entre governados e eleitos.
Provavelmente, vamos precisar de uma comunicação transversal e de uma
associação permanente dos cidadãos às instituições. A participação tem, também
ela, de se reinventar. Os alunos sabem que mundo novo que vivemos fez emergir
novos actores que terão um protagonismo fundamental e que têm por si um
problema também, que é a questão da legitimação democrática. As ONG, por
exemplo, são novos actores. Os comités são novos actores. Não têm uma
legitimação democrática directa; não quer dizer que não são referidos, há
agentes que podem responsabilizá-los e que por sua vez tem legitimação
democrática como é o caso dos parlamentos e dos governos que dependem da
escolha eleitoral dos parlamentos.
Queria dizer que todo este
problema, deste novo mundo da reinvenção dos papéis, como eu disse no
princípio, que não apenas da alternância dos actores, vai-nos exigir muitas
perguntas. A política, a relação entre cidadãos e instituições é ocasional, ou
é ela uma prática e comunicação contínua? Como é que vamos estabelecer os
canais dessa comunicação? Como é que vamos associar os cidadãos às
instituições? Mais interessante ainda, como é que nós vamos transformar a
cidadania numa espécie de activismo político, fazendo também de cada cidadão,
ele mesmo, um agente de intervenção política?
Há exemplos interessantes em que
de facto a capacidade dos cidadãos de fazerem Estado por si, também já começa a
ser evidenciada: formas de voluntariado, formas de intervenção nas políticas
sociais – como é o caso das Misericórdias –, formas de mecenato, forma de
associação entre Poderes Locais e organizações humanitárias de inclusão e
organizações de Direitos Humanos, mostram que a política salta, não é apenas
feita nas instituições clássicas a que nós nos habituamos a ver o Poder, mas
que a política salta da espontaneidade e da cidadania e temos também a
incumbência de saber enquadrar essa actuação política e, não puramente cívica,
dos próprios cidadão. A cidadania tem assim uma espécie hibridez estatutária,
em que ao mesmo tempo tem estatuto de estar e estatuto de fazer, e em que o
cidadão é ao mesmo tempo leitor e destinatário, mas também ele actor político.
Essa transmutação é também
essencial aos novos mecanismos de legitimidade impostos por este mundo novo em
que vivemos. Eu até costumava dizer – isto é uma tentação, ficaria aqui toda a
noite – que a modernidade que nasceu no Iluminismo no século XVIII, começou a
tornar-se insuficiente para um mundo global e que, de certo modo, a
racionalidade que nos construiu precisa de uma nova racionalidade, que vá
buscar formas antigas de ver a política e que as associe a essas formas do
Iluminismo, mais racionalistas e mais radicalmente racionalistas. Porque
curiosamente a emergência de um mundo global fez, ao mesmo tempo e
paradoxalmente, sobressair a necessidade de sermos todos a fazer política, a
necessidade de afirmar as culturas como formas de equilíbrio
sócio-psicológico-político e, ao mesmo tempo, afirmar o ativismo dos cidadãos
para coserem este enorme tecido – porque é longo, largo, porque está em larga
escala, mas ainda está à procura de definição.
Neste sentido, repetia então,
neste método, passei dos paradigmas ao método, temos um método político de
trabalho em rede, para o qual temos de ter uma disponibilidade de alma, um
sentido de mundo, um sentido de cidade como tinham os gregos antigos, dentro
daquela racionalidade forte que nos faz ter presente que o essencial que todas
as construções que nós fazemos está sempre na pessoa humana e na sua dignidade,
sem perder de vista, que esse é sempre o grande horizonte e que ele é tão forte
que nos pode fazer, eu diria, manipular todos os outros horizontes. Mudar as
instituições, as fronteiras, metê-las ali em ferro quente, tudo em nome da
pessoa e da capacidade de produzir uma justiça global mais conseguida.
Finalmente, para tirar daqui um
sentido mais conclusivo, eu gostaria de vos deixar alguns recados. Não sei se
os alunos pretendem que eu repita a base de que saio para vos deixar algumas
recomendações, talvez fizesse em três linhas. Temos novos paradigmas, uma nova
concepção de poder, um novo encarar das fronteiras. Temos o Homem cada vez mais
no centro das instituições em detrimento da própria estabilidade das
instituições, temos um método de trabalho político em rede, temos o desafio da
integração. Temos um desafio grande que é um grande cadinho de toda esta
explicação do que eu dei, que é dos grandes problemas globais à procura de uma
solução integrada: as alterações climáticas, os fluxos migratórios, a economia
de mercado transfronteiras à procura de regulação, a segurança, as novas
tecnologias e também um maior sentido dos Outros – que nos vem justamente das
novas tecnologias e do modelo de interacções com que hoje todos vivemos e sem o
qual hoje todos já não vivemos.
Depois, sobre o método referi a
emergência de novos actores, o problema do processo da comunicação política e
não apenas da verticalidade, linha vertical desse processo de comunicação, o
problema do método de trabalho político em rede, que não é um problema, é um
método ao qual nós temos de responder e, sobretudo, em ligação com toda esta
transmutação, a própria duplicidade da cidadania e as suas múltiplas
virtualidades: a cidadania enquanto referente da pertença a uma cultura
nacional e a um espaço nacional de origem e a cidadania pró-activa como base do
querer para uma participação cívica de longo alcance. Eu lembro uma expressão
que um dia também deixei clara num artigo que escrevi n’O Expresso: "nós temos
que distinguir aqui duas Pátrias e somá-las; distinguir não para as afastar,
mas para as ligar.”
A nossa Pátria como referente de
origem, de História, de língua, de cultura, de tradição, aquilo que nos define
em termos genéticos, como origem e como produto, mas também a pátria
constitucional que é – já não digo a Europa, como disse Habermas – que será o
mundo à nossa espera, em que nós temos de afirmar os valores humanos, através
de uma intervenção cívica assumir uma cidadania mundial, uma república
universal e através dela agir no mundo e compatibilizá-las porque a pátria
constitucional de que vos falo é a grande pátria, é a Europa – para não irmos
mais longe por enquanto - em que de facto nós revemos nos grandes valores, nos
Direitos Humanos, na Democracia, no princípio de Estado de Direito.
Isso é também uma pátria; a Europa
é uma pátria de valores, portanto nós temos duas pátrias e uma exige a outra. A
pátria de valores exige que não se negue a identidade, mas a pátria da
identidade só é verdadeiramente humana se abraçar a pátria dos valores, e
portanto temos de juntar as duas coisas. Fazer a transnacionalidade sem
renunciar à nacionalidade, mas sentir nos cidadãos do mundo é o primeiro
imperativo da política nos dias de hoje.
Então, quais são os desafios que
aqui queria deixar aos alunos da Universidade de Verão para terminar a minha
intervenção? É urgente intensificar a integração política. Eu deixei isto com
uma perspectiva, como sempre, mais cuidada e menos radical à Comunicação
Social. Caros alunos da Universidade de Verão, a cupidez dos mercados
financeiros, o problema da economia transfronteiras, o nosso apertar de cinto,
tudo isso tem de ser encarado com realismo, mas enquanto não se der um salto
brutal na integração política nós não chegamos verdadeiramente à solução. Eu
estou aqui a deixar-vos uma convicção pessoal, mais do que uma mensagem
intelectual que pode ter falhas, a minha convicção pessoal é que enquanto não
tivermos uma Europa fiscal, uma Europa de segurança social, uma Europa com
política externa comum, uma Europa com uma política que também tenha um sistema
de Direito Penal comum, nós não chegamos lá.
Apertaremos o cinto, obedeceremos
a critérios que um princípio de realidade nos obriga a obedecer, de olhar a
nossa economia de país, eu digo, economicamente periférico na União Europeia,
com mais austeridade, de gerirmos de certo modo heranças difíceis, mas seja
como for, meus caros alunos, enquanto não formos todos por um nós não
chegaremos lá. E cabe-vos a vós, porque de vós a mim já há uma diferença
geracional bem clara, mais do que a mim, bater às portas da Europa e dizer que
ela não pode ser só esta Europa e que a Europa vai cair às mãos de outras
ideias se ela não assume como Europa; tem de intensificar a sua integração e é
isso que irá responder aos nossos problemas, incluindo os problemas
financeiros.
E, portanto, embora o deputado
Carlos Coelho, que me conhece, sabe que eu tenho o bicho do Federalismo, eu
defendo uma federalização da Europa como cidadã, não estou a defendê-la como
Presidente da Assembleia da República, ou a representar ninguém senão a mim. O
que eu quero dizer aos alunos é o seguinte: hoje ser Social-Democrata é também
estarmos preparados para esperar o inesperado.
Vejam, as revoluções árabes eram
na minha geração quase impensáveis. Nós dizíamos há pouco tempo, quando
debatíamos os problemas do Médio-Oriente e problemas próximos, dizíamos sempre
há uma zona democrática que é Israel e há outra que não é; parecia-nos a nós
que o mundo ficava por ali. E de repente já não é possível dizer "há uma zona
democrática e outra não-democrática”. Estão aí as revoluções árabes a
mostrar-nos que o impossível acontece e que o impossível acontece de um dia
para o outro.
Ainda ontem numa conferência de
líderes no parlamento em Lisboa, eu dizia quando estávamos a formar os grupos
parlamentares de amizade, "dêem uma dinâmica aos grupos parlamentares de
amizade porque qualquer dia temos o papel histórico e político do parlamento
português também ir ajudar a formar e a crescer as democracias árabes. Isto é
um exemplo, como a própria recessão "americana”, também não estávamos
preparados, como o crescimento da economia africana, como a emergência do
Brasil, da Índia e da China como potências económicas de grande alcance e com
transmutações extraordinárias, hoje é quase mais fácil fazer pressão política
internacional na Organização Mundial do Comércio do que na ONU.
Porque os lugares estratégicos de
influência também mudaram, porque está tudo a mudar e o que eu quero dizer aos
alunos da Universidade de Verão é o seguinte: é preciso ser cidadão do mundo
para ser um cidadão de corpo inteiro no nosso bairro; é preciso lutar por uma
integração europeia que é essa a solução dos nossos problemas e é preciso estar
à espera do inesperado.
[APLAUSOS]
É preciso construir uma democracia cosmopolita, uma democracia de largo
alcance. Eu, que sou constitucionalista de formação, digo-vos que uma
verdadeira Constituição só o é quando ultrapassar as fronteiras. E deixo-vos
com estas mensagens.
Duarte Marques
Senhora Presidente, muito obrigado
pela sua intervenção. Vamos dar a palavra aos Grupos e o primeiro será o
Amarelo, com a Patrícia Brighenti.
Não podia deixar, muito
respeitosamente também, de dizer que além de ser a primeira mulher Presidente
da Assembleia da República, não tenho nenhumas dúvidas que será a Presidente da
Assembleia da República ou de Parlamentos por esses países fora, a mais bonita
de todas.
[APLAUSOS]
Assunção Esteves
Eu já lhe respondo. É que o Duarte
Marques sabe que para mim esse é o elogio mais importante de todos.
[RISOS E APLAUSOS]
Patrícia Brighenti
Muito boa tarde, quero saudar, em
primeiro lugar, em nome do Grupo Amarelo a mesa, em especial a Dr.ª Assunção
Esteves e também "parabenizá-la” pessoalmente por ser a segunda figura de
Estado e ser uma mulher. Fiquei muito contente quando através da Comunicação
Social tive esta informação e é com muito gosto que lhe dou os parabéns.
Também é com muito gosto que eu
tenho vindo a ouvir uma palavra: pessoas. É para isso que serve a política,
unicamente para servir pessoas; é isso que eu acredito, sinceramente, que é a
Social-Democracia no século XXI, é uma transformação para deixar aqueles
exaustivos modelos económicos e políticos para trás e haver uma transformação
na nossa comunidade local, para depois então assistirmos globalmente como referiu.
Em nome do meu Grupo, quero fazer,
no entanto, uma outra questão: nós aqui durante a Universidade de Verão fizemos
um trabalho e desenvolvemos este tema, sobre sistemas eleitorais. No seu ver,
neste caso, também como cidadã e como Presidente da Assembleia da República
pode escolher qual é a resposta que quer dar nestes dois âmbitos. Defende que
realmente se deve mudar o sistema eleitoral e que isto é mais um instrumento
para nos aproximar das pessoas e haver também uma reforma da atitude de
cidadania? É isto, obrigada.
Assunção Esteves
Muito obrigada pelos cumprimentos.
Eu não tive tempo para as emoções, tive tempo só para expor, embora eu misturo
sempre as emoções com as coisas que eu digo, que é uma coisa que me desgasta
mais que me satisfaz. É muito difícil exprimir o prazer que tenho em estar aqui
e eu disse há pouco ao deputado Carlos Coelho, o prazer que senti nas senhoras.
Eu nunca tive um discurso feminista, mas estou a ficar um bocadinho, porque às
vezes as pessoas abordam-me na rua, as mulheres, e eu também dediquei a minha
eleição às mulheres e portanto elas também me estão a "dever” alguma coisa. Mas
sinto que há um carinho grande que é aquilo que me sustenta e me entusiasma e
aquele sorriso das mulheres quando aqui entrei também ficou um pouco
inesquecível e agradeço-lhe muito.
Eu disse ao deputado Carlos
Coelho, quando cheguei, "estou a ver o sorriso das mulheres” e o deputado disse
logo "e dos homens!”, portanto estão bem defendidos aqui na mesa. Eu senti que
era colectivo, o carinho.
[APLAUSOS]
Sobre sistemas eleitorais, eu
tenho também uma preferência e portanto posso manifestá-la.
Os partidos dão-nos a oportunidade
de, nós se tivermos um sentido (vou usar um termo que parece um pouco
pretensioso) de sacerdócio, conseguir muito melhor, porque a política dá poder
ao nosso voluntariado. Eu costumava dizer quando andava a fazer a campanha com
alguns militantes, a campanha eleitoral para as legislativas: a política é uma
espécie de voluntariado dotado de poder. Portanto, estar nos partidos é
importante e uma coisa que quero valorizar nesta legislatura, isto vem a
propósito da pergunta, é o papel dos deputados e dos partidos que foram muitas
vezes por cedências, por questões de demagogia e às vezes, por culpa também dos
próprios partidos e por causa das pessoas que o integram, foram cedendo à
demagogia muitas vezes, cedendo por fraqueza, por tentação, por imposição do
espaço de comunicação, por má qualidade também às vezes de mediação
jornalística. Nós às vezes temos de nos impor ao próprio sistema de
comunicação, os partidos são muito importantes no sistema político. Nós não
somos perfeitos e os partidos, que são feitos de pessoas, também não podem o
ser, mas são espaços de uma moralidade activa se nós quisermos praticá-la.
Isto vem agora a propósito da
relação que percorri no meu caminho na política e no PSD que foi o partido que
me deu espaço de intervenção e é bom que sintam isso: estar num partido é uma
arma, é ter uma arma para intervir, é ter um meio de afirmação perante os
outros, é ter apoio para essa informação e é ser capaz de influenciar o próprio
espaço partidário em que estamos para o melhorar.
Toda essa dialéctica é muito
importante.
É interessante, estar aqui é estar
com nos jovens quadros partidários, isso é o mais importante, o sangue do
partido, fazê-lo fluir para estes desafios – um partido é um espaço de
moralidade activa se nós quisermos.
Em relação ao sistema eleitoral,
eu e o próprio Presidente do PSD, o Dr. Pedro Passos Coelho, também sabe isso,
falámos ambos em conjunto muito (estamos aqui à vontade) ainda o Dr. Pedro
Passos Coelho não era líder do partido, já eu lhe dizia que a primeira bandeira
havia de ser a reforma do sistema eleitoral pelo voto preferencial. Portanto,
eu sou insuspeita sobre isso, porque já ando com esta teoria há muito tempo e é
um desafio para o qual quero chamar a atenção do Parlamento.
Quero levar lá as estruturas de
pensamento que nos ajudem a decidir sobre isso, não é só reflectir, pois o
Parlamento é um espaço de acção. O voto proporcional com um sistema
preferencial é o que eu acho melhor porque a escolha eleitoral é sempre uma
escolha ao mesmo tempo racional e emocional, e os partidos – estava eu a dizer
que são um espaço de moralidade activa na medida em que intervêm no mundo
exercem a ética da intervenção e da participação – têm outro efeito reflexo,
que não depende da sua vontade política mas depende da organização geral do
sistema, que é o efeito de racionalizar o próprio sistema.
Porque se houvesse escolhas
não-organizadas de pessoas em eleições gerais, isso podia ser até do ponto de
vista de uma racionalidade do sistema, um pouco catastrófico. O que eu quero
dizer é que os partidos com uma organização ajudam o próprio processo de
escolha democrático; ajudam a identificar as ideias, os programas e os
protagonistas e uma sociedade democrática não resistiria a espontaneidade. O
que é que eu quero dizer com isto? Penso que a escolha pelos partidos ainda é –
eu aí, talvez é curioso, a escolha dos partidos dos candidatos ao Parlamento é
do meu ponto de vista a mais racional, tem problemas, sabemos os problemas que
os partidos têm por dentro, os defeitos que temos, em que às vezes há
dificuldades para ultrapassar, alguns que nem estamos a ver bem e outros que
não queremos ver; nós somos humanos, temos de assumir essas coisas, mas a
escolha essencial deve ser do meu ponto de vista – até na nossa realidade,
olhando para o nosso país – uma escolha feita nos partidos no sistema
proporcional.
Eu nunca defendi o sistema
maioritário de escolha uninominal, nunca defendi, eu sou contra isso. Eu acho,
vou aqui dizer, se me sentisse com muita energia era capaz de ir ganhar umas
eleições uninominais, mas eu não acho que seja bom, estão a ver? Acho que se
tivesse de desenvolver energia para isso… mas acho que não é bom.
Sabem quais são as desvantagens
desse sistema? Cria dependências, "lobbyismos” excessivos, tem uma propensão
marginal para uma certa demagogia, para o exercício demagógico do poder, e
desracionaliza o método de escolha e responsabilização politica porque deixa
toda a organização partidária representada no parlamento, racionaliza as
escolhas, fá-las depender menos das pretensões concretas e mais das pretensões
de grupo e tudo isso é muito importante.
O que eu acho que era bom fazer?
Era que o partido, apesar de tudo, não tivesse o monopólio dessa escolha em
termos da representação da escolha e na lista os eleitores dissessem a ordem de
entrada que querem dos candidatos.
Isso fará com que os partidos
tenham uma lógica menos cerrada do aparelhismo. Imaginem uma pessoa que é muito
qualificada em termos financeiros mas não andou a militar no partido ou não tem
as simpatias da Comissão Política. Por que razão não há-de ir para as listas se
as pessoas acham que vai ajudar a resolver os problemas? Se calhar vinha no
lugar de suplente e não vai ser eleita, mas depois o eleitorado diz "este até
tem feito bons comentários sobre isto, até parece saber disto, vou pô-lo lá em
cima” – isto é importante na política – "é uma pessoa cuja alma me diz alguma
coisa” – por isso, acho que devíamos fazer esse tempero do sistema proporcional
com o voto preferencial. É o melhor sistema até agora e se quiser que eu
extrapole para isto, eu até acho que com o tempo se podiam criar listas
europeias de eleição.
Duarte Marques
Senhora Presidente, muito
obrigado. Dou agora a palavra à Cristiana Santos do Grupo Bege. Depois, será o
Hugo Carneiro do Grupo Roxo.
Cristiana Santos
Boa tarde, queria primeiro
agradecer em nome do Grupo Bege a presença da Dr.ª Assunção Esteves, é um
prazer estar aqui consigo e usufruir da excelente aula que nos acabou de dar.
Como todos os presentes sabem, a
Social-Democracia iniciou-se no séc. XIX com Bernstein – antigo seguidor de
Karl Marx, ou seja, de tendência esquerdista. Reconhecendo o erro do marxismo
na análise das sociedades capitalistas e do seu projecto de transformação das
mesmas e discordando da inevitabilidade histórica das relações e até da sua
ocorrência, Bernstein afastou-se do marxismo.
Abandonava-se então a ideia de
revolução social e da extinção do capitalismo, interessou-se por ele e passou a
dar-se com a Social-Democracia uma roupagem social diferente e promotora de
progresso com base em reformas sociais e distribuição mais justa das riquezas e
geradora de bem-estar.
Assim sendo, o grupo Bege, queria
saber a sua opinião do porquê da ideia de que a Direita, hoje em dia, apenas
tem preocupações económicas descurando as sociais. Como é que deixamos alastrar
esta ideia imprecisa e errada, como todos nós sabemos, com que os esquerdistas
mais radicais rotulam os sociais-democratas? Obrigada.
Assunção Esteves
Eu era capaz, de certo modo, de
desconstruir (agora usa-se muito este termo) aí dois pequenos pressupostos:
primeiro, porque não há uma identificação do PSD com a Direita, pelo menos não
há uma auto-identificação - pode haver uma identificação estratégia pelos
outros. A outra é o monopólio das preocupações sociais situado à Esquerda ou à
Direita, isso hoje começa a ser muito relativo.
De facto, hoje a diferença entre a
Esquerda/Direita, que nós hoje poderíamos discutir também aqui longamente, já
não assenta tanto nesses referentes: não assenta no referente "mais Justiça
Social, menos Justiça Social”, mas verdadeiramente na maneira como se encara a
distribuição de papéis no Estado e na Sociedade, e também a atitude perante
vários ingredientes da vida em comunidade: o Estado, o papel do Poder, dos
cidadãos, das organizações não-acopladas ao Estado. É sobretudo na abordagem
dos papéis que se distingue, hoje, uma atitude mais à esquerda ou mais à
Direita.
Portanto, o próprio facto de o mundo ter evoluído para regras comuns de
largo alcance em termos de definição política, como é o caso da União Europeia,
etc., de facto as regras do jogo foram sendo aceites e foram diluindo essa
questão da Esquerda/Direita; é mais na interpretação dos papéis que está a
diferença. Fez-me uma pergunta directa que eu talvez tenha perdido, que foi de
saber como é que nós ultrapassamos essa espécie de catalogação, "de menos
sociais”, era essa a pergunta?
Cristiana Santos
Sim, o que eu disse era como é que nós deixámos que
as pessoas, os mais esquerdistas, os radicais, digam que o PSD, ou as pessoas
mais à Direita, só se preocupam com as questões económicas. Se calhar é um
certo jogo de demagogia para conseguir votos, porque dizem que não nos
preocupamos com as pessoas, com as questões sociais, e que de facto está
errado.
Assunção Esteves
O deputado Duarte Marques acaba de
ajudar à pergunta. Se nós perdemos bandeiras sociais, nós recuperamo-las bem
quando reformularmos o papel dos cidadãos que eu referi há bocado; quando
soubermos distribuir papéis importantes da política pela própria cidadania e
confirmar os papéis de entidades de fora do Governo e fora do Estado como
concorrendo para o exercício da política e, por outro lado, não nos podemos
desgarrar das soluções da Economia das que se dão à Sociedade. Essa é a grande
falácia da Esquerda, porque não há soluções para a Sociedade sem soluções para
a Economia e é num quadro de uma Economia ao mesmo tempo eficaz e com
capacidades sociais. Eu não tive tempo, há pouco, de dizer, mas um paradigma
que hoje se põe aos Sociais-Democratas é o do desenvolvimento da
Responsabilidade Social das Empresas, por exemplo. Que até quando fizemos uma
revisão constitucional, propus que isso fosse constitucionalizado e o partido
aceitou no projecto que ficou pelo caminho, mas há-de lá chegar uma certa
ressuscitação.
A questão aqui é que nós temos – há duas coisas que têm de ficar claras
– a Economia que não se distingue do Social e a eficácia Social está ligada à
eficácia da Economia. A eficácia da Economia é que não pode ser vista num plano
desgarrado liberal e não-social, tem de ser uma Economia social integrada e é
através do nosso paradigma de valorizar o papel da sociedade que lá se chega, e
não é com o paradigma da Esquerda. O exemplo que lhe dou único, é o da
Responsabilidade Social das Empresas, mas não só, políticas de Emprego,
políticas fiscais, políticas de leis de trabalho, a maneira como enquadramos de
forma menos traumática e menos preconceituosa a relação entre o despedimento, a
fiscalidade, a responsabilidade das empresas, é todo este quadro mental mais
desenvolto, menos agarrado ao backgroundda legislação da revolução (que já não é do seu tempo), do pós-25 de Abril, é o
nosso despreconceito em relação a ela que há-de construir uma Sociedade nova,
que essa sim há-de construir uma sociedade nova, que essa sim valoriza o
social.
Duarte Marques
Hugo Carneiro do Grupo Roxo.
Hugo Carneiro
Antes de mais, muito boa tarde.
Permitam-me que antes de colocar a questão faça aqui um pequeno apontamento:
não tenho por hábito, não faz parte da minha maneira de ser, dar elogios a quem
quer que seja, porque acho que quando damos elogios a toda e qualquer pessoa
desvalorizamos esses mesmos elogios e contrariamos o sentido de justiça que
devemos ter para com as pessoas que, de facto, merecem a atribuição desse
elogio.
O que vou aqui fazer agora não fiz
em mais nenhuma intervenção anterior e, portanto, elogio a nossa convidada
porque de facto identifico-me com a sua forma de estar.
Não desmerecendo os oradores que
também por aqui passaram esta semana, foi esta a intervenção que até agora mais
desafiou o intelecto de cada um de nós. Talvez a sua formação no âmbito do
Direito e também pelo que vi no seu currículo no âmbito filosófico, assim
conduzisse a essa situação, portanto a esta minha conclusão.
Com isto quero dizer-lhe que lhe
dou os meus parabéns pela sua intervenção.
[APLAUSOS]
Não são só as senhoras que a
reconhecem e fica aqui a prova disso mesmo.
Na sua intervenção, falou de
várias coisas: dos problemas que se colocam hoje ao mundo; da desconstrução do
sentido da Soberania – é interessante, qualquer aluno de Direito de 1º ano fala
do subjectivismo internacional das organizações internacionais, das empresas
multinacionais que actuam como playersinternacionais ao lado por exemplo das organizações que têm uma legitimidade
indirecta, fruto dos governantes que são eleitos em cada um dos seus países,
como a ONU, entre outras.
Falou hoje também da necessidade
de construir um Estado que seja muito mais cooperante com todos os outros e nós
mesmos, porque temos de saber mais línguas e mais do mundo do que propriamente
do nosso território. Somos impelidos para sair, em termos de construção mental,
para lá das nossas próprias fronteiras internas e eu e o Grupo Roxo
subscrevemos por inteiro o que disse.
Mas disse algo, ainda mais
interessante, que eu gostava de focalizar aqui para a pergunta que lhe quero fazer:
disse que tínhamos de ir mais atrás no tempo; ou seja, que o Iluminismo
aconteceu, mas nós tínhamos de ir aos étimos daquilo que é o nosso pensamento,
daquilo que é o pensamento filosófico da Grécia Antiga. Aqui, não podia deixar
de falar também dos étimos que se relacionam com a doutrina social da Igreja e
do espírito de Solidariedade que deve existir entre os países.
Parece-me que a Europa atravessa
um momento de grande crise em termos de Solidariedade e aquilo que pergunto é:
se o Federalismo é a solução, por que não avançamos já e se não podem ser os
países que estão precisamente em crise na Europa (Portugal, Espanha, Grécia) a
propor um Estado Federal? E se os países do Norte não alinharem, que tal serem
eles próprio a propor um Estado Federal entre si porque têm uma tradição
latina, uma tradição que os aproxima em termos culturais?
Por outro lado, como aproximar
aqueles que são, nas palavras do professor Gomes Canotilho, os "cidadãos
difíceis”, pois não podemos assumir um papel de paternalismo relativamente
àqueles que não querem participar ou não participam de todo, não podemos
assumir esse papel, eles próprios têm de dar o primeiro passo e como reagir
também em relação a esses cidadãos.
Obrigado.
Assunção Esteves
Muito obrigada, pelas palavras que
me dirigiu e que me tocaram muito. Eu acho que no auditório já sabem mais do
que eu, nestas coisas mesmo, a sério, porque há uma construção em todas as
perguntas e para construir uma pergunta é preciso saber. É por isso que acho
que sabem muito.
A resposta para mim é imediata.
Devia começar-se já e deviam ser exactamente os países da periferia que estão
em sofrimento a fazê-lo. Nós temos meios de o fazer, provavelmente ainda não
foram suficientemente explorados. Temos desde logo as nossas integrações
partidárias em termos do espaço europeu. Os grandes grupos europeus, não apenas
aquela família em que nós nos integramos, mas outras que estão à altura de
compreender o projeto europeu e de se empenhar no esforço, aqui já não é apenas
de construção, é no esforço de uma afirmação de uma Europa e de uma profilaxia
contra uma decadência possível, contra uma falência possível.
Eu acho que não apenas as nossas
famílias partidárias, há outras, nós conhecemos – o deputado Carlos Coelho
vai-se rir, porque eu tinha uma simpatia pessoal por um grupo ao qual já
pertencemos e do qual já nos distanciámos - o Grupo Liberal Europeu. Posso
dizer aqui que eu cheguei a defender uma dupla representação – não digo a
negação da nossa filiação, já não seria possível, nem aconselhável – com um
partido popular europeu, onde já temos uma família com quem já nos habituamos a
viver e onde há referentes muito parecidos com os nossos justamente na parte da
integração.
O Partido Popular Europeu teve
atitudes muito sérias de defesa de integração e até foi essa a parte em que eu
mais me identifiquei com o PPE, mas os próprios liberais europeus estariam de
acordo porque são muito integraccionistas e é um grupo onde nós – eu sempre
defendi isto e digo aqui entre nós, em família, não pensei fazê-lo para não ser
demasiado incorrecta, mas o desafio do auditório são muitos – não seria mau que
o PSD tivesse, creio eu, um deputado ou dois, nos liberais, nós somos mais essa
mistura, mas isso é uma coisa que também discutirão, por agora temos de arrumar
a casa e não contesto a ordem que será e que se mantém mas vão pensando em que
de facto para nossa própria representação europeia pode ser mais bifronte,
chamemos-lhe assim.
Eu acho que é preciso dar um murro
na mesa, se eu fosse Primeiro-Ministro eu ia lá dar um murro na mesa, não podia
ir lá sozinha, como o Dr. Passos Coelho provavelmente não pode fazer sozinho,
mas é preciso uma conjura e normalmente a conjura dos "fracos” é muito
importante, porque as coisas estão-nos a doer na pele. Eu sinto isso, sinto no
Parlamento quando estamos a tomar medidas, mesmo quando às vezes sinto algumas
manifestações nas galerias, às vezes esqueço-me da lógica da estrita legalidade
e autoridade para olhar as pessoas e deixar que elas no mínimo mostrem o que
sentem perante as dificuldades que todos atravessamos. O que quero dizer é que
era importante começar já. É importante, sobretudo, que nós todos nos contaminássemos
com esta evidência, porque nem sempre se vê a evidência: eu acho que a
integração a nível europeu é o "ovo de Colombo” que ninguém está a ver.
Pronto e isso é isso para já.
Duarte Marques
Muito obrigado. Bernardo Gonçalves
do Grupo Encarnado e de seguida será a Laura Horta do Grupo Verde.
Bernardo Branco Gonçalves
Boa tarde, Dr.ª Assunção Esteves,
antes de mais agradecer a sua presença aqui connosco. A questão que eu venho
aqui colocar é um pouco diferente desta última que lhe foi colocada, não tem um
carácter tão abrangente e é uma questão mais virada para dentro do nosso
partido e, em consequência, mais virada para a Democracia. Nós, ao longo destas
apresentações com que temos sido presenteados aqui na Universidade de Verão 2011,
temos sido confrontados várias vezes com referências ao fundador Sá Carneiro.
As palavras deste grande homem são sempre apontadas numa evocação a uma
grandeza de espírito notável e uma visão de futuro.
A pergunta que eu lhe queria
colocar é: até que ponto esta referência se vai manter ao longo do século XXI,
de quanto em quanto tempo precisaremos nós Sociais-Democratas de recordar as
palavras de Sá Carneiro para nos mantermos na linha dentro da Social-Democracia
que nos tem orientado até agora? Os jovens ao longo do século XXI vão continuar
a seguir o exemplo de Sá Carneiro? Obrigado.
Assunção Esteves
Muito obrigada. Independentemente
daquilo que se chama o catálogo das ideias, as ideias e a irmanação de grupos
nelas, continuarão a ser o motor do mundo. É curioso que ontem, como eu vinha
para aqui, estive a ler, por uma questão de ordenação mental, uma intervenção
de Sá Carneiro de 1975 e senti (eu que o conheci pessoalmente e fiz alguns
discursos com ele, ao lado dele, quando era jovem da JSD) e é curioso que
apreendi nele uma profundidade de pensamento, que eu vou ser sincera, eu
própria não tinha tomado tão profundamente conhecimento dela, pois em todas as
referências que faz ele já é muito actual em relação aos dias de hoje e de 75
até hoje já passou muito tempo.
Ele até fala (eu tomei nota disso) na capacidade de interagir, é
curioso. Além de falar daqueles valores que se tinham de se afirmar por
contraposição aos totalitarismos, que é também no tempo em que havia fronteiras
ideológicas que muitos de vós já não conheceram, há uma referência de quando Sá
Carneiro fala num congresso em 75 e fala do programa do partido, creio que até
foi em Março, se me recordo, e uma coisa que ele diz, para além daquilo que nos
marca, para além da dignidade da pessoa, a pessoa – o centro da liberdade de
expressão, da organização pluripartidária do sistema político, de uma
constituição verdadeira em sentido formal e material, de um Estado de Direito
que se afirma em todas as linhas de expressão do Poder e ele fala na capacidade
de interagir com o mundo e é curioso que é este estar e interagir (o resto é
adquirido) que nós temos de recolher das palavras de Sá Carneiro. Portanto, a
ideia de ideologia como congregação de modos de olhar o mundo mais próximos
entre si, com entidades reciprocas, existirá sempre e nós vamos fazer valer
sempre essa ideia de Social-Democracia com os aspectos que eu chamaria de
eternos, porque universais, dos grandes princípios, a que nós temos que somar,
sobretudo, a que nós temos de fazer alinhar por uma perspectiva, uma
prospectiva, por um olhar absolutamente para a frente.
Duarte Marques
Muito obrigado, senhora
Presidente. Laura Horta do Grupo Verde e depois será a Leandra Cordeiro, Grupo
Cinzento.
Laura Horta
Boa tarde, Dr.ª Assunção Esteves,
tenho mais uma vez que referir o cumprimento especial e é com muito orgulho e
muita honra que o Grupo Verde quer cumprimentá-la; é muito gratificante tê-la
aqui.
A pergunta do nosso Grupo
prende-se com um facto que nos preocupa e apesar de nos ter dado algumas pistas
da resposta, queríamos voltar a salientar algo que nos preocupa bastante.
Em Portugal, o Poder alterna
constantemente entre o PSD e o PS. Afinal, em termos ideológicos, onde começa e
acaba um partido? Qual o ponto de separação destes dois partidos? Porque há
hoje quem defenda que já não há uma linha definida entre ideologias políticas?
Assunção Esteves
Muito obrigada. Quando eu respondi
à sua colega que está mesmo atrás de si, criei as bases para agora concretizar
a resposta que lhe dou: hoje a distinção faz-se muito também pelas atitudes
concretas, mas isso não define na base a diferença ideológica – é na maneira de
encarar os papéis políticos. Isso vê-se em cada dia em todas as decisões. Às
vezes eu procuro uma espécie de cadinho ou de, eu diria, contra-prova de como é
que se identificam as ideologias e eu devo dizer que em cada dia, em cada
decisão, sobre cada tema, eu quase apostaria que é possível em quase 90% dos
casos, sem ter o carimbo dos partidos, identificar que partidos é que estão a
pedir o quê. E porquê? É a abordagem dos papéis e também de algumas temáticas.
Uma coisa que eu aqui queria deixar referida, que é mais uma consideração do
puramente intelectivo do que propriamente puramente politico-partidário, é que
uma das coisas que também tem de ser analisada nos partidos é aquilo que se
chama a perspectiva sistémica. Os partidos também são entidades que tendem a
criar resilience e expedientes de
sobrevivência e muitos temas defendidos pelos partidos já não têm directamente
a ver com a sua ideologia, mas são temas de sobrevivência e afirmação perante
os nichos de mercado político. É uma espécie de adaptação sistémica ao
ambiente, estão a ver, numa lógica sistémica tem que haver adaptação para sobrevivermos.
A análise sistémica diz isto: o sistema tem de responder ao ambiente.
Isto é uma análise engraçada, até
do ponto de vista da Sociologia e há-de haver aqui alunos de Sociologia. Os
partidos muitas vezes têm de criar as suas bandeiras que já não se radicam
necessariamente no modo de pensar mas no modo de sobreviver. Por isso queria
chamar a atenção dos alunos para, eu diria, duas perspectivas dos partidos:
aquela que tem a ver com a sua ideologia, que é provavelmente a mais séria e
mais autêntica, e a outra que é mais funcional, adaptativa e sistémica que é a
necessidade de responder por resposta ao ambiente e não pelo impulso
ideológico. Eu posso dar um exemplo: partidos ecológicos que não têm nichos de
mercado e que procuraram através dos temas ecológicos criar um mercado
eleitoral. Isto para ver que a análise da atitude partidária não pode ser vista
só no puro prisma ideológico, também tem de ser vista pelo prisma sistémico e
numa lógica de complexidade maior que Esquerda/Direita, Estado/Sociedade,
Económico/Social, papel preponderante nisto ou naquilo.
É uma espécie de abordagem compósita que nós devemos desejar e que
devemos fazer que se centre na ideologia, pois a ideia é a base da acção, da
escolha, legitimadora da compreensão da acção e é o ponto fulcral da referência
dos partidos, mas não é o único. Nós quando abordarmos os partidos e quando
fizermos uma análise – vou agora pôr isto na lógica da dialéctica entre
interlocutores –, nestes debates é importante ter em conta que os ingredientes não
é só a ideologia; é importante ter em conta outros ingredientes na avaliação
partidária e, eu diria, no produto que sai de cada partido.
Duarte Marques
Muito obrigado. Leandra Cordeiro,
Grupo Cinzento, tem agora a palavra e a seguir será o Hugo Frade do Grupo
Castanho.
Leandra Cordeiro
Boa tarde, o meu cumprimento
especial à Dr.ª Assunção Esteves, pelo privilégio tê-la aqui, subscrevendo as
palavras de há pouco do meu colega Hugo. Ontem ouvimos aqui neste fórum o
Rodrigo Moita de Deus dizer que ser livre é comprometimento com causas, com a
defesa das nossas convicções, dos nossos valores, é parcialidade, é assumir sem
medos aquilo que defendemos.
A debater aqui hoje a Social-Democracia, não podíamos, o Grupo Cinzento,
deixar de perguntar se não considera que de acordo com estes pressupostos a
melhor forma de comprometimento é de facto, e na defesa das convicções, a
filiação partidária, ou seja, o preconceito sentido em relação à filiação não
pode ser de alguma forma a anulação de uma honestidade intelectual ideológica?
Até que ponto a independência não é muitas vezes usada como um escudo para
elementos, se calhar menos favoráveis, garantir determinada posição? Obrigada.
Assunção Esteves
Muito obrigada pela pergunta. Eu
creio que ao longo deste debate que estamos a ter que eu já deixei, mais ou
menos entrever o que é que eu penso da pertença a um partido. Quando eu digo
que os partidos podem ser centros de uma ética ou moralidade activa para
intervir no mundo e que a anatomização dos partidos é uma coisa em relação à
qual devemos contribuir para que tenha fim; que não haja anatomização dos
partidos, pelo contrário, cabe-nos a nós valorizar o papel deles e se quer que
lhe diga, em termos de participação, para mim, a forma privilegiada de
participar activamente é estar num partido; continuo a achar isso.
Acho que valorizo muito o papel
livre, não-situado dos cidadãos que se entregam em casos de generosidade
espantosos, tudo bem, mas acho que a pertença a um partido é um caminho certo
para intervir politicamente e que é de certa maneira mais forte moralmente
quase que a não-pertença. Eu pertenço a um partido, seria um bocado estranho
pensar o contrário, sempre pertenci, desde muito, portanto, talvez esteja a ver
as coisas demasiado situado, mas eu tenho, aliás, lutado muito para que não haja
anatomização dos partidos e às sinto-me um pouco só, um pouco desconcertante, a
explicar às pessoas. "Mas está a dizer dos partidos, o quê? Mas são nichos,
espaços privilegiados, com pessoas com menos qualidade, moralmente menos
interessantes; o que é que está a querer dizer com isso?” Porque os partidos
são espaços de intervenção e a intervenção é moral; a indiferença é que não é
moral; a intervenção é moral por natureza.
Duarte Marques
De
seguida será o João Santos, do Grupo Azul e agora o Hugo Frade.
Hugo Frade
Boa tarde, senhora Presidente da
Assembleia da República, em nome do Grupo Castanho, agradecemos a sua presença
aqui na Universidade de Verão.
No contexto mundial enfrentamos um
processo de globalização cada vez mais complexo. A nível europeu, a crise veio
acentuar as divergências entre os países e potenciar tomadas de decisão
pragmáticas por vezes divergentes dos ideais políticos subjacentes ao partido
político decisor. Senhora Presidente, de que forma podemos compatibilizar a
necessidade de reflexão política ideológica com o pragmatismo da tomada de
decisão imediata? Será uma necessidade reinventar a Social-Democracia do século
XXI.
Assunção Esteves
A pergunta que faz é exactamente o
que eu trouxe com a exposição que fiz aqui. A Social-Democracia do século XXI é
sermos capazes de olhar para a frente. É não nos apegarmos aos modelos que
herdámos e adaptarmo-nos ao imprevisto; sermos sujeitos de princípios
essenciais. Há um lado eterno das coisas que somos nós, a nossa dignidade, a
nossa natureza comum; o resto pode mudar tudo e quando mudar, só é legítimo que
mude se for em nome disso. Portanto, passa por isso tudo: pela abertura a novos
paradigmas, pela capacidade de praticar esses novos métodos que se ligam à
consecução desses novos paradigmas e a nossa vontade moral de intervir com o
sentido do Outro – essa é a reinvenção da Social-Democracia.
Duarte Marques
Obrigado.
João Santos e a seguir a Joana Duarte.
João Santos
Boa tarde, gostaria de saudar a mesa,
em especial a Dr.ª Assunção Esteves e desejar-lhe felicidades no novo cargo que
agora ocupa.
Nos tempos actuais, é necessário
reformar o estado sobre vários pontos; nessa situação como pensa que deverá ser
gizada uma certa harmonia entre o Estado e o Mercado? Que tipo de regulação
deverá ser feita e, acima de tudo, como deve ser organizada a nível nacional,
europeu e até mundial?
Assunção Esteves
Muito obrigada, essa pergunta é mais difícil,
exigia-me alguns conhecimentos que eu não tenho, mas posso responder sobre o
ponto de partida que foi esse que discutimos aqui. Tem que haver uma política
global concertada sobre a Economia e os fora– para dizer o plural em latim de fórum– como a Organização Mundial do Comércio. Têm de começar a ser explorados com
maior coerência por Uniões como a União Europeia. A União Europeia não tem
exercido pressão suficiente em certos fenómenos – vou dar um exemplo – como a
deslocalização. Nós falamos dela como um mal incontornável e é preciso
perguntar – eu já o fiz um dia num discurso no Parlamento Europeu – se a
política de Direitos Humanos dos países para os quais as nossas empresas se
deslocalizam está ou não está a ser passada acriticamente debaixo dos nossos
olhos. Nós conformamo-nos com a deslocalização das empresas para esses países,
aceitamos a violação dos Direitos Humanos, que não têm só a ver com as prisões,
pena de morte, intolerância política, mas as próprias políticas salariais de
esclavagismo e não temos uma política coerente de nos fora adequados impormos a relação entre a venda dos nossos
produtos, a exportação do nosso know-howe outras coisas, passando pelos critérios desse crivo. Portanto, a necessidade
de uma política global começa logo pela necessidade de protagonizar a
incoerência nos lugares certos, medidas que tornem o mundo mais equilibrado
porque os Direitos Humanos e a regulação da Economia só de podem conseguir a
montante, na produção da Política e se a Economia é global a Política tem que o
ser. Têm de se desfazer os velhos egoísmos, tem de haver cedências recíprocas
e, provavelmente, uma coisa que os alunos já ouviram com recorrência, é que a
crise está-nos a lançar num estado evolutivo, pois só através de uma crise dilacerante
– como nós temos que reconhecer que a União Europeia atravessa – é que
aprendemos que temos que nos entender e que a tal Europa "Vestefaliana”, de
cada um por si, tem de acabar. Provavelmente, a crise abre-nos a isso, mas para
lhe dizer que a solução é essa: tem de haver mais integração para haver uma voz
mais unitária, maior coerência e só assim é que há mais pressão sobre as
organizações que de facto mudam as coisas no mundo, senão continua a comprar
produtos chineses, continua a subscrever e a apoiar indirectamente o trabalho
escravo, a deslocalização das empresas e a assimetria do mundo. Isto não pode
ser assim; isto é assim porque ainda não nos entendemos; é assim porque a
política falhou face à Economia.
Duarte Marques
Obrigado, senhora Presidente.
Susana Duarte do Grupo Rosa, depois será o Afonso Leitão do Grupo Laranja.
Susana Duarte
Desde já, boa tarde, gostava de
dizer que o Grupo Rosa ficou muito feliz quando soube que a Senhora vinha cá e
o difícil não é fazer uma pergunta, é não fazer dez!
Tendo uma mulher aqui, não vou
resistir, vou ter de fazer uma pergunta mais directa e é: sendo que foi a
primeira mulher a ser juíza no Tribunal Constitucional, a primeira mulher a ser
Presidente da Assembleia da República, gostava de saber qual era a sua opinião
sobre o papel da mulher na política nacional e o que pensa da Lei da Paridade?
Obrigada.
Assunção Esteves
A pergunta é interessante, porque
vem ao encontro de uma espécie de reflexão íntima que eu fiz hoje de manhã e
ontem à tarde no plenário do Parlamento.
Eu no partido nunca defendi as
quotas. As pessoas que me conhecem, a minha evolução de pensamento, a minha
atitude de pensamento, mais do que evolução (também evoluí, mas…), a minha
atitude sobre essa matéria e outras, sabem que eu nunca defendi as quotas. Eu
devo dizer que ontem e hoje, por acaso, deu-se que as intervenções pedidas no
plenário para intervenção, foram feitas muitas por mulheres jovens e algumas
das quais falavam pela primeira vez no plenário. Eu devo dizer que fiquei
surpreendida no bom sentido, porque, bem, ficamos com aquela ideia de que as
quotas arrastam para li pessoas pela força do número e não da razão, pela força
da paridade e não pela razão das coisas...
Mas eu ontem e hoje verifiquei uma
belíssima coincidência: eu nunca defendi as quotas, mas não estou a ver nenhum
efeito perverso das quotas no Parlamento e até diria mesmo, sem nenhuma espécie
de sectarismo de género, que algumas das intervenções - eu tenho ainda uma
experiência curta da Assembleia, dois meses, se tanto –, mais vivas, melhor
construídas até intelectualmente, mais empenhadas, menos gastas pela rotina da
política, nestes dois meses, foram feitas por mulheres, jovens, e algumas a
começar. Se quer que lhe diga, já não sei o que lhe responda sobre a paridade,
que tenho mais dúvidas do que tinha.
[APLAUSOS]
Duarte Marques
Muito
obrigado. Afonso Leitão do Grupo Laranja.
Afonso Leitão
Muito boa tarde, em nome do Grupo
Laranja queríamos felicitá-la pela grande vitória democrática de uma primeira
mulher como segunda figura do Estado e de ser do nosso partido!
É esse o grande reconhecimento que
o Grupo Laranja lhe quer fazer e se a Senhora permite quero fazer uma
pequeníssima nota pessoal.
É que no dia 21 de Junho, uma
terça-feira, em que foi eleita Presidente da Assembleia da República, foi uma
grande felicidade pessoal por ser de Valpaços, no distrito de Vila Real, como é
natural a minha mãe e como tal, como não esqueço as minhas origens e dos meus
familiares foi uma grande vitória e satisfação pessoal.
Em relação à pergunta que lhe
queríamos dirigir, foram focados dois aspectos que nos parecem decisivos: a
palavra reinventar e a questão do Federalismo europeu que hoje doutrinalmente é
causa de muita divergência de natureza jurídica. Como tal, a questão não é
jurídica, é apenas política, é de saber se um dia for adoptado esse modelo e
eliminadas as barreiras políticas em relação a esse modelo, pode ser um factor
que evitará futuras crises económicas, financeiras e políticas e conflitos
entre os Estados-membros?
Muito obrigado e muitas
felicidades para o exercício do seu mandato porque o sucesso da Assembleia da
República e do seu mandato também vai ser o sucesso do País e não apenas o
sucesso do Governo.
[APLAUSOS]
Assunção Esteves
Muito obrigada, é mesmo com essa
perspectiva de país que estamos aqui todos.
Do Federalismo, com certeza que
resulta da exposição que eu aqui fiz e também de alguns pontos e momentos,
deste debate, que essa é a solução. Há um filósofo que diz que nós estamos a
viver – isto é uma expressão curiosa – "uma paz preguiçosa”, porque estamos a
viver em paz e estamos a deixar-nos decair para trás em vez de saltarmos para a
frente. Essa "paz preguiçosa”, a Europa tem de se afastar imediatamente dela;
pois ela faz-nos recuar, faz-nos pôr em causa o que construímos. Há um aspecto
aqui que eu não referi, que é o efeito de contaminação da própria exemplaridade
europeia. O papel da Europa, na mesma lógica e não-egoísmo com que a Europa se
deve integrar, é a mesma que deve servir de exemplo para que outros se
integrem. Isto é, não é cada Estado deixar de ser egoísta para se tornar mais
forte numa Europa unitária, é também que uma Europa seja forte para que crie
outras formas regionais de união de Estados capazes de entendimento,
articulação de uma funcionalidade que eu chamo humanamente orientada e para
dizer exactamente isso, que de facto, relativamente à sua pergunta, não é
admissível do ponto de vista moral a nossa "paz preguiçosa”; não é admissível
ver bolsas de pobreza numa Europa que apostou sempre na dignidade, desde as
Luzes e antes das Luzes; numa Europa que é a pátria da civilização, porque só
se pode entender por civilização aquilo que tem um referente antropológico
essencial. Não é possível a Europa afirmar-se com estes níveis que já se geram,
sobretudo nos países mais periféricos, de sofrimento social e humano que a
incapacidade política se não está a provocar, está pelo menos a consentir. Esta
ideia de nós estarmos, por incapacidade, a consentir, está muito bem denotada
pela ideia de "paz preguiçosa”; temos de abandonar essa "paz preguiçosa”.
Duarte Marques
Muito obrigado, senhora
Presidente. Chegámos agora ao final, ao fim de todas as questões obrigatórias
dos Grupos e temos algumas questões que são a primeira vez que vão colocar e
dava à palavra à Andreia Gonçalves do Grupo Azul e de seguida ao José Pato do
Grupo Amarelo.
Assunção Esteves
Eu parece que estou naqueles
sessões do Macarthismo que tinha de responder ali muitas perguntas seguidas.
Duarte Marques
Ah, isto é terrível, mas digo-lhe
que para os Ministros é bem pior, não são tão simpáticos; isto é pior que uma
comissão de inquérito.
Com a sua autorização, vamos
juntar duas perguntas de cada vez, da Andreia e do José Pato.
Andreia Gonçalves
Boa tarde, Dr.ª Assunção Esteves,
é corajosa, é mulher, é transmontana, eu sou de Bragança.
[APLAUSOS]
Em Portugal é a primeira mulher a
desempenhar o cargo de Presidente da Assembleia da República, ou seja, é uma
referência nacional. Outra referência a nível internacional é Margaret
Thatcher. Considerando que esta última disse "o socialismo só dura até acabar o
dinheiro dos outros”, agradecia que comentasse o facto de muitos países da
Europa estarem agora a virar à Direita. Obrigada.
José Pato
Boa tarde. Senhora Dr.ª, considera
que a Social-Democracia no século XXI deve tentar a unificação normativa
orgânica e funcional, no modelo de federalismo europeu, de forma a atingir a
justiça Global, talvez adoptando uma Constituição-mãe?
No entanto, será possível
conseguir um modelo que abranja todas as realidades culturais identitárias de
cada país, abandonando-se as Constituições nacionais prevalecendo uma Europa
una e integrada, em vez de uma Europa a
la carte, como nos dias de hoje?
Assunção Esteves
Muito obrigada, vou então
responder em conjunto às duas perguntas.
A primeira é: em Democracia nós
nunca sabemos se se vai virar à Direita, ou à Esquerda; vamos vendo qual é o
fluir das coisas e também as características do Governo permitem-nos mais ou
menos identificá-los como famílias partidárias, mas não poria as coisas
exactamente nesses termos. O problema agora já não é quando é que acaba o
dinheiro dos outros, ou quando é que acaba o nosso dinheiro; o problema é como
é que nós racionalmente nos compreendemos melhor uns aos outros e, de facto,
lançamos uma base normativa que não nos permita tanto desatinar em formas
centrífugas do sistema de regulação que a Europa tem de escolher ao nível da
política, ao nível da economia e ao nível do sistema de protecção social.
Portanto, temos é que evitar derivas que assentam exactamente na falta da integração normativa.
A proposta que aqui vos trago, a
pergunta ajuda-me a colocar mais um ponto de afirmação nesta narrativa, é que
de facto temos de ter uma proposta de maior integração normativa. Nós temos que
substituir a negociação pela norma da União Europeia, ou pelo menos substituir
maioritariamente a negociação pela norma.
À segunda pergunta, à qual eu
quero responder (ah, já sei, era sobre o sistema de federalismo e as
identidades), eu remeto para a "distinção amiga” (chamar-lhe-ia assim) entre a
ideia de patriotismo e patriotismo nacional. A UE, enquanto espaço de formação,
não pode nunca prescindir da sua diversidade cultural. Aliás, o que ela tem de
original este modelo é que ele assenta na conjugação de diferenças. É muito
menos original articular aquilo que é homogéneo; é esta articulação de
diferenças que torna o modelo original.
Agora, em relação à ideia de uma
nova Constituição (acho que falou de fazer cair as nossas constituições), há
também um aspecto que eu gostava de deixar claro, outro ovo de Colombo para o
qual as pessoas não olham sempre, é que a ideia de uma Federação Europeia, ou
de uma Constituição Europeia, ou de um Tratado de Lisboa um bocadinho como
parece. Se os alunos desta Universidade pensarem bem; uns por aprendizagem na
Universidade, outros por apreensão mediática, ou por outras formas de
comunicação, sabem perfeitamente que o critério de pertença à União já é um
critério de convergência constitucional. Nós se não tivermos, se não
convergirmos no essencial, do ponto de vista dos grandes valores do
constitucionalismo, não poderíamos estar na União Europeia. Não é sem razão,
que os alunos sabem que há uma espécie de estágio ou de tirocínio dos países
que saem de formas democráticas mais duvidosas para entrar na União Europeia.
Tempos de adaptação que não são apenas tempos de adaptação das formas sociais,
da capacidade económica de entrar num mercado único, são tempos de adaptação
institucional, tempos de adaptação republicana (chamemos-lhe assim, até podem
ser monarquias), à matriz europeia, ao rosário, ao catálogo, ao seu grande
código, que é o de Direitos Humanos e de Democracia.
Portanto, se nós percebermos que
os elementos estruturantes do tratado fundador exigem, por exemplo no artigo 6º
(acho que ainda me lembro de alguns artigos) que é preciso estar na União e
para lhe pertencer, defender o princípio de Direito com princípios e deveres e
uma Lei com todos os cidadãos iguais perante elas; a afirmação de Direitos
Humanos garantida por Tribunais independentes; uma Constituição que não é
apenas formal, mas material, no sentido em que ela tem valores, encarna valores
universais comummente reconhecidos, no sentido de uma liberdade que se na rua e
na relação dos cidadãos com as instituições políticas, não se chega lá.
Portanto, de certo modo (vou usar o termo), não estamos a pedir demais quando
estamos a pedir uma espécie de integração normativa europeia mais intensa, pois
nós já não estamos a partir do ponto zero; nós chegámos à União com uma
convergência constitucional que nos "normalizou” muito mais do que nós
pensamos.
As nossas Constituições no seu
essencial estão ali no Tratado da União Europeia, porque se não estivessem
também nós não estaríamos lá e, portanto, não se está a pedir um progresso de um
grau tão avançado como parece. Nós estamos muito avançados, estamos é
preguiçosos e estamos sem querer ver.
Duarte Marques
Muito obrigado. De seguida,
Carolina Xavier do Grupo Rosa e o André Marques do Grupo Azul, pela primeira
vez também, aqui a estrear-se.
Carolina Cruz Xavier
Boa tarde, Dr.ª Assunção Esteves,
é um prazer estar na sua presença, tenho por si uma grande admiração.
A minha pergunta vai de encontro
ao cargo que actualmente desempenha: como segunda figura do Estado Português,
considera estar preparada para, em caso de emergência nacional, ocupar um papel
de maior destaque.
Assunção Esteves
Muito obrigada pela pergunta.
A pergunta que me faz, eu um dia
pensei nela, mas só por um segundo, porque eu acho que nós temos resistência se
tivermos serenidade e se tivermos serenidade temos resistência, sendo capazes
de tudo.
Há um provérbio chinês que eu
muito admiro e acho que os meus colegas de mesa que já o ouviram noutros
contextos, porque eu refiro-o muitas vezes. Pelo menos, referi-o uma vez,
vou-lhe contar: numa delegação do Parlamento Europeu, melhor dizendo do Partido
Popular Europeu, em Roma; fomos falar com o Romano Prodi e com o Napolletano, o
Presidente.
E o que é que nós fomos fazer a
Roma (isto para lhe contar)?
Fomos lá para lhe pedir – na
altura, estávamos a tentar salvar a Constituição; o PPE, tenho de fazer essa
honra, lutou muito por uma Constituição Europeia; nós fomos num grupo chefiado
pelo deputado Elmar Brok a Roma porque ia haver a comemoração dos 50 anos do
Tratado de Roma e a ideia era (isto é outro aspecto para o qual eu gosto de
chamar a atenção dos alunos) o aproveitamento da ideia simbólica também para
fazer política. Nós não podemos nunca desprezar a simbologia na política e como
ia haver os 50 anos do Tratado de Roma, nós fomos pedir ao Presidente
Napolletano e ao Primeiro-Ministro Romano Prodi que criassem uma celebração
forte, simbólica, em Roma, sobre o Tratado de Roma, a ver se recriava uma
energia para os cidadãos europeus e a suas instituições acordarem para a uma
aceitação de uma Constituição Europeia que (posso usar o termo a brincar) nós
estávamos ali a "tentar vender”. Então, nós éramos os mercadores da
Constituição e estava eu a intervir e o Presidente Napolletano virou-se para
mim e perguntou: "mas a senhora acha que nós sozinhos, italianos, podemos fazer
assim um acontecimento tão forte que consiga impressionar a Europa sobre a
Constituição Europeia?”. E eu disse-lhe "senhor Presidente, há um provérbio
chinês que é dos provérbios que eu mais gosto que diz que um soldado só, pode
ser um exército.”
E eu acho que cada um de nós pode
ser um exército, foi por isso que eu vos indiquei o "Invictus” como filme,
porque há um homem que faz uma revolução e eu quase diria que ele tem os ventos
da História, mas que a faz sozinho. Eu não sou capaz de fazer uma revolução
sozinha se me sinto capaz? Sinto-me com a serenidade capaz e a serenidade é
essencial; sinto-me, lembrando-me de uma recomendação que, muito antes de eu
voltar ao parlamento, me fez um senhor que me vende coisas num mercado de rua
ao fim-de-semana. Disse-me "a senhora vai voltar ao Parlamento?”, eu disse
"vou, vamos lá a ver o que eu vou lá fazer; é a terceira vez que vou para lá” e
ele disse-me "não se esqueça de fazer política com a naturalidade com que aqui
faz as compras” e eu no dia em que fui eleita lembrei-me dele.
Se fizermos com naturalidade e com
humanidade é tudo tão humano, portanto é tudo tão simples.
[APLAUSOS]
André Marques
Boa tarde Dr.ª Assunção Esteves,
antes de mais, quero-lhe de dizer que me identifico muito com a sua maneira de
estar na Política e para mim é uma honra tê-la aqui para poder fazer-lhe esta
pergunta.
Queria perguntar-lhe: quais são as
principais diferenças e as principais semelhanças entre o PSD de hoje e o PSD
quando foi fundado por Sá Carneiro? Obrigado.
Assunção Esteves
A pergunta é muito interessante;
se quer que lhe diga uma coisa, era mais fácil a definição ideológica no tempo
de Sá Carneiro. Até vou dizer outra coisa, sem isso diminuir em nada a
excelência do exercício do nosso fundador Francisco Sá Carneiro, mas também era
mais fácil fazer política naquela altura. Sabíamos a fronteira entre nós e os
outros; o possível e o impossível; o admissível e o inadmissível, o racional e
o não-racional; a liberdade e o totalitarismo.
Hoje, o mundo normalizou-se mais,
os esquemas das diferenças estão mais diluídos, já não temos fronteiras
ideológicas, mas as fronteiras ideológicas são agora as diferentes mundivisões
que se espraiam nos papéis que nós desempenhamos. Um modo de construir um mundo
que na altura estava estancado dentro de fronteiras, dentro de esquemas
previsíveis; hoje tudo mudou, hoje nós – como eu disse aqui na minha
intervenção – lidamos com o imprevisível. Temos uma espécie de sangria
permanente entre os Estados de fluxos migratórios, temos revoluções
inesperadas, temos recessões também inesperadas, temos preocupações inusitadas,
temos alguma vertigem de saber para que lado nos havemos de virar, temos
atitudes morais novas, eu diria para melhor; maior capacidade de os Estados
dialogarem; temos provavelmente uma opinião pública internacional mais
humanizada, porque o próprio espaço público internacional está menos
"bunkerizado”, mas a política é muito mais difícil de fazer, porque nós estamos
ainda a lidar com o terreno movediço da emergência de novos espaços, sem ter
ainda a convergência de vontades e a emergência de novas regras adequadas.
Se me perguntarem, eu acho que
hoje é mais difícil fazer política do que era no tempo de Sá Carneiro, mas que,
apesar de tudo, o essencial do universalismo das suas verdades se mantém e pode
ser também uma seiva para construir a nossa vontade de intervir agora.
Dep.Carlos Coelho
Dr.ª Assunção Esteves, foi um
momento especial nesta Universidade, não apenas por termos connosco a segunda
figura de hierarquia do Estado, também não apenas por ser a única senhora no
conjunto dos oradores nesta Universidade de Verão, mas pela mensagem que nos
transmitiu e pela forma como respondeu às perguntas dos participantes nesta
Universidade.
Portanto, em nome de toda
Universidade de Verão, muito obrigado por ter estado connosco na Universidade
de Verão 2011.