ACTAS  
 
02/09/2011
Ser social-democrata no séc. XXI
 
Dep.Carlos Coelho

Vamos dar início à nossa aula da tarde que se chama "Ser Social-Democrata no séc. XXI”.

Em todas as Universidades de Verão, desde a primeira, em 2003, temos sempre um tema mais ligado à reflexão ideológica e programática. O ano passado foi feita pelo Professor Marcelo Rebelo de Sousa e, este ano, temos o privilégio de contar com a Dr.ª Assunção Esteves que, como sabem é a primeira senhora a exercer a função de Presidente da Assembleia da República, ou seja, é a segunda figura na hierarquia do Estado Português.

[APLAUSOS]

A Dr.ª Assunção Esteves tem uma carreira muito grande, quer sob ponto de vista político, quer sob ponto de vista jurídico: ela foi Juíza do Tribunal Constitucional; deputada à Assembleia da República várias vezes; deputada ao Parlamento Europeu, onde tivemos um percurso na mesma altura, fomos colegas em Bruxelas e em Estrasburgo; e tem diversas obras publicadas, como viram pelo currículo que distribuímos.

A nossa convidada tem como hobby o Cinema e a Literatura, sobretudo o Cinema porque tem uma mensagem completa, com o argumento, a imagem, o som e a liberdade de interpretação que também nos deixa. A comida preferida são cerejas, caça e perceves; o animal preferido é o cão – o animal de estimação mais votado na Universidade de Verão; sugere-nos um livro de José Saramago, "As intermitências da Morte”, porque nos desnuda as peripécias da existência e da política, e a nossa natureza comum entre o riso e o drama, através de uma narrativa deslumbrante. O filme que sugere é o "Invictus”, porque mostra que o carácter de um homem pode ter a força de um exército e o efeito de uma revolução; e a qualidade que mais aprecia é a coragem porque liga a verdade e a força.

Minhas senhoras e meus senhores, connosco, na Universidade de Verão de 2011, a Dr.ª Assunção Esteves


 
Assunção Esteves

Senhor Director da Universidade de Verão e meu caro amigo deputado Carlos Coelho; caro Duarte, meu colega de Parlamento; cara Joana que é também minha colega de Parlamento, militante do PSD e já vi que se senta aqui nesta sala; meus caros alunos da Universidade de Verão e meus amigos.

Queria em primeiro lugar dar os parabéns ao deputado Carlos Coelho por esta iniciativa que todos conhecemos há uns anos e que marca, do meu ponto de vista, um dos aspectos mais importantes da actividade dos partidos, que é da formação cívica para a intervenção.

Um dia no Parlamento, a propósito de um determinado contexto, eu disse que a melhor forma de homenagear o pensamento é transformá-lo em acção, mas também é importante que a acção tenha exactamente um pensamento bem formado, um pensamento crítico. Não é possível construir um mundo melhor, nem os partidos podem ter o seu protagonismo de corpo inteiro, que têm do ponto de vista do seu lugar no sistema político, mas do ponto de vista da Razão, do ponto de vista da sua capacidade de estar nesse sistema e de o influenciar, não o podem fazer sem ter um pensamento crítico de background. É a formação desse pensamento crítico que nós temos aqui nesta Universidade e é essa a sua valia especial; é também com ela que o PSD, enquanto Partido, dá o exemplo no sistema partidário, de um partido vivo e que se renova, justamente através do mais importante que pode ter, que são as estruturas do pensamento. É por isso que quero dar os parabéns ao Carlos Coelho e ao PSD que acolhe, nas suas entranhas, estas iniciativas.

[APLAUSOS]

Eu devo dizer que o desafio de vir aqui é para mim, como cidadã e como ser humano, dos desafios mais interessantes que me podem pôr. Eu sempre gostei de influenciar (passo aqui a prosápia), sempre gostei de intervir, mas sobretudo sempre gostei de desafiar os mais novos e de sentir o efeito reprodutivo que um auditório como este tem sobre aquilo que nós dizemos. É diferente do efeito imediato, prático e contido de muitas coisas que, em cada dia, nós como agentes políticos, decidimos. Há aqui um efeito que permanece no tempo, através da vossa juventude, da vossa aprendizagem e vossa posterior intervenção. Este sentido duma pedagogia que se reproduz na vossa própria natureza, em função da idade, da vontade e dos vossos contextos existenciais, dão especial motivo para falar aqui.

O meu tema traduz-se em "o que é ser Social-Democrata no séc. XXI?”. Eu olhei para este tema e a primeira questão que se me pôs é: como é que nós vamos abordar esta temática? Como é que eu vou dizer aos alunos o que é ser Social-Democrata no século XXI?

Antes disso, é primeiro necessário perguntar o que é ser político no século XXI e depois como temos a Social-Democracia como referente de intervenção – ideologia sentida e escolhida – então nós derivamos facilmente.

O que é ser Social-Democrata no século XXI? Ser Social-Democrata no século XXI é sobretudo uma atitude, uma atitude de intervenção: olhar para nós como Sociais-Democratas é revisitarmos de certo sentido a ideologia do Centro-Esquerda, em que nos definimos, mas revisitá-la olhando para a frente. O desafio que eu hoje trago aqui, mais do que uma aula, é o desafio de nos enquadrarmos ideologicamente olhando para a frente. É por isso que eu venho aqui dizer que ser Social-Democrata no século XXI é, antes de mais, estar preparado para formar novos paradigmas na política, criar novos métodos e criar novas atitudes.

Um escritor francês, ainda deste século, disse um dia que "não há revolução possível se nós alternarmos os actores sem mudarmos os papéis”. O que eu venho dizer a esta Universidade é que, não apenas alternar os actores, mas mudar os papéis, é o que se nos impõe para mudarmos o mundo. É por isso que eu decidi vir aqui falar-vos dos novos paradigmas. O método que eu escolhi para poder ser mais capaz de chegar ao auditório, foi o seguinte: começar por vos indicar vários tópicos que eu considero que são elementos do mundo novo em que nós intervimos e para o qual temos de escolher novos paradigmas e, mais, no qual já se nos deparam novos paradigmas.

Há uns que nós construímos, há outros que o presente já vai construindo. Depois de vos indicar estes tópicos que aqui quero sublinhar, queria dar a Europa como um exemplo preferido a todos estes tópicos e finalmente deixar aqui claro uma espécie de exercício firme de vontade política que eu gostava de fazer convosco numa espécie de conclusão. Jurarmos todos que faremos melhor, abraçaremos o mundo com sentido de cidadãos do mundo e seremos protagonistas nestes novos paradigmas, praticantes nestes novos métodos e sujeitos nestas novas atitudes.

Qual é o primeiro ponto que eu quero referir perante estes novos paradigmas? O primeiro é que não há Justiça se ela não for global. O primeiro paradigma é de que o mundo exige-nos um paradigma global. Não há Justiça olhando só para nós, ou só para o nosso bairro, ou para o nosso Estado, ou mesmo para a nossa região; temos de olhar para o mundo para termos uma concepção de Justiça e praticá-la. Esse é o primeiro tópico. Hoje, o mundo global exige uma justiça global.

Então, quais são as características destas novidades que nos exigem uma atitude perante um mundo novo e que nos exige que sejamos protagonistas neste mundo novo? O poder político hoje, podemos considerá-lo, não tem território. Até há pouco tempo, as Constituições, a noção de Poder, tinham todas um referente, um espaço de referência, era um território. Os alunos que estudam Direito e estão sentados nesta sala, sabem que ainda hoje os próprios manuais ensinam que a Constituição é referida a um território e que o próprio Estado tem como elemento integrante o território. Que o Estado tem como elemento integrante o território continua a ser verdade, que a Constituição é referida a um território nacional começa a deixar de ser verdade. O Poder hoje constrói-se sem território e decai na lógica da soberania (como eu explicarei mais à frente). É um Poder global, que é mais traduzido como uma espécie de acção partilhada do que como autoridade confinada a um certo espaço e do que como autoridade hierarquizada. O Poder é um Poder que, ao contrário da sua configuração clássica, hoje se exige como poder em articulação. Vejam o caso da Europa: os Estados dão as mãos e a lógica já não é de acordo ocasional, é a lógica da integração, é a lógica da união, é a lógica das normas comuns.

É diferente dois Estados colaborarem ocasionalmente, concederem entre si, ou criarem na base normas comuns às quais se vinculam e depois devem conjuntamente obediência. O paradigma novo que eu vos apresento, em primeira mão, é este. O Poder perdeu território, as Constituições deixam de ser referidas a um espaço nacional.

Por outro lado, o Poder perdeu soberania e passou a ser acção partilhada. Como disse Hanna Arendt, uma grande filósofa de que já com certeza ouviram falar, "o poder político é cada vez mais poder político sem soberania”. Eu não estou a pedir aqui aos alunos que sejam iconoclastas, mas estou-lhes a pedir que percam os limites dos mitos. O mito da soberania fez sentido de certo modo num estádio da História para construir os Estados, para reforçar os poderes centrais e acabar com os poderes particulares dos grandes senhores e, nesse sentido, a soberania significou, na História, evolução.

Maquiavel veio afirmá-la – como sabem os das humanísticas que aqui se sentam, porque sei que não são só alunos das humanísticas -, veio afirmá-la como um Poder forte que na altura reagia aos senhores feudais e afirmava a centralização moderna, afirmava o Estado moderno. Mas o Estado moderno evoluiu por si e, nós hoje, não estamos já só na modernidade, estamos a viver uma espécie de pós-modernidade política, em que tudo se reinventa com as novas tecnologias, a circulação de pessoas, sobretudo os grandes fluxos migratórios; a economia-transfronteiras; o problema das alterações climáticas; temos tantas modificações. As interacções permanentes que este mundo se permite já não são consentâneas com uma expressão de um poder clássico que se refere ao Estado-Nação e que pensa que se basta com essa referência. Por isso, Maquiavel morreu duas vezes, costumo eu dizer: morreu quando os Estados ensaiaram a lógica da sua cooperação e ganharam uma lógica de maior integração; e morrerá duas vezes quando os Estados perderem ainda mais esse sentido de soberania, para levar mais à frente e assumirem com maior intensidade a capacidade de se entenderem e formarem federações de Povos no sentido de maior capacidade de intervenção no mundo e um maior conseguimento de uma justiça global.

Temos, portanto, uma perda de território para o Poder, na medida em que ele se tornou transnacional e não apenas nacional; uma perda de soberania na medida em que as relações entre os Estados passaram a ser relações de integração e não apenas de cooperação; em que o paradigma começou a ser o paradigma da colaboração e não o paradigma da contraposição. A Europa de Vestfália – como sabem deu nome ao Tratado que pôs fim à Guerra dos 30 anos – está posta em causa com as novas fórmulas de entendimento entre os Estados. Provavelmente, poderíamos aqui fazer revivescer a velha Liga Hanseática, entre o século XII e o século XVII, que mostrou que as pessoas podiam entender-se para além das fronteiras. A Guerra dos 30 anos veio dar aos Estados um sentido de autarcia, de isolamento e uma atitude de contraposição que é incompatível com o mundo moderno, com os desafios da economia transfronteira e com as exigências mais profundas de uma justiça global. Os Estados têm que, de novo, se virar uns para os outros e deixar essa lógica de antagonismo e contraposição; lógica, aliás, que foi reforçada a seguir à I Guerra Mundial e, depois, reforçando o sentido do Tratado de Vestefália, "cada um por si e nenhum por ninguém”, e depois com a criação das fronteiras a sua definição geográfica, e depois com a II Guerra Mundial com aquilo que eu chamaria de definição de fronteiras ideológicas – a Guerra Fria que separou o Ocidente do Leste Europeu e, de certo modo, o Ocidente do Leste em geral. É esse decaimento das fronteiras, como forma de afirmação de uma humanidade nova que tem que ser recebida pelas atitudes, os métodos e paradigmas da política. É nesse sentido que temos de entender, que hoje as soluções – e eu provavelmente, no fim, vou sintetizar-vos estas ideias com aquilo que eu deixei dito à Comunicação Social antes de entrar aqui – é este conjunto de referências que nos levará a perceber e eu antecipo que os grandes problemas que temos hoje só podem mesmo ser solucionados pelo esforço que fazemos dentro das nossas fronteiras, dentro delas, mas sobretudo para além delas.

Eu queria lembrar aqui, uma vez que vos indiquei aqui um livro de José Saramago, "As intermitências da Morte”, que nesse livro há uma passagem sobre a falácia do sentido das fronteiras. Há uma família de camponeses que tenta chegar ao outro país onde se morre – porque no seu país não se morre e há pessoas que querem mesmo morrer, porque já estão doentes, não querem continuar a subsistir naquelas condições – e pedem para passar a fronteira e ir morrer ao país do lado. É uma família de camponeses que se prepara para passar para o país limítrofe e tem um problema porque não consegue ver onde é a fronteira e há uma passagem interessante em que José Saramago diz: "a lua cheia brilhava, lá à frente encontrava-se uma linha que só nos mapas é visível. ‘Quando lá chegarmos como saberemos?’ – perguntou a mulher.”

Isto é muito importante porque José Saramago quando faz a referência à lua que brilhava e, portanto, se via muito bem, mostra que na realidade não há fronteiras; elas estão nos mapas, estão lá para definir quadros funcionais de actuação, para definir lógicas de autoridade que são necessárias, visto que a organização entre os homens é necessária e a política tem essa dimensão organizatória incontornável e a autoridade não pode ser desdita quando nós aqui afirmamos a decadência das fronteiras. Mas mostra, de certo modo, que há uma dimensão de mito nas fronteiras que nós, hoje, para resolvermos os grandes problemas, temos que perder; há uma dimensão de mistificação das fronteiras que hoje temos de perder.

E esta geração nova perante a lógica de um mundo novo e perante os seus desafios tem de perceber que a nossa atitude já não pode ser paroquial, do nosso bairro, nem sequer pode ser a atitude nacional, do Estado, tem de ser a do cidadão do mundo, tem de conseguir compreender a diferença entre o nosso espaço cultural que resulta de um estar e o nosso espaço social político que resulta de um querer.

Curiosamente, Habermas, um grande filósofo de intervenção nos nossos tempos, dizia que o que caracteriza o mundo de hoje é sobretudo essa espécie de separação não-traumática entre a Nação como espaço de cultura e a cidadania como espaço de intervenção política. A Nação define-nos como seres culturais, é o nosso referente do Ser, é o nosso referente de origem, mas é o mundo que nos dá o toque da participação, é o mundo que nos chama à cidadania e a nossa cidadania já não se cola apenas ao seu estatuto de nacionalidade, a nossa cidadania como participação, como elemento de actuação do querer, cola-se à transnacionalidade.

Sendo assim, meus queridos alunos, eu queria deixar aqui sintetizado neste primeiro ponto que é um segundo e um terceiro, dada uma certa síncrise para que o entusiasmo da temática nos lança várias referências. Estamos num mundo moderno que exige aos Sociais-Democratas a abertura a novos paradigmas, a criação de novos métodos e a tomada de novas atitudes. O que caracteriza estes novos modelos é perpassado por novas referências, como um Poder mais desterritorializado, um Poder cada vez menos Soberano, um Poder entendido como projecto moral e acção partilhada, um Poder cada vez mais antropocêntrico, porque o que conta quando nós encaramos a política global – integrada entre as fronteiras – é que as pessoas são o último desígnio delas e não as Instituições. Por outro lado, aponta também para soluções políticas de integração, que leva o mundo, tal como o Iluminismo previu, a uma solução histórica de uma federação de federações de Povos. Mesmo que este desígnio – não digo final, porque não se pode chamar assim – este desígnio mais audaz esteja ainda longe, uma coisa é certa, cada vez mais a política se liga a um desígnio de justiça, cada vez mais ela é integrada por um sentido do Outro e de humanidade que nos é imposto pela globalização.

Cada vez mais, nós como Sociais-Democratas, temos que olhar o mundo, não conformados com uma economia que perdeu a sua hétero-regulação pela política e com a cupidez dos mercados financeiros, sem arregaçarmos os braços e sentirmos que se temos a política nas nossas mãos é para lhe imprimir a sua capacidade programante em larga escala, não apenas em pequena escala, e que a solução dos problemas só pode estar aí.

Quando vos falei dos novos paradigmas, falei do método. O método é melhor intuído por vós do que por mim. Nós sabemos que hoje nada se faz sem ser em Rede. Até eu, que fui até há pouco uma espécie de info-excluída, posso dizer que concedo à ideia de que sem networking não há mundo, não funcionamos, não interagimos, não colaboramos, não há inclusão e não há justiça.

Hoje, a política global exige-nos um network político que está também exemplificado de uma maneira curiosa pelo próprio sistema da União Europeia. Se olharem o Tratado de Lisboa, estão pelo menos confrontados com o método como os parlamentos nacionais controlam previamente a legitimidade da legislação produzida no centro político europeu, controlando o Princípio da Subsidiariedade.

Para quem não é jurista, os parlamentos nacionais controlam se aquela legislação que vai ser produzida ao nível do Conselho e do Parlamento Europeu é da competência dessas instituições, ou é antes da competência dos Parlamentos nacionais. Existe uma relação de comunicação entre os parlamentos nacionais - e controlo – e os centros de decisão legislativa europeia, para dizer "cuidado, isto não é da vossa competência, vamos lá ver se quem legisla é o centro europeu, ou se são parlamentos nacionais”. E quem dá este exemplo da lógica de rede ao nível da legislação, também o dá ao nível da execução. Os alunos já ouviram falar na "comitologia” na União Europeia, naquele sistema de comités de execução das decisões europeias, que funciona também numa espécie de rede entre a Comissão Europeia e os comités dos Estados-Membros, quando se trata de executar as decisões europeias e funciona tudo numa lógica de representação e de comités. Isto é óbvio e é quase uma espécie de consequência ao mesmo tempo lógica e geométrica: se o espaço de intervenção política alargou, então as formas de comunicação também mudaram; há um trabalho em rede, há um modo de organização que exige um sistema de "comitologia”, há um modo de controlo mais complexificado entre os diferentes intervenientes na legislação, há portanto um network político que, de certo modo - e eu aqui avanço – está de certo modo à procura do aperfeiçoamento da sua própria legitimação.

Este network político põe-nos problemas importantes de legitimação. Como nós estamos num espaço alargado e complexo, como é que vamos saber quem decidiu, o quê, sobre o quê, para podermos responsabilizar, para depois nas eleições podermos escolher? É este o desafio. A relação entre legitimidade e complexidade do nosso trabalho é outro desafio que os sociais-democratas têm de se habituar a enfrentar. É preciso, provavelmente, para nestes novos paradigmas que eu aqui levanto e para os quais não trago uma solução no bolso, perguntar se o método de controlo político dos decisores políticos, hoje se conforma com aquilo que se chama de modelo de mercado. O que é o modelo de mercado? É eu votar, pedir satisfações à pessoa, aos deputados, ao Governo que eu elegi, no fim do mandato e dizer "voto em ti outra vez ou não, conforme tu satisfizeste ou não as minhas expectativas”. A isso as teorias republicanistas chamam de modelo do mercado; o modelo do mercado aplicado à política. "Eu dou-te o voto, tu responsabilizas-te, eu depois da próxima vez dou-te o voto ou não conforme o que eu aferi da tua responsabilidade ou não”.

Hoje, provavelmente, ou com toda a certeza, os mecanismos de comunicação política terão também de ser reinventados. A comunicação política não pode ser apenas ocasional, isto é, ao nível do tempo das eleições; e vertical, isto é, entre governados e eleitos. Provavelmente, vamos precisar de uma comunicação transversal e de uma associação permanente dos cidadãos às instituições. A participação tem, também ela, de se reinventar. Os alunos sabem que mundo novo que vivemos fez emergir novos actores que terão um protagonismo fundamental e que têm por si um problema também, que é a questão da legitimação democrática. As ONG, por exemplo, são novos actores. Os comités são novos actores. Não têm uma legitimação democrática directa; não quer dizer que não são referidos, há agentes que podem responsabilizá-los e que por sua vez tem legitimação democrática como é o caso dos parlamentos e dos governos que dependem da escolha eleitoral dos parlamentos.

Queria dizer que todo este problema, deste novo mundo da reinvenção dos papéis, como eu disse no princípio, que não apenas da alternância dos actores, vai-nos exigir muitas perguntas. A política, a relação entre cidadãos e instituições é ocasional, ou é ela uma prática e comunicação contínua? Como é que vamos estabelecer os canais dessa comunicação? Como é que vamos associar os cidadãos às instituições? Mais interessante ainda, como é que nós vamos transformar a cidadania numa espécie de activismo político, fazendo também de cada cidadão, ele mesmo, um agente de intervenção política?

Há exemplos interessantes em que de facto a capacidade dos cidadãos de fazerem Estado por si, também já começa a ser evidenciada: formas de voluntariado, formas de intervenção nas políticas sociais – como é o caso das Misericórdias –, formas de mecenato, forma de associação entre Poderes Locais e organizações humanitárias de inclusão e organizações de Direitos Humanos, mostram que a política salta, não é apenas feita nas instituições clássicas a que nós nos habituamos a ver o Poder, mas que a política salta da espontaneidade e da cidadania e temos também a incumbência de saber enquadrar essa actuação política e, não puramente cívica, dos próprios cidadão. A cidadania tem assim uma espécie hibridez estatutária, em que ao mesmo tempo tem estatuto de estar e estatuto de fazer, e em que o cidadão é ao mesmo tempo leitor e destinatário, mas também ele actor político.

Essa transmutação é também essencial aos novos mecanismos de legitimidade impostos por este mundo novo em que vivemos. Eu até costumava dizer – isto é uma tentação, ficaria aqui toda a noite – que a modernidade que nasceu no Iluminismo no século XVIII, começou a tornar-se insuficiente para um mundo global e que, de certo modo, a racionalidade que nos construiu precisa de uma nova racionalidade, que vá buscar formas antigas de ver a política e que as associe a essas formas do Iluminismo, mais racionalistas e mais radicalmente racionalistas. Porque curiosamente a emergência de um mundo global fez, ao mesmo tempo e paradoxalmente, sobressair a necessidade de sermos todos a fazer política, a necessidade de afirmar as culturas como formas de equilíbrio sócio-psicológico-político e, ao mesmo tempo, afirmar o ativismo dos cidadãos para coserem este enorme tecido – porque é longo, largo, porque está em larga escala, mas ainda está à procura de definição.

Neste sentido, repetia então, neste método, passei dos paradigmas ao método, temos um método político de trabalho em rede, para o qual temos de ter uma disponibilidade de alma, um sentido de mundo, um sentido de cidade como tinham os gregos antigos, dentro daquela racionalidade forte que nos faz ter presente que o essencial que todas as construções que nós fazemos está sempre na pessoa humana e na sua dignidade, sem perder de vista, que esse é sempre o grande horizonte e que ele é tão forte que nos pode fazer, eu diria, manipular todos os outros horizontes. Mudar as instituições, as fronteiras, metê-las ali em ferro quente, tudo em nome da pessoa e da capacidade de produzir uma justiça global mais conseguida.

Finalmente, para tirar daqui um sentido mais conclusivo, eu gostaria de vos deixar alguns recados. Não sei se os alunos pretendem que eu repita a base de que saio para vos deixar algumas recomendações, talvez fizesse em três linhas. Temos novos paradigmas, uma nova concepção de poder, um novo encarar das fronteiras. Temos o Homem cada vez mais no centro das instituições em detrimento da própria estabilidade das instituições, temos um método de trabalho político em rede, temos o desafio da integração. Temos um desafio grande que é um grande cadinho de toda esta explicação do que eu dei, que é dos grandes problemas globais à procura de uma solução integrada: as alterações climáticas, os fluxos migratórios, a economia de mercado transfronteiras à procura de regulação, a segurança, as novas tecnologias e também um maior sentido dos Outros – que nos vem justamente das novas tecnologias e do modelo de interacções com que hoje todos vivemos e sem o qual hoje todos já não vivemos.

Depois, sobre o método referi a emergência de novos actores, o problema do processo da comunicação política e não apenas da verticalidade, linha vertical desse processo de comunicação, o problema do método de trabalho político em rede, que não é um problema, é um método ao qual nós temos de responder e, sobretudo, em ligação com toda esta transmutação, a própria duplicidade da cidadania e as suas múltiplas virtualidades: a cidadania enquanto referente da pertença a uma cultura nacional e a um espaço nacional de origem e a cidadania pró-activa como base do querer para uma participação cívica de longo alcance. Eu lembro uma expressão que um dia também deixei clara num artigo que escrevi n’O Expresso: "nós temos que distinguir aqui duas Pátrias e somá-las; distinguir não para as afastar, mas para as ligar.”

A nossa Pátria como referente de origem, de História, de língua, de cultura, de tradição, aquilo que nos define em termos genéticos, como origem e como produto, mas também a pátria constitucional que é – já não digo a Europa, como disse Habermas – que será o mundo à nossa espera, em que nós temos de afirmar os valores humanos, através de uma intervenção cívica assumir uma cidadania mundial, uma república universal e através dela agir no mundo e compatibilizá-las porque a pátria constitucional de que vos falo é a grande pátria, é a Europa – para não irmos mais longe por enquanto - em que de facto nós revemos nos grandes valores, nos Direitos Humanos, na Democracia, no princípio de Estado de Direito.

Isso é também uma pátria; a Europa é uma pátria de valores, portanto nós temos duas pátrias e uma exige a outra. A pátria de valores exige que não se negue a identidade, mas a pátria da identidade só é verdadeiramente humana se abraçar a pátria dos valores, e portanto temos de juntar as duas coisas. Fazer a transnacionalidade sem renunciar à nacionalidade, mas sentir nos cidadãos do mundo é o primeiro imperativo da política nos dias de hoje.

Então, quais são os desafios que aqui queria deixar aos alunos da Universidade de Verão para terminar a minha intervenção? É urgente intensificar a integração política. Eu deixei isto com uma perspectiva, como sempre, mais cuidada e menos radical à Comunicação Social. Caros alunos da Universidade de Verão, a cupidez dos mercados financeiros, o problema da economia transfronteiras, o nosso apertar de cinto, tudo isso tem de ser encarado com realismo, mas enquanto não se der um salto brutal na integração política nós não chegamos verdadeiramente à solução. Eu estou aqui a deixar-vos uma convicção pessoal, mais do que uma mensagem intelectual que pode ter falhas, a minha convicção pessoal é que enquanto não tivermos uma Europa fiscal, uma Europa de segurança social, uma Europa com política externa comum, uma Europa com uma política que também tenha um sistema de Direito Penal comum, nós não chegamos lá.

Apertaremos o cinto, obedeceremos a critérios que um princípio de realidade nos obriga a obedecer, de olhar a nossa economia de país, eu digo, economicamente periférico na União Europeia, com mais austeridade, de gerirmos de certo modo heranças difíceis, mas seja como for, meus caros alunos, enquanto não formos todos por um nós não chegaremos lá. E cabe-vos a vós, porque de vós a mim já há uma diferença geracional bem clara, mais do que a mim, bater às portas da Europa e dizer que ela não pode ser só esta Europa e que a Europa vai cair às mãos de outras ideias se ela não assume como Europa; tem de intensificar a sua integração e é isso que irá responder aos nossos problemas, incluindo os problemas financeiros.

E, portanto, embora o deputado Carlos Coelho, que me conhece, sabe que eu tenho o bicho do Federalismo, eu defendo uma federalização da Europa como cidadã, não estou a defendê-la como Presidente da Assembleia da República, ou a representar ninguém senão a mim. O que eu quero dizer aos alunos é o seguinte: hoje ser Social-Democrata é também estarmos preparados para esperar o inesperado.

Vejam, as revoluções árabes eram na minha geração quase impensáveis. Nós dizíamos há pouco tempo, quando debatíamos os problemas do Médio-Oriente e problemas próximos, dizíamos sempre há uma zona democrática que é Israel e há outra que não é; parecia-nos a nós que o mundo ficava por ali. E de repente já não é possível dizer "há uma zona democrática e outra não-democrática”. Estão aí as revoluções árabes a mostrar-nos que o impossível acontece e que o impossível acontece de um dia para o outro.

Ainda ontem numa conferência de líderes no parlamento em Lisboa, eu dizia quando estávamos a formar os grupos parlamentares de amizade, "dêem uma dinâmica aos grupos parlamentares de amizade porque qualquer dia temos o papel histórico e político do parlamento português também ir ajudar a formar e a crescer as democracias árabes. Isto é um exemplo, como a própria recessão "americana”, também não estávamos preparados, como o crescimento da economia africana, como a emergência do Brasil, da Índia e da China como potências económicas de grande alcance e com transmutações extraordinárias, hoje é quase mais fácil fazer pressão política internacional na Organização Mundial do Comércio do que na ONU.

Porque os lugares estratégicos de influência também mudaram, porque está tudo a mudar e o que eu quero dizer aos alunos da Universidade de Verão é o seguinte: é preciso ser cidadão do mundo para ser um cidadão de corpo inteiro no nosso bairro; é preciso lutar por uma integração europeia que é essa a solução dos nossos problemas e é preciso estar à espera do inesperado.

[APLAUSOS]

É preciso construir uma democracia cosmopolita, uma democracia de largo alcance. Eu, que sou constitucionalista de formação, digo-vos que uma verdadeira Constituição só o é quando ultrapassar as fronteiras. E deixo-vos com estas mensagens.
 
Duarte Marques

Senhora Presidente, muito obrigado pela sua intervenção. Vamos dar a palavra aos Grupos e o primeiro será o Amarelo, com a Patrícia Brighenti.

Não podia deixar, muito respeitosamente também, de dizer que além de ser a primeira mulher Presidente da Assembleia da República, não tenho nenhumas dúvidas que será a Presidente da Assembleia da República ou de Parlamentos por esses países fora, a mais bonita de todas.

[APLAUSOS]

 
Assunção Esteves

Eu já lhe respondo. É que o Duarte Marques sabe que para mim esse é o elogio mais importante de todos.

[RISOS E APLAUSOS]

 
Patrícia Brighenti

Muito boa tarde, quero saudar, em primeiro lugar, em nome do Grupo Amarelo a mesa, em especial a Dr.ª Assunção Esteves e também "parabenizá-la” pessoalmente por ser a segunda figura de Estado e ser uma mulher. Fiquei muito contente quando através da Comunicação Social tive esta informação e é com muito gosto que lhe dou os parabéns.

Também é com muito gosto que eu tenho vindo a ouvir uma palavra: pessoas. É para isso que serve a política, unicamente para servir pessoas; é isso que eu acredito, sinceramente, que é a Social-Democracia no século XXI, é uma transformação para deixar aqueles exaustivos modelos económicos e políticos para trás e haver uma transformação na nossa comunidade local, para depois então assistirmos globalmente como referiu.

Em nome do meu Grupo, quero fazer, no entanto, uma outra questão: nós aqui durante a Universidade de Verão fizemos um trabalho e desenvolvemos este tema, sobre sistemas eleitorais. No seu ver, neste caso, também como cidadã e como Presidente da Assembleia da República pode escolher qual é a resposta que quer dar nestes dois âmbitos. Defende que realmente se deve mudar o sistema eleitoral e que isto é mais um instrumento para nos aproximar das pessoas e haver também uma reforma da atitude de cidadania? É isto, obrigada.

 
Assunção Esteves

Muito obrigada pelos cumprimentos. Eu não tive tempo para as emoções, tive tempo só para expor, embora eu misturo sempre as emoções com as coisas que eu digo, que é uma coisa que me desgasta mais que me satisfaz. É muito difícil exprimir o prazer que tenho em estar aqui e eu disse há pouco ao deputado Carlos Coelho, o prazer que senti nas senhoras. Eu nunca tive um discurso feminista, mas estou a ficar um bocadinho, porque às vezes as pessoas abordam-me na rua, as mulheres, e eu também dediquei a minha eleição às mulheres e portanto elas também me estão a "dever” alguma coisa. Mas sinto que há um carinho grande que é aquilo que me sustenta e me entusiasma e aquele sorriso das mulheres quando aqui entrei também ficou um pouco inesquecível e agradeço-lhe muito.

Eu disse ao deputado Carlos Coelho, quando cheguei, "estou a ver o sorriso das mulheres” e o deputado disse logo "e dos homens!”, portanto estão bem defendidos aqui na mesa. Eu senti que era colectivo, o carinho.

[APLAUSOS]

Sobre sistemas eleitorais, eu tenho também uma preferência e portanto posso manifestá-la.

Os partidos dão-nos a oportunidade de, nós se tivermos um sentido (vou usar um termo que parece um pouco pretensioso) de sacerdócio, conseguir muito melhor, porque a política dá poder ao nosso voluntariado. Eu costumava dizer quando andava a fazer a campanha com alguns militantes, a campanha eleitoral para as legislativas: a política é uma espécie de voluntariado dotado de poder. Portanto, estar nos partidos é importante e uma coisa que quero valorizar nesta legislatura, isto vem a propósito da pergunta, é o papel dos deputados e dos partidos que foram muitas vezes por cedências, por questões de demagogia e às vezes, por culpa também dos próprios partidos e por causa das pessoas que o integram, foram cedendo à demagogia muitas vezes, cedendo por fraqueza, por tentação, por imposição do espaço de comunicação, por má qualidade também às vezes de mediação jornalística. Nós às vezes temos de nos impor ao próprio sistema de comunicação, os partidos são muito importantes no sistema político. Nós não somos perfeitos e os partidos, que são feitos de pessoas, também não podem o ser, mas são espaços de uma moralidade activa se nós quisermos praticá-la.

Isto vem agora a propósito da relação que percorri no meu caminho na política e no PSD que foi o partido que me deu espaço de intervenção e é bom que sintam isso: estar num partido é uma arma, é ter uma arma para intervir, é ter um meio de afirmação perante os outros, é ter apoio para essa informação e é ser capaz de influenciar o próprio espaço partidário em que estamos para o melhorar.

Toda essa dialéctica é muito importante.

É interessante, estar aqui é estar com nos jovens quadros partidários, isso é o mais importante, o sangue do partido, fazê-lo fluir para estes desafios – um partido é um espaço de moralidade activa se nós quisermos.

Em relação ao sistema eleitoral, eu e o próprio Presidente do PSD, o Dr. Pedro Passos Coelho, também sabe isso, falámos ambos em conjunto muito (estamos aqui à vontade) ainda o Dr. Pedro Passos Coelho não era líder do partido, já eu lhe dizia que a primeira bandeira havia de ser a reforma do sistema eleitoral pelo voto preferencial. Portanto, eu sou insuspeita sobre isso, porque já ando com esta teoria há muito tempo e é um desafio para o qual quero chamar a atenção do Parlamento.

Quero levar lá as estruturas de pensamento que nos ajudem a decidir sobre isso, não é só reflectir, pois o Parlamento é um espaço de acção. O voto proporcional com um sistema preferencial é o que eu acho melhor porque a escolha eleitoral é sempre uma escolha ao mesmo tempo racional e emocional, e os partidos – estava eu a dizer que são um espaço de moralidade activa na medida em que intervêm no mundo exercem a ética da intervenção e da participação – têm outro efeito reflexo, que não depende da sua vontade política mas depende da organização geral do sistema, que é o efeito de racionalizar o próprio sistema.

Porque se houvesse escolhas não-organizadas de pessoas em eleições gerais, isso podia ser até do ponto de vista de uma racionalidade do sistema, um pouco catastrófico. O que eu quero dizer é que os partidos com uma organização ajudam o próprio processo de escolha democrático; ajudam a identificar as ideias, os programas e os protagonistas e uma sociedade democrática não resistiria a espontaneidade. O que é que eu quero dizer com isto? Penso que a escolha pelos partidos ainda é – eu aí, talvez é curioso, a escolha dos partidos dos candidatos ao Parlamento é do meu ponto de vista a mais racional, tem problemas, sabemos os problemas que os partidos têm por dentro, os defeitos que temos, em que às vezes há dificuldades para ultrapassar, alguns que nem estamos a ver bem e outros que não queremos ver; nós somos humanos, temos de assumir essas coisas, mas a escolha essencial deve ser do meu ponto de vista – até na nossa realidade, olhando para o nosso país – uma escolha feita nos partidos no sistema proporcional.

Eu nunca defendi o sistema maioritário de escolha uninominal, nunca defendi, eu sou contra isso. Eu acho, vou aqui dizer, se me sentisse com muita energia era capaz de ir ganhar umas eleições uninominais, mas eu não acho que seja bom, estão a ver? Acho que se tivesse de desenvolver energia para isso… mas acho que não é bom.

Sabem quais são as desvantagens desse sistema? Cria dependências, "lobbyismos” excessivos, tem uma propensão marginal para uma certa demagogia, para o exercício demagógico do poder, e desracionaliza o método de escolha e responsabilização politica porque deixa toda a organização partidária representada no parlamento, racionaliza as escolhas, fá-las depender menos das pretensões concretas e mais das pretensões de grupo e tudo isso é muito importante.

O que eu acho que era bom fazer? Era que o partido, apesar de tudo, não tivesse o monopólio dessa escolha em termos da representação da escolha e na lista os eleitores dissessem a ordem de entrada que querem dos candidatos.

Isso fará com que os partidos tenham uma lógica menos cerrada do aparelhismo. Imaginem uma pessoa que é muito qualificada em termos financeiros mas não andou a militar no partido ou não tem as simpatias da Comissão Política. Por que razão não há-de ir para as listas se as pessoas acham que vai ajudar a resolver os problemas? Se calhar vinha no lugar de suplente e não vai ser eleita, mas depois o eleitorado diz "este até tem feito bons comentários sobre isto, até parece saber disto, vou pô-lo lá em cima” – isto é importante na política – "é uma pessoa cuja alma me diz alguma coisa” – por isso, acho que devíamos fazer esse tempero do sistema proporcional com o voto preferencial. É o melhor sistema até agora e se quiser que eu extrapole para isto, eu até acho que com o tempo se podiam criar listas europeias de eleição.

 
Duarte Marques

Senhora Presidente, muito obrigado. Dou agora a palavra à Cristiana Santos do Grupo Bege. Depois, será o Hugo Carneiro do Grupo Roxo.

 
Cristiana Santos

Boa tarde, queria primeiro agradecer em nome do Grupo Bege a presença da Dr.ª Assunção Esteves, é um prazer estar aqui consigo e usufruir da excelente aula que nos acabou de dar.

Como todos os presentes sabem, a Social-Democracia iniciou-se no séc. XIX com Bernstein – antigo seguidor de Karl Marx, ou seja, de tendência esquerdista. Reconhecendo o erro do marxismo na análise das sociedades capitalistas e do seu projecto de transformação das mesmas e discordando da inevitabilidade histórica das relações e até da sua ocorrência, Bernstein afastou-se do marxismo.

Abandonava-se então a ideia de revolução social e da extinção do capitalismo, interessou-se por ele e passou a dar-se com a Social-Democracia uma roupagem social diferente e promotora de progresso com base em reformas sociais e distribuição mais justa das riquezas e geradora de bem-estar.

Assim sendo, o grupo Bege, queria saber a sua opinião do porquê da ideia de que a Direita, hoje em dia, apenas tem preocupações económicas descurando as sociais. Como é que deixamos alastrar esta ideia imprecisa e errada, como todos nós sabemos, com que os esquerdistas mais radicais rotulam os sociais-democratas? Obrigada.

 
Assunção Esteves

Eu era capaz, de certo modo, de desconstruir (agora usa-se muito este termo) aí dois pequenos pressupostos: primeiro, porque não há uma identificação do PSD com a Direita, pelo menos não há uma auto-identificação - pode haver uma identificação estratégia pelos outros. A outra é o monopólio das preocupações sociais situado à Esquerda ou à Direita, isso hoje começa a ser muito relativo.

De facto, hoje a diferença entre a Esquerda/Direita, que nós hoje poderíamos discutir também aqui longamente, já não assenta tanto nesses referentes: não assenta no referente "mais Justiça Social, menos Justiça Social”, mas verdadeiramente na maneira como se encara a distribuição de papéis no Estado e na Sociedade, e também a atitude perante vários ingredientes da vida em comunidade: o Estado, o papel do Poder, dos cidadãos, das organizações não-acopladas ao Estado. É sobretudo na abordagem dos papéis que se distingue, hoje, uma atitude mais à esquerda ou mais à Direita.

Portanto, o próprio facto de o mundo ter evoluído para regras comuns de largo alcance em termos de definição política, como é o caso da União Europeia, etc., de facto as regras do jogo foram sendo aceites e foram diluindo essa questão da Esquerda/Direita; é mais na interpretação dos papéis que está a diferença. Fez-me uma pergunta directa que eu talvez tenha perdido, que foi de saber como é que nós ultrapassamos essa espécie de catalogação, "de menos sociais”, era essa a pergunta?
 
Cristiana Santos
Sim, o que eu disse era como é que nós deixámos que as pessoas, os mais esquerdistas, os radicais, digam que o PSD, ou as pessoas mais à Direita, só se preocupam com as questões económicas. Se calhar é um certo jogo de demagogia para conseguir votos, porque dizem que não nos preocupamos com as pessoas, com as questões sociais, e que de facto está errado.
 
Assunção Esteves

O deputado Duarte Marques acaba de ajudar à pergunta. Se nós perdemos bandeiras sociais, nós recuperamo-las bem quando reformularmos o papel dos cidadãos que eu referi há bocado; quando soubermos distribuir papéis importantes da política pela própria cidadania e confirmar os papéis de entidades de fora do Governo e fora do Estado como concorrendo para o exercício da política e, por outro lado, não nos podemos desgarrar das soluções da Economia das que se dão à Sociedade. Essa é a grande falácia da Esquerda, porque não há soluções para a Sociedade sem soluções para a Economia e é num quadro de uma Economia ao mesmo tempo eficaz e com capacidades sociais. Eu não tive tempo, há pouco, de dizer, mas um paradigma que hoje se põe aos Sociais-Democratas é o do desenvolvimento da Responsabilidade Social das Empresas, por exemplo. Que até quando fizemos uma revisão constitucional, propus que isso fosse constitucionalizado e o partido aceitou no projecto que ficou pelo caminho, mas há-de lá chegar uma certa ressuscitação.

A questão aqui é que nós temos – há duas coisas que têm de ficar claras – a Economia que não se distingue do Social e a eficácia Social está ligada à eficácia da Economia. A eficácia da Economia é que não pode ser vista num plano desgarrado liberal e não-social, tem de ser uma Economia social integrada e é através do nosso paradigma de valorizar o papel da sociedade que lá se chega, e não é com o paradigma da Esquerda. O exemplo que lhe dou único, é o da Responsabilidade Social das Empresas, mas não só, políticas de Emprego, políticas fiscais, políticas de leis de trabalho, a maneira como enquadramos de forma menos traumática e menos preconceituosa a relação entre o despedimento, a fiscalidade, a responsabilidade das empresas, é todo este quadro mental mais desenvolto, menos agarrado ao backgroundda legislação da revolução (que já não é do seu tempo), do pós-25 de Abril, é o nosso despreconceito em relação a ela que há-de construir uma Sociedade nova, que essa sim há-de construir uma sociedade nova, que essa sim valoriza o social.
 
Duarte Marques

Hugo Carneiro do Grupo Roxo.

 
Hugo Carneiro

Antes de mais, muito boa tarde. Permitam-me que antes de colocar a questão faça aqui um pequeno apontamento: não tenho por hábito, não faz parte da minha maneira de ser, dar elogios a quem quer que seja, porque acho que quando damos elogios a toda e qualquer pessoa desvalorizamos esses mesmos elogios e contrariamos o sentido de justiça que devemos ter para com as pessoas que, de facto, merecem a atribuição desse elogio.

O que vou aqui fazer agora não fiz em mais nenhuma intervenção anterior e, portanto, elogio a nossa convidada porque de facto identifico-me com a sua forma de estar.

Não desmerecendo os oradores que também por aqui passaram esta semana, foi esta a intervenção que até agora mais desafiou o intelecto de cada um de nós. Talvez a sua formação no âmbito do Direito e também pelo que vi no seu currículo no âmbito filosófico, assim conduzisse a essa situação, portanto a esta minha conclusão.

Com isto quero dizer-lhe que lhe dou os meus parabéns pela sua intervenção.

[APLAUSOS]

Não são só as senhoras que a reconhecem e fica aqui a prova disso mesmo.

Na sua intervenção, falou de várias coisas: dos problemas que se colocam hoje ao mundo; da desconstrução do sentido da Soberania – é interessante, qualquer aluno de Direito de 1º ano fala do subjectivismo internacional das organizações internacionais, das empresas multinacionais que actuam como playersinternacionais ao lado por exemplo das organizações que têm uma legitimidade indirecta, fruto dos governantes que são eleitos em cada um dos seus países, como a ONU, entre outras.

Falou hoje também da necessidade de construir um Estado que seja muito mais cooperante com todos os outros e nós mesmos, porque temos de saber mais línguas e mais do mundo do que propriamente do nosso território. Somos impelidos para sair, em termos de construção mental, para lá das nossas próprias fronteiras internas e eu e o Grupo Roxo subscrevemos por inteiro o que disse.

Mas disse algo, ainda mais interessante, que eu gostava de focalizar aqui para a pergunta que lhe quero fazer: disse que tínhamos de ir mais atrás no tempo; ou seja, que o Iluminismo aconteceu, mas nós tínhamos de ir aos étimos daquilo que é o nosso pensamento, daquilo que é o pensamento filosófico da Grécia Antiga. Aqui, não podia deixar de falar também dos étimos que se relacionam com a doutrina social da Igreja e do espírito de Solidariedade que deve existir entre os países.

Parece-me que a Europa atravessa um momento de grande crise em termos de Solidariedade e aquilo que pergunto é: se o Federalismo é a solução, por que não avançamos já e se não podem ser os países que estão precisamente em crise na Europa (Portugal, Espanha, Grécia) a propor um Estado Federal? E se os países do Norte não alinharem, que tal serem eles próprio a propor um Estado Federal entre si porque têm uma tradição latina, uma tradição que os aproxima em termos culturais?

Por outro lado, como aproximar aqueles que são, nas palavras do professor Gomes Canotilho, os "cidadãos difíceis”, pois não podemos assumir um papel de paternalismo relativamente àqueles que não querem participar ou não participam de todo, não podemos assumir esse papel, eles próprios têm de dar o primeiro passo e como reagir também em relação a esses cidadãos.

Obrigado.
 
Assunção Esteves

Muito obrigada, pelas palavras que me dirigiu e que me tocaram muito. Eu acho que no auditório já sabem mais do que eu, nestas coisas mesmo, a sério, porque há uma construção em todas as perguntas e para construir uma pergunta é preciso saber. É por isso que acho que sabem muito.

A resposta para mim é imediata. Devia começar-se já e deviam ser exactamente os países da periferia que estão em sofrimento a fazê-lo. Nós temos meios de o fazer, provavelmente ainda não foram suficientemente explorados. Temos desde logo as nossas integrações partidárias em termos do espaço europeu. Os grandes grupos europeus, não apenas aquela família em que nós nos integramos, mas outras que estão à altura de compreender o projeto europeu e de se empenhar no esforço, aqui já não é apenas de construção, é no esforço de uma afirmação de uma Europa e de uma profilaxia contra uma decadência possível, contra uma falência possível.

Eu acho que não apenas as nossas famílias partidárias, há outras, nós conhecemos – o deputado Carlos Coelho vai-se rir, porque eu tinha uma simpatia pessoal por um grupo ao qual já pertencemos e do qual já nos distanciámos - o Grupo Liberal Europeu. Posso dizer aqui que eu cheguei a defender uma dupla representação – não digo a negação da nossa filiação, já não seria possível, nem aconselhável – com um partido popular europeu, onde já temos uma família com quem já nos habituamos a viver e onde há referentes muito parecidos com os nossos justamente na parte da integração.

O Partido Popular Europeu teve atitudes muito sérias de defesa de integração e até foi essa a parte em que eu mais me identifiquei com o PPE, mas os próprios liberais europeus estariam de acordo porque são muito integraccionistas e é um grupo onde nós – eu sempre defendi isto e digo aqui entre nós, em família, não pensei fazê-lo para não ser demasiado incorrecta, mas o desafio do auditório são muitos – não seria mau que o PSD tivesse, creio eu, um deputado ou dois, nos liberais, nós somos mais essa mistura, mas isso é uma coisa que também discutirão, por agora temos de arrumar a casa e não contesto a ordem que será e que se mantém mas vão pensando em que de facto para nossa própria representação europeia pode ser mais bifronte, chamemos-lhe assim.

Eu acho que é preciso dar um murro na mesa, se eu fosse Primeiro-Ministro eu ia lá dar um murro na mesa, não podia ir lá sozinha, como o Dr. Passos Coelho provavelmente não pode fazer sozinho, mas é preciso uma conjura e normalmente a conjura dos "fracos” é muito importante, porque as coisas estão-nos a doer na pele. Eu sinto isso, sinto no Parlamento quando estamos a tomar medidas, mesmo quando às vezes sinto algumas manifestações nas galerias, às vezes esqueço-me da lógica da estrita legalidade e autoridade para olhar as pessoas e deixar que elas no mínimo mostrem o que sentem perante as dificuldades que todos atravessamos. O que quero dizer é que era importante começar já. É importante, sobretudo, que nós todos nos contaminássemos com esta evidência, porque nem sempre se vê a evidência: eu acho que a integração a nível europeu é o "ovo de Colombo” que ninguém está a ver.

Pronto e isso é isso para já.

 
Duarte Marques

Muito obrigado. Bernardo Gonçalves do Grupo Encarnado e de seguida será a Laura Horta do Grupo Verde.

 
Bernardo Branco Gonçalves

Boa tarde, Dr.ª Assunção Esteves, antes de mais agradecer a sua presença aqui connosco. A questão que eu venho aqui colocar é um pouco diferente desta última que lhe foi colocada, não tem um carácter tão abrangente e é uma questão mais virada para dentro do nosso partido e, em consequência, mais virada para a Democracia. Nós, ao longo destas apresentações com que temos sido presenteados aqui na Universidade de Verão 2011, temos sido confrontados várias vezes com referências ao fundador Sá Carneiro. As palavras deste grande homem são sempre apontadas numa evocação a uma grandeza de espírito notável e uma visão de futuro.

A pergunta que eu lhe queria colocar é: até que ponto esta referência se vai manter ao longo do século XXI, de quanto em quanto tempo precisaremos nós Sociais-Democratas de recordar as palavras de Sá Carneiro para nos mantermos na linha dentro da Social-Democracia que nos tem orientado até agora? Os jovens ao longo do século XXI vão continuar a seguir o exemplo de Sá Carneiro? Obrigado.

 
Assunção Esteves

Muito obrigada. Independentemente daquilo que se chama o catálogo das ideias, as ideias e a irmanação de grupos nelas, continuarão a ser o motor do mundo. É curioso que ontem, como eu vinha para aqui, estive a ler, por uma questão de ordenação mental, uma intervenção de Sá Carneiro de 1975 e senti (eu que o conheci pessoalmente e fiz alguns discursos com ele, ao lado dele, quando era jovem da JSD) e é curioso que apreendi nele uma profundidade de pensamento, que eu vou ser sincera, eu própria não tinha tomado tão profundamente conhecimento dela, pois em todas as referências que faz ele já é muito actual em relação aos dias de hoje e de 75 até hoje já passou muito tempo.

Ele até fala (eu tomei nota disso) na capacidade de interagir, é curioso. Além de falar daqueles valores que se tinham de se afirmar por contraposição aos totalitarismos, que é também no tempo em que havia fronteiras ideológicas que muitos de vós já não conheceram, há uma referência de quando Sá Carneiro fala num congresso em 75 e fala do programa do partido, creio que até foi em Março, se me recordo, e uma coisa que ele diz, para além daquilo que nos marca, para além da dignidade da pessoa, a pessoa – o centro da liberdade de expressão, da organização pluripartidária do sistema político, de uma constituição verdadeira em sentido formal e material, de um Estado de Direito que se afirma em todas as linhas de expressão do Poder e ele fala na capacidade de interagir com o mundo e é curioso que é este estar e interagir (o resto é adquirido) que nós temos de recolher das palavras de Sá Carneiro. Portanto, a ideia de ideologia como congregação de modos de olhar o mundo mais próximos entre si, com entidades reciprocas, existirá sempre e nós vamos fazer valer sempre essa ideia de Social-Democracia com os aspectos que eu chamaria de eternos, porque universais, dos grandes princípios, a que nós temos que somar, sobretudo, a que nós temos de fazer alinhar por uma perspectiva, uma prospectiva, por um olhar absolutamente para a frente.
 
Duarte Marques

Muito obrigado, senhora Presidente. Laura Horta do Grupo Verde e depois será a Leandra Cordeiro, Grupo Cinzento.

 
Laura Horta

Boa tarde, Dr.ª Assunção Esteves, tenho mais uma vez que referir o cumprimento especial e é com muito orgulho e muita honra que o Grupo Verde quer cumprimentá-la; é muito gratificante tê-la aqui.

A pergunta do nosso Grupo prende-se com um facto que nos preocupa e apesar de nos ter dado algumas pistas da resposta, queríamos voltar a salientar algo que nos preocupa bastante.

Em Portugal, o Poder alterna constantemente entre o PSD e o PS. Afinal, em termos ideológicos, onde começa e acaba um partido? Qual o ponto de separação destes dois partidos? Porque há hoje quem defenda que já não há uma linha definida entre ideologias políticas?

 
Assunção Esteves

Muito obrigada. Quando eu respondi à sua colega que está mesmo atrás de si, criei as bases para agora concretizar a resposta que lhe dou: hoje a distinção faz-se muito também pelas atitudes concretas, mas isso não define na base a diferença ideológica – é na maneira de encarar os papéis políticos. Isso vê-se em cada dia em todas as decisões. Às vezes eu procuro uma espécie de cadinho ou de, eu diria, contra-prova de como é que se identificam as ideologias e eu devo dizer que em cada dia, em cada decisão, sobre cada tema, eu quase apostaria que é possível em quase 90% dos casos, sem ter o carimbo dos partidos, identificar que partidos é que estão a pedir o quê. E porquê? É a abordagem dos papéis e também de algumas temáticas. Uma coisa que eu aqui queria deixar referida, que é mais uma consideração do puramente intelectivo do que propriamente puramente politico-partidário, é que uma das coisas que também tem de ser analisada nos partidos é aquilo que se chama a perspectiva sistémica. Os partidos também são entidades que tendem a criar resilience e expedientes de sobrevivência e muitos temas defendidos pelos partidos já não têm directamente a ver com a sua ideologia, mas são temas de sobrevivência e afirmação perante os nichos de mercado político. É uma espécie de adaptação sistémica ao ambiente, estão a ver, numa lógica sistémica tem que haver adaptação para sobrevivermos. A análise sistémica diz isto: o sistema tem de responder ao ambiente.

Isto é uma análise engraçada, até do ponto de vista da Sociologia e há-de haver aqui alunos de Sociologia. Os partidos muitas vezes têm de criar as suas bandeiras que já não se radicam necessariamente no modo de pensar mas no modo de sobreviver. Por isso queria chamar a atenção dos alunos para, eu diria, duas perspectivas dos partidos: aquela que tem a ver com a sua ideologia, que é provavelmente a mais séria e mais autêntica, e a outra que é mais funcional, adaptativa e sistémica que é a necessidade de responder por resposta ao ambiente e não pelo impulso ideológico. Eu posso dar um exemplo: partidos ecológicos que não têm nichos de mercado e que procuraram através dos temas ecológicos criar um mercado eleitoral. Isto para ver que a análise da atitude partidária não pode ser vista só no puro prisma ideológico, também tem de ser vista pelo prisma sistémico e numa lógica de complexidade maior que Esquerda/Direita, Estado/Sociedade, Económico/Social, papel preponderante nisto ou naquilo.

É uma espécie de abordagem compósita que nós devemos desejar e que devemos fazer que se centre na ideologia, pois a ideia é a base da acção, da escolha, legitimadora da compreensão da acção e é o ponto fulcral da referência dos partidos, mas não é o único. Nós quando abordarmos os partidos e quando fizermos uma análise – vou agora pôr isto na lógica da dialéctica entre interlocutores –, nestes debates é importante ter em conta que os ingredientes não é só a ideologia; é importante ter em conta outros ingredientes na avaliação partidária e, eu diria, no produto que sai de cada partido.
 
Duarte Marques

Muito obrigado. Leandra Cordeiro, Grupo Cinzento, tem agora a palavra e a seguir será o Hugo Frade do Grupo Castanho.

 
Leandra Cordeiro

Boa tarde, o meu cumprimento especial à Dr.ª Assunção Esteves, pelo privilégio tê-la aqui, subscrevendo as palavras de há pouco do meu colega Hugo. Ontem ouvimos aqui neste fórum o Rodrigo Moita de Deus dizer que ser livre é comprometimento com causas, com a defesa das nossas convicções, dos nossos valores, é parcialidade, é assumir sem medos aquilo que defendemos.

A debater aqui hoje a Social-Democracia, não podíamos, o Grupo Cinzento, deixar de perguntar se não considera que de acordo com estes pressupostos a melhor forma de comprometimento é de facto, e na defesa das convicções, a filiação partidária, ou seja, o preconceito sentido em relação à filiação não pode ser de alguma forma a anulação de uma honestidade intelectual ideológica? Até que ponto a independência não é muitas vezes usada como um escudo para elementos, se calhar menos favoráveis, garantir determinada posição? Obrigada.
 
Assunção Esteves

Muito obrigada pela pergunta. Eu creio que ao longo deste debate que estamos a ter que eu já deixei, mais ou menos entrever o que é que eu penso da pertença a um partido. Quando eu digo que os partidos podem ser centros de uma ética ou moralidade activa para intervir no mundo e que a anatomização dos partidos é uma coisa em relação à qual devemos contribuir para que tenha fim; que não haja anatomização dos partidos, pelo contrário, cabe-nos a nós valorizar o papel deles e se quer que lhe diga, em termos de participação, para mim, a forma privilegiada de participar activamente é estar num partido; continuo a achar isso.

Acho que valorizo muito o papel livre, não-situado dos cidadãos que se entregam em casos de generosidade espantosos, tudo bem, mas acho que a pertença a um partido é um caminho certo para intervir politicamente e que é de certa maneira mais forte moralmente quase que a não-pertença. Eu pertenço a um partido, seria um bocado estranho pensar o contrário, sempre pertenci, desde muito, portanto, talvez esteja a ver as coisas demasiado situado, mas eu tenho, aliás, lutado muito para que não haja anatomização dos partidos e às sinto-me um pouco só, um pouco desconcertante, a explicar às pessoas. "Mas está a dizer dos partidos, o quê? Mas são nichos, espaços privilegiados, com pessoas com menos qualidade, moralmente menos interessantes; o que é que está a querer dizer com isso?” Porque os partidos são espaços de intervenção e a intervenção é moral; a indiferença é que não é moral; a intervenção é moral por natureza.

 
Duarte Marques

De seguida será o João Santos, do Grupo Azul e agora o Hugo Frade.

 
Hugo Frade

Boa tarde, senhora Presidente da Assembleia da República, em nome do Grupo Castanho, agradecemos a sua presença aqui na Universidade de Verão.

No contexto mundial enfrentamos um processo de globalização cada vez mais complexo. A nível europeu, a crise veio acentuar as divergências entre os países e potenciar tomadas de decisão pragmáticas por vezes divergentes dos ideais políticos subjacentes ao partido político decisor. Senhora Presidente, de que forma podemos compatibilizar a necessidade de reflexão política ideológica com o pragmatismo da tomada de decisão imediata? Será uma necessidade reinventar a Social-Democracia do século XXI.

 
Assunção Esteves

A pergunta que faz é exactamente o que eu trouxe com a exposição que fiz aqui. A Social-Democracia do século XXI é sermos capazes de olhar para a frente. É não nos apegarmos aos modelos que herdámos e adaptarmo-nos ao imprevisto; sermos sujeitos de princípios essenciais. Há um lado eterno das coisas que somos nós, a nossa dignidade, a nossa natureza comum; o resto pode mudar tudo e quando mudar, só é legítimo que mude se for em nome disso. Portanto, passa por isso tudo: pela abertura a novos paradigmas, pela capacidade de praticar esses novos métodos que se ligam à consecução desses novos paradigmas e a nossa vontade moral de intervir com o sentido do Outro – essa é a reinvenção da Social-Democracia.

 
Duarte Marques

Obrigado. João Santos e a seguir a Joana Duarte.

 
João Santos

Boa tarde, gostaria de saudar a mesa, em especial a Dr.ª Assunção Esteves e desejar-lhe felicidades no novo cargo que agora ocupa.

Nos tempos actuais, é necessário reformar o estado sobre vários pontos; nessa situação como pensa que deverá ser gizada uma certa harmonia entre o Estado e o Mercado? Que tipo de regulação deverá ser feita e, acima de tudo, como deve ser organizada a nível nacional, europeu e até mundial?

 
Assunção Esteves
Muito obrigada, essa pergunta é mais difícil, exigia-me alguns conhecimentos que eu não tenho, mas posso responder sobre o ponto de partida que foi esse que discutimos aqui. Tem que haver uma política global concertada sobre a Economia e os fora– para dizer o plural em latim de fórum– como a Organização Mundial do Comércio. Têm de começar a ser explorados com maior coerência por Uniões como a União Europeia. A União Europeia não tem exercido pressão suficiente em certos fenómenos – vou dar um exemplo – como a deslocalização. Nós falamos dela como um mal incontornável e é preciso perguntar – eu já o fiz um dia num discurso no Parlamento Europeu – se a política de Direitos Humanos dos países para os quais as nossas empresas se deslocalizam está ou não está a ser passada acriticamente debaixo dos nossos olhos. Nós conformamo-nos com a deslocalização das empresas para esses países, aceitamos a violação dos Direitos Humanos, que não têm só a ver com as prisões, pena de morte, intolerância política, mas as próprias políticas salariais de esclavagismo e não temos uma política coerente de nos fora adequados impormos a relação entre a venda dos nossos produtos, a exportação do nosso know-howe outras coisas, passando pelos critérios desse crivo. Portanto, a necessidade de uma política global começa logo pela necessidade de protagonizar a incoerência nos lugares certos, medidas que tornem o mundo mais equilibrado porque os Direitos Humanos e a regulação da Economia só de podem conseguir a montante, na produção da Política e se a Economia é global a Política tem que o ser. Têm de se desfazer os velhos egoísmos, tem de haver cedências recíprocas e, provavelmente, uma coisa que os alunos já ouviram com recorrência, é que a crise está-nos a lançar num estado evolutivo, pois só através de uma crise dilacerante – como nós temos que reconhecer que a União Europeia atravessa – é que aprendemos que temos que nos entender e que a tal Europa "Vestefaliana”, de cada um por si, tem de acabar. Provavelmente, a crise abre-nos a isso, mas para lhe dizer que a solução é essa: tem de haver mais integração para haver uma voz mais unitária, maior coerência e só assim é que há mais pressão sobre as organizações que de facto mudam as coisas no mundo, senão continua a comprar produtos chineses, continua a subscrever e a apoiar indirectamente o trabalho escravo, a deslocalização das empresas e a assimetria do mundo. Isto não pode ser assim; isto é assim porque ainda não nos entendemos; é assim porque a política falhou face à Economia.
 
Duarte Marques

Obrigado, senhora Presidente. Susana Duarte do Grupo Rosa, depois será o Afonso Leitão do Grupo Laranja.

 
Susana Duarte

Desde já, boa tarde, gostava de dizer que o Grupo Rosa ficou muito feliz quando soube que a Senhora vinha cá e o difícil não é fazer uma pergunta, é não fazer dez!

Tendo uma mulher aqui, não vou resistir, vou ter de fazer uma pergunta mais directa e é: sendo que foi a primeira mulher a ser juíza no Tribunal Constitucional, a primeira mulher a ser Presidente da Assembleia da República, gostava de saber qual era a sua opinião sobre o papel da mulher na política nacional e o que pensa da Lei da Paridade? Obrigada.

 
Assunção Esteves

A pergunta é interessante, porque vem ao encontro de uma espécie de reflexão íntima que eu fiz hoje de manhã e ontem à tarde no plenário do Parlamento.

Eu no partido nunca defendi as quotas. As pessoas que me conhecem, a minha evolução de pensamento, a minha atitude de pensamento, mais do que evolução (também evoluí, mas…), a minha atitude sobre essa matéria e outras, sabem que eu nunca defendi as quotas. Eu devo dizer que ontem e hoje, por acaso, deu-se que as intervenções pedidas no plenário para intervenção, foram feitas muitas por mulheres jovens e algumas das quais falavam pela primeira vez no plenário. Eu devo dizer que fiquei surpreendida no bom sentido, porque, bem, ficamos com aquela ideia de que as quotas arrastam para li pessoas pela força do número e não da razão, pela força da paridade e não pela razão das coisas...

Mas eu ontem e hoje verifiquei uma belíssima coincidência: eu nunca defendi as quotas, mas não estou a ver nenhum efeito perverso das quotas no Parlamento e até diria mesmo, sem nenhuma espécie de sectarismo de género, que algumas das intervenções - eu tenho ainda uma experiência curta da Assembleia, dois meses, se tanto –, mais vivas, melhor construídas até intelectualmente, mais empenhadas, menos gastas pela rotina da política, nestes dois meses, foram feitas por mulheres, jovens, e algumas a começar. Se quer que lhe diga, já não sei o que lhe responda sobre a paridade, que tenho mais dúvidas do que tinha.

[APLAUSOS]

 
Duarte Marques

Muito obrigado. Afonso Leitão do Grupo Laranja.

 
Afonso Leitão

Muito boa tarde, em nome do Grupo Laranja queríamos felicitá-la pela grande vitória democrática de uma primeira mulher como segunda figura do Estado e de ser do nosso partido!

É esse o grande reconhecimento que o Grupo Laranja lhe quer fazer e se a Senhora permite quero fazer uma pequeníssima nota pessoal.

É que no dia 21 de Junho, uma terça-feira, em que foi eleita Presidente da Assembleia da República, foi uma grande felicidade pessoal por ser de Valpaços, no distrito de Vila Real, como é natural a minha mãe e como tal, como não esqueço as minhas origens e dos meus familiares foi uma grande vitória e satisfação pessoal.

Em relação à pergunta que lhe queríamos dirigir, foram focados dois aspectos que nos parecem decisivos: a palavra reinventar e a questão do Federalismo europeu que hoje doutrinalmente é causa de muita divergência de natureza jurídica. Como tal, a questão não é jurídica, é apenas política, é de saber se um dia for adoptado esse modelo e eliminadas as barreiras políticas em relação a esse modelo, pode ser um factor que evitará futuras crises económicas, financeiras e políticas e conflitos entre os Estados-membros?

Muito obrigado e muitas felicidades para o exercício do seu mandato porque o sucesso da Assembleia da República e do seu mandato também vai ser o sucesso do País e não apenas o sucesso do Governo.

[APLAUSOS]

 
Assunção Esteves

Muito obrigada, é mesmo com essa perspectiva de país que estamos aqui todos.

Do Federalismo, com certeza que resulta da exposição que eu aqui fiz e também de alguns pontos e momentos, deste debate, que essa é a solução. Há um filósofo que diz que nós estamos a viver – isto é uma expressão curiosa – "uma paz preguiçosa”, porque estamos a viver em paz e estamos a deixar-nos decair para trás em vez de saltarmos para a frente. Essa "paz preguiçosa”, a Europa tem de se afastar imediatamente dela; pois ela faz-nos recuar, faz-nos pôr em causa o que construímos. Há um aspecto aqui que eu não referi, que é o efeito de contaminação da própria exemplaridade europeia. O papel da Europa, na mesma lógica e não-egoísmo com que a Europa se deve integrar, é a mesma que deve servir de exemplo para que outros se integrem. Isto é, não é cada Estado deixar de ser egoísta para se tornar mais forte numa Europa unitária, é também que uma Europa seja forte para que crie outras formas regionais de união de Estados capazes de entendimento, articulação de uma funcionalidade que eu chamo humanamente orientada e para dizer exactamente isso, que de facto, relativamente à sua pergunta, não é admissível do ponto de vista moral a nossa "paz preguiçosa”; não é admissível ver bolsas de pobreza numa Europa que apostou sempre na dignidade, desde as Luzes e antes das Luzes; numa Europa que é a pátria da civilização, porque só se pode entender por civilização aquilo que tem um referente antropológico essencial. Não é possível a Europa afirmar-se com estes níveis que já se geram, sobretudo nos países mais periféricos, de sofrimento social e humano que a incapacidade política se não está a provocar, está pelo menos a consentir. Esta ideia de nós estarmos, por incapacidade, a consentir, está muito bem denotada pela ideia de "paz preguiçosa”; temos de abandonar essa "paz preguiçosa”.

 
Duarte Marques

Muito obrigado, senhora Presidente. Chegámos agora ao final, ao fim de todas as questões obrigatórias dos Grupos e temos algumas questões que são a primeira vez que vão colocar e dava à palavra à Andreia Gonçalves do Grupo Azul e de seguida ao José Pato do Grupo Amarelo.

 
Assunção Esteves

Eu parece que estou naqueles sessões do Macarthismo que tinha de responder ali muitas perguntas seguidas.

 
Duarte Marques

Ah, isto é terrível, mas digo-lhe que para os Ministros é bem pior, não são tão simpáticos; isto é pior que uma comissão de inquérito.

Com a sua autorização, vamos juntar duas perguntas de cada vez, da Andreia e do José Pato.

 
Andreia Gonçalves

Boa tarde, Dr.ª Assunção Esteves, é corajosa, é mulher, é transmontana, eu sou de Bragança.

[APLAUSOS]

Em Portugal é a primeira mulher a desempenhar o cargo de Presidente da Assembleia da República, ou seja, é uma referência nacional. Outra referência a nível internacional é Margaret Thatcher. Considerando que esta última disse "o socialismo só dura até acabar o dinheiro dos outros”, agradecia que comentasse o facto de muitos países da Europa estarem agora a virar à Direita. Obrigada.

 
José Pato

Boa tarde. Senhora Dr.ª, considera que a Social-Democracia no século XXI deve tentar a unificação normativa orgânica e funcional, no modelo de federalismo europeu, de forma a atingir a justiça Global, talvez adoptando uma Constituição-mãe?

No entanto, será possível conseguir um modelo que abranja todas as realidades culturais identitárias de cada país, abandonando-se as Constituições nacionais prevalecendo uma Europa una e integrada, em vez de uma Europa a la carte, como nos dias de hoje?

 
Assunção Esteves

Muito obrigada, vou então responder em conjunto às duas perguntas.

A primeira é: em Democracia nós nunca sabemos se se vai virar à Direita, ou à Esquerda; vamos vendo qual é o fluir das coisas e também as características do Governo permitem-nos mais ou menos identificá-los como famílias partidárias, mas não poria as coisas exactamente nesses termos. O problema agora já não é quando é que acaba o dinheiro dos outros, ou quando é que acaba o nosso dinheiro; o problema é como é que nós racionalmente nos compreendemos melhor uns aos outros e, de facto, lançamos uma base normativa que não nos permita tanto desatinar em formas centrífugas do sistema de regulação que a Europa tem de escolher ao nível da política, ao nível da economia e ao nível do sistema de protecção social. Portanto, temos é que evitar derivas que assentam exactamente na falta da integração normativa.

A proposta que aqui vos trago, a pergunta ajuda-me a colocar mais um ponto de afirmação nesta narrativa, é que de facto temos de ter uma proposta de maior integração normativa. Nós temos que substituir a negociação pela norma da União Europeia, ou pelo menos substituir maioritariamente a negociação pela norma.

À segunda pergunta, à qual eu quero responder (ah, já sei, era sobre o sistema de federalismo e as identidades), eu remeto para a "distinção amiga” (chamar-lhe-ia assim) entre a ideia de patriotismo e patriotismo nacional. A UE, enquanto espaço de formação, não pode nunca prescindir da sua diversidade cultural. Aliás, o que ela tem de original este modelo é que ele assenta na conjugação de diferenças. É muito menos original articular aquilo que é homogéneo; é esta articulação de diferenças que torna o modelo original.

Agora, em relação à ideia de uma nova Constituição (acho que falou de fazer cair as nossas constituições), há também um aspecto que eu gostava de deixar claro, outro ovo de Colombo para o qual as pessoas não olham sempre, é que a ideia de uma Federação Europeia, ou de uma Constituição Europeia, ou de um Tratado de Lisboa um bocadinho como parece. Se os alunos desta Universidade pensarem bem; uns por aprendizagem na Universidade, outros por apreensão mediática, ou por outras formas de comunicação, sabem perfeitamente que o critério de pertença à União já é um critério de convergência constitucional. Nós se não tivermos, se não convergirmos no essencial, do ponto de vista dos grandes valores do constitucionalismo, não poderíamos estar na União Europeia. Não é sem razão, que os alunos sabem que há uma espécie de estágio ou de tirocínio dos países que saem de formas democráticas mais duvidosas para entrar na União Europeia. Tempos de adaptação que não são apenas tempos de adaptação das formas sociais, da capacidade económica de entrar num mercado único, são tempos de adaptação institucional, tempos de adaptação republicana (chamemos-lhe assim, até podem ser monarquias), à matriz europeia, ao rosário, ao catálogo, ao seu grande código, que é o de Direitos Humanos e de Democracia.

Portanto, se nós percebermos que os elementos estruturantes do tratado fundador exigem, por exemplo no artigo 6º (acho que ainda me lembro de alguns artigos) que é preciso estar na União e para lhe pertencer, defender o princípio de Direito com princípios e deveres e uma Lei com todos os cidadãos iguais perante elas; a afirmação de Direitos Humanos garantida por Tribunais independentes; uma Constituição que não é apenas formal, mas material, no sentido em que ela tem valores, encarna valores universais comummente reconhecidos, no sentido de uma liberdade que se na rua e na relação dos cidadãos com as instituições políticas, não se chega lá. Portanto, de certo modo (vou usar o termo), não estamos a pedir demais quando estamos a pedir uma espécie de integração normativa europeia mais intensa, pois nós já não estamos a partir do ponto zero; nós chegámos à União com uma convergência constitucional que nos "normalizou” muito mais do que nós pensamos.

As nossas Constituições no seu essencial estão ali no Tratado da União Europeia, porque se não estivessem também nós não estaríamos lá e, portanto, não se está a pedir um progresso de um grau tão avançado como parece. Nós estamos muito avançados, estamos é preguiçosos e estamos sem querer ver.

 
Duarte Marques

Muito obrigado. De seguida, Carolina Xavier do Grupo Rosa e o André Marques do Grupo Azul, pela primeira vez também, aqui a estrear-se.

 
Carolina Cruz Xavier

Boa tarde, Dr.ª Assunção Esteves, é um prazer estar na sua presença, tenho por si uma grande admiração.

A minha pergunta vai de encontro ao cargo que actualmente desempenha: como segunda figura do Estado Português, considera estar preparada para, em caso de emergência nacional, ocupar um papel de maior destaque.

 
Assunção Esteves

Muito obrigada pela pergunta.

A pergunta que me faz, eu um dia pensei nela, mas só por um segundo, porque eu acho que nós temos resistência se tivermos serenidade e se tivermos serenidade temos resistência, sendo capazes de tudo.

Há um provérbio chinês que eu muito admiro e acho que os meus colegas de mesa que já o ouviram noutros contextos, porque eu refiro-o muitas vezes. Pelo menos, referi-o uma vez, vou-lhe contar: numa delegação do Parlamento Europeu, melhor dizendo do Partido Popular Europeu, em Roma; fomos falar com o Romano Prodi e com o Napolletano, o Presidente.

E o que é que nós fomos fazer a Roma (isto para lhe contar)?

Fomos lá para lhe pedir – na altura, estávamos a tentar salvar a Constituição; o PPE, tenho de fazer essa honra, lutou muito por uma Constituição Europeia; nós fomos num grupo chefiado pelo deputado Elmar Brok a Roma porque ia haver a comemoração dos 50 anos do Tratado de Roma e a ideia era (isto é outro aspecto para o qual eu gosto de chamar a atenção dos alunos) o aproveitamento da ideia simbólica também para fazer política. Nós não podemos nunca desprezar a simbologia na política e como ia haver os 50 anos do Tratado de Roma, nós fomos pedir ao Presidente Napolletano e ao Primeiro-Ministro Romano Prodi que criassem uma celebração forte, simbólica, em Roma, sobre o Tratado de Roma, a ver se recriava uma energia para os cidadãos europeus e a suas instituições acordarem para a uma aceitação de uma Constituição Europeia que (posso usar o termo a brincar) nós estávamos ali a "tentar vender”. Então, nós éramos os mercadores da Constituição e estava eu a intervir e o Presidente Napolletano virou-se para mim e perguntou: "mas a senhora acha que nós sozinhos, italianos, podemos fazer assim um acontecimento tão forte que consiga impressionar a Europa sobre a Constituição Europeia?”. E eu disse-lhe "senhor Presidente, há um provérbio chinês que é dos provérbios que eu mais gosto que diz que um soldado só, pode ser um exército.”

E eu acho que cada um de nós pode ser um exército, foi por isso que eu vos indiquei o "Invictus” como filme, porque há um homem que faz uma revolução e eu quase diria que ele tem os ventos da História, mas que a faz sozinho. Eu não sou capaz de fazer uma revolução sozinha se me sinto capaz? Sinto-me com a serenidade capaz e a serenidade é essencial; sinto-me, lembrando-me de uma recomendação que, muito antes de eu voltar ao parlamento, me fez um senhor que me vende coisas num mercado de rua ao fim-de-semana. Disse-me "a senhora vai voltar ao Parlamento?”, eu disse "vou, vamos lá a ver o que eu vou lá fazer; é a terceira vez que vou para lá” e ele disse-me "não se esqueça de fazer política com a naturalidade com que aqui faz as compras” e eu no dia em que fui eleita lembrei-me dele.

Se fizermos com naturalidade e com humanidade é tudo tão humano, portanto é tudo tão simples.

[APLAUSOS]

 
André Marques

Boa tarde Dr.ª Assunção Esteves, antes de mais, quero-lhe de dizer que me identifico muito com a sua maneira de estar na Política e para mim é uma honra tê-la aqui para poder fazer-lhe esta pergunta.

Queria perguntar-lhe: quais são as principais diferenças e as principais semelhanças entre o PSD de hoje e o PSD quando foi fundado por Sá Carneiro? Obrigado.

 
Assunção Esteves

A pergunta é muito interessante; se quer que lhe diga uma coisa, era mais fácil a definição ideológica no tempo de Sá Carneiro. Até vou dizer outra coisa, sem isso diminuir em nada a excelência do exercício do nosso fundador Francisco Sá Carneiro, mas também era mais fácil fazer política naquela altura. Sabíamos a fronteira entre nós e os outros; o possível e o impossível; o admissível e o inadmissível, o racional e o não-racional; a liberdade e o totalitarismo.

Hoje, o mundo normalizou-se mais, os esquemas das diferenças estão mais diluídos, já não temos fronteiras ideológicas, mas as fronteiras ideológicas são agora as diferentes mundivisões que se espraiam nos papéis que nós desempenhamos. Um modo de construir um mundo que na altura estava estancado dentro de fronteiras, dentro de esquemas previsíveis; hoje tudo mudou, hoje nós – como eu disse aqui na minha intervenção – lidamos com o imprevisível. Temos uma espécie de sangria permanente entre os Estados de fluxos migratórios, temos revoluções inesperadas, temos recessões também inesperadas, temos preocupações inusitadas, temos alguma vertigem de saber para que lado nos havemos de virar, temos atitudes morais novas, eu diria para melhor; maior capacidade de os Estados dialogarem; temos provavelmente uma opinião pública internacional mais humanizada, porque o próprio espaço público internacional está menos "bunkerizado”, mas a política é muito mais difícil de fazer, porque nós estamos ainda a lidar com o terreno movediço da emergência de novos espaços, sem ter ainda a convergência de vontades e a emergência de novas regras adequadas.

Se me perguntarem, eu acho que hoje é mais difícil fazer política do que era no tempo de Sá Carneiro, mas que, apesar de tudo, o essencial do universalismo das suas verdades se mantém e pode ser também uma seiva para construir a nossa vontade de intervir agora.

 
Dep.Carlos Coelho

Dr.ª Assunção Esteves, foi um momento especial nesta Universidade, não apenas por termos connosco a segunda figura de hierarquia do Estado, também não apenas por ser a única senhora no conjunto dos oradores nesta Universidade de Verão, mas pela mensagem que nos transmitiu e pela forma como respondeu às perguntas dos participantes nesta Universidade.

Portanto, em nome de toda Universidade de Verão, muito obrigado por ter estado connosco na Universidade de Verão 2011.

[APLAUSOS]