Estimado Dr. Rajoy, é um grande prazer e privilégio
para nós ter aceite o nosso convite para estar aqui. Sabemos que amanhã vai
estar num debate importante no Congresso dos Deputados e que, por isso, imediatamente
após a nossa sessão, tem de viajar pela auto-estrada até Madrid, pelo que
agradeço duplamente o seu interesse em estar connosco.
Temos contado com a colaboração de personalidades do
seu partido, como Ana Palacio e Jose Ignacio Salafranca, em actividades de
formação menos prolongadas, como é o caso das Universidades Europa.
É a primeira vez que na nossa Universidade de Verão,
a nossa iniciativa de formação política mais importante, temos como convidado o
presidente de um partido-irmão. Seguimos com imenso interesse a sua liderança
em Espanha.
Os nossos países tiveram a má sorte de ter tido
governos socialistas e, agora, tanto portugueses como espanhóis querem uma
mudança para sair da crise e tornar mais firme a posição dos nossos países na
União Europeia, a nossa Europa comum.
O nosso convidado tem como hobby fazer grandes caminhadas, jogar ténis e ler romances
históricos. A sua comida preferida é o cozido galego, o seu animal preferido é
o cão e a sugestão de livro que nos deixa é "En confianza” escrito pelo próprio
Dr. Mariano Rajoy e publicado pela editora Próxima Aparición. Indicou-nos ainda
que o seu filme favorito é "A Lista de Schindler”, um grande filme. As
qualidades que mais aprecia nos outros são a bondade e a inteligência.
Senhoras e senhores, para falar connosco na
Universidade de Verão de 2011, dou as boas-vindas ao próximo presidente do
Governo de Espanha, Dom Mariano Rajoy.
[APLAUSOS]
Mariano Rajoy
Boa
tarde, senhoras e senhores, queridos amigos. Quero começar por agradecer o
convite do PSD para participar na sua Universidade de Verão, especialmente a
Miguel Relvas e aos organizadores deste evento.
Para
mim é uma grande satisfação poder compartilhar algumas ideias com um partido
irmão sobre a situação de Portugal e de Espanha no atual contexto internacional
e, em particular, no âmbito da União Europeia.
Gostaria
de falar-vos sobre como vejo Portugal e Espanha perante os desafios de hoje,
entre os quais se destaca a crise económica.´
Estamos
assistindo a uma grande transformação em todas as esferas. O mundo hoje é
global, interdependente e multipolar. É assim tanto do ponto de vista
económico, como também, e cada vez mais, a partir de uma perspetiva política.
Em
poucos anos, o cenário que conhecíamos após a queda do Muro de Berlim e a
desintegração da União Soviética mudou radicalmente. A consolidação de novos
centros de poder já é um facto irreversível. Recentemente a China ultrapassou o
Japão e ocupa o segundo lugar na economia mundial. Mesmo os especialistas
discutem se a economia chinesa levará uma década ou pouco mais para superar a
dos EUA.
A
novo acrónimo BRICS[1],
criado há poucos anos tornou-se hoje no símbolo de uma nova configuração
mundial que, para muitos, é caracterizado essencialmente pela transferência do
poder económico do Ocidente para outras economias emergentes do mundo. A atual
crise económica e financeira está a agravar esta tendência, uma vez que é na
economia dos países ocidentais que ela fustiga com mais força.
Há
duas décadas atrás as discussões focavam-se, de forma otimista, sobre onde
seria conveniente gastar os chamados dividendos da paz. O fim do confronto
bipolar parecia anunciar não só o triunfo do modelo democrático ocidental mas
também o desaparecimento do fantasma da guerra e da violência. De imediato a
invasão do Kuwait e os sangrentos conflitos dos Balcãs nos acordaram do ingénuo
sonho de uma paz duradoura. Na primeira década deste século, a ameaça do
terrorismo jihadista mostrou a sua face mais desumana em Nova York, Casablanca
ou Bali, mas também em Madrid e em Londres.
O
mundo mudou. É global e multipolar, como eu disse. Mas os conflitos prosseguem,
o terrorismo continua, e a isto juntaram-se outros desafios globais como as
alterações climáticas, a proliferação de armas nucleares, a pirataria e as
pandemias.
Mas,
além deles, e neste momento, como uma das ameaças mais importantes que
enfrentamos, temos o desafio da instabilidade do sistema económico e
financeiro.
O
complexo contexto internacional e o fenómeno da globalização, os compromissos
internacionais e as alianças, obrigam aos Estados, e, certamente, aos nossos
dois países, a estarem muito presentes na cena internacional.
Não
seria possível evitar as nossas responsabilidades, virando-lhes as costas para
fecharmo-nos sobre nós mesmos. Já não há um retiro nacional. O fenómeno da
globalização e o inevitável envolvimento na sociedade do risco, elimina as
fronteiras entre o exterior e o interior. Participar no mundo de hoje é o mesmo
que falar de cooperação internacional, de parcerias, de integração, da procura
de fórmulas conjuntas, numa palavra, de posições comuns para os desafios que
também são comuns.
Também
está em mudança a União Europeia, esse primeiro nível de participação política
para as duas nações ibéricas. Muda a cada dia que passa. Na verdade, a
construção europeia tem quase 25 anos de constante mudança. Vinte e cinco anos
são, precisamente, aqueles que se passaram desde a integração de Espanha e
Portugal em 1986.
Permitam-me
recordar-vos sucintamente essas mudanças: nesse mesmo ano de 1986, aprovámos o
Ato Único Europeu; em 1992, o Tratado de Maastricht; em 1997, o Tratado de
Amesterdão; em 2001, o Tratado de Nice; e, por último, o mais recente, a
aprovação em 2009 do Tratado de Lisboa em vigor.
Têm
sido anos, aliás, não apenas de mudanças institucionais, de reforço da
integração europeia, mas também de alargamento geográfico. Assim, dos 12
Estados-Membros em 1986, passámos neste quarto de século para 27, graças,
especialmente, ao chamado quinto alargamento. A Europa comunitária passa de 321
milhões de habitantes em 1986 para mais de 500 milhões em 2010.
Pois
bem, nesse contexto global e multipolar a que me referi anteriormente,
insiste-se, há muitos anos, na necessidade de uma sólida política externa comum
da União. Tem razão o Presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão
Barroso, quando diz de forma expressiva que "no mundo global, o tamanho importa." Juntos somos muito mais
fortes do que separados.
Por
isso o Tratado de Lisboa criou novos órgãos e instrumentos para contribuir para
uma voz comum e uma ação conjunta dos europeus no mundo. Refiro-me ao cargo de
Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e Política de
Segurança e ao chamado Serviço Europeu de Ação Externa. Há que juntar os
poderes que, no domínio externo, detém o Presidente permanente do Conselho
Europeu, Herman Van Rompuy. O reforço da política externa da União torna-se
assim numa das grandes contribuições do Tratado de Lisboa.
Infelizmente,
quando nós, europeus, apostávamos numa projeção mais robusta da União Europeia
no plano externo, vimos quebrar a solidez económica da União, devido
principalmente à crise da dívida soberana, que atinge parte dos Estados que a
compõem.
A
experiência ensinou-nos, também, que o Tratado não reúne os instrumentos
necessários de governação económica e financeira, suficientes para enfrentar
estes problemas. Por isso, nos últimos dois anos, a reboque dos ataques dos
mercados, foi necessário improvisar à pressa novos mecanismos e novas fórmulas
que deveriam, a seu tempo, ter acompanhado a União Monetária.
Esta
é hoje a situação da União Europeia: voltada para os problemas internos, quando
estávamos confiantes de que poderíamos dirigir as energias europeias para o
exterior.
E,
no entanto, esse mundo exterior não espera. Os BRICS continuam a crescer.
Persiste a complexidade da situação no Mediterrâneo e no Médio Oriente, e
agravam-se os problemas que afligem grande parte do continente africano. Nem
sequer se resolveram os grandes desafios globais.
A
União Europeia não deve, portanto, voltar-se sobre si mesma, mas se analisarmos
as agendas das últimas reuniões dos seus Chefes de Estado e de Governo, vemos
que a atenção está voltada novamente para questões domésticas. As novas
iniciativas e propostas concentram-se, outra vez, no interior do projeto
europeu, que vive tempos difíceis.
Queridas
amigas e amigos, focando em nossos dois países, tanto em Portugal como em
Espanha a situação está a mudar de forma drástica. Portugal teve eleições há
alguns meses. Nós, os espanhóis, também tê-las-emos no próximo mês de novembro.
Qual é o legado dos governos socialistas que conduziram os nossos países
durante estes anos e que, no caso da Espanha, esperamos que não se prolongue
para além de alguns meses? A resposta é simples: a estagnação económica, alto
endividamento, perda de competitividade e a consequência principal e a mais
dolorosa de tudo isso, os números do desemprego insuportáveis.
Como
resultado de tudo isso, a atenção das instituições financeiras e dos mercados
fixou-se, entre outros, nos nossos dois países. E vocês sabem bem a gravidade
das medidas que tiveram de ser tomadas em Portugal, com o acordo da União
Europeia e do Fundo Monetário Internacional, com o objetivo de corrigir o rumo
da sua economia.
Os
governos socialistas, no princípio, negaram a crise. Depois, quando não podiam
negar a evidência, banalizaram-na como se fosse um mal-estar leve e passageiro.
Se
me permitirem, num instante, referir-me ao que aconteceu no meu país, em
Espanha prometiam-nos "brotos verdes"
que, passado pouco tempo, secavam. O mais importante, o mais lamentável, é que
o tempo foi desperdiçado, e com ele, as oportunidades.
Há
cerca de duas semanas, li umas declarações do presidente do Banco Mundial,
Robert Zoellick, em que ele dizia que a lição da crise de 2008 é que
"quanto mais tarde se age, mais precisa de ser feito em seguida." Se
não se fizer um diagnóstico preciso da situação, não é possível tomar as
medidas adequadas, nem é possível que os cidadãos as compreendam e nem sequer é
possível combater eficazmente a desconfiança. Qualquer política económica é
incompatível com a desconfiança.
Mas,
voltamos ao âmbito geral. Os nossos dois países partilham no decorrer destes
últimos anos um objetivo claro: aproximar os nossos respetivos níveis de
riqueza e de bem-estar aos dos países mais ricos da União Europeia. Desde a
nossa entrada na Comunidade em 1986, tanto Portugal como a Espanha têm
efetivamente feito progressos nesta direção. No entanto, desde 2007 parámos,
tanto uns como os outros.
A
experiência dos últimos anos mostra-nos que a normal pertença a uma união
monetária, que nesse tempo nos oferecia oportunidades e uma área de
estabilidade, exigia disciplina rigorosa das finanças públicas. Uma vez que se
abdicou das políticas monetária e cambial para a nossa entrada no euro, os
ganhos de competitividade já não podem basear-se na desvalorização de nossas
moedas.
Dito
de outra forma, o euro é uma oportunidade para nós, uma grande oportunidade.
Basta pensarmos na situação em que nos poderíamos encontrar nestes momentos de
turbulências financeiras internacionais, se estivéssemos fora da moeda comum.
Mas é uma oportunidade e uma segurança que exigem que se façam muito bem os
trabalhos de casa.
Encontramo-nos
agora, portanto, na necessidade de estabilizar as nossas finanças públicas,
enquanto fazemos as reformas estruturais necessárias para reavivar o
crescimento económico através da melhoria da competitividade dos nossos países.
Não é uma tarefa fácil, nem produzirá efeitos milagrosos imediatos. Mas o que é
óbvio é que não há uma alternativa possível a este esforço comum.
É
inevitável a combinação de políticas de consolidação orçamental com medidas de
política económica voltadas para o crescimento sustentado e estável, através da
melhoria da competitividade geral do sistema.
A
curto prazo são exigidos grandes esforços. Mas as sociedades maduras como as
nossas podem aceitá-los – e, de facto, outras vezes os aceitaram –, se forem
cumpridos três requisitos: o primeiro é que sejam explicados de forma
verdadeira; o segundo é que conduzam a um futuro melhor, de acordo com um plano
que as pessoas possam entender e compartilhar; e o terceiro, e não menos
importante, é que estes esforços sejam repartidos com justiça e equidade entre
toda a população.
Mas,
além dos objetivos que temos de perseguir de forma consistente nas nossas
políticas económicas nacionais, também temos de nos esforçar para influenciar a
nível europeu num sentido bem definido: o avançar em direção a uma união
política. A experiência desta crise ensina-nos que uma moeda única sem os
instrumentos de coordenação e convergência das políticas económicas e fiscais
dos Estados, está numa situação muito frágil.
Num
mundo globalizado em que, a cada dia que passa, contam mais os principais
blocos económicos, a União Europeia não se pode tornar menor, mas antes
valorizar os seus pontos fortes, entre os quais um dos mais importantes é o de
integrar um mercado de mais de 500 milhões de pessoas, com um nível de
rendimento médio-alto. Para isso, é preciso avançar decisivamente na governação
económica europeia, perseguindo três objetivos: a competitividade, a
coordenação e a solidariedade. Precisamos de mais Europa, e não menos. Mais
coordenação e não menos. Mais união política e não menos.
Queridas
amigas e amigos, a Espanha e Portugal não nasceram ontem à tarde. São duas
grandes e antigas nações, que têm escrito páginas indestrutíveis da história do
mundo. Os nossos povos foram os pioneiros da primeira globalização, com as suas
façanhas no final da Idade Média, o que resultou em descobertas e conquistas,
como "os descobrimentos", como vocês dizem aqui. As duas nações ibéricas
abriram as rotas para o Novo Mundo e mudaram o sentido da história, que deixou
de girar em torno do Mediterrâneo para se abrir para o Atlântico.
Mas
não precisamos de recuar ao passado para encontrarmos episódios memoráveis. Nos
anos 70, livres dos nossos anacrônicos regimes autoritários, normalizámos a
nossa situação política, equiparando-nos aos outros países da Europa Ocidental.
Após a mudança política interna chegou a integração na União Europeia, nas
então Comunidades Europeias.
O
ano passado marcou o 25 º aniversário da assinatura dos nossos respetivos
tratados de adesão. Nesse contexto europeu, redescobrimo-nos mutuamente,
reencontrámo-nos. Sim, porque para além da semelhança entre os caducos sistemas
políticos que nos governaram, e das afinidades em muitos aspetos da nossa
sociedade e da nossa cultura, a verdade é que espanhóis e portugueses vivíamos
numa vizinhança fria, quase de costas, "de costas voltadas". Uns olhavam preferencialmente para as
costas britânicas, e os outros faziam-no para o outro lado dos Pirenéus. Os
nossos olhos não se cruzavam.
A
nossa entrada comum na União Europeia também implicou, logicamente, a
liberalização recíproca do comércio bilateral. A livre circulação de pessoas,
capitais, bens e serviços deu logo magníficos frutos na Península Ibérica.
Em
última análise, as nossas relações adquiriram uma nova e rica dinâmica, que
devemos continuar a impulsionar. Hoje, temos já uma relação intensa em muitas
áreas. Também na cultura. Espanhóis e portugueses, na América, em África, na
Ásia, deixaram outrora as suas culturas e línguas, línguas que são agora
oficiais para mais de 600 milhões de pessoas em quase 30 países em vários
continentes. São as línguas que utilizaram Camões e Cervantes, Fernando Pessoa
e António Machado, José Saramago e Camilo José Cela, entre muitos outros
escritores, que são hoje referências universais da literatura em espanhol e em
português.
Neste
sentido, congratulo-me que espanhóis e portugueses estejam a aumentar o estudo
de ambas as línguas na educação formal bem como através do Instituto Camões e
do Instituto Cervantes. No meu tempo como Ministro da Educação no Governo da
Espanha, no final dos anos 90, prestei especial atenção ao facto do espanhol
ter passado a ser parte do conjunto de línguas estrangeiras ensinadas no
sistema educativo Português, e estou feliz por essa ideia ter dado frutos.
Também
a nível político as nossas relações são mais fortes. Existiram as cimeiras como
mecanismos de concertação e de impulso de ações bilaterais, e de lançamento de
propostas no plano europeu. Esforçar-me-ei, se conseguir o apoio dos espanhóis
em novembro, para recuperar a cadência anual destas cimeiras.
Os
dois países sabem as vantagens do quadro europeu. Estamos cientes de que a
União é a melhor forma de defender os interesses dos europeus no contexto
global. O nosso é um europeísmo convicto, tanto portugueses como espanhóis,
lutamos pela adesão à Europa e conhecemos os seus benefícios. Uma Europa que
contribuiu poderosamente para a nossa modernização política, económica e
social, mas para a qual também contribuímos muito. Entre outras, espírito
construtivo, iniciativas e os nossos extensos contactos externos.
No
âmbito comunitário há muitas áreas em que coincidem as nossas prioridades. Nos
nossos dois países, a agricultura e a pesca desempenham um papel importante,
ambos os setores estão atualmente em momentos cruciais. Refiro-me às reformas
da Política Agrícola Comum e da Política Comum das Pescas. Temos de tentar que
os interesses dos dois países sejam devidamente tidos em conta.
Também
a política de coesão europeia tem sido muito importante para o nosso progresso
económico nestes 25 anos. Muitas das nossas infraestruturas de transportes e
ambientais têm beneficiado de fundos europeus que, ainda assim, continuaremos a
precisar.
Além
disso, como galego, conheço especialmente os benefícios da cooperação
transfronteiriça, e o aproveitamento da fórmula da euro-região pela Galiza e
Norte de Portugal, que foram os pioneiros na sua utilização. Quero recordar
aqui a Comunidade de Trabalho lançada em 1991 por Fraga Iribarne e Braga da
Cruz, reforçando as iniciativas já lançadas por Fernández Albor e Valente de Oliveira.
Temos de apoiar esta euro-região e os projetos que favorecem o seu
desenvolvimento.
A
Península Ibérica, senhoras e senhores, está, do ponto de vista geográfico, na
periferia do continente. Na Europa dos 27 isto é ainda mais claro do que na
Europa dos 12 ou dos 15. A União Europeia de hoje inclinou-se claramente para o
leste. Estende-se até ao Mar Negro. Os seus limites estão agora na Ucrânia e na
Bielorrússia. Mas nós estamos na fronteira sudoeste, por isso estamos
interessados em que não caiam os projetos europeus de redes transfronteiriças.
Os nossos cidadãos e as nossas empresas não devem ser penalizados pela sua
localização geográfica, nem os nossos bens devem perder competitividade por
isso.
Falar
da nossa localização geográfica, leva-me, inevitavelmente, a referir-me aos
países da margem sul do Mediterrâneo, e da necessidade de Portugal e Espanha à
UE se esforçarem para que a EU preste uma atenção prioritária a esta região
africana. Desde o início do ano, os olhos do mundo estão postos sobre o que ali
acontece. Durante muito tempo, os europeus têm dado preferência, nas relações
com estes países, ao valor da estabilidade, deixando de lado a imobilidade dos
seus líderes e o seu desejo insaciável de poder.
Parecia
que havia apenas duas opções: ou os ditadores ou o caos. Infelizmente, esse
falso maniqueísmo tornou-se, de facto, num dos principais norteadores das
relações entre as duas margens do Mediterrâneo. Estes velhos autocratas não
precisaram de fazer reformas que ninguém de fora as exigia e que souberam
reprimir quando essas exigências nasceram dentro de casa. No final, as mudanças
são impostas a partir da rua, a um alto custo em vidas humanas e com
consequências que ainda estão por conhecer.
Deveríamos
contribuir para que as transformações em curso tragam à tona regimes
representativos, que respeitem os direitos humanos. A Europa, especialmente na
sua área de vizinhança, deve projetar os seus valores democráticos.
Devemos,
portanto, apoiar a transformação renovadora que a UE está a dar à sua política
de vizinhança, sem prejuízo, é claro, da defesa dos nossos interesses
nacionais. A política de vizinhança deve primar, responder preferencialmente, a
esses países que estão produzindo essas mudanças e reformas democráticas. No que
depender de nós, a ajuda ao desenvolvimento e a exigência do respeito pelos
valores humanos devem ser inseparáveis.
Senhoras
e Senhores, Portugal trouxe à Europa uma profunda sensibilidade para com o
continente Africano, ao qual portugueses e espanhóis estão ligados pela
geografia e pela história. As cimeiras celebradas entre a União Europeia e
África devem-se, em grande parte, ao impulso português. Os europeus estão hoje
mais conscientes da necessidade de reforçar as relações com os povos africanos
e contribuir eficazmente para o seu desenvolvimento e estabilidade, o que vai
resultar em benefício de todos.
A
América Latina é outra área prioritária para os nossos dois países. Muitos são
os laços que nos unem a esse subcontinente. Vínculos do passado, mas também do
presente, na forma de investimentos, empresas conjuntas, intercâmbios humanos e
culturais. Vínculos também para o futuro, nos quais teremos de trabalhar, com
especial atenção para o desenvolvimento das cimeiras Iberoamericanas. O
fortalecimento dos laços com esses países irmãos, que são, como nós, parte do
Ocidente, é um dos desafios do presente e do futuro para a Espanha e Portugal.
Como
vimos, são muitos os desafios globais que temos pela frente. Felizmente não
estamos sozinhos. Contamos com a União Europeia que deve ser, como antes já
disse, uma ferramenta eficaz para lidar com eles.
Tenho
consciência de que a União Europeia, para muitos dos cidadãos de hoje,
especialmente para a geração mais jovem, já não se legitima apenas pela paz que
conseguiu estabelecer em solo europeu. A União Europeia reforça a sua
legitimidade na medida em que ela contribui de forma eficaz para enfrentar os
desafios atuais, desde a crise financeira até à proteção ambiental, a gestão
dos fluxos migratórios e a ameaça da violência terrorista. A Europa da paz, a
Europa dos ideais, deve ser acompanhada também pela Europa dos resultados.
Mas
não vos quero cansar mais. Quis aproveitar esta oportunidade de me encontrar
convosco neste lugar maravilhoso de Castelo de Vide, para refletir sobre os
desafios que hoje a Espanha e Portugal têm perante si. Desafios econômicos e
financeiros, como os que impõe o nosso presente, mas também outros desafios de
natureza diferente, num novo contexto.
O
nosso mundo é interdependente e sem distâncias, no qual se diluem as fronteiras
entre o que é nacional e o que é internacional. Os povos ibéricos, que foram os
pioneiros da globalização, não devem contemplar estes desafios do presente com
medo. Muito pelo contrário. Devemos enfrentá-los com coragem e determinação, de
forma coordenada e solidária, juntamente com o resto dos países da União
Europeia, e em estreita coordenação com os aliados do outro lado do Atlântico.
Se
o povo espanhol me der a sua confiança nas próximas eleições, esforçar-me-ei
para atingir esses objetivos.
É
muito importante que os nossos dois povos saibam articular as suas vozes dentro
da União, saibam fazer valer o peso desta península no conjunto do continente,
e tenho certeza de que poderemos fazer isso porque só depende de nós.
Falo
de algo mais do que definirmos uma meta, de algo mais do que chegarmos todos ao
mesmo local. Falo de caminharmos juntos, de partilhar esforços, ajudas e
ilusões, para chegarmos antes e chegarmos melhor.
Eu
sei que podemos caminhar juntos, como sei que nessa tarefa não faltará a
indispensável cooperação dos bons amigos do PSD, do senhor Primeiro-Ministro,
do seu governo e, presumo, do povo português. Só me resta agradecer-vos,
senhoras e senhores, pela vossa amável atenção.
Muito
obrigado.
Dep.Carlos Coelho
Agradeço imenso ao Dom Mariano Rajoy pela intervenção
importante e muito europeia que fez. Agradeço também a presença do presidente
do Banco Santander de Portugal.
Vamos colocar as perguntas; quem quiser fazê-lo em
espanhol ou "portunhol” poderá fazê-lo e em português também, mas mais devagar
para que eu possa assegurar a tradução ao senhor Rajoy se houver algo que ele
não entenda do português mais corrente.
Passemos a escutar as dez perguntas e no final
teremos as respostas do Dr. Rajoy.
Duarte Marques
Obrigado, senhor presidente.
O primeiro aluno a colocar-lhe uma questão chama-se
Ricardo Galiza do Grupo Rosa.
Ricardo Galiza
Olá a todos, boa tarde.
Muito obrigado à mesa e um cumprimento especial ao
nosso convidado.
A minha pergunta é um pouco diferente do que falou
aqui. Estive a viver em Espanha há um par de meses atrás e estou um pouco por
dentro do que se passa.
A minha questão é a seguinte: com todos estes cortes
que há por causa da Crise e com o aparecimento dos acampamentos dos indignados
e do Movimento 15-M, pensa que as regiões poderão tomar um caminho diferente do
Estado, já que algumas regiões têm uma ideia um pouco mais independentista, ou
seja, têm uma conjugação mais ligada com as tradições culturais regionais, como
a Catalunha que é um dos exemplos mais evidentes em Espanha?
Pensa que as ideias de independência dessas regiões,
ou dos grupos independentistas, poderão voltar a aparecer e, quiçá, com mais
força?
Muito obrigado pela atenção.
Duarte Marques
Obrigado. De seguida temos a Alexandra Rebelo do
Grupo Laranja.
Alexandra Pereira Rebelo
Boa tarde, Dr. Mariano Rajoy. Desde já, quero
agradecer a sua presença.
Recentemente, o nosso Primeiro-Ministro, Dr. Passos
Coelho, foi recebido em Espanha pelo chefe do Governo espanhol, onde foram
reafirmadas as circunstâncias difíceis e exigentes em que o nosso
Primeiro-Ministro tomou posse.
A minha pergunta é simples: receia encontrar os
chamados "esqueletos no armário” tão mencionados, quando assumir as futuras
funções governamentais?
Obrigada.
Duarte Marques
Obrigado, Alexandra. De seguida, o Pedro Souto do
Grupo Amarelo.
Pedro Souto
Boa tarde. Muito obrigado pela oportunidade. Quero
também agradecer ao Dr. Mariano Rajoy pela sua presença aqui hoje.
Sou de Lisboa e de Galiza, tenho dupla nacionalidade,
sou de perto de Vigo. O meu grupo tem uma questão muito simples: o que Portugal
pode ver de Espanha é que tem regiões, como por exemplo a da Galiza, que estão
separadas relativamente à Catalunha, País Basco, e eu vejo que a juventude, por
motivo de desemprego ou outros, vai pelo caminho do nacionalismo, das políticas
de esquerda e outras similares.
A minha pergunta é muito simples: o que é que o PP
pode fazer para que a juventude volte à Direita espanhola e à união de Espanha,
a fim de não existirem cinco estados, mas sim apenas um, o do reino de Espanha?
Muito obrigado.
Beatriz Cardoso
Boa tarde a todos, em especial ao nosso convidado.
A pergunta do Grupo Bege é: quais os procedimentos a
adoptar na regulação financeira e no ordenamento do território de modo a evitar
a existência de futuras bolhas imobiliárias?
Obrigada.
Duarte Marques
Obrigado, Beatriz.
Temos
agora o Paulo Santos do Grupo Roxo
Paulo Tiago Santos
Antes de mais, um cumprimento especial a si, Dr. Mariano Rajoy, e de seguida a todos os elementos que compõem a mesa.
A minha dúvida prende-se com uma questão que penso que já devia ter sido focada, que tem a ver com o TGV. Esta questão causa alguns problemas e o próprio Dr. Cavaco Silva esta manhã mencionou a apreensão relativamente a este caso.
A minha pergunta é: não é esta posição sobre o TGV, uma falsa questão? Ou seja, quando digo que é falsa, não será isto um início de um problema, pois nós não temos condições financeiras de avançar com o TGV? Não será isto um começo de um downgrade da nossa dívida pública e uma despesa no início da nossa crise económica?
Obrigado.
Duarte Marques
Obrigado, Paulo. De seguida, Rúben Fonseca do Grupo Encarnado.
Rúben Fonseca
Senhor presidente do PP de Espanha,
antes de mais, muito obrigado pela sua presença na Universidade de Verão do
PSD.
Tenho uma pergunta similar a
colocar-lhe, mas que vai um pouco mais longe que a do meu colega.
José Blanco, Ministro do Fomento e
vice-presidente do Governo de Espanha, disse há um par de semanas que Portugal
deveria concluir o contrato ibérico da rede de alta velocidade apesar das
dificuldades, porque para Espanha isso levaria a penalizações económicas.
Certo dia, uma ex-presidente do PSD
disse algo como: "não aprecio que os
espanhóis se intrometam nos problemas da política portuguesa, não somos uma
província espanhola”.
A minha questão é muito directa: como é
que vai dizer ao povo espanhol que esta medida poderá levar a uma crise como a
que existe em Portugal, devido a uma decisão portuguesa de suspender o TGV e
que vão perder dinheiro que também vos faz falta?
A minha segunda questão é se no seu
ponto de vista, Portugal deveria abandonar a obra do TGV?
Muito obrigado.
Isa Monteiro
Muito boa tarde, muito obrigada pelo seu
discurso e pela sua presença.
A pergunta do Grupo Verde é
direccionada para a investigação científica e ensino superior em Portugal e em
Espanha.
Ao longo dos anos, temos verificado um
elevado número de alunos portugueses a irem estudar para Espanha e também o
interesse de alunos espanhóis em estudarem em Portugal. Temos inclusive provas
do sucesso científico quando unimos ambas as forças, como é o caso do Instituto
Ibérico de Nanotecnologia.
A minha pergunta é: considera interessante
a criação de uma rede académica única, em que os alunos se possam candidatar a
qualquer universidade portuguesa ou espanhola, e o mesmo para a contratação do
pessoal docente; e a união de grupos científicos que seriam patrocinados com
fundos portugueses e espanhóis?
Duarte Marques
Obrigado, Isa.
Dou agora a palavra ao Ronaldo Rosa do
Grupo Cinzento.
Ronaldo da Rosa
Em nome do nosso Grupo, dou-lhe as
boas-vindas à Universidade de Verão.
É um prazer e uma honra ter alguém tão
distinto como o Dr. Mariano Rajoy, um homem da história do Partido Popular, que
sempre lutou pela Espanha e que será o futuro Primeiro-Ministro do seu país.
[APLAUSOS]
A pergunta que temos para lhe fazer é a
seguinte: a situação de Portugal preocupa-o, no sentido em que vivemos uma
crise e somos um dos grandes importadores de produtos espanhóis?
Obrigado.
Duarte Marques
Obrigado, Ronaldo. De seguida, o Pedro
Veiga do Grupo Castanho.
Pedro Veiga
Boa tarde a todos, em especial ao nosso
convidado, Dr. Mariano Rajoy.
Em representação do Grupo Castanho, o
que gostaríamos de saber é: que futuro está planeado para a relação entre
Portugal e Espanha? Vamos ser uma união ibérica pelo menos ao nível social e económico?
O que nos irá distinguir no futuro será apenas a Cultura?
Obrigado.
Duarte Marques
Obrigado. A última pergunta cabe à
Andreia Gonçalves do Grupo Azul.
Andreia Gonçalves
Boa tarde a todos. Antes de mais,
queria saudar toda a audiência e em especial o orador Mariano Rajoy, é um
prazer estar aqui convosco.
A minha pergunta refere-se à juventude
e em especial ao desemprego. Considerando o facto de que a Espanha tem
actualmente uma taxa superior a 40%, sendo o líder em desemprego jovem na
Europa, que medidas de reforma laboral são na sua opinião necessárias para
minorar este grave problema?
Em nome de todos, muito obrigada e boa
sorte para a sua campanha eleitoral.
[APLAUSOS]
Mariano Rajoy
Vou tentar responder a todas as
perguntas que me fizeram brevemente.
Primeiramente, quero dizer que estou
muito satisfeito por ter ouvido gente jovem a fazer perguntas inteligentes
sobre temas importantes.
[APLAUSOS]
São todos eles temas importantes, que
poderiam cada um deles dar lugar a uma conferência, mas vou tentar resumir.
A primeira pergunta do Ricardo Galiza mencionou
o movimento dos famosos indignados, do 15-M, das regiões e do sentido
independentista de algumas regiões. Vou focar dois, ou três, aspectos nesse
sentido.
A Espanha é um país plural, a própria
Constituição assim o reconhece, temos o estado mais descentralizado da Europa.
Em Espanha, de cada 100 euros que as
administrações públicas gastam, 37 gastam as regiões. O Governo Central,
presidido actualmente por Zapatero, gasta 21% da despesa pública. Os municípios
gastam cerca de 14% e o resto é da responsabilidade da Segurança Social e das
pensões.
Portanto, as regiões gastam cerca de
37% da despesa pública. Deste modo, existem efeitos na dívida e despesa
públicas em que as regiões têm um papel fundamental para Espanha como é
perfeitamente compreensível.
Em Espanha há 350 deputados, sendo que do
Partido Socialista e do Partido Popular, ambos partidos nacionais, são 320;
isto é, são a imensa maioria. O resto dos partidos não completam sequer 10% e
dentro dos partidos há os que são nacionalistas e os que não são nacionalistas.
Actualmente, apenas existem três deputados
que se auto-intitulam como independentistas, que são de um partido catalão
chamado Esquerra Republicana de Catalunya.
A Espanha é um país plural e as regiões
onde há deputados independentistas também são plurais. Por exemplo, no País
Basco onde há deputados independentistas, o Governo é actualmente Socialista
com o apoio do Partido Popular. Com efeito, os Socialistas governam somente
duas regiões em Espanha: o País Basco e a Andaluzia, que vão perder agora muito
em breve, não é?
[RISOS, APLAUSOS]
Logicamente, nós acreditamos em Espanha
como uma nação que já vive em conjunto há mais de 500 anos; como futuro, como
projecto comum e, sobretudo, nestes momentos em que estamos todos a ceder parte
da nossa soberania a uma instituição superior como é a União Europeia,
planearmos dividir e tornarmo-nos mais pequenos faz menos sentido do que alguma
vez fez na História.
Às vezes não nos apercebemos, mas há
uma década atrás vocês pagavam com escudos e eu com pesetas e, hoje, não temos
essa política monetária de câmbio. Actualmente, é a União Europeia que diz aos
pescadores da Galiza onde podem pescar, as grandes decisões sobre políticas
agrícolas a adoptar são definidas na União Europeia e é lógico que assim seja,
pois na Europa somos mais de 500 milhões, na China são 1500 (ou seja, o triplo),
na Índia são mais de 1000, nos Estados Unidos são mais de 300 mas representam
quase um quarto do produto interno bruto mundial.
A mim este tema não me preocupa no que
concerne ao futuro de Espanha, pois há gente de todo o tipo em todas as partes.
A maioria das pessoas incluídas em regiões complicadas não estão a favor da
independência; poderão estar a favor de mais autonomia, mas creio que neste
momento o que temos de fazer é um grande esforço de cooperação.
Não existe outro remédio: Portugal tem
de reduzir o seu défice e dívida pública e a Espanha também. Mas em Espanha 37%
são despesas das regiões. Nós somos favoráveis a que o Estado estabeleça limites
aos gastos das regiões, o que os deputados ripostam, dizendo que os limites
fixam-nos eles, mas isso é ridículo, pois no final é a Espanha como país, que
tem de prestar contas perante as instituições e os mercados.
O segundo assunto era da Alexandra: se
eu esperava encontrar "esqueletos no armário” e se podemos ter surpresas nas
contas. Oxalá que não! Eu espero que não, mas não ponho as minhas mãos no fogo.
[RISOS]
Como sabem, houve eleições a 22 de Maio
e nalgumas regiões encontrámos surpresas desagradáveis que vão obrigar os seus
presidentes a tomar decisões muito mais contundentes das que as que já tinham
de tomar. Ontem, numa região, Castilla y la Mancha, em que ganhámos pela
primeira vez na história, a secretária-geral do nosso partido, que era a
candidata, anunciou um decréscimo de 20% nos postos de trabalho. Tem de cortar
20%; o que tem de fazer é escolher bem de que partido é que corta, mas tem de
fazê-lo. O problema é que em Portugal, em Espanha e noutros países, existem
coisas que têm de ser feitas porque a alternativa é ficarmos sem nada.
O que tem de se fazer é explicar bem às
pessoas e dizer-lhes que vamos sair desta, que estamos a plantar hoje para colher
amanhã.
Vamos ver o que é que encontramos, mas
há algo que é evidente: seja o que for, a única alternativa é olhar para o
futuro e fazer as coisas bem. Não há outra alternativa.
A terceira pergunta é do Pedro Souto,
de Lisboa, mas de próximo de Vigo. Eu vivi toda a minha vida lá, sou
santiaguense, de Santiago. Ora, falou-me que a juventude tem inclinações para a
Esquerda e para o nacionalismo. Não vejo as coisas dessa maneira.
Falarei deste assunto, respondendo a
outra pergunta. De todos os problemas existentes em Espanha há um que é
terrível: a taxa de desemprego dos jovens, que é de mais de 45%, segundo os
últimos dados da Eurostat.
Eu não creio que que a juventude galega
tenha apostado no nacionalismo e na Esquerda. Com efeito, recuperámos o poder
na Galiza, com maioria absoluta e ganhámos cidades que não havíamos ganho
nunca, como por exemplo a Corunha e Santiago de Compostela (desde há 20 anos).
Em Espanha há muitas pessoas que têm
medo que aconteça algo de que se tem falado imenso: temos uma geração de jovens
que, pela primeira vez em muitos anos, podem viver pior que os seus pais.
Tradicionalmente, o filho vivia melhor que o pai e o neto melhor que o avô – esse
é o debate que há agora em Espanha e é o grande desafio que enfrentamos.
Este caso não se resolve com o
lançamento um decreto, proclamando o fim do desemprego; isso é um absurdo. Esta
questão prende-se com uma política económica que produza crescimento, emprego e
que crie oportunidades.
É uma questão de melhorar a formação,
de dizer também às pessoas: olhem, têm de lutar para alcançá-lo, pois ninguém
tem o direito de que um emprego lhe caia do céu e quanto melhor nos formarmos,
estudarmos, aprendermos, soubermos e virmos, mais possibilidades teremos.
Contudo, é verdade que neste momento há
uma sensação de incerteza e muitas dúvidas em relação ao futuro. Em todo o
caso, se o futuro estivesse nas mãos da Esquerda, as dúvidas e incertezas iriam
transformar-se em insegurança, pois as coisas seriam muito piores.
Beatriz, as normas de regulação financeira
para evitar as bolhas imobiliárias, não lhes chegava só uma conferência, era
para estarmos aqui sete dias, pois podíamos estar a falar disto durante sete
dias e no final não ficar claro que se tenha tirado uma conclusão realmente
confortável para todos.
Em Espanha temos um problema que
consiste no seguinte: temos mais de 700 mil andares sem se venderem e que não
se vendem. São propriedade dos bancos, porque os promotores e os donos não
pagam os créditos e, portanto, os bancos ficam com as casas.
O que é se passou em Espanha?
Durante muitos anos, pedimos dinheiro
de fora (o crédito estava muito barato) e emprestámos para dentro; se pediam 100
dávamos 120, que já dava para comprar inclusive três televisores, entre outros,
para pôr na casa. No fim, resultou no estado em que nos encontramos, pois os
bancos têm de devolver esse dinheiro e as pessoas não pagam aos bancos.
Tornou-se evidente que, no futuro, a
autoridade reguladora tem de estar muito mais atenta, em cima das entidades
financeiras e exigir muitos mais requisitos na altura de disporem do dinheiro.
Eu creio que irá fazê-lo e que o Banco Central de Espanha deveria ter sido
muito mais rigoroso, porque gerámos um problema muito sensível e temos muitas entidades
em dificuldades.
No que há a fazer no sistema financeiro
– e que é muito – este é um tema muito importante. Não se pode emprestar
dinheiro alegremente a pessoas que não se sabe se poderão devolvê-lo, ou não.
Há empresas às quais se chegou a emprestar
mais de 100 milhões de euros para comprar acções de uma empresa e isso, não sei
se é moral também mas, desde logo, do ponto de vista económico, é bastante
perigoso.
Por conseguinte, creio que este é um
tema sobre o qual o supervisor deverá estar muito atento.
Fizeram-me duas perguntas sobre o TGV.
A primeira, entendi como: por termos tido muitos TGV, temos agora um problema
de défice e de dívida pública? Eu penso que não.
Vou dar a minha opinião sobre o TGV: eu
penso que todo o Mundo quer um TGV, tal como quer os melhores sistemas de
saúde, os melhores aeroportos, enfim, como é evidente todo o Mundo quer o
melhor para si.
Em política e na altura de governar há
que definir prioridades. Em Espanha exigimos bons comboios de alta velocidade. A
Espanha recebeu um largo número de fundos europeus, que aplicou numa boa rede
de estradas e numa boa rede de alta velocidade. Temos um comboio que vai de
Madrid a Barcelona em duas horas e meia, também Madrid-Sevilha, Madrid-Málaga,
Madrid-Valência e assim teríamos algumas estações que teríamos de fechar. Bem,
mas é a mesma coisa do que termos um aeroporto em cada a cidade e Universidades
em todos os sítios.
Na questão de Portugal, não vou
comentar as declarações da Dr.ª Manuela Ferreira Leite. Digo-vos uma coisa:
cada um é completamente soberano e autónomo para tomar as decisões que quer e
faz bem.
Nunca diria ao governo português que
tem de fazer um TGV ou uma auto-estrada, porque também não gostava que Portugal
me dissesse o que eu tinha de fazer e porque não é essa a maneira de funcionar.
Acredito que deve haver no horizonte um
TGV Lisboa-Madrid, que não se deve abandonar completamente a ideia, inclusive
gostaria de ver um TGV Porto-Vigo. Agora, nos momentos em que vivemos não é
possível, pois todos nós sabemos que o que temos de fazer é reduzir a despesa
pública.
Eu, como espanhol, não acredito numa
renúncia, pois penso que a melhoria do transporte de bens é fulcral, é um
elemento de competitividade para a economia e fundamental para as empresas de
Portugal e Espanha.
As infra-estruturas são um elemento de
competitividade, porém apenas se pode fazer o que é possível e às vezes há
coisas que são mais prioritárias que outras.
Rúben, também me perguntou sobre as
declarações do Ministro do Fomento e se deveria Portugal abandonar o TGV. A mim
não me cabe responder a isso, eu diria que não renunciaria definitivamente, mas,
claro, teríamos de ver quais as possibilidades económicas em cada momento.
O tema das universidades e
investigações científicas, os alunos que vão e vêm entre Espanha e Portugal, um
mercado ibérico não só para alunos, mas também para professores – creio que
estamos a ir nessa direcção.
Conheço alguns casos de pessoas que
estudam, ou ensinam, em Inglaterra, ou nos Estados Unidos e que têm um modelo
de estudos que lhes permite estudar aqui e ali, que são válidos.
A realidade vai muito além da lei e é
inevitável que assim seja, pois o tema da investigação é capital, decisivo para
nós e elemento básico para a competitividade da Economia. Tudo o que seja somar
esforços é fundamental.
Um dos problemas que temos em Espanha é
que temos várias investigações científicas a decorrer sobre o mesmo objecto de
estudo. Isto é um absurdo, o melhor é somar esforços, todos juntos, aqui em
Portugal e se quisermos adicionar alguém da Coreia também. Por isso, penso que
o Mundo se encarregará de resolver esta questão, sem necessidade de fazermos
leis e decretos. Vão ver como é assim!
[RISOS]
O mesmo com as fronteiras. É incrível,
quando era pequeno vivia no sul da Galiza e tinha de esperar duas horas e meia
numa fronteira para passar de Tui para Valença do Minho, entregávamos um papel
e quando voltávamos também. Isto vai contra o senso comum e o mundo global em
que vivemos hoje. Hoje vamos a Bruxelas, voltamos no mesmo dia, etc.
Se me preocupa a situação de Portugal
enquanto poderá afectar também a Espanha? Preocupa-me a situação de Portugal e
de Espanha (temo que me ocupará mais a de Espanha, pois sou espanhol) e
preocupa-me a situação europeia.
É verdade que as relações entre
Portugal e Espanha são enormes, só para vos dar um dado: nós exportamos para
Portugal mais do que o dobro do que para toda a América Latina. Isto parece
surpreendente, que Portugal nos importe mais que o dobro do que a América
Latina.
Obviamente, Portugal exporta bastante
para Espanha, as relações transfronteiriças são muito boas. A Espanha é um
grande mercado para Portugal e Portugal é um excelente mercado para a Espanha.
Mas o que me preocupa é que sejamos capazes de colaborar e defender
conjuntamente os nossos interesses no que for necessário, porque, por exemplo,
a Eslováquia não defender os interesses de Portugal e Espanha e a mim
preocupa-me que sejamos capazes de fazer políticas económicas conjuntas que se implementem.
Pedro, o futuro das relações entre
Portugal e Espanha, a união ibérica, se nos vamos distinguir apenas pela
Cultura – essa é uma pergunta muito complicada.
Quem diria, há apenas um par de séculos
atrás, que passados esses dois séculos ainda iria existir hoje os Estados
Unidos da América do Norte? A Europa teve a sua fundação há mais de 50 anos
atrás, no princípio eram apenas seis países e de repente já somos 27, já sem as
nossas moedas e sem grande parte do que eram as nossas políticas.
Não sei se à semelhança do que dizem
alguns o nosso destino é convertermo-nos nos Estados Unidos da Europa. Não sei,
é difícil sabê-lo. Uns podem mais do que outros, claramente os britânicos e os
alemães, mas é difícil adivinhar como vai evoluir o Mundo.
Contudo, aquilo que eu quero dizer é:
hoje, no Mundo, 40 milhões não é nada, 150 tampouco e na Europa, como já
referi, somos 500, bastante poucos em comparação ao que está a acontecer
noutras partes do Mundo.
Portanto, como disse na minha
declaração inicial, sou favorável a mais Europa, melhor Europa, a mais união
política e a mais união económica e, desde logo, acredito nas relações entre
Portugal e Espanha e a própria dinâmica nos leva a isso.
Eu conheço muitos médicos galegos que
estão a trabalhar aqui em Portugal e estamos a ir nesse sentido. Não considero
que seja mau, há quem diga inclusive que dentro de muitos anos o Mundo inteiro
será um país. Não sei se será verdade, ou não, mas não o devemos descartar, porque
quem ia prever há trinta anos o que a Europa é neste momento? É muito difícil
adivinhar.
Por último, o desemprego.
Efectivamente, tendo uma taxa superior a 45%, o que temos de fazer para
melhorar? Na realidade, não é com duas ou três medidas que se resolve o
problema. É necessário uma política económica que nos faça crescer e criar
emprego, esse é o objectivo nacional para Espanha e também para Portugal.
Creio que, actualmente, tanto em
Portugal como em Espanha é fundamental haver dois aspectos: a primeira é
confiança. Na Economia e noutras facetas da vida é necessário haver confiança.
O outro aspecto é o crédito, dinheiro,
que os bancos disponibilizem crédito.
Como é que se alcança a confiança?
Primeiro, com um Governo sério, de pessoas sérias e que a sociedade lhes
reconheça a autoridade. Segundo, com planos bem elaborados, bem explicados e, a
ser possível, que não se mudem a cada meia hora, que foi o que se viveu nos
últimos anos.
Depois, são necessários mais dois
aspectos: não gastar o que não se tem, o dinheiro público e a dívida pública. O
segundo aspecto: apoio absoluto aos empreendedores. Nós, nas eleições, iremos
apresentar uma das primeiras leis, que está praticamente elaborada, que é a lei
dos empreendedores. Se não há empresários, não há emprego. As administrações
governamentais não criam emprego, mas sim criam condições para que as empresas
o possam fazer.
Um empreendedor vai desde aquele que
tem a maior empresa em Portugal, até ao que tem um bar e emprega duas pessoas,
ou também apenas uma pessoa que leva o seu negócio individualmente.
Portanto, resumindo, estes são os
factores necessários: confiança, controlo dos gastos públicos, apoio aos
empreendedores e resolver com celeridade os problemas das entidades
financeiras, pois existem muito poucas pessoas, nomeadamente os jovens, que têm
dinheiro para iniciar uma vida com prosperidade.
Desta forma, tentei responder
brevemente, mas provavelmente ultrapassei o tempo que me estava reservado, peço
desculpa, mas as vossas perguntas eram todas muito interessantes e muito importantes,
estou muito confortado com o nível das vossas questões.