ACTAS  
 
02/09/2011
Os media hoje: analisar informação ou explorar sentimentos?
 
Dep.Carlos Coelho

Bom dia.

Impõe-se uma explicação prévia, que tem a ver com a natureza deste debate. Como já vos disse na abertura, no início, este tipo de sessões – os debates - não existia no formato da UV. Foi uma das sugestões dos vossos colegas nos exercícios de avaliação das primeiras edições da Universidade de Verão.

A ideia era trazer temas da actualidade com dois oradores que pudessem ter opiniões contraditórias. Para quê? Para não só fazer o debate e analisar com profundidade o tema escolhido mas, ao mesmo tempo, dar-vos a oportunidade de ver como protagonistas de primeiro plano esgrimem argumentos e exercitam um combate civilizado e, ao mesmo tempo, contundente.

Nesta Universidade de Verão hesitámos entre optar por um tema mais contundente para vos permitir essa aprendizagem, mas menos relevante (do nosso ponto de vista), ou um tema da actualidade, correndo o risco dos dois oradores que queríamos convidar não terem uma posição totalmente contrária. Naturalmente que iriam divergir em alguns pontos, mas é expectável que convirjam noutros.

Decidimos que a actualidade do tema era mais importância que a beligerância dos contendores e escolhemos o tema que vocês conhecem, "Os mediahoje: analisar informação ou explorar sentimentos?”.

Porquê? Porque consideramos que é necessário reflectir sobre o que é a informação e a Comunicação Social hoje. Quais são os limites do jornalismo? O que são hoje os jornais? São os impressos? São os da internet? Toda a informação colocada na internet pode ser associada ao jornalismo? O caso "Wikileaks” é legítimo? É legítimo que, em nome da liberdade da informação, aquelas informações tenham sido colocadas online? Pode-se dizer que o "Wikileaks” é o jornalismo digital ou é uma forma de fazer calhandrice através dos novos media?

Há cada vez mais sites de escândalos, alguns deles associados a publicações jornalísticas ou ditas jornalísticas. Há quem fale em compra de informações. Temos o caso de jornais ingleses ligados a um grande potentado que violaram a intimidade das pessoas, intrometeram-se nas comunicações e espiaram a vida de milhares de pessoas. Será que isso é legítimo?

Para lá da dimensão criminal face à lei do país, neste caso o Reino Unido, há uma abordagem ética. Qual é a legitimidade do jornalista? Qual é o limite para a curiosidade do jornalista? Será que hoje um jornalista tem de ser um jornalista voyeur?

Bem, são muitas as questões para reflectir sobre o jornalismo de hoje, em Portugal e no Mundo. Convidámos para estar entre nós duas pessoas que eu muito admiro e que são personalidades notáveis.

À minha direita está o Dr. Henrique Monteiro, que foi director do Expresso. Conheço-o há trinta anos. Conheci-o como jornalista, o jornalista com maior sentido de humor que eu alguma vez encontrei em Portugal ao ponto de, numa viagem de Estado com o então Presidente da República, Dr. Mário Soares, que integrava também o grande humorista português Herman José, todos se terem apercebido que o Herman já estava cheio de ciúmes porque quem fazia rir a comitiva era o Henrique Monteiro, não era o humorista que acompanhava o Presidente da República.

O Dr. Henrique Monteiro já não é director do Expresso, agora está na Administração do Grupo, ganhou importância hierárquica. Não sei se perdeu o gosto pelas coisas que faz...

[RISOS]

Para mim foi uma surpresa vê-lo abandonar as funções de direcção para ir para as funções de Administração porque, quem viu ao longo dos anos aquele jornalista notável, inteligente, arguto e bem humorado, a última das coisas que imaginaria era vê-lo sentado atrás de uma secretária de Administração. Mas admito que se realize com o que faz porque é um homem verdadeiramente notável, como terão oportunidade de ver durante o debate.

O Dr. Graça Moura é um conhecido nosso, que esteve na fundação do PSD e que depois, muito cedo, saiu do Partido batendo com a porta.

Acabou por se reaproximar mantendo sempre o estatuto de independente.

Foi nosso deputado ao Parlamento Europeu. Eu sou testemunha privilegiada porque tive a honra de o acompanhar nessas funções, vi o prestígio que ele tinha - grande parte dos nossos colegas quando o cumprimentavam no corredor diziam "este nosso colega que já podia ser Prémio Nobel mas ainda não é”.

Alguém com mais autoridade do que eu, definiu-o como o maior poeta vivo de Portugal. E tem um currículo literário fantástico, que consta das vossas pastas de documentação.

Para terminar a apresentação dos nossos convidados, o hobbie, à esquerda, é jogar xadrez, à minha direita, por incrível que pareça, é tocar piano.

A comida preferida, à esquerda, é "feijoada com tripa, mais as trouxas de ovos regadas com Barca Velha de 1965, se isso não fosse já um mito e não engordasse horrores”, diz o Dr. Graça Moura. O Dr. Henrique Monteiro hesita entre percebes, cracas e sashimi.

No animal preferido temos aqui já uma área de concordância: Dr. Graça Moura prefere o cão; o Dr. Henrique Monteiro diz que são "dois cães, heranças que as minhas filhas deixaram lá em casa, ainda assim, não sei o que diga porque não gosto assim tanto de animais”.

[RISOS]

O livro que Vasco Graça Moura sugere é "A Ilustre Casa de Ramires”, de Eça de Queirós, sublinhando tratar-se do "último sobressalto decente quanto a uma reflexão sobre Portugal no Mundo”. O livro que Henrique Monteiro sugere, "embora digam logo que sou um homem intelectual porque vivo rodeado de livros e escolher apenas um é uma aventura - mas como a sugestão é da área política, o velho Sun Tzu com "A Arte da Guerra”, Clausewitz com o "Da Guerra” ou Aquilino Ribeiro com "Príncipes de Portugal: suas grandezas e misérias”.

Filmes que sugerem. Graça Moura, "Senso”, de Visconti, "é um meu filme favorito, em que a ópera, a paixão e a traição se misturam para resultarem numa obra prima”. O filme que Henrique Monteiro sugere é "Sete Samurais”, Diz o nosso convidado que este filme é mais velho do que ele "mas tem grandes lições. Há uma versão de cowboys, mais leve e um pouco mais nova: "Os Sete Magníficos”, com Yul Brynner, Charles Bronson e Steve McQueen.

Finalmente, a qualidade que ambos mais apreciam. Vasco Graça Moura: a lealdade. Henrique Monteiro: a honestidade.

Vamos então dar inicio ao debate. Cada um dos oradores fará uma intervenção inicial de quinze minutos e depois iniciamos o ciclo de perguntas, em conjuntos de duas.

Dr. Henrique Monteiro, a palavra é sua.
 
Henrique Monteiro

Muito obrigado. Bom dia.

Queria naturalmente agradecer à organização o facto de ter convidado um tipo como eu, como dizia o Groucho Marx sobre os clubes que frequenta.

Queria cumprimentar o Dr. Vasco Graça Moura, que é uma pessoa que admiro muito, sobretudo na sua qualidade de poeta e de tradutor de clássicos, e é isso que ficará para a História porque da política raramente alguma coisa fica. Da arte felizmente vai ficando e da sua arte certamente que ficará.

Agradeço muito ao Carlos Coelho pela simpatia com que ele me apresentou, que foi manifestamente exagerada embora ele não perceba porque é que me passei para a Administração: depois de me ter chamado arguto devia ter percebido, é porque o jornalismo não vai muito bem.

[RISOS]

Já falaremos disso. Eu, argutamente, pisguei-me, como se costuma dizer.

Para que servem os media, o jornalismo, se é para analisar a informação ou explorar sentimentos e naturalmente a ideia de que os media exploram cada vez mais sentimento é uma crítica constante ao papel desempenhado pela Comunicação Social. Essa crítica é verdadeira. Nunca, como hoje, os sentimentos foram tão explorados. Mas é verdadeira para a Comunicação Social, como é verdadeira na política, se vocês pensarem em muitas outras actividades.

Eu acho que há, e podemos discutir isto, um caminho individualista pós-moderno que criou uma espécie de cartilha de negação da objectividade, negação daquilo que nos é exterior, e de afirmação constante de uma subjectividade na qual o sentimento se torna mais importante que a razão.

E este tipo de ideias, logo na Academia, portanto, nas universidades, gera uma confusão sobre o que é jornalismo e o que é comunicação. E esta confusão parece que não tem importância nenhuma, mas tem. É que a comunicação visa chegar ao maior número possível de pessoas, adaptando a mensagem de forma a torná-la mais perceptível e o jornalismo visa relatar a verdade, mesmo que para isso a mensagem tenha de ser relativamente confusa. No fim do dia, como se costuma dizer, são dois objectivos completamente diferentes.

É por isso que, em Portugal, a maior parte dos jornalistas são licenciados em Comunicação Social, que é um curso que forma jornalistas e tudo o que é incompatível com o jornalismo: marketeers, assessores de imprensa e tudo isso. Eu costumo dizer que é como a faculdade de medicina formar cangalheiros, são incompatíveis.

Portanto, há um conceito de "verdade” que a Academia tem profundamente destruído, através da relativização. Dizem que é impossível determinar o lugar da verdade, mas a verdade, no caso do jornalismo, não é uma verdade filosófica, é uma verdade pequenina, uma verdade do dia-a-dia, um carro que bateu no outro, uma pessoa que almoçou com outra, um juiz que proferiu uma determinada sentença.

Voltando ao sentimento, a pergunta que mais se faz no jornalismo hoje em dia, se virem os canais de televisão, é "como é que se sente?”. Há uma inundação e o que interessa é o sentimento da pessoa sobre a inundação. Há um desastre, uma guerra, uma catástrofe qualquer e a pergunta é "como é que se sente?”. No final do debate do programa de Governo, por incrível que pareça, perguntaram ao Ministro das Finanças como é que ele se sentia depois de apresentar aquelas medidas. É uma coisa extraordinária, são medidas que afectam o país todo e o que interessa é como se sente o Ministro.

Esta ideia centra-se na eficácia da mensagem, com o facto da mensagem atingir o maior número de pessoas, não na racionalidade da mensagem. Isto leva a que o embrulho prevaleça sobre o conteúdo. E essa é a crítica mais consistente que se faz à Comunicação Social hoje, uma critica que é verdadeira, tenho de reconhecer.

Agora, isto vende? O sentimento vende? É como perguntar se as mulheres quase nuas da página 13 do News of the World também vendiam e por isso tinham lá um lugar cativo. Eu sinceramente não sei, vende para algumas camada, não vende para outras e por isso também há jornais diferentes, os que são mais sensacionalistas e os que são menos. Mas também uma coisa é verdade: quando um jornal entra em crise, a primeira ideia logo é baixar-lhe os standards. Isto raramente resulta, mas foi um mito que se enraizou.

É bom de ver que o jornalismo, e só este, não toda a Comunicação Social, presta um serviço público indispensável à Democracia, naquele sentido que lhe deu o Thomas Jefferson que afirmava preferir um país sem Governo a um país sem jornais.

E quando presta esse serviço e tem estas prerrogativas que o jornalismo tem, é um serviço que deve ser entendido como de como de contra-poder, de "grilo falante”, de consciência critica, com exageros que devem ser combatidos e outros que podem e devem ser criminalizados, mas é um serviço insubstituível.

Agora, não se devem confundir a prerrogativas do jornalismo com as prerrogativas de toda a comunicação. Nem tudo o que está numa rádio ou numa revista – e nas televisões e nas rádios isto ainda é mais evidente – é informação. Eu aceito que o preço a pagar pela liberdade de expressão e de informação seja com algumas notícias sensacionalistas, aquele estilo de "deu três tiros na mulher e depois matou a sogra” ou "como se sente o ministro das finanças?”.

Até aceito que seja a exploração do corpo feminino na página três de um jornal qualquer. Diferente é aceitar que esse preço seja a vigilância e a espionagem a indivíduos, como aconteceu no caso do News of the World, e em Portugal aconteceu pela polícia secreta ou pelos serviços de informação, para ser mais exacto, embora pareça mais uma polícia secreta que um serviço de informação.

Havendo este poder por parte da Comunicação Social e da imprensa, é normal que ele seja escrutinado e limitado pelas leis e pela regulação, pela auto-regulação quando possível, e não se pode deixar de fazer a hetero-regulação. O código deontológico dos jornalistas, os estatutos editoriais dos jornais – no caso do Expresso, o estatuto editorial diz "O Expresso sabe que a publicação insistente de determinados assuntos do crime e do sexo, às baixezas da vida política e económica podia aumentar a venda de exemplares, mas recusa-se a alimentar qualquer tipo de sensacionalismos” – fixam isto. Há outros jornais que vivem destas questões. Mas sobre auto-regulação, estamos conversados. Os jornais, no geral, não se afirmam sensacionalistas, mesmo quando o são e afirmam-se sempre anti-sensacionalistas.

Vamos à hetero-regulação: o que é que podemos fazer? As pessoas normais olham para nós, jornalistas, como se nós tivéssemos muito poder. Eu conheço pessoas que acham que eu tinha e tenho um poder enorme, mas se olharmos concretamente para o poder dos jornalistas e para o poder da imprensa, temos de perguntar primeiro, o que é um poder?

Nós temos os três poderes tradicionais de Montesquieu: o executivo, o legislativo e o judicial. E estes poderes, como vocês sabem perfeitamente, são poderes exclusivos e poderes impositivos, ou seja, mais ninguém, sem ser um tribunal, pode mandar alguém para a prisão, mais ninguém, para além do Governo, pode governar o país e mais ninguém, sem ser a Assembleia, pode fazer leis. Portanto, nós somos o quarto, o que quer dizer que já estamos abaixo destes.

Vamos ver esta questão: se nós estamos em quarto, em que lugar estão os banqueiros? Em quinto? E em que lugar estão as companhias petrolíferas? Em sexto ou em quinto? E nós temos mais poder que eles? O que nós estamos aqui a discutir são os poderes de influência. E nestes poderes de influência, eu digo-vos concretamente que há mais de trinta anos que eu sou jornalista e nunca me senti poderoso. E se descermos à terra e perguntarmos se temos ou não temos o poder de influenciar, os jornais têm poder de influenciar. Mas digo que essa influência é geralmente ditada por fora, por actores que nada têm a ver directamente com os media, mas se servem dos media. Há vários exemplos na política, escuso de dá-los.

Se olharmos um pouco para a história de isto tudo, veremos que esta ideia de mediação da comunicação sempre existiu. Havia as praças, a Ágora ateniense, o Forum Romanum, os salões românticos, os salões renascentistas. Havia também aquilo que se chamava a "matraca”, era um homem que saía com uma matraca, juntava as pessoas numa praça e depois dizia, e eu vou citar uma frase do O Alienista de Machado de Assis - um autor brasileiro que pouco se lê em Portugal e é pena – em que o Machado de Assis diz o seguinte: "De quando em quando tocava a matraca, reunia-se gente e ele anunciava o que lhe incumbiam”. Eu sublinho muito o "o que lhe incumbiam” porque a questão aqui, sobre o poder dos jornalistas, é tentar perceber se a criatura que dizia o pregão foi substituído por um criador que é o jornalista.

A minha resposta é sim e não. É simporque ao jornalista não cabe criar nada do que anuncia e não porque quando o jornalista é sério – e eu quero crer que a maior parte dos jornalistas são sérios na sua actividade, como noutra actividade qualquer – funcionam com base em diversas fontes cruzadas, fontes com interesses diversos e não com base numa incumbência, como no caso da matraca.

O jornalista não tem ou não deve ter por objectivo privilegiar uma fonte, não deve ter como objectivo influenciar o destino dos acontecimentos, não deve ter como objectivo ganhar importância ou ganhar preponderância, apenas deve divulgar o que dá por verdadeiro e incontestável.

O problema é que, ultimamente, as fontes foram-se profissionalizando também. Já temos uma imprensa de comunicação especializada em enganar e tornar tudo isto nubloso. E deste modo, com manhas e artimanhas, dificultam muito a transparência da comunicação e do jornalismo. E alguns destes tipos vivem da vaidade do profissional de jornalismo, que se chega a convencer que é ele próprio o dono da mensagem, o que é extraordinário.

Por isso eu digo, até agora, a hetero-regulação deteve-se só sobre o jornalista e chegou a hora de ela ser sobre todos os actores que estão envolvidos na comunicação. Isto parece-me absolutamente óbvio. E quando eu digo "sobre todos os actores” digo também sobre quem investe na Comunicação Social e sobre quem tem a cadeia hierárquica sobre os jornalistas, no caso concreto, já eu inclusive.

A lei prevê isto, mas a prática é muito difusa e por que razão isto é importante? Nós estamos preocupados com o "Wikileaks”, ou com o excesso de sensacionalismo e de ganância que levou à desvergonha e ao caso de polícia que foi o News of the World. Eu vou aqui colocar-vos perante algo que talvez seja mais preocupante.

Hoje em dia, os grupos de Comunicação Social, em Portugal e em todo o mundo, movem-se em terrenos muito difíceis. A evolução do negócio, com a Internet a trazer ideias de gratuitidade, a crise económica que o mundo atravessa, as espantosas alterações tecnológicas que vivemos neste sector da comunicação, tornou este sector muito frágil. É um sector de concorrências e de alavancagens muito, muito estranhas. Eu não conheço mais nenhum sector onde os players percam dinheiro anos a fio sem mudar de procedimentos.

Deixem-me dar este exemplo. Há basicamente três jornais generalistas em Portugal que dão dinheiro, quer dizer, que dão lucro: o Correio da Manhã, o Jornal de Notícias e o Expresso. Porém, há um jornal especializado, com uma redacção tão grande como estas, que vende menos de um décimo do Correio da Manhã. Como é que isto acontece? De onde é que vem este milagre? Isto deve ser possível investigar porque a lei portuguesa prevê a total transparência da propriedade dos grupos de media e de Comunicação Social.

E eu sei quem investe no Correio da Manhã, no Jornal de Negócios e na Sábado e sei quem é o dono da SIC e do Expresso e da Visão, todos vocês sabem quem é também. Sei quem são os donos do Público, quem são os donos do grupo TVI, ainda sei de quem são do Diário de Notícias e do Jornal de Notícias, mas não digo mais nada sobre isto porque todos os outros eu não sei de quem são.

Agora imaginem que há um grupo de Comunicação Social que não tem nenhum interesse em ganhar dinheiro, em realizar um investimento, em retirar do trabalho os lucros da actividade – ao contrário do que se passa com o Grupo COFINA, o grupo proprietário do Correio da Manhã ou com o grupo Impresa, proprietário do Expresso e da Visão, entre outros – que esse grupo sofre prejuízos atrás de prejuízos, mas, ao contrário do Público que também os sofre e comunica – quatro milhões e meio de euros por ano – não parece estar minimamente preocupado com isso. Imaginem que este grupo joga tudo na influência, no tráfico de influências, nas trocas de favores e que esse é o único racional que lhe é conhecido? Como é que se lida com um fenómeno assim?

Ou seja, um grupo deixava de ter o poder de influência para limitar os outros poderes, que é a nobre missão com que foi constituída a imprensa, e pela qual é regulada, para passar a ter o poder de entrar no próprio jogo do poder. E assim, de árbitros passam a jogadores, são guardas que ninguém guarda e, como traduzirá muito melhor que eu o Dr. Vasco Graça Moura, voltamos à pergunta sacramental do Juvenal nas "Sátiras”, "Quem guarda os guardiães?” e penso que se diz "Quis custodiet custodiam”. Não sei se disse bem em latim, mas você é mestre.

Se num quadro de Comunicação Social em que todos os players estão focados no próprio negócio as leis de regulação são suficientes, num quadro alterado o mesmo não acontece. E perceber que a comunicação é um poder corresponde a uma responsabilidade sobre o modo como se usa esse poder. Usar o poder da comunicação para moldar o próprio poder, pode ser ainda mais perverso do que ter o Estado na Comunicação Social.

Eu defendo a presença residual do Estado na Comunicação Social, quando ela é concessionada, como é o caso das rádios e das televisões, ou quando há interesses do país e não há mercado, como é o caso da acção sobre a lusofonia. Com isso quero dizer que ao Estado bastaria ter o que é hoje a RTP2. Ficar com a RTPN não faz o menor sentido, a menos que o Governo queira ficar com um canal de informação do próprio Governo, o que não faz sentido.

Além desse segundo canal, pode existir uma RTP Internacional, dedicada sobretudo à lusofonia e aos países de expressão portuguesa, onde muita programação pode ser fornecida por contratos, serviços públicos ou pelos operadores existentes, e um canal de rádio não-comercial.

A Agência Lusa, em parceria com os privados, também pode fazer sentido. O resto, é totalmente dispensável, mas, meus caros amigos, acabar com a presença excessiva do Estado na Comunicação Social, não deve dar lugar a outras presenças excessivas e mais perniciosas.

A privatização da RTP, como alguém já o defendeu, dá cabo do sector todo: da televisão, dos jornais e da rádio. Os próprios publicitários sabem, e têm defendido, que não se aguenta mais um playersem fazer cair os outros. E eu oiço agora muitos liberais de última hora, daqueles que foram apoiantes do anterior governo, que são apoiantes deste governo e serão apoiantes do próximo governo - porque só sabem ser apoiantes de governos e viver à sombra deles - a dizer que isto é que é o mercado. Mas eu digo que mercado não é misturar aquilo que não é misturável. Com esse mercado chegámos nós a esta crise insustentável de falta de valores.

Mercado é tratar igual o que é igual, é tratar tudo com procedimentos honestos. Não é misturar quem se dedica a uma actividade honesta com quem se envolve em negócios que nem sempre são perceptíveis por espíritos honestos. Também não é, com certeza, vender um canal de televisão em prejuízo daqueles a quem se deu a concessão da televisão, na presunção de que haveria um canal público.

A essência desta regulação que está por fazer na Comunicação Social parece-me fundamental e parece-me este o drama central da Comunicação Social. Existe um estatuto do jornalista, há incompatibilidades para jornalistas, mas não há qualquer imposição sobre directores, sobre publishers, sobre executivos, sobre os donos da Comunicação Social. Reforçar toda esta transparência da propriedade, em toda a extensão, sem parar no velho offshore ou no velho gabinete de advogados, parece-me muito, muito importante.

Se a "Wikileaks” veio mostrar a fragilidade da imprensa actual, que recorre a meios informáticos para denunciar uma mão cheia de nada, penso que a "Wikileaks” demonstrou apenas que os embaixadores dos Estados Unidos sabem escrever bem e dizem mais verdades do que nós pensávamos.

Se nos indignamos, e muito bem, com a ganância do sensacionalismo, a falta de escrúpulos do News of the World, eu acho que mais grave é em Portugal sabermos que certas pessoas dos serviços secretos, a mando não se sabe de quem, podem espiar quem quiserem. E podem, depois disso, calmamente, recolherem-se a um grupo de Comunicação Social, onde estão num doce conúbio o ex-chefe de gabinete do primeiro-ministro com um deputado da bancada do vosso partido que tinha a responsabilidade da Comunicação Social, o Dr. Agostinho Branquinho e muita mais gente importável, influente e respeitável.

E depois vira-se para as pessoas e diz, "mas eu estou no mesmo negócio que o Dr. Henrique Monteiro”. Perdão! Não estão, a visão do poder que eles têm é uma visão instrumental, a minha é uma visão de limitação. A minha é uma visão de contra-poder, de limitação do poder e não de exercício do poder e a mim assusta-me esta promiscuidade. Saúdo, devo dizer aqui, com entusiasmo a decisão que tomou o primeiro-ministro de tentar esclarecer e investigar tudo isto e espero que os resultados sejam públicos.

Eu sei que a informação não é isenta de erros, mesmo a informação séria, mas sei também que é um bem inestimável e sei por experiência de há muitos anos. Eu soube-o quando tive de chamar mentiroso ao ex-primeiro ministro, porque ele foi mentiroso, tive de chamar mentiroso a um Conselheiro de Estado que também mentiu. Não é agradável, não é um lugar onde se ganham muitos amigos, a não ser amigos desinteressados como o Carlos Coelho…

Já deve ter levado uma ou duas minhas, mas não se preocupa muito com isso.

[RISOS]

Mas é entusiasmante saber que estamos a funcionar como limitação aos abusos que inevitavelmente os poderes comentem, mesmo involuntariamente.

E agora que a deriva de marketing que a informação sofreu no governo anterior parece estar ultrapassada, ou seja, que já não temos marketing governamental, já voltámos a ter informação do governo – o que é melhor.

Vocês terão aqui ao jantar o Dr. Soares, perguntem-lhe os conflitos enormes que ele teve com a Comunicação Social, inclusive com pessoas como eu na Comunicação Social que andaram onze anos no colégio dele.

Haverá sempre conflito, haverá sempre sensacionalismo. Ao longo da História houve sempre uma deriva sensacionalista na informação. O Eça de Queirós contava, – já não me lembro em que livro, mas o Vasco Graça Moura saberá – que estavam a falar de um terramoto ou de uma inundação na China que matou milhões de pessoas e, de repente, dizem que a vizinha partiu a perna: toda a gente deixa a China e passa a centrar-se na perna da vizinha, porque é mais próximo, mais impactante. Isto sempre existiu.

Mas acima de todas a preocupações, há esta que vos deixei ou que vos queria deixar e que é a seguinte: de que modo vamos defender a imprensa livre, a que vive do serviço que presta aos seus utilizadores (leitores, ouvintes ou telespectadores)? De que modo nós salvaguardamos a liberdade dos jornalistas para que não se tornem peões nas estratégias de poder? E de que modo vamos separar o trigo do joio numa altura em que o joio já entrou tanto, tanto, tanto e já invadiu tanto terreno?

Eu acho que vocês são parte do futuro político do país, por isso, olhem o presente sem medos e cabe-vos também arranjar soluções.

Era isto que vos tinha para dizer. Muito obrigado.

[APLAUSOS]

 
Dep.Carlos Coelho

Dr. Graça Moura.

 
Vasco Graça Moura

Bom dia.

Gostava de começar por citar um poeta norte americano, Samuel Longfellow, que dizia que gostava de tudo o que era velho, vinhos velhos, velhos livros e velhos amigos. Nesta mesa encontro-me acompanhado por velhos amigos, conhecidos há muitos anos e com quem, no caso do Carlos Coelho e do Duarte Marques, tive muita honra e muito prazer em ter trabalhado. O Henrique Monteiro tenho tido o prazer de o ler e do seguir, na sua trajectória dentro do grupo Impresa, dentro do Expresso e agora, na Administração.

Não quer dizer que a nossa concordância seja total. Por exemplo, em relação ao Henrique Monteiro tenho enormes divergências na defesa que ele faz do acordo ortográfico. Em relação ao Carlos Coelho, fraterno amigo e colega do Parlamento Europeu, tenho uma enorme divergência pelo facto de ele achar que a CIA fez mal em fazer voos, eu critico a CIA por não ter feito mais voos. E tive ocasião de o escrever, costumo escrever aquilo que penso.

No caso do Duarte Marques, não tenho propriamente divergência nenhuma e tivemos muitas convergências em muitos momentos conspiratórios e políticos do nosso trabalho no Parlamento Europeu e não só.

Este tema, pegando um pouco naquilo que o Henrique Monteiro disse de a questão da informação ser um problema de sempre, prende-se também com uma certa teoria da probabilidade, que os teóricos das mensagens costumam formular assim: o interesse de uma mensagem varia na razão inversa da sua probabilidade. Ou seja, como diria há duzentos anos Benjamin Franklin, se um cão mordeu um homem a carga informativa é mínima, se for um homem morder um cão, a probabilidade da carga informativa é máxima e aí, começamos a ver o que pode significar a notícia para um conceito de jornalismo.

Foram aqui abordados vários aspectos que eu gostaria que o fossem muito na perspectiva do cidadão comum, porque vocês, amanhã, na vida política, na vida social, económica, cultural, certamente não poderão marginalizar esse aspecto fundamental. O ponto de vista do cidadão comum, aquilo que no direito romano se chamava o bonus pater famílias, o cidadão médio, ou seja, o princípio da razoabilidade.

E todas estas coisas ligadas à Comunicação Social prendem-se com dois princípios fundamentais: o princípio da razoabilidade e os princípios derivados daquilo a que podemos chamar os direitos da pessoa humana. Esse é um outro aspecto que podemos ver aqui em filigrana ao longo daquilo que vos possa dizer.

Na Comunicação Social há outros aspectos fundamentais que não podemos deixar de considerar, como a questão ética, a questão cultural e estética – o bom jornalismo normalmente tem um tipo de expressão de melhor qualidade que o jornalismo menos bom, embora possa ser perigoso haver mau jornalismo com boa qualidade estética – e questões de responsabilidade, que são fundamentais.

Também gostava de vos falar, num rápido bosquejo histórico, sobre a chamada liberdade de expressão. Claro que antes da monarquia constitucional não podemos falar nisso, o chamado Antigo Regime era um regime que se caracterizava pela repressão e, muitas vezes (pelo menos até ao tempo do Marquês de Pombal) pela repressão inquisitorial e pela censura do Santo Oficio. Eram, portanto, tempos tenebrosos em que as pessoas eram completamente silenciadas se divergiam nas suas opiniões daquilo que era a opinião oficial.

Mas com a monarquia constitucional inaugura-se uma época de liberdade de expressão jornalística, sem precedentes em Portugal. Liberdade com todas as qualidades e todas as desvantagens de ser um universo sem regras: então nos últimos anos da monarquia constitucional foi o verdadeiro vale tudo, quer em termos de afirmações, quer em termos de insinuações, quer em termos de calúnias.

Seguiu-se um período repressivo da I República que foi altamente sensória, um regime de grande violência imposto à sociedade portuguesa. Depois seguiu-se um outro período sensório, e esse muito mais monolítico e orientado, o Estado Novo. Finalmente, a partir do 25 de Abril, pode-se dizer que pelo menos no campo dos princípios, há plena liberdade de expressão.

Todos temos possibilidade de a ver, embora haja uma face oculta nisto tudo que pode condicionar (e aqui não estou a usar o termo "face oculta” no sentido mais preciso), mas pode haver condicionamento da opinião pública nomeadamente através da interferência de poderes – financeiro, político e económico – na maneira como a informação nos chega.

Temos, portanto, vários casos, que me parece importante enumerar, não analisar porque senão passaríamos aqui durante toda a manhã, e que já foram aqui referidos: o caso doNews of the World, o caso da Wikileaks, mas também o caso que eu acho que é fundamental que é o caso do respeito pelo segredo de justiça. Hoje há opiniões que se dividem: gente que pensa que o segredo de justiça devia acabar e há quem pense que devia continuar.

Eu acho que o segredo de justiça é fundamental para a administração da justiça e o caso do segredo de Estado, a questão Wikileaks sobre os dossiers dos serviços de informação, são questões que se prendem directamente com a chamada protecção de Direito de Estado. Aqui entramos noutros aspectos a que poderíamos chegar: o caso da pedofilia na Casa Pia e o caso "Face Oculta”.

Aqui temos aspectos que nos permitem uma primeira conclusão: é impossível e indesejável em matérias como o segredo de justiça e o segredo de Estado a chamada transparência total.

Isso é um mito, uma utopia e um princípio perigoso. Nomeadamente no caso do segredo de Estado não pode haver transparência porque há interesses do Estado – cuja responsabilidade compete aos políticos que estão no poder assegurar e muitas vezes às oposições colaborando com eles –, que não podem ser divulgados.

É assim, não estamos num universo paradisíaco, estamos num universo de alta competitividade e de conflitualidade. Estamos num universo de conflitualidade que também se prende com a geoestratégia e, portanto, a questão do segredo de Estado implica que sejam criados dispositivos para criá-lo e protegê-lo de alguma maneira. Não estou com isto, como é evidente, a implicar situações de tipo totalitário, mas sim situações que correspondem àquilo que nós costumamos designar de democracias representativas do modelo ocidental.

Um dos aspectos que já foi aqui referido pelo Henrique Monteiro, mas que é muito importante porque explica grande parte das transformações em que estamos é o da evolução das tecnologias e da velocidade da comunicação. Enquanto ainda há poucos anos podia levar uma longas horas até eu saber o que se passou na China, nos Antípodas, ou se morreu um mandarim (para voltar a citar o Eça de Queirós), hoje, isso é sabido em tempo real. A informação chega-nos em tempo real, seja do movimento bolsista, do comportamento das Bolsas e dos valores presentes na Bolsa, seja dos factos políticos, seja das catástrofes, entre tantos outros. Isto determina aspectos no que diz respeito ao universo dos valores.

A tecnologia, hoje, pode ser um meio de ruptura em relação aos valores mais importantes da pessoa humana. Dizia-me um professor de Medicina, aqui há uns anos, que já era possível cruzar um ser humano com um macaco. Reparem bem o que é que isto pode significar se amanhã um louco fizer isso.

Quem quiser, na área da genética, ou na da informática, explorar num sentido perverso as conquistas do Conhecimento tem um campo aberto e pouquíssimos travões. Esse aspecto é fundamental porque nos conduz directamente ao que pode significar a falta de princípios, a falta de ética, a falta de respeito e de valores fundamentais, no exercício de informar, de elaborar informações, de propor como verdade aquilo que muitas vezes pode não passar de uma suposição.

Estamos numa época em que, por razões que provavelmente têm a ver com a concorrência, as novidades esgotam-se muito depressa exactamente devido à velocidade da informação, devido à vertiginosa velocidade por que somos atingidos por tudo o que seja, e numa época em que o voyerismoe o ineditismo se conjugam.

Quer por via dos profissionais da informação, ou por certos profissionais, quer por via dos consumidores de informação, procura-se o que é menos vulgar (o tal caso em que é o homem que morde o cão e não o cão que morde o homem) e, portanto, um certo tipo de devassa da vida privada, de invasão da privacidade, de pegarem em coisas que parecem anormais, ou menos normais, em relação a padrões tipificados do comportamento e passá-las para a primeira página, torná-las notícia.

Isto coloca-nos a questão mais filosófica, provavelmente, de saber o que é a verdade. Pode ser verdade que o senhor Joaquim da Silva se tenha deitado com a actriz de novela Felismina da Conceição, mas em termos de relevância informativa não se vê que tenha grande interesse. No entanto, é uma notícia que pode interessar às colunas sociais, nem que seja "de que cor é que a Felismina da Conceição pinta as unhas dos pés”.

[RISOS]

Estamos numa fase da vida do mundo em que para além desse voyerismo e dessa procura do ineditismo se ganhou uma especial habilidade em alegar, em insinuar e em manipular. Há um caso célebre, que não resisto a contar porque tem algo de anedota, de um cardeal delegado do papa que vai a Nova Iorque e há um jornalista que está à espera dele à saída do avião e pergunta-lhe: "senhor cardeal, vossa eminência vem a Nova Iorque visitar as discotecas?”. E o cardeal muito atrapalhado teve uma primeira reacção: "há discotecas em Nova Iorque?”. No dia seguinte nos jornais: há discotecas em Nova Iorque foi a primeira pergunta do delegado do Papa no nosso país.

[RISOS]

A questão não é mentira, mas perspectiva de tal maneira um comportamento que induz na opinião pública a formulação de um julgamento completamente errado.

Por outro lado, está-se numa altura em que se procura não incorrer em irresponsabilidades de maneira nenhuma. Tem a ver com isto: hoje os médicos são todos especialistas, ninguém ousa ser médico generalista. Então se forem aos Estados Unidos há um médico para os apêndices, um médico para as úlceras, um médico para as doenças cancerosas, outro para as unhas dos pés, outro para a raiz dos cabelos, outro para o fígado… ninguém é generalista, porque não ousam incorrer em irresponsabilidades. Até as maternidades, etc., tudo isso tem uma especialização.

É verdade que isso tem a ver com uma certa consciência alarmista em relação a algo com que somos confrontados diariamente: perspectivas de catástrofe e de alarme que afinal não vêm a acontecer. Veja-se o que se disse ainda há três dias sobre o furacão Irene na costa leste dos Estados Unidos, que Nova Iorque ia ficar destruída, o próprio Presidente foi aconselhado a ser evacuado, o Mayor evacuou a cidade, ou 300 ou 500 mil pessoas. Depois, com certeza que houve consequências graves do furacão, mas a uma distância inimaginável daquilo que tinha sido previsto.

Esta mania de prever a catástrofe por tudo e por nada, que tanto se dá com as catástrofes naturais como se dá com as situações de conflito militar, como se dá ainda com simples factos ligados a um processo judicial. "Fulano pode ser condenado a 25 anos de prisão” e ainda nem sequer se sabe se há indícios, mas o "pode ser” e o "sob alegada acusação”, que além de ser um péssimo português que lemos todos os dias nos jornais, são maneiras que muitas vezes os profissionais da Comunicação Social têm ao seu alcance para insinuar que uma coisa tem uma gravidade antes até de estar apreciada por quem podia apreciar nomeadamente, se for um processo judicial, por um magistrado.

Falha muito a responsabilização dos jornalistas. A verdade é que se nós formos ver estatisticamente quantos jornalistas é que foram condenados desde que temos liberdade de comunicação e de expressão, ou seja, desde o 25 de Abril, devem ter sido muito poucos os que realmente devem ter tido uma condenação a sério. E é aí que tem falhado a regulação, embora, como não sou jornalista, não possa falar disso com muita propriedade, mas penso que têm falhado porque na verdade vemos todos os dias nos jornais esses problemas.

Temos outro aspecto que se prende também com a transparência, embora num modo mais indirecto, que têm a ver com as chamadas escutas telefónicas. Nós hoje não temos nenhuma protecção em relação às escutas (nem se precisa de chamar telefónicas), o facto de eu estar aqui, mesmo com o meu telefone desligado, pode permitir que alguém que esteja a dez metros utilize, ou faça funcionar o meu telefone como um retransmissor e, portanto, sabe qual é a conversa que eu estou a ter, seja ela perfeitamente anódina ou comprometedora. Esta generalização da devassa tecnológica da intimidade da vida privada e da sua reserva, como diz na nossa Constituição, é preocupantíssima.

Hoje, se formos comparar os processos que usava a polícia do Estado Novo nesse aspecto, não estou a referir-me à violência física, mas nesse aspecto, no que diz respeito à violação da correspondência, violação da privacidade, das conversas telefónicas, etc., então não passavam de "meninos de coro”, porque há uma devassa total que pode ser 100% do que qualquer cidadão faz na sua vida privada, para já não falar da sua vida pública.

Eu penso que não há nenhuma solução a este respeito a não ser que seja limitar e muito severamente os casos em que seja admissível em termos de processos judiciais recorrer a esse tipo de devassa da intimidade da vida privada e para mim esses casos são três: é o terrorismo, o tráfego de droga e o tráfego de seres humanos. O resto – com excepção de políticos e banqueiros, ou outra coisa qualquer, pois pode ser muito grave – eu estou-me completamente borrifando porque se não se puser um limite, em relação a esses três ou quatro pontos ou processos, não temos possibilidade de uma vida privada saudável porque há sempre o Big Brother a espreitar o que nós fazemos em quaisquer circunstâncias da vida.

Por isso, se podemos optar, mais vale delimitarmos correctamente aquilo em que isso é possível e em que não é, porque de outro modo estamos a entrar naquilo que tem sido um dos flagelos da vida democrática portuguesa e noutros países idem, que é a promiscuidade para o tráfego de informação entre as magistraturas e as polícias e a Comunicação Social. Há sempre um jornalista que consegue ter acesso a um processo, ou consegue que um magistrado, ou agente da polícia, ou um funcionário de secretaria, lhe permita ter esse acesso e isso vai envenenar completamente um clima saudável nesta matéria.

A discussão do poder de influência da Comunicação Social e da maneira como estas promiscuidades se estabelecem também nos levaria muito longe. Fica aqui só uma nota para registar que muitas vezes a opinião pública é condicionada por pressões destas. Para não falar desses casos de que vimos exemplos, Casa Pia, "Face Oculta”.

Basta recordar que temos hoje um ministro, Dr. Paulo Portas, Ministro dos Negócios Estrangeiros, que quando era director do Independente utilizou frequentemente expedientes extraordinários; houve notícias que chegaram a ter que ver com idas ao ginecologista da Dr.ª Leonor Beleza ou da casa de banho do Dr. Cavaco Silva.

 
Henrique Monteiro

Essa do ginecologista da Dra. Beleza não se deve ao Dr. Portas. Isso foi uma coisa infelicíssima do Diário Popular. A do casa de banho do Prof. Cavaco foi uma coisa infelicíssima do próprio Expresso.

 
Vasco Graça Moura

Então peço desculpa mas ia jurar que tinham sido do Independente.

 
Henrique Monteiro

Mas atenção, eu estou de acordo com a crítica genérica que fez ao ministro Paulo Portas.

 
Vasco Graça Moura

Finalmente gostava de vos recordar que muitas vezes a maneira como a Comunicação Social é utilizada para condicionar a formação de opinião política é ínvia. Vejam o caso de Macau que deu origem a um livro célebre que tinha a ver com a reeleição de um Presidente da República. Houve nesse aspecto situações que nós não podemos sequer muitas vezes supor que aconteceram mas que aconteceram.

Ainda hoje vemos em França o caso de Sarkozy a ser acusado por uma juíza de ter recebido dinheiro da proprietária de cosmética L’Oreal, por invocação de uma testemunha que já veio dizer que não tinha feito depoimento nenhum e os jornais estão a utilizar isso de uma forma extraordinária. Portanto, há aqui uma ligação da qual nós não temos qualquer capacidade de suspeita, que pode ser perigosíssima.

Já que falámos no Eça, gostava de lhes recomendar um livro póstumo dele que é o "Capital”. Trata de um jovem poeta que vem para Lisboa tentar a sua carreira como autor e como jornalista e há aquela figura muito curiosa, o Rabecaz, figura de um jornalista com todos os vícios da profissão, matreiro, desonesto, brutal, e que, não sendo certamente o espelho da maior parte dos jornalistas que honram a profissão, seria uma caricatura que valia ter presente no momento em que se debate sobre o jornalismo.

Com isto e com uma referência à importância que o estilo e a língua portuguesa podem ter na maneira como as notícias podem ser veiculadas, e de o jornalismo ter alguma qualidade, encerro esta intervenção, pedindo desculpa por ter ultrapassado em 49 segundos o tempo que me foi destinado.

[RISOS E APLAUSOS]
 
Duarte Marques

Muito obrigado. Queria desde já agradecer a vossa presença aqui. Como dizia ontem um aluno, o André Couceiro, que agradeceu poder estar aqui, eu digo o mesmo em relação a mim e a todos nós, agradeço também o facto de todos nós podermos estar aqui a ouvir as vossas intervenções.

Só uma referência: está cá a Joana Barata Lopes que é Deputada à Assembleia da República pela JSD que veio de propósito para assistir a este debate.

[APLAUSOS]

Vou dar agora a palavra a duas perguntas: o primeiro grupo é o Grupo Laranja com o Rui Marques e de seguida o Grupo Amarelo com a Gisela Martins.

 
Rui Marques

Bom dia a todos. Em nome do meu grupo, queria agradecer a presença dos nossos oradores hoje aqui na Universidade de Verão.

Após termos ouvido a reflexão que aqui nos deixaram, houve logo uma pergunta que se nos impôs: de que forma a liberdade jornalística não se torna libertinagem mediática?

Obrigado.

 
Gisela Martins

Bom dia a todos. Em primeiro lugar, agradecer aos convidados pelas opiniões partilhadas e por estarem aqui hoje.

A nossa questão é a seguinte: o antigo Governo tinha uma clara agenda de comunicação que visava o entretenimento da opinião pública, onde casos como a despenalização do aborto e o casamento gayeram temas-chave para entreterem a opinião pública. Como explica que a Comunicação Social sucumba a esses preceitos?

 
Vasco Graça Moura

Bom, eu penso que as agências de comunicação existem exactamente para intervir, quer na promoção de quem as contrata, quer no condicionamento, na medida do possível (e às vezes a medida é bastante grande) da Comunicação Social, de maneira também a transmitirem para a opinião pública aquilo que pode ser visado ou interessar a quem quer que seja.

Essa promoção pode acontecer, em teoria, tanto para uma marca de detergentes como para uma actuação política, ou um partido político. O que é grave é que muitas vezes as técnicas usadas para os detergentes são as mesmas usadas para a acção política, portanto muitas vezes há uma perfeita manipulação da opinião pública.

Eu penso que o grande problema – e isto em parte também nos leva à resposta à primeira pergunta – tem que ver com a formação das pessoas, tem a ver com as escolas, com a família, com os valores que não são transmitidos na formação da nossa personalidade e que muitas vezes se não são respeitados redundam nessa tal libertinagem de que falava a primeira pergunta explicitamente, mas também está contida de algum modo na segunda pergunta. De facto, trata-se de evitar a libertinagem, muitas vezes essa simples regulação pode não chegar, mas se as instituições podem não chegar e se não houver um tribunal para sancionar essa "pisadela do risco” é evidente que se está no campo do "vale tudo” e da maior impunidade.

Esse é que é o grande problema: quando falha a auto-regulação ou a auto-disciplina em relação a um conjunto de valores falha também a hetero-regulação ou a hetero-disciplina e, sendo assim, está o "caldo entornado”, ou seja, entra-se numa selva e esse é exactamente o grande problema.

 
Henrique Monteiro

Também, provavelmente, iria começar por responder à segunda pergunta.

Quando aqui falei dos poderes da Comunicação Social acho que deixei claro que os autores da maior parte das coisas da Comunicação Social não são os próprios jornalistas, mas fontes e organizações que se movem à volta e que são responsáveis por muita coisa que sai nos jornais e na Comunicação Social em geral.

Aliás, quando me dizem que a Comunicação Social é o quarto poder, muitas vezes por brincadeira eu digo "não, vocês perceberam mal a expressão, é o quarto do poder!”,

[RISOS]

ou seja é a antecâmara onde se vestem e despem os poderosos, onde se insultam e achincalham, onde se manobram e conspiram tramas, enfim é o quarto do poder, uma antecâmara e isso é verdade…

Quero dizer, quando se diz assim: "o Governo do Sócrates tinha uma agenda mediática para entreter a opinião pública”, o Governo do Sócrates não só tinha uma agenda mediática para entreter a opinião pública como fazia tudo para entreter a opinião pública, no geral era uma máquina de marketing extremamente bem oleada.

Reparem que eu, e justamente porque tenho muitos anos de reflexão sobre esta matéria, falei aqui numa questão que para mim é extraordinária: deixou-se de ligar ao conteúdo para se ligar à eficácia da mensagem; isso foi um salto que se deu nos anos 90 e curiosamente era Primeiro-Ministro o Professor Cavaco Silva.

Já agora uma piadola de "vão-de-escada” a propósito das escutas (de que falou o Vasco Graça Moura), o Professor Cavaco Silva está sempre a queixar-se de que é pouco escutado, se calhar é mais do que pensa, não sei, também agora com essas tecnologias todas.

Quando o Professor Cavaco Silva era Primeiro-Ministro, eu escrevia sobre política, aliás sempre escrevi sobre política ou guerra, nunca sobre outros assuntos como a Felismina da Conceição (o Vasco Graça que tão bem me conhece sabe que nunca escrevi uma linha sobre isso), mas lembro-me de um jornalista em concreto, eu gosto de dizer os nomes, o Carlos Magno, que era da altura da Antena 1 ou RDP (não sei como se chamava), ter dito uma vez uma frase que motivou um debate de noite inteira entre nós dois. A frase era: "sentei-me no palco com ele, olhei-o nos olhos e não há dúvida que a corrente passa”. Não interessava o que tinha dito o Professor Cavaco Silva, interessava se a corrente passava ou não e a questão é que o governo de Sócrates apanhou isto muito bem.

Aliás, o Ministro Miguel Relvas também já está a apanhar; vejam bem se ele também já a está a apanhar. Não interessa bem o que as pessoas dizem, interessa a forma como dizem e o modo como isso impacta e nesse sentido podem dizer-se barbaridades.

Quero dizer, mudando o que há a mudar, não é muito diferente da teoria do Goebbels que uma mentira repetida mil vezes passava a ser verdade. A maneira como se diz tornou-se fundamental e a maior parte dos jornalistas também têm um treino e uma educação nas academias portuguesas onde isto não é desmontado porque não se ensina jornalismo.

Ou seja, não se ensina a desconfiar da mensagem; ensina-se é a passar a mensagem. Quando o que é importante e o fundo do jornalismo é desconfiar da mensagem e dizer qual é o efeito que isto tem. Portanto, a liberdade jornalística às vezes torna-se também numa espécie de libertinagem mediática.

Aquilo que falta? Eu penso que falta alguma reflexão inter jornalistas, mas mais do que isso falta também hetero-regulação, porque a auto-regulação ela existe no geral, há críticas dos pares (isso também é auto-regulação), há estatutos, há intervenções. Depois temos um Conselho Deontológico que é muito pouco respeitado porque está ligado a um sindicato que também por si é muito pouco respeitado, temos a Comissão da Carteira, esta sim é respeitada mas intervém menos na auto-regulação do que devia intervir. Depois temos outra coisa chamada ERC.

A ERC só funciona com base em queixas, o que quer dizer que os jornais que têm mais queixas na ERC – isto foi-me dito pelo próprio presidente da ERC – são o Expresso e o Público, como se fossem os piores jornais, mas não, esses são os que têm os leitores mais atentos e mais conhecedores da lei e dos seus direitos.

Portanto, enquanto isto for assim a Felismina da Conceição não tem qualquer hipótese. Dizem tudo da vida dela e ela nem sabe do que é que se pode queixar.
 
Vasco Graça Moura

Isso é um assunto do qual eu gostava deixar uma nota de rodapé e que certamente conheço muito mais, que tem ver com a questão do emprego. Muitas vezes as redacções vão buscar jovens estagiários porque não têm de lhe dar um contrato normal (ficam em experimentação ou coisa parecida). Eles não têm experiência nenhuma daquilo que estão a fazer e que têm de concorrer entre si. Estão num struggle for life desenfreado para tentarem sobreviver, agarrados àquele aspecto; isto leva a que uma grande parte esteja entregue a profissionais que ainda não o são, que estão em formação, que acabaram de sair dos tais cursos de Comunicação Social e que não estão ainda suficientemente maduros para assumir responsabilidades que implica serem assumidas por alguém que queira realmente informar.

 
Duarte Marques

Muito obrigado. De seguida, Beatriz Cardoso do Grupo Bege e o Afonso Meireles do Grupo Roxo.

 
Beatriz Cardoso

Bom dia a todos. Um especial cumprimento aos nossos convidados.

A nossa pergunta é: até que ponto é necessário que os media portugueses sejam mais originais na produção de conteúdos informativos em lugar de se cingirem à agenda quotidiana dos agentes políticos e aos feeds das agências noticiosas. Obrigada.

 
Afonso Meireles

Bom dia ao Dr. Henrique Monteiro e ao Dr. Vasco Graça Moura.

A questão que eu queria colocar é a seguinte: consideram que na sociedade em que vivemos, em que muito do jornalismo procura o mediatismo, o direito de resposta de quem vê a sua privacidade invadida e o bom nome em causa é um meio suficiente para repor a idoneidade manchada de uma figura pública como no caso dos políticos? Obrigado.

 
Henrique Monteiro

Sobre a primeira pergunta deste grupo, eu acho que fez uma pergunta que é fundamental para o jornalismo, ou seja, hoje em dia as notícias de feeds, de agências e daquilo que está na Internet tornaram-se naquilo que nós chamamos de commodity: são todas iguais, é uma coisa que é matéria-prima. Os jornais que querem sobreviver e quando digo jornais digo redacções e todos os meios que queiram sobreviver têm de acrescentar valor informativo sobre esses feeds e sobre essa alimentação de notícias puras e duras.

Não podem continuar a tentar viver daquilo que se chama de breaking news, aliás quando tentam fazê-lo é quando metem os pés pelas mãos. Ou seja, qualquer coisa dada primeiro que o outro parece que tem mais valor mesmo que mal dada e essas redacções têm é de se habituar a viver de valor acrescentado, mais valor, maior aprofundamento, novos focos de ponto de vista, novos lugares de observação e, portanto, aquilo que disse, mais originalidade. Nisso, estou completamente de acordo, é uma revolução que está a acontecer nos jornais e que tem de continuar.

Quanto ao direito de resposta ser ou não suficiente, está um pouco ligado ao que eu disse há pouco. O direito de resposta é suficiente em jornais sérios, mas não o é em jornais não-sérios. Porquê? O direito de resposta parte do princípio que o ofendido conhece os direitos que tem e o ofendido só exerce os direitos que conhece.

Portanto, no caso do Expresso nós somos obrigados a colocar o direito de resposta com a mesma dimensão com que foi feita a notícia que lhe deu origem. Acho que é o caso do Público e de outros jornais, portanto somos obrigados a fazê-lo. Em jornais menos populares, ou com um público menos conhecedor dos seus direitos, muitas vezes o direito de resposta não é suficiente, mas eu devo dizer uma coisa: nós temos uma lei sobre o direito de resposta tal que é o único país onde é absolutamente legal mentir. Porque pela nossa lei de direito de resposta, se eu escrever um artigo e alguém se sentir ofendido eu sou obrigado a publicar o direito de resposta, independentemente de ser verdade ou mentira e nem sequer posso responder no mesmo número, dizer que "este direito de resposta é falso e eu tenho provas”.

Logo, nós temos, como sempre em Portugal, umas leis muito estapafúrdias que depois também não são exactamente aplicadas a não ser pelos que entraram no sistema. Isto é precisamente como no pagamento de impostos: quem está dentro do sistema está lixado; quem nunca pagou impostos, também tanto lhes faz que os aumentem como não, porque não os paga. O direito de resposta também é mais ou menos isto: os jornais que entraram a cumprir direitinho a lei têm uma série de dificuldades; aqueles jornais que nunca se interessaram muito por isso, também não lhes acontece nada portanto continuam o seu livre caminho.

 
Vasco Graça Moura

Quanto à inovação na produção de conteúdos, eu estou completamente de acordo com o Dr. Henrique Monteiro: é muito mais interessante a diversificação a partir de um aprofundamento dos temas, de um certo tipo de ensaísmo ligado à notícia, das entrevistas, discussões ou debates, que hoje se está a praticar muito, com certeza que isso será muito mais interessante do que ler ou ouvir a mesma notícia praticamente nas mesmas palavras em cinco ou seis meios de Comunicação Social diferentes.

Penso que valeria a pena criar uma maior preocupação para com um leque mais diversificado de temas. Nós, hoje, estamos praticamente confinados a discussões na inovação de informação e conteúdos em matérias sobre política e futebol. O resto não existe, nem outras modalidades de Desporto a merecerem o mesmo interesse, nem outras modalidades da vida, que se destaquem, quanto muito a crise agora ocupa as atenção.

Portanto, inovar, introduzir novos temas e chamar a atenção das pessoas para outros aspectos, muito em especial os culturais, por exemplo, seria interessante.

Quanto à questão do direito de resposta, eu penso que este nunca repõe uma lesão, ou seja, reintegra o ofendido no estado em que encontrava antes de lhe ser provocada a lesão. Porquê? Porque os leitores do jornal ou do órgão de Comunicação Social onde é exercido o direito de resposta não eram os mesmos de quando fizeram a ofensa, não a presenciaram, para além de que é da natureza humana ficar sempre a pensar mal ou propender para pensar o pior em relação ao seu semelhante. É muito difícil repor as coisas e portanto reintegrar a pessoa nos seus direitos.

Eu gostava de vos ler um parágrafo de um livro que vos recomendo e que saiu em 1996, há quinze anos, que se chama "Os direitos da pessoa e a Comunicação Social” e é editado pela Fundação Gulbenkian, foi um seminário da Gulbenkian que reuniu comunicações da maior importância e tem um conjunto de conclusões que foram redigidas pelo Marcelo Rebelo de Sousa e numa dessas conclusões – portanto não é matéria que tenha produzido, mas que reproduz enquanto redactor – lê-se o seguinte: "não menos intensas e sensíveis seriam as tensões envolvendo os direitos políticos”, entre elas, o redactor destacaria as seguintes: "a conversão da Comunicação Social de quarto poder a espaço de expressão dos clássicos poderes do Estado, a produção e reprodução comunicacional da virtualidade social, a conformação transacional do novo poder mediático e a universalização da opinião pública, a mediatização da Democracia e da legitimidade democrática, a substituição dos partidos e interesses pela Comunicação Social como intermediários nos mecanismos de representação política, a desigualdade entre cidadãos na intervenção mediática, a espectacularização e mercantilização crescente da informação, a lentidão do controlo jurisdicional da Comunicação Social, sobretudo se comparado com a repercussão imediata dos seus efeitos”.

Ora, a lentidão desse controlo, quando funciona pela via do exercício do direito de resposta, muitas vezes não contribui, ou não chega, para repor o lesado na situação em que se encontrava no momento imediatamente anterior à lesão.

 
Duarte Marques

De seguida, Mário Lourenço do Grupo Encarnado e o Bruno Brito do Grupo Verde.

 
Mário Lourenço

Bom dia a todos. Um bom dia especial ao Dr. Henrique Monteiro e ao Dr. Vasco Graça Moura.

Desde já congratulo a excelente apresentação de ambos, até porque foi num registo diferente do que tem sido a Universidade de Verão.

O Grupo Encarnado, que todos os dias lê, ouve e vê jornalismo, pergunta quais são as perguntas que um jornalista não pode fazer? E, até por brincadeira, para o Grupo Encarnado se despedir, Dr. Henrique Monteiro, acha que amanhã pode haver alguma notícia que diga "Miguel Relvas imita Sócrates”?

[APLAUSOS]

 
Bruno Brito

Bom dia. Gostaria de agradecer a presença do Dr. Vasco Graça Moura e do Dr. Henrique Monteiro e a vossa excelente exposição, mas permitam-me também agradecer a estes jovens, colegas, que são fantásticos e com as suas intervenções e com as suas perguntas têm enriquecido, e de que maneira, esta Universidade de Verão. É este sentido crítico, é esta vontade, que vai levar Portugal longe!

[APLAUSOS]

Estivemos a falar de escutas. Tal como aconteceu com um jornalista do Público que foi noticiado pelo Expresso, hoje veio uma notícia no Le Monde, que acusa os serviços secretos franceses de investigar um jornalista da sua redacção. Considera que todos estes casos demonstram o receio da classe política e governativa em relação aos media? E qual é o real relacionamento entre o jornalismo e a política, uma vez que parece haver uma tentativa de antecipação de ambas as partes de saber uma informação privilegiada, ou da parte do jornalismo em relação à política, ou da parte da política em relação ao jornalismo? Por fim, cada uma destas classes tenta provar quem tem realmente mais poder?

 
Vasco Graça Moura

Bem, eu não sei responder muito bem à segunda pergunta, porque verificamos todos os dias que há essas confusões que podem obedecer aos propósitos mais diversos, podem obedecer a questões de sensacionalismo, como o caso Strauss-Kahn por exemplo, mas não sabemos e provavelmente nunca saberemos se essa não é uma história muito mal contada, em grande parte preparada para inclusivamente ser uma espécie de armadilha ou ratoeira para impedir o homem de ser candidato do partido socialista francês à presidência da República.

Esse caso que eu referi há pouco, da juíza com o Presidente Sarkozy e este caso com o Le Monde agora, nunca sabemos bem qual é o impulso que está por detrás. Lembro-me do caso em que esteve ligado, ou diz-se que esteve, o antigo Presidente francês Dominique Villepin e insinuações que tinham a ver com a honorabilidade de políticos adversários seus, portanto tudo isso são situações obscuras e que não podemos nem imaginar quem está por detrás, quem toma a iniciativa, quem é que aproveita e quem é que controla. Como se referiu há pouco "quem guarda a guarda” ou "quem controla o controlador”.

Quanto à segunda pergunta, eu acho que a resposta é simples: tudo é melhor que Sócrates.

[APLAUSOS]

 
Henrique Monteiro

Sobre as perguntas que um jornalista não pode fazer, há várias, nomeadamente aquelas que tenham a ver com a intimidade da pessoa. Isso está tudo estatuído, não é normal um jornalista perguntar coisas que estão directamente ligadas com a intimidade do seu interlocutor, embora isso às vezes aconteça e às vezes seja o próprio interlocutor que quer contar à força coisas da sua própria intimidade. Sendo que, muitas vezes, o jornalista também não está perante pessoas que não conhecem os seus direitos.

Deixem-me dar-vos um exemplo: quando há um naufrágio, no geral apresentam-se mulheres a "chorar baba e ranho”, naturalmente, porque acabaram de perder o marido, ou o pai, ou o filho, ou quem for e na boa tradição do estatuto do jornalista, tanto cá, como nos Estados Unidos e na Inglaterra, ou em França, ou em Espanha, não devem ser mostradas pessoas em estados emocionais alterados, porque as pessoas têm direito à imagem. Mas isso, no geral, nenhuma mulher dos pescadores conhece, portanto as imagens passam, e habituámo-nos a vê-las, embora isso seja teoricamente errado.

Sobre o Miguel Relvas emular o Sócrates, eu devo dizer que meti aqui uma picada ao Miguel Relvas porque ele no outro dia, no Parlamento, disse que foi o Expresso que andou a inventar a história da correspondente da Lusa e o Expresso não inventou absolutamente nada porque isso nem sequer saiu no Expresso, saiu noutros jornais. Eu agora vinguei-me aqui um bocadinho, enfim, são estas pequenas coisas que a gente faz. Eu só me estou a reportar à ideia de que ele tinha centralizado toda a comunicação do Governo e portanto isso já quer dizer qualquer coisa. Eu sou mais a favor de uma coisa que nunca nenhum Governo fez, que é: primeiro, os assessores dos ministérios não devem ser assessores políticos – estou a falar de assessores de imprensa – e devem dar informação, não devem dar estados de espírito dos ministros. Os ministros, depois, devem ter assessores políticos que se quiserem, ou não, falem com a Informação. Mas aqui o que nós temos é assessores de ministros a dar informação que é pública.

Quando eu quero saber o número de escolas que vai fechar, isso não é uma informação política, é uma informação pública que o cidadão tem o direito de saber. Uma vez, não foi neste Governo, já não me lembro em qual foi, eu fiz uma página inteira no Expresso só com perguntas idiotas que os ministérios não respondiam porque não estavam autorizados, que era por exemplo: quantos barcos de Pesca há em Portugal? Telefonava-se ao director-geral das Pescas e ele dizia que não estava autorizado pelo senhor ministro a dar informações à Imprensa. Isto é ridículo, ponham isto na cabeça, isto é de um país de terceiro mundo!

Portanto, não sou a favor em nada de se unificar todas as fontes de comunicação num só ministro; sou a favor de cada ministério ter os seus canais próprios e depois da informação política eles que se entendam, quem quiser que fale e quem não quiser não fale.

Sobre a segunda pergunta: se há um receio da classe política em relação aos media. Eu, agora, tenho de mudar de discurso, porque em toda a minha vida eu tinha visto pessoas dos media a passar para a política, não tinha visto pessoas da política passarem para os media, ultimamente isso também se passou, por exemplo com o chefe do gabinete do Primeiro-Ministro e outras pessoas que vieram da política para grupos de media. Por isso, o que eu acho que há é uma alteração dos grupos de media.

Para ser muito sincero, mas de uma sinceridade que só se pode ser assim em sítios como este, eu vou dizer o seguinte: eu acho que os políticos ligam demasiado àquilo que sai na Comunicação Social e vivem demasiado condicionados por isso e que fariam muito bem em condicionarem-se menos. Vivem condicionados de duas formas: os nossos ministros e os nossos políticos, em geral, gostam de ser amados e não percebem que não forem eleitos para serem amados pelo povo, mas para resolverem problemas do país. Dão demasiada importância, por exemplo aquela coisa das setinhas dos jornais, os ministros, políticos e líderes partidários, ficam doentes quando estão a subir ou a descer como se aquilo valesse alguma coisa, aquilo geralmente é um tipo que está na redacção e pergunta "quem é que eu ponho a descer?” e há um tipo que está lá no fundo, que diz: "mete o Carlos Coelho” e pimba, vai o Carlos Coelho. Porquê? Isso depois logo se vê, enfim, se calhar o gajo já lhe fez alguma.

[RISOS]

Isto é um bocado caricatura; não é assim, mas é quase assim e dão uma importância brutal. Portanto, qual é a relação e quem tem mais poder? Bom, eu acho que aqui nós estamos a falar de poderes diferentes. Porque o poder dos media é o poder que lhes quiserem dar, reparem, os media não têm poder nenhum impositivo e exclusivo; os políticos podem ter quando estão no poder, no poder real, os media só têm o poder que lhes dão. Portanto, se derem menos importância àquilo que é escrito, àquela distinção que o Guterres fez e que era bem feita, entre a opinião pública e a opinião publicada, nem sempre é de facto. Como agora, se formos a ver a opinião publicada, este Governo está de rastos, se nós formos ver a sondagem que amanhã o Expresso publica e que já saiu ontem à noite na Renascença e na SIC, o conjunto PSD/CDS continua a ter maioria absoluta – aqui têm uma diferença entre o que é a opinião pública e o que é a opinião publicada.

es ?mot0/RpR auto-regulação), há estatutos, há intervenções. Depois temos um Conselho Deontológico que é muito pouco respeitado porque está ligado a um sindicato que também por si é muito pouco respeitado, temos a Comissão da Carteira, esta sim é respeitada mas intervém menos na auto-regulação do que devia intervir. Depois temos outra coisa chamada ERC.

 

A ERC só funciona com base em queixas, o que quer dizer que os jornais que têm mais queixas na ERC – isto foi-me dito pelo próprio presidente da ERC – são o Expresso e o Público, como se fossem os piores jornais, mas não, esses são os que têm os leitores mais atentos e mais conhecedores da lei e dos seus direitos.

Portanto, enquanto isto for assim a Felismina da Conceição não tem qualquer hipótese. Dizem tudo da vida dela e ela nem sabe do que é que se pode queixar.
 
Duarte Marques

Muito obrigado. De seguida, Tiago Filipe Alves do Grupo Cinzento e a Maria Inês Abreu do Grupo Castanho.

 
Tiago Filipe Alves

Antes de mais, bom dia. Agradeço também a vossa presença e as palavras que nos têm dirigido.

Para a minha pergunta, volto um pouco atrás, ao tema inicial do nosso debate em relação aos media tradicionais e à exploração dos sentimentos como fonte de notícia: acha que o caminho que os media tradicionais estão a tomar não será um pouco provocado pelo facto de que actualmente na Web 2.0, com o Twitter, os blogues e o micro blogging, temos acesso aos factos puros e duros? Ou seja, se eu quero factos, vou ao Twitter, ao Facebook e ao Google News e a imprensa fica um pouco esquecida. Será este o caminho certo para a imprensa tradicional se continuar a afirmar como uma boa fonte de informação? Obrigado.

 
Maria Inês Abreu

Muito bom dia. A pergunta do Grupo Castanho é a seguinte: com a abundância de informação na Internet, qual é o futuro, ou o caminho que os jornais devem tomar? Obrigada.

 
Henrique Monteiro

As duas perguntas estão um bocadinho ligadas. Sobre a segunda, "a abundância de informação na Internet, qual é o caminho que os jornais devem tomar?”, eu já quase respondi, mas digo outra vez: eu acho que a questão está em dar valor acrescentado a breaking news, a notícias imediatas.

Hoje em dia os jornais não devem pura e simplesmente reproduzir notícias, a não ser que sejam verdadeiramente exclusivas, que mais ninguém tem; estamos a falar de notícias, não de entrevistas que no geral são exclusivas, reportagens têm muito a ver com quem escreve, com a abordagem do repórter, é uma peça mais pessoalizada. Mas quando chegamos às notícias, o que os jornais têm de fazer é dar valor acrescentado, explicarem o que significa a notícia e muitas vezes o que ela significa para os leitores em concreto.

Quando eu falo em dar valor acrescentado muitas vezes, não estou a falar em coisas ensaísticas, como falou o Vasco Graça Moura e com que eu estou de acordo também, também devem ser e deve-se pôr inteligência e conhecimento nas próprias notícias, mas muitas vezes para falar de coisas muito básicas como, por exemplo, informação pura e dura. Quantas vezes pegam num jornal e isto é a coisa mais difícil de um jornalista fazer: ele pode fazer uma peça inteira sobre um restaurante e depois vão e não põem as coordenadas de GPS para lá se chegar, nem o sítio onde fica, nem nada. Estas coisas também são valor acrescentado, muitas vezes são.

Imagens, infografias; tudo isso pode ser feito e nas novas plataformas como o iPad, agora estou um bocadinho a vender o meu peixe, essas coisas com animação e com geo-referenciação (digamos, o que é que está perto e o que é que está longe) ainda são mais possíveis.

O que estamos aqui a defender e eu pessoalmente, não são as plataformas, eu não defendo o jornal em papel, embora eu ache que o jornal em papel vai subsistir até nós morrermos todos e a este "nós” englobo-vos a vocês todos que têm metade da minha idade, os jornais em papel irão existir. Mas eu não estou a defender jornais em papel ou televisão tal como ela é, eu estou a defender a importância do jornalismo como mediador entre quem tem a informação, acesso privilegiado à informação e as pessoas em geral que não têm esse acesso. Esse papel do jornalista como mediador é exactamente aquilo que eu defendo e mediador não quer dizer criador, quer dizer que ele fala com fontes, cruza fontes e depois escreve no convencimento daquilo que é real, que é factual e que é verdadeiro – isso é que é importante.

Quanto ao caminho de exploração de sentimentos, de certa forma critiquei isso e acho que é verdade que a Web 2.0, Twitter, Facebook, etc., dão muitas notícias, mas atenção porque vocês na Web têm uma coisa nas notícias, que é terrível, que é o anonimato. Podíamos falar disso durante muito tempo. O anonimato é das coisas piores na informação.

Há um caso de estudo, para não dizer em inglês (como se diz sempre em inglês case study), no Brasil, em que uma marca de guaraná lança-se e faz uma campanha suja anónima na Internet contra a outra marca dominante. Dizendo que ela tem um produto cancerígeno, acho que era o Guaraná Champanhe Antártida que teve uma quebra brutal e nunca ninguém soube donde é que tinha vindo aquilo do produto cancerígeno na Internet.

E isto acontece muito na informação. Quantas vezes vemos na informação que é dada nos blogues, no Twitter e afins, coisas vagamente anónimas, com calúnias, com informações completamente falsas; portanto há aqui uma questão: voltando atrás, quando eu defendo o jornalismo, defendo que ele tem de ter rigor e credibilidade e tem de estar associado a nomes e a marcas que tenham esse rigor e essa credibilidade. Logo, o futuro é esse, mais valor acrescentado de que já falei.

 
Vasco Graça Moura

Eu não tenho muito a acrescentar. Quanto aos jornais também penso que não vão acabar tão cedo, até porque li ontem que vai haver um aumento do IVA sobre o papel higiénico, por isso significa que pelo menos a venda de papel higiénico vai diminuir.

[APLAUSOS]

Agora, quanto ao anonimato, a capacidade de manipulação é enorme, mas às vezes consegue até insinuar-se nas instituições. Reparem o que tem acontecido ao nível da própria União Europeia com as prevenções do que causa cancro, do que não causa, as vacas loucas, a gripe das aves, as vacinas, as campanhas da Organização Mundial da Saúde, que se revelam flops astronómicos, exactamente porque há capacidade de veicular uma informação que assusta, ou seja, que tem impacto junto dos destinatários e isso depois provoca e condiciona comportamentos.

Mas também há anonimatos saudáveis. Eu gostaria de salientar que uma revista das mais importantes do mundo e com certeza a mais importante da Europa, a The Economist, não publica um único artigo ou uma única notícia assinados, desde há mais de cem anos. Não são anónimas, são do The Economist, são da marca, mas não têm autoria, não são do jornalista A, ou B, e houve pessoas da maior categoria que colaboraram, por exemplo o George Steiner que é um dos maiores pensadores contemporâneos, também foi redactor do The Economist.

 
Henrique Monteiro

Eles assumem; o director-geral, até na Inglaterra, é sempre responsável. Não há nenhum órgão de Comunicação Social anónimo, mas há blogues anónimos.

 
Vasco Graça Moura

Claro que não, mas a notícia em si não é assinada.

 
Dep.Carlos Coelho

Deixem-me só dizer uma coisa na linha do que acabou de ser referido. Há um mail que circula há cinco anos na Net, que tem um filmezinho de vários deputados supostamente no Parlamento Europeu, com salas diferentes e todos os deputados em funções caricatas: um mete o dedo no nariz, outro dorme sobre o jornal, outro parece um hippie que não se lava há três meses e que está sentado com o microfone à frente. E eu há cinco anos que ando a responder a pessoas que me enviam esse filme a dizerem-me "é uma vergonha o que nossos deputados fazem no nosso Parlamento Europeu” e alguns dos mails até dizem o nome de um deputado português que aparece na imagem, um nome (não me recordo se era José Lemos, José ou Jorge Gama, ou algo parecido) que nunca foi deputado português.

Eu respondo-lhes: primeiro, nenhuma dessas imagens é de um deputado do Parlamento Europeu; segundo, não há nenhuma sala em Bruxelas, ou Estrasburgo, ou Luxemburgo – onde não reunimos, mas onde temos instalações –, que corresponda a essas salas; terceiro, nenhuma das pessoas que aparece eu conheço, diria que nenhum é português; quarto, nunca houve nenhum deputado Jorge Gama no Parlamento Europeu. Não vos vou dizer quem para não embaraçar as pessoas, mas não fazem ideia das pessoas que me enviam isto, pessoas bem informadas, pessoas do sistema político, que me dizem "Ó Carlos, vê lá o que é que os teus colegas andam a fazer no Parlamento Europeu”. Pessoas bem informadas "comem” a informação como verosímil e isto dura há cinco anos.

 
Duarte Marques

Muito obrigado. As duas Carolinas, agora sim a Carolina Batista do Grupo Azul e a Carolina Xavier do Grupo Rosa.

 
Carolina Batista

Bom dia. Quero agradecer a presença dos oradores, tem sido um debate muito bom. O Dr. Henrique Monteiro mencionou o caso do ex-director do SIS e da promiscuidade de interesses que decorre da actual posição que ocupa no mercado empresarial. No fundo, põe em causa a ética de alguém que estando em posição de poder abusa em proveito próprio revelando um sentido de Estado nulo.

O jornalismo recorre muitas vezes ao uso de fontes, salvaguardando a sua identidade ao extremo, como no caso de Judith Miller. Em muitas situações essas fontes revelam notícias que põem em causa o segredo de Estado, mencionado pelo Dr. Vasco Graça Moura.

Onde fica a ética de um jornalista que revela uma informação que comprometa o segredo de Estado e não a sua fonte?

 
Carolina Cruz Xavier

Bom dia. Em nome do Grupo Rosa, gostaria de agradecer imenso a presença dos nossos oradores Vasco Graça Moura e Henrique Monteiro.

A nossa pergunta é a seguinte: a crescente difamação e o degradar da imagem dos políticos por parte da Comunicação Social não irá contribuir para falta de credibilidade junto da população e assim afastar os jovens de seguir uma carreira política?

Muito obrigada.

 
Vasco Graça Moura

Essa questão põe o dedo numa das feridas mais importantes da nossa sociedade. Efectivamente trata-se de reabilitar a imagem da política enquanto actividade nobre e prática da vida da sociedade e não desacreditar.

A verdade é que muitas vezes há um descrédito geral lançado sobre os políticos que se reflecte depois individualmente. Cada um de nós que já passou pela política sabe que muitas vezes foi salpicado por alguma dessa lama, mesmo que não tivesse nada a ver com o assunto, mas como é um político vai metido no mesmo saco.

Esse aspecto, penso eu, é extremamente preocupante e convém chamar sempre a atenção para ele e por isso essa pergunta é importante, porque efectivamente a generalização – então ao nível europeu, isso acontece também – do descrédito político, que o político é um inútil, que não serve rigorosamente para nada, etc.

Ainda ontem, uma pessoa que eu respeito muito, o Engenheiro Macário Correia, Presidente da Câmara de Faro, fez uma intervenção contra os deputados, contra o excessivo número de deputados, eu até estou de acordo, mas quando um político tem já algumas responsabilidades devia medir melhor o impacto que vai ter na Comunicação Social aquilo que ele diz.

Quanto ao segredo do Estado, eu acho que é mais fácil um jornalista aperceber-se do sensacionalismo de uma notícia que tem a ver com a vida privada de uma pessoa do que do grau em que uma determinada notícia colide com o segredo de Estado. O problema é, digamos assim, o animus; quando a WikiLeaks quer publicar ou divulgar 250 mil telegramas não pode ignorar que vai certamente violar ou ajudar a violar uma série de aspectos que têm a ver com o segredo de Estado.

Uma notícia individual, isolada, admito que muitas vezes o jornalista não se aperceba de que está a contribuir para desagregar o segredo de Estado e às vezes os próprios políticos são responsáveis por isso. Já não me lembro qual foi o ministro que deixou divulgar uma lista de agentes secretos portugueses, o que colocou em risco toda a estrutura que não devia ser famosa, de que nós dispúnhamos.

Estas coisas são muito mais complexas do que se pode dizer, vocês são muito novos, não souberam muito provavelmente, mas quando nós estávamos metidos na Guerra Colonial, um militar que estivesse em África o remetente das suas cartas tinha apenas um número de código, não vinha lá "o Cabo Joaquim da Silva, província de Moçambique”, nem coisa parecida, vinha um número de código informatizado, porque senão isso mesmo podia colidir com o segredo de Estado. E em estado de guerra estas coisas são extremamente sensíveis, revelar informações que prejudicassem o Estado e a missão que eu estivesse a desenvolver.

Isso, hoje, com a divulgação maciça de milhares de telegramas, milhares de documentos diplomáticos, como se perspectiva acontecer e já tem vindo a acontecer, torna o segredo de Estado numa coisa praticamente inexistente, ou arrisca-se a isso.

Ora, em situações em que se tenha a ver com a segurança, ou com certos aspectos mais sensíveis, nomeadamente com a defesa, com a segurança e protecção em relação a eventuais actuações terroristas, isso pode ter uma importância extraordinária. Aí, convém ter a noção do que está em risco.

 
Henrique Monteiro

Quanto à primeira pergunta, eu de facto critiquei implicitamente o ex-director, não do SIS, mas do SIED, o Jorge Silva Carvalho e pus em causa, aliás, acho logo que uma pessoa sair dos Serviços Secretos para ir para a Comunicação Social é imediatamente uma coisa que devia fazer desconfiar toda a gente.

Agora, a revelação do segredo de Estado é um pouco "uma faca de dois gumes”, é um bocado como a revelação do segredo de justiça. Eu quero dizer que no estatuto editorial do Expresso, e quando o republicámos, com o Ricardo Costa como director já este ano de 2011 (republicámos porque a lei diz que isso deve ser feito todos os anos) e por causa de um ponto com o qual eu estou inteiramente de acordo – portanto isto foi redigido em 1973 e depois houve uma revisão quando eu era director, que a fiz com a administração, com o Dr. Balsemão e esse ponto manteve-se desde 73 – e que diz assim: "O Expresso sabe que em casos excepcionais há notícias que mereciam ser publicadas em lugar de destaque, mas que não devem ser referidas, não por auto-censura, ou censura interna, mas porque a sua divulgação seria eventualmente nociva ao interesse nacional. O jornal reserva-se, como é óbvio, o direito de definir caso a caso a aplicação deste critério.” E porque é que é que vem definido este critério caso a caso?

Se nós formos ver, por exemplo, os Pentagon Papers, vocês também são novos não se lembram disto, em que alguém em Washington começa a ver que havia uma mentira sucessiva de quatro presidentes dos Estados Unidos – portanto estamos a falar de Eisenhower, Kennedy, Johnson e depois Nixon –, e ele passa documentos que provam a mentira dos presidentes – como vocês sabem, mentir nos Estados Unidos é uma coisa muito mais grave do que em Portugal, como se viu recentemente – e, portanto, ele passa isso para os jornais e o New York Times publica a notícia. E o jornalista dispõe-se a ser preso como fonte, porque, aliás, ele assumiu que é a fonte. Porquê? Porque achavam que o valor da informação daquilo era superior ao interesse do que estava a proteger.

Estas coisas só podem ser vistas por conflitos de interesse e casuisticamente, não podemos fazer uma regra geral e dizer que o segredo de Estado prevalece sempre, ou que o segredo de Estado nunca prevalece, como no segredo de justiça.

Ora bem, o que nós fizemos agora ao revelar estas coisas dos serviços secretos e a dizer que há pessoas que enviavam mails dos serviços secretos para empresas não é violação nenhuma de segredo de Estado, porque não há nenhum segredo de Estado que esteja em causa, mais, preserva o segredo de Estado, porque diz que esta falperra não pode continuar!

[APLAUSOS]

Portanto, não há aqui confusões.

Muito obrigado, agora que ajudei a dar um certo crédito à política, gostava de falar um pouco sobre a segunda pergunta que é o descrédito da política. Eu também acho que há um certo descrédito da política, mas devo dizer-vos uma coisa: não podemos atribuir o descrédito à Comunicação Social, tal como não podemos atribuir o descrédito da Comunicação Social à política.

Eu acho que cada classe tem de credibilizar a si própria com bastante vigor e, portanto, se calhar era a altura de ambas fazerem uma reflexão sobre o que é que andam a fazer uma em relação à outra. Porque isto vai acabar mal. Um país que não tenha uma classe política credível é um país que vai a passos largos a minar a sua Democracia, mas um país que não tenha uma Comunicação Social credível vai a fazer o mesmo.

Era importante que do lado da Comunicação Social houvesse uma tentativa de não continuar este descrédito sucessivo da classe política, como também era importante que a classe política não tentasse passar as culpas para a Comunicação Social sempre que houvesse qualquer coisa má. Isto passava logo para uma coisa muito importante, do meu ponto de vista, que é separar águas, pôr cada um em seu lugar. Estas transições entre política e Comunicação Social não são nada boas. Jornalistas que vão para assessores, no geral, não dá nada; assessores que voltam para os jornais, no geral, não dá nada; membros dos Serviços Secretos que vão para órgãos ou grupos de Comunicação Social, isso tudo que nós já falámos, é tudo bastante mau.

A separação de águas, que é de vocês poderem olhar para mim e eu dizer assim: há trinta e três anos eu comecei a ser jornalista e nunca fiz outra coisa na vida, ou olhar para uma pessoa, que nós conhecemos muitas que andaram na política, tiveram os seus empregos naturalmente, no privado, mas foram pessoas que se afirmaram na política. Agora, quando as pessoas começam a misturar, aliás, nós vemos que foram ridículas todas as tentativas de jornalistas de se tornarem deputados, que eram pessoas que se sabe que eram jornalistas ou para-jornalistas: a Manuela Moura Guedes foi uma desgraça, o Vicente Silva, que é meu particular amigo, digo isto até com alguma tristeza, foi uma desgraça como deputado e todas essas experiências foram más (Maria Elisa, Ribeiro Cristóvão, etc.).

familD?lbpR?R só funciona com base em queixas, o que quer dizer que os jornais que têm mais queixas na ERC – isto foi-me dito pelo próprio presidente da ERC – são o Expresso e o Público, como se fossem os piores jornais, mas não, esses são os que têm os leitores mais atentos e mais conhecedores da lei e dos seus direitos.

 

Portanto, enquanto isto for assim a Felismina da Conceição não tem qualquer hipótese. Dizem tudo da vida dela e ela nem sabe do que é que se pode queixar.
 
Vasco Graça Moura

Faça-se uma homenagem ao Miguel Portas, apesar de tudo, apesar de estar nos antípodas.

 
Henrique Monteiro

Calma, calma, ao Miguel Portas e o Paulo Portas, já agora; mas a família Portas sempre foram políticos no jornalismo, nunca foram jornalistas na política. Era aí que eu queria chegar.

[APLAUSOS]

 
Duarte Marques

Muito obrigado. Ainda vamos ter cerca de quarenta minutos para perguntas livres. Já tenho uma inscrição. Eu peço que discretamente me façam sinal enquanto a Liliana Dias do Grupo Castanho for fazendo a próxima pergunta e vão-se mostrando ao longo da resposta que é para eu poder tomar notas. Obrigado.

 
Liliana Fidalgo Dias

Bom dia a todos. Antes de mais, gostaria de dizer ao Dr. Henrique Monteiro que é muito interessante ver alguém que ainda se preocupa pelos clássicos de geo-política e geo-estratégia, que ainda é tão importante hoje.

A minha pergunta é a seguinte: Portugal é um dos únicos países no mundo em que o telejornal tem mais do que trinta minutos. Muitas vezes com notícias sem relevâncias e repletas de sensacionalismo.

O que podemos nós, como telespectadores, fazer para que se dê uma mudança? Conseguiremos fazer essa mudança em Portugal?

 
Duarte Marques

Obrigado, Liliana. Francisco Nunes do Grupo Rosa.

 
Francisco Nunes Pereira

Muito obrigado. Caríssimos oradores, foi aqui dito que a Comunicação Social tem poder e que este se materializa sobretudo na capacidade que tem de influenciar. Nessa medida, pergunto qual é o papel que os meios de Comunicação Social devem ter na pedagogia das comunidades cada vez mais individualistas e desinteressadas dos problemas da comunidade. Obrigado.

 
Henrique Monteiro

Em relação à pergunta que fez a Liliana, eu também não sei responder a isso, porque eu também fico "banzado” com a duração dos nossos telejornais comparado com os telejornais dos outros países e eu acho que tem a ver só com as audiências. Ou seja, se as pessoas começarem a desligar os telejornais, provavelmente, eles passam a ser mais curtos. Eles esticam os telejornais nas televisões porque os telejornais têm muitas vezes mais audiências que os programas seguintes e que os programas anteriores.

É só uma questão de audiência, aliás todo o sistema de audiências da televisão é muito estranho e está em discussão. Eu acho que ele devia ser mais preciso, mas infelizmente como sabem as pessoas sabem ao minuto, ao contrário dos jornais e inclusive sabem se fulano começou a falar e a audiência baixa logo sete pontos. Começa fulano a falar, por exemplo, o Rui Santos que a gente pergunta "como é que a SIC Notícias mete o Rui Santos a falar no domingo à noite duas horas sobre futebol?” e eu digo "bem, aquilo sobe as audiências todas”. É a audiência que nós temos, é a audiência que as pessoas dão e que fazem com que as televisões tenham este ou aquele tipo de estratégia.

Sobre a pedagogia das comunidades, isso é uma coisa altamente complexa, porque eu sobre isso tinha de falar imenso, quase uma outra conferência completa. É uma coisa que o Vasco Graça Moura já abordou, que é o problema da instantaneidade e do individualismo. Nós estamos a mudar provavelmente de maneiras e formas sociais de relacionamento social. Por exemplo, o tempo da instantaneidade é claramente anti-justiça e anti-política, porque o tempo da política e da justiça são tempos de maturação, agrícolas, se quiserem, em que se semeia e depois colhe-se. Esse é o tempo da política até agora. Isto obviamente choca com a instantaneidade dos órgãos de Comunicação Social. Vejam a quantidade de vezes em que um ministro, ou um líder partidário, é interrogado no mesmo dia pelas televisões e rádios e o tipo tem de dizer coisas inteligentes de dez em dez minutos, coisa que nenhum ser humano – nem mesmo o Sócrates – é capaz.

[RISOS]

Há aqui um problema que eu não sei resolver.

O problema do individualismo é verdade. Nós esquecemo-nos que a História do Homem tem cerca de 150 mil anos e que durante 140 mil fomos caçadores-recolectores, logo, obrigava ao trabalho em conjunto, para caçar mamutes e outras feras. Depois fomos agricultores nos 10 mil anos seguintes, praticamente, o que obrigava ao trabalho conjunto, porque a família agrícola tem de ser uma família alargada.

Começámos a mudar quando foi a Revolução Industrial e, provavelmente, estamos a mudar para uma sociedade muito mais individualista e muito mais instantânea. Eu acho que merece um prémio Nobel quem resolver este problema: como é que isto se coaduna com o sentido de comunidade? Como é que se encontram novas formas de comunicação, novas formas de política, novas formas de justiça, adequadas a este tempo e a esta forma de ser social, em que as famílias são cada vez mais monoparentais e o casamento é cada vez mais posto em causa ?

Isto não é só um discurso conservador, é um discurso sociológico que é importante debater. Não vale a pena dizermos só que sou contra. Eu sou contra o casamento homossexual, por exemplo, pronunciei-me muitas vezes contra, mas não basta ser apenas contra, é preciso compreender que há aqui fenómenos novos para os quais a política, a justiça, os jornais e todas instituições a que estamos habituados têm de ter respostas diferentes e eu não as sei dar.

 
Vasco Graça Moura

Quanto à questão dos telejornais, são um facto objectivo: os jornais duram muito mais do que os dos outros países e normalmente também não sei bem feitos, o que também acontece um pouco com os desenvolvimentos na escrita.

Eu penso que tem que ver com duas coisas: uma é a nossa capacidade de síntese na escrita, o cidadão português e o cidadão português ligado à Informação não tem muita capacidade de síntese; outra é o embaratecimento provavelmente da programação a que isso corresponde, se usarem mais materiais comprados ou adquiridos pelas agências noticiosas, de imagem, etc., e mais coisas sobre futebol e desse género, podem esticar indefinidamente porque a emissão ficou muito mais barata. É por isso, também, que há tantas entrevistas, que nos telejornais não são pagas, as televisões não pagam essas colaborações e portanto é a matéria-prima de graça que têm para o enchimento das emissões. Outra é um problema, penso eu, de um certo tipo de gosto, de publicidade, enfim.

Quanto à questão da pedagogia, eu não vejo o jornalismo como uma actividade que desenvolva pedagogia. Vejo muito mais o jornalismo com uma capacidade de desenvolver e abordar as objectivas da realidade e com isso proporcionar aos consumidores informação para que construam a sua própria visão do mundo. Não estou a falar, obviamente de jornais orientados ideologicamente, do Povo Livre nem do Avante, estou a falar da Imprensa, toda a informação terá com certeza alguma construção ideológica por trás, mas o que me interessa na Comunicação Social é que ela permita uma abordagem tanto objectiva quanto for possível, que me permita a mim construir a minha própria imagem do mundo, aquilo que os alemães chamam de weltanschauung, a minha visão do mundo em que existo e, portanto, de algum modo se isso acontecer o jornalismo e a Comunicação Social estão a contribuir para a minha identidade.

Isso é fundamental, porque a minha identidade tem a ver com aquilo com que eu me reconheço, com a minha língua, com os meus valores, com a comunidade a que eu pertenço, com a maneira como a minha comunidade está num âmbito maior, mais alargado, seja a Europa, seja o Mundo. E tudo isso é fundamental e sem jornalismo, sem a Comunicação Social não temos a possibilidade de estar hoje no Mundo, nem sequer de nos sentirmos responsáveis, como temos com a existência desse dado fundamental.

 
Duarte Marques

Obrigado. A primeira pergunta do Catch the eyecabe à Célia Sousa do Grupo Cinzento e a segunda ao Alexandre Ponte do Grupo Castanho.

 
Célia Sousa

Bom dia. A minha pergunta é: numa altura em que se fala na privatização do canal público, de que forma é que acham que a imparcialidade da informação pode ser afectada? Obrigada.

 
Alexandre Ponte

Bom dia, Dr. Henrique Monteiro, a quem dou os parabéns, pois sei de fonte segura que fez anos ontem.

[APLAUSOS]

Bom dia também ao Dr. Vasco Graça Moura e a todos os presentes.

Falaram do anonimato dos autores de certas notícias que muitas vezes difamam e estragam a imagem das pessoas. Acham que essa não-obrigatoriedade de não revelar a identidade desses mesmos autores poderá acabar num futuro próximo, ou há uma rede de interesses instalada, que o impede?

 
Vasco Graça Moura

Eu devo dizer que em matéria da privatização da RTP sou favorável. Penso que tudo está no binómio caderno de encargos/serviço público, ou seja, o elenco de ligações que o adquirente de uma estação deste tipo teria de cumprir e controle da verificação efectiva dessas obrigações.

Se isso não acontecer, é evidente que se abre a porta para a maior desregulação em matéria prática da concorrencialidade da destruição de mercado por haver mais operadoras privadas. Não é isso que me preocupa nesse aspecto. O que me preocupa é: se for privatizado um órgão de Comunicação Social que estava na titularidade do Estado, há que assegurar o desempenho do serviço público que estava comprometido a esse órgão.

É evidente que não penso que seja serviço público coisas tipo Preço Certo, ou programas desse tipo, mas seria necessário um caderno de encargos extremamente preciso e uma capacidade por parte do Estado e dos seus órgãos de controlo e até de sancionamento, se houvesse incumprimentos dessas obrigações do caderno de encargos.

A questão seguinte: suponho que se referia à protecção das fontes, eu não percebi bem a segunda pergunta, mas eu penso que o jornalista deve ter assegurada a possibilidade de manter o segredo sobre as fontes a que recorre, isso é absolutamente evidente. Agora, o que pode ser discutível é se ele recorre legitimamente a determinadas fontes, aí acho que podia ser discutido se sim, ou não, se devia ser ou não obrigado a revelar essa fonte.

 
Henrique Monteiro

Sobre a RTP já disse que sou favorável à existência residual de propriedade do Estado na Comunicação Social onde ela é concessionada. Portanto, no caso da Rádio e da Televisão. Para isso, acho que chega perfeitamente o canal 2 e não deve ter informação sequer. Penso que isto tem a ver com questões patrimoniais e questões que estão fora do mercado e que é impossível sequer concessioná-las a privados. Acho que só tem a ver com isso. Porque o serviço público pode ser prestado pelo Estado, ou não.

Nós, muitas vezes, confundimos serviço público com ser propriedade do Estado ou não, quando o serviço público pode ser ou não propriedade do Estado. E há desde empresas de camionagem, a TAP, há vários serviços públicos que são concessionados a privados ou que estão na posse de privados.

Portanto, na questão da Informação, quando se diz "pode perder a imparcialidade”, a RTP não é imparcial, é tão imparcial como a SIC ou como a TVI. A verdade é esta. Eu, aliás, muitas vezes, surpreendo-me como é que passados trinta e tal anos sobre o 25 de Abril, as pessoas ainda não entenderam que o pluralismo e a liberdade de expressão se realizam no conjunto e não em cada órgão em si.

Ou seja, muitas vezes, quando eu era director do Expresso, as pessoas queriam que o Expresso representasse todas as correntes de pensamento do país, desde, sei lá, o nazismo até ao maoísmo. Não há, não existe. Agora, o que deve haver é liberdade de toda a gente se exprimir e toda a gente ter acesso aos órgãos de Comunicação Social; mas é uma coisa completamente diferente. Essa pluralidade realiza-se no conjunto dos órgãos de Comunicação Social de cada país e pelas preferências de cada cidadão, obviamente. O cidadão prefere comprar o Público, ou o Correio da Manhã, outro prefere comprar o Jornal de Notícias, outro prefere comprar o Expresso, e por aí fora e aí sim temos a ideia de haver uma informação verdadeiramente livre. Agora, se uma pessoa quer comprar o Avante, só tem informação do Avante. Enfim, é um problema. Ou se apenas quiser comprar o Povo Livre. Embora, eu ache que tanto um como o outro não estariam bem da cabeça, mas isso era outra questão.

[RISOS]

Para acabar a questão da privatização da RTP, a mim o que me preocupa não é o fim de uma grande parte do serviço público, porque aquilo é insustentável e não se pode estar a fazer transferências de milhões de euros de indemnizações compensatórias para depois eles também terem receitas publicitárias e, aquilo tudo junto, gastarem mais dinheiro que qualquer outra televisão em nome do serviço público. Não faz sentido nenhum.

Faz sentido gastar pouco dinheiro e destinar-se ao essencial. Ponham lá o José Hermano Saraiva a falar de História e mais umas coisas dessas que não têm obviamente mercado fora de uma televisão vocacionada, como é a PBS americana, ou como são outros exemplos no Mundo e coisas sobre a língua portuguesa, como o Vasco Graça Moura a falar contra o acordo ortográfico e eu a falar a favor, desde que me deixem falar a favor, e outras coisas assim que são importantes e que claro não têm um grande mercado televisivo, e acho que isso chega perfeitamente.

Agora, a privatização no sentido de criar-se um novo canal de televisão, com isso destrói-se o mercado todo. Eu tenho muitas dúvidas, aliás sou contra. Eu devo dizer que a minha empresa é toda contra e seria estranho eu ser a favor e manter-me lá com esta cara alegre, porque não faz sentido nenhum para nós e é um desastre.

Quanto à questão dos anonimatos e das fontes anónimas, eu gostava de explicar uma coisa que quase ninguém consegue explicar, que são as fontes anónimas. Atenção: as fontes anónimas só servem para factos. Quando lerem um jornal, qualquer fonte anónima só se pode referir a factos, não se pode referir a opiniões.

Não há opiniões anónimas no jornalismo, não pode haver, a não ser naquele sentido do The Economist em que o director assume a responsabilidade de tudo, mas não há opiniões anónimas. Não se pode dizer: uma fonte próxima da liderança do PSD disse que o ministro Vítor Gaspar era uma besta, ou um tipo inteligentíssimo. Isto é uma fonte anónima a dar uma opinião, não pode.

Agora, uma fonte anónima pode dizer assim: o Dr. Passos Coelho almoçou ontem com o Dr. António José Seguro; porque isto é uma coisa verificável e esta ideia de haver fontes anónimas que se podem proteger é porque nunca chegariam ao conhecimento público se não fosse através de fontes anónimas, coisas relevantes, não é um almoço entre o Dr. António José Seguro e o Dr. Passos Coelho, a gente tem de decidir se é relevante, pode ser, ou não. Se for para discutir a revisão constitucional é importante e isto é um facto, foi no restaurante "x”, à hora tal e claro que é fácil de desmentir, porque se for mentira o jornalista fica em causa. Por exemplo, se àquela hora um estava em Madrid e outro estava na Polónia, não faz sentido. Mais do que coisas absolutamente factuais e verificáveis, em bom jornalismo não podem ter fontes anónimas, mas infelizmente passam a vida a ter, eu sei, é mau jornalismo, o que é que eu hei-de dizer? Como há má política, como há maus taxistas, "é a vida”… como dizia outro conhecido político.

outra c?a a0/RpRu olhar para uma pessoa, que nós conhecemos muitas que andaram na política, tiveram os seus empregos naturalmente, no privado, mas foram pessoas que se afirmaram na política. Agora, quando as pessoas começam a misturar, aliás, nós vemos que foram ridículas todas as tentativas de jornalistas de se tornarem deputados, que eram pessoas que se sabe que eram jornalistas ou para-jornalistas: a Manuela Moura Guedes foi uma desgraça, o Vicente Silva, que é meu particular amigo, digo isto até com alguma tristeza, foi uma desgraça como deputado e todas essas experiências foram más (Maria Elisa, Ribeiro Cristóvão, etc.).

 

 
Duarte Marques

Rui Bernardino do Grupo Roxo. De seguida, Diogo Antunes do Grupo Bege.

 
Rui Bernardino

Bom dia a todos, um cumprimento especial aos nossos convidados. Tendo em conta o papel preponderante dos media nas campanhas eleitorais, eu gostaria de lhe perguntar de que forma a Comunicação Social influencia um resultado eleitoral.

Bom dia a todos, um cumprimento especial aos nossos convidados.

 
Diogo Antunes

Muito bom dia a todos, um agradecimento especial aos nossos convidados pelo excelente debate aqui hoje.

Nas televisões e rádios, não são alguns aspectos da realidade social e científica relegados para documentários ou reportagens com menos destaque que os espaços noticiosos por requererem mais reflexão e suscitarem menos emoções? Obrigado.

 
Henrique Monteiro

Começo já por esta pergunta e a minha resposta é sim, é exactamente isso e não sei porquê.

Há uma coisa muito engraçada: quando nós fazemos inquéritos aos leitores, por exemplo, num jornal, já sabemos a resposta sobre o que é que eles querem. Querem mais Ciência, Ambiente e afins. Mas depois se enchemos páginas com Ciência já ninguém as lê. Isto é, digamos, o retrato fiel, agora, pode ser que a culpa seja do comunicador, ou seja, que os jornalistas que escrevem sobre isso não conseguem interessar os leitores.

Mas a verdade é que a maior parte das coisas interessantes, que vão além dos temas de que já se falou aqui, a política, o desporto e agora a crise económica, são relegadas para lugares de pouco destaque, ou para documentários, ou horas pouco impróprias. Mas eu não sou programador de televisão, devo dizer que não percebo nada de televisão. Aliás, há bocado o Dr. Vasco Graça Moura disse uma coisa com a qual estou inteiramente de acordo, que é a produção de notícias é muito mais barata que a outra e por isso também ajuda a justificar o excesso da duração dos telejornais.

Quanto à influência que os jornais têm nas campanhas eleitorais, ou nas eleições, eu duvido muito que os jornais tenham essa influência. Aliás, eu já escrevi isto várias vezes, o povo português tem um bom senso extraordinário em matéria eleitoral. Se nós olharmos com distância para os resultados eleitorais fica um bom senso extraordinário. As coisas mudam na altura em que tinham de mudar. Às vezes não gostamos de como as coisas são feitas, mas elas mudam quando deviam de mudar.

O que eu acho é que há uma parte da campanha eleitoral que os partidos fazem, todos eles, para a Comunicação Social ver e esta depois nunca diz que aquilo foi feito apenas para eles verem. Não faz sentido nenhum.

Olhar para as campanhas eleitorais em Portugal – eu espero que isto mude e até a falta de dinheiro tem coisas boas que nos obriga a mudar a maneira como se fazem as coisas –, são só apelos aos sentimentos, isso sim, a razão na campanha eleitoral não existe. A prova disso é que a única pessoa que falou a verdade na campanha de 2009, que foi a Dr.ª Manuela Ferreira Leite, perdeu glamourosamente; ninguém a quis ouvir.

[APLAUSOS]

Na altura, como vocês sabem, tão bem quanto eu, ela dizia que o país estava numa situação em que não se podia endividar mais, mas ninguém quis ouvir, o país continuou a endividar-se. Alguns de vocês podem dizer que foi algo divino: ela não foi eleita porque dois anos foi outro eleito; está bem, pode ser, não sei. E parece-me que, na altura em 2009, a Comunicação Social já estava, em boa verdade, farta do Primeiro-Ministro. Ele ganhou e parece-me que não havia propriamente já aquela onda de boa vontade em relação ao Primeiro-Ministro Sócrates como houve, por exemplo, em 2005, claramente, relativamente ao Santana e que houve, agora em 2011, a favor do actual Primeiro-Ministro. Também já estava tudo farto do anterior e queriam mudar, mas aí acho que é mais a Comunicação Social que anda atrás do sentimento público, que penso que prevalece até sobre a Comunicação Social.

 
Vasco Graça Moura

Eu acho que há casos em que a Comunicação Social durante a altura de ponta das campanhas teve uma certa influência, não sei se foi em 2005 quando o Fernando Nogueira perdeu as eleições. Houve notícias nitidamente construídas com uma total má-fé em relação à campanha.

 
Henrique Monteiro

Sem dúvida. O que eu estou a pôr em causa é se teve resultado ou não.

 
Vasco Graça Moura

Nele teve resultado negativo. O caso de 2009 é evidente também e o caso em 2005 com o Santana Lopes também. O Santana Lopes foi, nesse aspecto, em parte por culpa própria, em parte por ser vítima de uma certa orquestração que começou no Presidente da República, foi vítima de uma campanha da Comunicação Social. No caso do Engenheiro Sócrates, enfim, como eu em 2009 declarei que ía fazer de tudo para o deitar abaixo, levou dois anos, mas acho que também contribuí para isso, acho que de algum modo a minha intervenção na Comunicação Social pode ter tido algum resultado.

De qualquer maneira, as campanhas eleitorais têm o seu lado de circo mediático em que os candidatos prestam-se a figuras um bocado patéticas: beijar criancinhas, andar pelas feiras, ruas, etc.; é que hoje já não se compreende como é que pode interessar às pessoas, mas continuam a ser objecto de reportagem.

No outro caso, de pôr temas mais ponderados, mais reflexivos, com uma paleta mais vasta, os tais que, lembro-me que quando apareceu se propunha a superar o jornalismo imediatista e propor temas de reflexão, desenvolvimentos diferentes e depois teve de abandonar essa linha, porque ao fim de pouco tempo verificou-se que estava a vender menos. Eu lembro-me sempre que em termos europeus há sempre uma queixa. Eu participei em duas campanhas para o Parlamento Europeu, portanto ouvi isso muitas vezes em debates televisivos e em rádios: o que é que nós fazíamos para dar a conhecer os problemas europeus, a problemática Europa.

À minha conta, publiquei 500 páginas, no entanto se hoje fosse candidato perguntavam-me o que é que eu tinha feito para divulgar, o que é o próprio faz, o que é se faz na Europa?

O cidadão queixa-se sempre, porque tem de arranjar alguém que seja alvo dos seus remorsos. A Europa gasta rios de dinheiro para divulgar a sua actividade, independentemente da actividade individual de cada um dos deputados europeus. Mas eu fiz essa experiência, quando terminei o meu mandato publiquei um livro só de coisas que eu tinha escrito sobre a Europa e, como eu, muitos outros. No entanto, isso não impede que os cidadãos estejam sempre a queixar-se, ou porque não sabe o que fazem os deputados, ou porque não sabe o que faz a Europa, etc.

Eu acho que um dos casos, precisamente, que o serviço público de televisão ou de comunicação devia contemplar tem a ver com o que o Henrique Monteiro esteve a falar, do José Hermano Saraiva, tem a ver exactamente com as questões identitárias, temas como a Cultura, a História, grandes problemas contemporâneos, que podem ser tratados de uma maneira simples e acessível e que, aí sim, seria verdadeiro serviço público muito mais importante que o concurso da Eurovisão ou o Preço Certo, ou outras baboseiras do mesmo género, que é indigno que uma televisão portuguesa, uma televisão do Estado, transmita. Ou então se alguém fizer a experiência de ver o que é a RTP Internacional, mais vale que não exista, a existir como existe nos termos actuais em que é a verdadeira vergonha nacional, pelo menos era, enquanto eu vivi em Bruxelas, desde 2009 que eu não sei se por um golpe milagroso não se terá melhorado.

Ora, isto não pode ser. Agora um serviço público que pensasse em fornecer e eu digo isto porque fui durante 9 anos administrador da Imprensa Nacional–Casa da Moeda, onde tive alguma coisa que fazer com edições de cultura, as edições que vendiam melhor têm a ver com a nossa identidade, com a antropologia, a etnologia, a História, etc.

O Círculo de Leitores fez o negócio do século com a História de Portugal de José Mattoso, na altura foram 8 milhões de contos, porque as pessoas sentem-se mais tranquilas se tiverem em casa uma História de Portugal, o que não quer dizer que vão ler da primeira à última página os oito volumes. Dá uma tranquilidade identitária – uma designação que eu proponho, à falta de melhor – e isso num serviço público de televisão podia e devia assegurar que em todas as áreas – e só teria vantagens – isso existisse.

Esse é o problema fundamental.

 
Henrique Monteiro

Deixe-me só dizer uma coisa: curiosamente, em 2003, por sugestão minha o Expresso editouOs Lusíadas em 10 volumes, aliás, você fez o prefácio, e até hoje foi o maior recorde de vendas.

 
Vasco Graça Moura

Por sinal, pagaram-me muito mal.

[RISOS]

 
Henrique Monteiro

Se eu ganhasse ao nível que ganhou o Vasco Graça Moura eu era milionário.

[RISOS]

Por aquela quantidade de palavras – é claro que ele tem mais talento do que eu –, mas pela mesma quantidade de palavras.

 
Vasco Graça Moura

Como diria o Camões "e se mais livro houvera, mais pagara”, não?!

[RISOS]

 
Henrique Monteiro

Mas é verdade que nós vendemos 80 mil Lusíadas! O que é uma coisa extraordinária, se nós pensarmos num livro em Portugal, é um best seller completamente ao nível de primeira linha.

 
Vasco Graça Moura

Mas há uma coisa curiosa, aquilo eram dez volumes (um por cada Canto) e pediam aos autores uma ficção que tivesse a ver com esse canto. Portanto, no fundo não era só Camões que era vendido, era Camões mais dez autores.

 
Henrique Monteiro

Dez autores de língua portuguesa, já agora, incluindo o Mia Couto que é moçambicano, o Pepetela que é angolano e a Nélida Piñon que é brasileira e mais sete portugueses incluindo o Vasco.

 
Vasco Graça Moura

Era uma edição muito bonita, além disso.

 
Henrique Monteiro

Ainda é. Quero dizer, não sei se ainda é possível comprá-la.

 
Vasco Graça Moura

Mas depois também fizeram o D. Quixote, salvo erro.

 
Henrique Monteiro

Fizemos o D. Quixote, vendemos a Bíblia e a Peregrinação de Fernão Mendes Pinto; vendemos imenso.

 
Vasco Graça Moura

As questões identitárias são importantes, parecendo que não, mesmo para quem ignore. Os Lusíadas são importantes até para quem não os leu. Mesmo quem não leu os Lusíadas fica indignado. Por exemplo, uma vez o Dr. Cavaco Silva teve a infelicidade de dizer a um jornalista que não sabia quantos Cantos tinham Os Lusíadas.

Lembra-se disso?

O que é obviamente um lapso, não é uma ignorância, é um lapso. Foi gozado de todas as maneiras. O que deviam ter feito era perguntar a um jornalista: "olhe, sabe em que Canto é que vem a Tempestade?”, ou "em que Canto é que vem Inês de Castro?”. Nenhum sabia, esse é que é o problema. Agora, é identitário; este ou a História de Portugal é do melhor que há.

A História que agora o Rui Ramos editou, foi um negócio extraordinário, é um sucesso, não é? Aliás, é muitíssimo boa também.

Estas coisas que deviam ser objecto de um trabalho de um órgão de Comunicação Social de serviço público, são coisas que são fundamentais porque elas têm que ver com a nossa capacidade de estar no Mundo. Eu, como português, tenho de ter uma noção da História, para perceber o meu papel, quer em Portugal, quer na Europa, quer em relação ao resto do mundo da língua portuguesa, quer em relação ao mundo em geral. Isso tem a ver com a História, com a Língua, com a Cultura, com a transmissão transgeracional de um conjunto de valores – a que se chama de herança geracional – com toda a capacidade de olhar o Mundo e de relacionamento com os outros. É exactamente isso que um órgão de serviço público deveria utilizar para as suas emissões, para os seus contactos, bem produzida, não é discutir Schopenhauer num programa de televisão, mas é possível fazer coisas muito acessíveis, extremamente problematizadoras.

Quem se lembre, não sei se alguém viu, as coisas que fazia o Vitorino Nemésio, o David Mourão-Ferreira, o Joaquim Manuel Magalhães, em tempos, programas que são perfeitamente possíveis, tipos de linguagem em que é possível uma inovação extremamente importante e isso falta no serviço público. Esse é o problema.

 
Duarte Marques

Obrigado. Carlos Costa do Grupo Bege; é a primeira pergunta que coloca. De seguida, Rosa Santos do Grupo Castanho.

 
Carlos Sampaio da Costa

Muito bom dia a todos. A minha pergunta é a seguinte: actualmente é difícil avaliar o desempenho da Imprensa quando nos deparamos com momentos como o Julgamento Casa Pia, ou com caso Dominique Strauss-Kahn. Casos, como estes que são extremamente mediatizados, geram uma pressão social que poderá de alguma forma influenciar também o decisor jurídico. Não se deveria limitar de forma legítima a actuação da imprensa de maneira a evitar julgamentos em praça pública? Se sim, como? Obrigado.

 
Rosa Nogueira dos Santos

Bom dia. Fala-se actualmente em crise de valores nas gerações mais jovens, se bem que eu penso que não será o caso desta sala, mas tendo em conta esta crise de valores e pensando que os media sobrevivem da audiência eu pergunto: no sentido lato (não só do serviço público, mas também do privado), estarão os media preparados para mudar os valores da população, ou será a população a mudar os valores dos media? Obrigada

 
Vasco Graça Moura

Bom, eu penso que os casos são diferentes, apesar de tudo: o caso Casa Pia e o caso Strauss-Kahn. O caso Casa Pia tinha a ver com a acusação de prática de crimes, crime de Pedofilia no sentido generalizado e dificilmente desenhado, porque havia muitas vítimas e uma porção de arguidos e o caso Strauss-Kahn tinha a ver com a acusação de um único crime, tudo parecendo uma história mal contada em grande parte e provavelmente com implicações e objectivos políticos.

De qualquer maneira, a Imprensa apoderou-se desses dois casos e foi muito mais longe do que seria de esperar da maneira como trabalhou esses casos. No caso da Casa Pia, se bem me lembro, houve uma série de informações que passaram cá para fora mesmo estando sob segredo de justiça e no caso Strauss-Kahn tudo o que havia a dizer pela magistratura foi comunicado à Comunicação Social e não houve aí problema nenhum.

O que houve foi efectivamente uma demolição da imagem de um político, talvez em parte tendo esse político contribuído para isso, uma demolição que certamente teve efeitos no seu futuro como figura pública.

Agora, eu acho que não se deve limitar a acção da imprensa no sentido que estava posto na pergunta.

São factos públicos; deve-se limitar no sentido de se esse processo está em segredo de justiça, deve-se evitar que a Imprensa vá violar o segredo de justiça, mas se pautar pelas normas vigentes não tem nada de se limitar a acção da imprensa, pelo contrário, acho que é bom que a imprensa informe, cumpra o seu dever de informar da maneira mais objectiva possível. O que eu penso é que não deve pisar certos riscos.

Relativamente à questão sobre as gerações mais jovens, agradecendo a inclusão que faz da minha pessoa como pessoa mais jovem, eu tenho alguma dificuldade em responder. A vida nacional e não só a portuguesa, acontece noutros países mas não no mesmo grau, tem-se vindo a degradar na perspectiva dos valores. Valores que vão desde a autoridade democrática ao papel da família, da escola, à autoridade e qualidade dos professores, ao conjunto de obrigações de aprendizagem que devem impender sobre os alunos.

Tem sido feita na perspectiva de que as crianças são o "bom selvagem”, correspondem ao mito do "bom selvagem” e portanto a permissividade e a lei do menor esforço é que são importantes para o seu desenvolvimento, quando é exactamente o contrário, a aprendizagem implica o sacrifício, a aprendizagem escolar implica trabalho e sacrifício.

Ora, a crise de valores vem muito disso, desse laxismo, desse facilitismo, não é apenas aquilo que significa ao nível da política ou doutros espaços profissionais; começa nas idades mais jovens, começa na escola, começa na família, começa na demissão que os responsáveis pela educação e pela formação têm vindo a ser praticada sistematicamente.

Depois, reflecte-se em tudo, da maneira como falamos e escrevemos, à maneira como olhamos para o mundo e nos comportamos – esse é que é o problema da crise de valores, na minha opinião.

 
Henrique Monteiro

Quanto à primeira pergunta, eu partilho em parte aquilo que foi dito sobre o caso Casa Pia e o caso Strauss-Kahn.

Acho que não deve haver limitações. A Imprensa não viola o segredo de justiça no geral, ou melhor, a Imprensa viola passivamente o segredo de justiça, porque este é violado a montante pelo próprio sistema judicial. Nunca é um jornalista ele próprio que vai começar a sacar do sistema, é o sistema que dá aos jornais e estes publicam. De facto, fazem julgamentos em praça pública.

Se lembram da prisão do Bibi, Carlos Silvino, personagem central do caso Casa Pia, foi em directo na SIC. Isso quer dizer que alguém disse à SIC que o iam prender. Ou, por exemplo, a entrada do juiz Rui Teixeira, que é feita em directo para prender Paulo Pedroso. Depois, daqui, geram-se julgamentos em praça pública.

 
Vasco Graça Moura

O Strauss-Kahn algemado.

 
Henrique Monteiro

O Strauss-Kahn algemado, isso é diferente, porque isso nos Estados Unidos é normal, quero dizer, não há nenhuma fuga, não corresponde a nenhum segredo nessa matéria.

Agora, eu quero chamar à atenção para uma coisa: tudo isto já havia antes de haver televisão e quando me prendessem toda a gente na minha rua havia de saber; o que não havia era esta disseminação que há hoje. Umas pessoas numa aldeia já eram julgadas em praça pública. Nós estamos é perante realidades diferentes e não vale a pena matar o mensageiro.

Eu já digo na segunda parte porque é que não vale a pena matar o mensageiro, porque isso também tem que ver com a crise de valores.

A primeira coisa é assim: eu penso que os meios de Comunicação Social não criam valores e não ensinam valores às populações, eles próprios estão impregnados de valores que existem na própria sociedade. A crise de valores que há na sociedade, eu não acho que seja nos jovens, eu acho que é na minha geração que começou a crise de valores. A ideia do "já”, de qualquer coisa "já”.

Reparem numa coisa que é tão importante para a crise de valores, para além do que o Vasco Graça Moura já disse e eu estou de acordo: nós, até ao final da I Guerra, até ao primeiro tipo que inventou uma coisa genial que é "pague depois e viaje agora” e todo o sistema de crédito que advém daí, a única forma de ter um bem sem fazer esforço, era ser herdeiro.

Depois, o deferimento que existe historicamente entre o esforço que se faz e a compensação que se tem, deixou de existir. Isso é a crise de valores. Se vocês quiserem falar numa palavra o que é que significa a crise de valores, é isto, a instantaneidade e é nós podemos ter recompensas sem fazer esforço, através de alavancagens. Nós, os países, os bancos e toda a gente. Aliás, o que estoirou, ou o que está a estoirar, os sistemas da Segurança Social e Previdência, é tudo isto.

Portanto, a imprensa e os meios de comunicação aqui foram receptáculos desses valores, como fomos todos, como diria aquele episódio da Bíblia de Jesus "quem nunca utilizou o crédito, que atire o primeiro cartão”.

[RISOS]

Agora, eu acho que há aqui uma questão que é como é que sociedade vai resolver isso? Aqui remeto sobre o problema histórico das alterações todas que nós estamos a viver, tempos e essas coisas todas, porque eu sinceramente não sei como vamos resolver isto.

Eu vou-vos dizer uma coisa: eu nunca comprei uma casa, por isso nunca fiquei a dever nada a um banco e nisso sou um gajo completamente estranho. Podia quase atirar o cartão, não sei se alguma vez pedi crédito para alguma coisa, acho que não, mas também não posso condenar alguém que o tenha feito, é algo absolutamente banal, toda a gente de bem fez isto, mas agora como é que isto se muda? Como é que se muda esta sociedade? Como é que nós vamos explicar que uma pessoa como eu, que quando comecei a trabalhar tinha uma reforma assegurada no montante "x” que era aquilo que eu ganhava menos um bocadinho, como é que se vai explicar a uma pessoa como eu que agora não tem direito a quase nada e que tudo o que andei a ganhar e a juntar não vale nada porque ainda por cima o Estado considera-me rico porque eu ganho mais de 65 mil euros por ano e, portanto, já não posso descontar nada do que faço em despesas de saúde?

Quero dizer, tudo isto é muito complexo. Eu até percebo que essas medidas são necessárias, nem sequer estou a dizer que elas são infames ou outra coisa, mas que isto é complexo, é e que a gente não sai daqui só porque os meios de Comunicação Social alteram valores, ai isso não saímos de certeza, pois os meios de Comunicação Social adoram estes tipo de valores como toda a gente adora este tipo de valores.

Segu"?prpER0/Ré uma coisa verificável e esta ideia de haver fontes anónimas que se podem proteger é porque nunca chegariam ao conhecimento público se não fosse através de fontes anónimas, coisas relevantes, não é um almoço entre o Dr. António José Seguro e o Dr. Passos Coelho, a gente tem de decidir se é relevante, pode ser, ou não. Se for para discutir a revisão constitucional é importante e isto é um facto, foi no restaurante "x”, à hora tal e claro que é fácil de desmentir, porque se for mentira o jornalista fica em causa. Por exemplo, se àquela hora um estava em Madrid e outro estava na Polónia, não faz sentido. Mais do que coisas absolutamente factuais e verificáveis, em bom jornalismo não podem ter fontes anónimas, mas infelizmente passam a vida a ter, eu sei, é mau jornalismo, o que é que eu hei-de dizer? Como há má política, como há maus taxistas, "é a vida”… como dizia outro conhecido político.

 

outra c?a a0/RpRu olhar para uma pessoa, que nós conhecemos muitas que andaram na política, tiveram os seus empregos naturalmente, no privado, mas foram pessoas que se afirmaram na política. Agora, quando as pessoas começam a misturar, aliás, nós vemos que foram ridículas todas as tentativas de jornalistas de se tornarem deputados, que eram pessoas que se sabe que eram jornalistas ou para-jornalistas: a Manuela Moura Guedes foi uma desgraça, o Vicente Silva, que é meu particular amigo, digo isto até com alguma tristeza, foi uma desgraça como deputado e todas essas experiências foram más (Maria Elisa, Ribeiro Cristóvão, etc.).

 

 
Duarte Marques

Muito obrigado. Últimas duas perguntas, sendo a segunda pergunta em Catch the eye do Nuno Gomes e a primeira pergunta do Pedro Roberto.

 
Nuno Pimentel Gomes

Obrigado, Duarte. Bom dia, Dr. Vasco Graça Moura e Dr. Henrique Monteiro. Eu não tenho propriamente uma pergunta muito arguta ou directa, embora ela tenda mais a ser feita para o Dr. Henrique Monteiro e tem a ver com aquilo que ele referiu e que para mim são questões claramente centrais quando se pensa em órgãos de Comunicação Social.

A primeira tem que ver com a forma como as pessoas tentam diabolizar a Comunicação Social e a relacioná-la com a política. Alguém me quer explicar como é que o antigo Primeiro-Ministro ao ser-lhe pedido qual era a percentagem do PIB que iria ser alterada ele começou a patinar, a patinar e no final diz é só fazer as contas? Ou, então, quando um antigo Primeiro-Ministro, como nós vimos aqui ontem na apresentação do Dr. Rodrigo Moita de Deus começa a ler um discurso que não tinha sido preparado por ele e não consegue encontrar a página? Isto foram os órgãos de Comunicação Social que diabolizaram? Não foram. Foi uma falta de preparação e foi se calhar uma pessoa se calhar menos capaz para naquele momento se colocar naquelas condições.

A pergunta que é mais relevante nos tempos actuais e já se falou aqui de Economia e de Comunicação Social tem que ver com as relações de grupo que são criadas nos órgãos de Comunicação Social e o caso que mais me vem à memória é o do jornal Público, embora seja o meu jornal de referência, tem que ver com a situação e que se calhar aqui para a plateia, embora sejam pouco mais novos que eu, que acho que faz todo o sentido.

Vocês já repararam que no Público nunca aparecem os comentários acerca dos Festivais de Verão da Zambujeira do Mar ou acerca de outros Festivais de Verão e embora o Optimus Alive tenha uma grande cobertura? Sabem qual é a relevância no meio disto, ou a ligação disto? É que a sociedade gestora de participação social é a mesma, ou seja, é a SONAE SA, que é dona do Público SA e dona da OPTIMUS SA.

Gostaria de ouvir do Dr. Henrique Monteiro e obviamente o Dr. Vasco Graça Moura poderá intervir exactamente esta capacidade que nós temos de ter cada vez mais de cruzar a parte económica e a parte da Comunicação Social.

Já vi que o Dr. Vasco Graça Moura também referiu isto – é claramente das pessoas que mais aprecio e das pessoas que Portugal deve orgulhar-se de ter entre si –, efectivamente nós termos esta capacidade de com os nossos quadros mentais conseguirmos desbloquear e cortar esta relação que às vezes nos é entregue como final. Obrigado.

 
Pedro Roberto

Bom dia, cumprimento à mesa.

Temo que possa estar a repetir um pouco, também por ser o último a intervir, no entanto gostava de vos fazer a seguinte questão: com a série de grupos económicos que estão actualmente ligados aos media, falo por exemplo do grupo Impresa e da ControlInvest, que visam obviamente o lucro e com o share e a audiência como pilar principal dos media, não existe aqui um binómio entre informação versussobrevivência? Muito obrigado.

 
Henrique Monteiro

Para começar com a pergunta do Nuno Gomes, estou de acordo com o pressuposto, ou seja, percebi que isso se ligava com uma coisa do Engenheiro Guterres e outra do Dr. Santana Lopes e o problema é este: eu digo isto muitas vezes, a Comunicação Social funciona muito como um espelho da sociedade e às vezes, quando a gente não gosta do que vê, parte o espelho e diz que a culpa é do espelho.

As coisas existem, há coisas que não são inventadas, de facto, o Guterres não sabia qual era o valor do PIB. É claro que depois de conhecermos a envolvente toda... que ele tinha a mulher a morrer. Podíamos ser caridosos, mas o mundo também podia ser perfeito, não haver ladrões, etc., mas o mundo é assim. Faço-lhe aqui essa homenagem, como ele próprio percebeu "é a vida”, isso aí é que não havia dúvida e o mesmo quando foi com o Santana Lopes. Estas coisas continuarão a existir.

O problema é: que importância é que lhe dá as pessoas que vêem isto? O Engenheiro Guterres não perdeu as eleições, ganhou-as, portanto a importância também não foi assim tão grande.

Na verdade a Comunicação Social é muitas vezes diabolizada por coisas que não foram criadas em nada pela Comunicação Social, é apenas um espelho daquilo que existe e muitas vezes, aliás o Oscar Wilde tem O Retrato de Dorian Grey, a gente olha para a nossa imagem e não gosta dela. É isso que nós temos na Comunicação Social.

A segunda parte da pergunta, de cruzar a parte económica com a parte editorial também reflecte na pergunta que fez o Pedro Roberto e é o seguinte: os grupos económicos ligados aos media quando visam o lucro, não há aqui um binómio lucroversus sobrevivência.

Durante a minha intervenção inicial eu defendi que houvesse, não só legislação para os jornalistas, mas também para os proprietários e toda a cadeia hierárquica da propriedade e executivos da Comunicação Social. Eu, agora, vou dizer uma coisa, que vocês vão dizer "o gajo está a defender está a defender o grupo” e estou, mas é verdade. O grupo Impresa é o único que só tem negócio na Comunicação Social, não tem mais nenhum, é só na Comunicação Social, não há mais nada, não há SONAE, não há Desporto como há no grupo ControlInvest e não há Altri que é o grupo de pasta de papel. Eu não estou a dizer que isto é ilegítimo, estou apenas a descrever a situação. Tenho o maior respeito pelo grupo Cofina e pelo grupo ControlInvest e pelo grupo Media Capital que penso que também é só Comunicação Social, portanto posso estar aqui a fazer uma injustiça, tanto quanto me lembre é só TVI e umas revistas.

Mas devo dizer o seguinte: a forma de ser livre é depender das receitas que nós próprios geramos, porque qualquer projecto que não depende das receitas que ele próprio gera não pode ser livre. Isso parece-me óbvio. Ou seja, o facto de nós dependermos de 60% da publicidade e 40% das vendas, faz-nos depender de tanta gente, de todos os investimentos publicitários que são contraditórios entre si, no sentido por exemplo do BPI, o BES, o BCP e a Caixa. E já aconteceu, o BES já nos cortou a publicidade e nós continuámos. Quero dizer, eles são contraditórios porque são concorrentes entre eles, fazem ali publicidade e o facto de nós dependermos de publicidade de diversas fontes e de leitores que nem sequer conhecemos, aliás diversas fontes que são mais de 100 mil por semana, faz-nos ser mais livres do que se dependêssemos só de uma fonte.

Vamos ao caso do Público, que aliás, digo já, é um dos meus jornais diários, sou assinante aqui no iPad e tudo, não tenho nada de fundo, digamos, contra o Público, mas é um jornal que dá prejuízo e ele só é um jornal livre ou mais livre possível, não me parece que o Público tenha peias, porquê? Porque tem por detrás um homem que é o Belmiro de Azevedo que quer que assim seja, porque se fosse outro homem provavelmente o Público não teria aquela liberdade. Esta é a razão.

E muitos outros jornais que podemos dizer aqui, que não deram lucro; vamos ao concorrente directo do Expresso, que dizia que ia destroná-lo em seis meses e depois em 2 anos e depois em 3, quem é que é o dono do Sol, alguém sabe? Qual é o interesse que está por trás do Sol? É que o Expresso vocês sabem, o accionista maioritário é o Dr. Francisco Pinto Balsemão que é do vosso partido e muitas vezes me dizem assim: "você está aí a escrever esse editorial que o Balsemão mandou e que é o PSD que manda nele”, enfim, é mentira, mas eu tenho de viver com isto, não é?

Agora, o problema é quando nem sabemos nem percebemos qual é o interesse que está por detrás, portanto o que eu proponho é transparência absoluta dos interesses e regulação sobre todos os actores da Comunicação Social e acho que isso podia ajudar no problema.

 
Vasco Graça Moura

Faça-se ao Francisco Balsemão homenagem que lhe fez o Eduardo Lourenço, eu sou testemunha, aqui há uns anos, em que disse que o Francisco Balsemão foi o primeiro-ministro mais democrata que nós tivemos, o que é verdade.

De facto a opção, ou alternativa, seria haver órgãos oficiosos que são ruinosos e suspeitos, ou a haver ligações entre media e grupos económicos devem ser transparentes e estar à vista de toda a gente. No fundo isso é que é fundamental, de maneira que aí nesse quadro, depois o desenvolvimento da concorrência, da disputa de audiências, da diversificação de temáticas, enfim, de todos aspectos que dão identidade e individualidade a um órgão de Comunicação Social podem funcionar e chamar mais ou menos leitores. Evidentemente também não existe uma Comunicação Social se não houver consumidores, informação e os conteúdos que lhes proporciona.

Sendo esta a última intervenção, gostava de vos dizer mais um parágrafo dessas conclusões do Marcelo Rebelo de Sousa, mas que aqui têm a ver mais com o trabalho de um redactor das secções do tal seminário, que era o Dr. Mário Mesquita.

Este parágrafo parece-me muito interessante porque retrata o que falámos aqui em poucas linhas: "uma vez traçado o percurso histórico, analisou a retórica da Comunicação Social actual na qual realçou: o predomínio das narrativas, a construção das personagens, inacabada, em aberto, diversamente das personagens histórias, o reino da ubiquidade e do instantâneo, da exploração do suspense, a contaminação entre real e ficção e publicidade e jornalismo com recursos sistemático à metáfora e à metonímia, a performatividade da comunicação ligada à criação de pseudoacontecimentos pelos protagonistas sociais”.

Eu penso que isto retrata muito o que nós estivemos a falar e que é exactamente o contrário daquilo que aconteceu na América, aquela individualidade a quem perguntaram se tinha conhecido uma personalidade chamada Monica Lewinsky e respondeu "que ideia!”.

[RISOS]

É um pouco isso, nós vivemos num banho de informação, temos de ter uma aspiração à verdade e à não-manipulação e esperar a Comunicação Social responda a essas nossas necessidades e também como nada é perfeito, nenhuma instituição, nenhuma obra humana é perfeita, esperar que as regulações, os códigos de comportamento e de conduta sejam eficazes na sua prevenção e na sua aplicação para que possamos sentirmo-nos mais confortáveis, mais pessoas de nosso tempo e sobretudo mais seres humanos com um conjunto de valores que são simultaneamente pessoais e partilháveis.

 
Dep.Carlos Coelho

Queria agradecer os nossos convidados da Universidade de Verão, Dr. Henrique Monteiro e Dr. Vasco Graça Moura o excelente debate que tivemos esta manhã.

Muito obrigado.

[APLAUSOS]