ACTAS  
 
31/08/2011
Jantar-Conferência com o Eng. Ângelo Correia
 

[LEITURA DE POEMAS: Hugo Carneiro, do Grupo Roxo, leu uma versão adaptada da "Ode Triunfal” de Fernando Pessoa e João Bastos, do Grupo Azul, leu "Ai, Timor” de João Monge]

 
Carolina Cruz Xavier

Boa noite!

É com enorme prazer que me foi incumbida a responsabilidade de, não só em nome do Grupo Rosa mas também em nome de toda a Universidade de Verão, dar as boas-vindas ao senhor Eng. Ângelo Correia, notável figura do PSD e do panorama nacional.

Encontramo-nos hoje na presença de um dos elementos históricos do Partido tendo sido um dos fundadores do PPD dando uma importante base vanguardista na democracia portuguesa. Conhecido como gestor, engenheiro, político e comentador, saliento um percurso brilhante em que o espírito dinâmico e empreendedor, alicerçado pelo cultivar de amizades políticas e culturais, levaram ao progresso do país, dando actualmente destaque às Energias Renováveis.

Desempenha um relevante papel na diplomacia económica, sendo uma figura sempre presente no Parlamento, influenciando com a sua opinião firme e cordial as grandes figuras do panorama político e conferindo um sentimento de estabilidade muito importante durante os conturbantes tempos que actualmente atravessamos.

À semelhança do político que mais admira – Winston Churchill – reconhecemos-lhe igualmente as capacidades de coragem e tenacidade.

Proponho, então, que todos os presentes se levantem e ergam o copo para homenagear um homem que tanto tem contribuído para o progresso do nosso país.

Muito obrigada ao senhor engenheiro pela sua presença e disponibilidade. Muito obrigada!

[APLAUSOS]
 
Dep.Carlos Coelho

A Carolina, no brinde que nos propôs em homenagem ao nosso convidado, salientou, e bem, a circunstância de ele ser um dos fundadores do PSD. Temos hoje o privilégio de não só receber alguém com um percurso singular, quer na vida empresarial como na política, como um dos homens que ajudou o PSD a ser o grande partido que é hoje. Se a urgência de algumas respostas para o momento em que vivemos não obrigasse a outra lógica de conversa, esta noite poderíamos ter uma conversa muito interessante sobre esses tempos heróicos em que o PSD, na altura PPD, se teve de afirmar, às vezes, com necessidade de assegurar a integridade física de muitos dos nossos dirigentes. Foram tempos difíceis em que se teve de lutar no sentido mais físico da palavra para afirmar o PSD.

O Eng.º Ângelo Correia foi deputado à Assembleia da República, na altura teve várias responsabilidades, designadamente presidente de diversas comissões parlamentares, a defesa nacional, dos assuntos europeus, do poder local; teve dimensão internacional quer em delegações da Assembleia da República quer no Conselho da Europa e da NATO. Foi um homem que assumiu responsabilidades do Governo, foi Ministro da Administração Interna, dirigente do partido, Vice-Presidente do partido, Presidente do Congresso… Foi um homem que marcou durante muitos anos a vida do PSD nos lugares por que passou.

Nos últimos anos, tem-se dedicado mais à vida empresarial e de gestão. Talvez seja difícil encontrar na nossa família política quem tenha tanta experiência nestas duas vertentes: a política e a empresarial. Portanto, num momento em que estamos todos confrontados com a Crise e necessitados de sair dela – e que vocês são testemunhas de que Portugal não se pode limitar ao seu rectângulo, mas pode e deve fazer coisas e afirmar-se lá fora –, faz todo o sentido que, tendo eu o privilégio de dirigir ao nosso convidado a primeira pergunta, lhe pergunte isto mesmo: senhor Engenheiro, com a sua experiência única, qual acha que deve ser hoje a estratégia para Portugal?

Minhas senhoras e meus senhores, para nos responder, na Universidade de Verão 2011, o senhor Eng.º Ângelo Correia.

[APLAUSOS]

 
Ângelo Correia

Muito obrigado, Carlos Coelho, muito obrigado pelas suas palavras, obrigado a todos.

Tenho muito prazer e muito gosto em estar aqui. Tenho a convicção de que vou falar mais do que o tempo que me é dado, mas quando chegar a altura e estiverem cansados, o Carlos faz-me sinal e eu calo-me.

Quando o Carlos Coelho me sugeriu um tema, eu disse que ia inseri-lo numa lógica que penso ser essencial para que vocês. Rapazes e raparigas, tenham consciência de que alguns de vocês vão ser líderes e vão fazer parte de uma elite que é a elite do País. E se têm consciência disso, a melhor coisa é começar a pensar desde novo que para ser líder ou para estar na elite, não basta fazer uma carreira partidária, é preciso ter uma carreira pessoal fora da política. Historicamente, até hoje não foi assim, mas o futuro vai dizer que o desempenho exterior à política vai ser uma das condições necessárias e requeridas para um bom desempenho político.

A minha intervenção não tem a ver com a circunstância, mas é difícil não falar das circunstâncias. Não tem a ver com este Governo e tem a ver com este Governo. Não é dirigida ninguém, é dirigida a mim próprio, dirigida às minhas reflexões, que faço há muitos anos. O País fala da saúde, da educação, dos cortes orçamentais, da dívida, da segurança social... Há discussões enormes sobre tudo isto, mas não há uma discussão sobre Economia em Portugal. Aliás, é lógico, ou antes, consequente que assim seja, pois Portugal nunca teve uma Economia muito forte.

Nos períodos em que nós vivemos bem pode presumir-se que tivemos uma Economia forte? Não, não, tivemos sempre uma Economia fraca; tivemos é reservas estratégicas: no século XVI as reservas da Índia, no XVIII as reservas de açúcar e ouro, e no séc. XX as reservas africanas. Hoje em dia, não temos economia nem reservas. Por isso, a discussão sobre a Economia é questão central, que o País e o Partido raramente discutem.

Discutir Economia porquê? Nesta altura é fundamental discuti-la e pensá-la. Em primeiro lugar porque o programa da Troika está todo ele moldado para as finanças, cortes, restrição, dificuldade. Mas se a dificuldade for multiplicada e continuada muito tempo descamba na angústia. Logo, tem de haver um momento em que a angústia é superada pela esperança. E o que é que dá esperança? A Economia, se crescer, se não crescer, ou se mantiver, teremos dificuldades e mantemos a angústia. Por isso a Economia é hoje uma questão central, e é-o mais com este Governo por três razões simples: por ser o nosso Governo; porque nunca em Portugal vi um programa eleitoral assim, acho que é melhor que o programa do Governo, desculpem a franqueza, mas acho que o programa eleitoral do PSD é ímpar. Raramente se fez um programa tão lúcido, tão discriminado e tão bem feito. É uma circunstância valorativa. Em terceiro e último lugar: pela necessidade que temos hoje de discutir o problema.

A essa luz o problema hoje amplia-se, por uma dificuldade que nos surge desde há dez, onze anos, que o modelo económico português se desmoronou. Continuamos a assistir à extinção do sector das Obras Públicas, do pequeno e médio Comércio, à queda do peso das quotas de mercado, das taxas das nossas exportações no mercado mundial à diminuição da taxa de lucro da maior parte das empresas exportadoras. Portanto, estamos numa circunstância extremamente difícil e delicada que nos obriga repensar. Repensar. Há bocado eu dizia que o País não pensa em Economia. Não vejo nenhuma discussão sobre a Economia, não vejo, vejo um programa de Finanças todos os dias, mas Economia não. Economia não, pois significa a riqueza produzida e a questão nuclear que hoje em dia se põe a Portugal é esta: o que é que nós vamos fazer numa conjuntura em que a Europa está em crise, a globalização ameaça as nossas empresas, a falta de financiamento dificulta a nossa vida, o que é que vamos fazer?

Eu, aí, queria enquadrar teoricamente e depois concretamente. Primeiro enquadramento teórico tem que ver com um programa normativo, não há análises isentas de ideologia, por isso quando há algumas pessoas que se apresentam como independentes e muito competentes eu fico aflito, aflitíssimo. O que é que quer dizendo que é independente? Eu não conheço o que são independentes, porque não há decisões políticas sem uma afirmação ideológica prévia. Combater o político em nome da tecnicidade é um erro, uma mistificação, e quem não encara primeiro o problema sob ângulo político comete uma percepção errada. É por isso que a primeira questão é sempre doutrinária, ideológica e, por isso política. E política diz isto: a economia é para as empresas, para o sector privado, mas o sector privado não se regula só pelo mercado. Portugal vive há desmaiados anos numa ilusão que há uma mão invisível que influencia tudo e mais alguma coisa sem influência do Estado ou de outras instâncias. Nós temos de dizer, afirmar e ser consequentes – "ser consequentes” é um conceito-chave –, temos de perceber que a Economia é para as empresas, para o sector privado, mas o Estado não está fora da Economia, pelo contrário, está totalmente dentro, todos os dias, a qualquer hora.

Quem é que define as regras de licenciamento das empresas? Quem é que define as regras de funcionamento ambiental das empresas? Quem é que define as regras da política fiscal das empresas? Quem define as regras laborais ou de justiça que impedem a sua actividade económica? Quem é que regula a Economia no seu sentido mais genérico para se assegurar que a competitividade se exerce? Logo, a nossa actividade todos os dias, mesmo privada, é balizada, é entrosada, por aquilo que é o funcionamento do Estado em relação à Economia.

É por isso, e aqui vamos à segunda questão doutrinária, que só há futuro, só há organização do futuro, se o País porventura tiver um modelo, uma hipótese de caminho, definida, rigorosa e pensada. Por quem? Pelo Estado? Pelo mercado? Não, pelos dois. Isso é uma questão que está ausente da vida política há anos. Isso chama-se planear. Portugal abandalhou, limitou, conseguiu restringir ao mínimo a sua acção de planeamento. A acção de planeamento não é do Estado, é do Estado, dos operadores culturais, científicos, económicos e financeiros, do acto político à plêiade diferenciada que em conjunto devem produzir uma ideia – essa ideia chama-se um conselho estratégico nacional. Portugal não tem há anos, por debilidade, ausência, incapacidade e falta de vontade, um conselho estratégico para si próprio, isto é, um conjunto de ideias que norteiam o caminho para onde vamos e como vamos. Portugal está cheio de ideias esparsas, está cheio de espasmos intelectuais, mas isso não interessa em política. Em política, um professor, um catedrático, um analista, um comentador, podem fazer isso. Os senhores não podem fazer isso. Os senhores são o agente político que transforma a ideia em praxis; transforma e concretiza as ideias. Para isso a primeira coisa é um conselho estratégico que é traduzido por um plano. Um plano o que é? É um conjunto de orientações que são fruto de uma concertação nacional (conceito a reter), que obriga a que em conjunto pensemos o que é o que País pode ser, deve ser, e daí escolhermos o modelo em uníssono.

Nós estamos habituados a conversar sobre uma coisa perfeitamente estéril que é a concertação social, isso é estéril, de segundo plano, isso é discutir os salários, as férias e coisas do género. O que nós temos de pensar antes disso é qual é o caminho de Portugal.

O caminho de Portugal não é o Estado que determina a nós, não é o mercado e as empresas que o decidem sem o Estado, não são os empresários que fazem sem saber o que as Universidades pensam, não são as Universidades que o fazem sem saber o que é que a população precisa, não são os agentes culturais e educativos que não saibam os que as empresas e as Universidades precisam e carecem. Não é nenhum deles sem perceber o mundo exterior e o que ele impacta na realidade nacional. Há uma ausência total, em Portugal, há muitos anos, de uma ideia que é um conceito estratégico e, daí decorrente, um plano.

É urgente que Portugal retome a ideia de planear! Planear é sempre o encontro do presente com o que vem da História, do Passado e a projecção do futuro. Planear é ter uma actividade pensada em conjunto para decidirmos a 10 anos o que é que o País quer.

Hoje em dia pensa-se a um ano, quando se pensa! A 10 anos! Porque há coisas que não se fazem estruturalmente sem um prazo longo. Dir-me-iam, mas isso é uma ideia fixista da História, planear a 10 anos. Não é. Por isso é que há raccourcispermanentes que obrigam a revisões de 2 em 2 anos de todo o modelo. As empresas, grandes empresas, fazem-no. Têm um departamento próprio que os faz.

Em Portugal, fomos a pouco e pouco mitigando e diminuindo esta questão. Esta é a primeira questão que temos de pensar e sem a qual, sem a vontade de um plano, sem um conselho estratégico, Portugal navega à vista, Portugal não tem rumo. O que não quer dizer que mesmo quando se tem um plano, um conselho estratégico, às vezes, a ventania não seja excessiva, pelo menos já tínhamos uma ideia de um certo caminho que é obrigado a inflexões, mas temos uma ideia. Portugal deixou de pensar e deixou de planear, é por isso que eu digo que o Estado forte não é aquele que é grande, não é aquele que é excessivamente poderoso, mas sim aquele que planeia bem o futuro, porque é aquele que congrega o presente para dar expectativas e acções para o futuro. Planear é sobretudo obrigar a que as diferentes coisas que se façam tenham uma lógica entre si e se conjuguem.

Por isso é que eu tenho visto ao longo da história portuguesa exemplos do planeamento económico, social, cultural, ambiental, não ser feito. Há momentos históricos em Portugal, há alguns anos atrás, em que não havia enfermeiras: hoje em dia ainda exportam enfermeiros. Há uns anos atrás havia falta de médicos: hoje em dia não se sabe se há falta ou não. Há alguns anos houve uma PAC sobre Portugal que liquidou a nossa Agricultura. Qual foi a política portuguesa de resposta? Zero. Por isso estamos assim. Há anos houve uma política de pescas que liquidou a nossa frota, que nos convidou a vender navios. O que é que nós fizemos? Zero. E os espanhóis invadiam as nossas costas e as nossas águas territoriais. O que é que nós fizemos? Não interessa, o que interessa é se há uma debilidade temos de a resolver. Há uns anos, os chineses quiseram atacar-nos e atacaram (também os paquistaneses, os marroquinos), nos têxteis. O que é que nós fizemos como Portugal? Pouco. As empresas fizeram muito, mas o Estado não fez nada. Há uns anos percebemos que começava a haver um excesso de casas, a Teixeira Duarte e uns trinta ou quarenta grandes empreendedores pesam 10% do PIB; preparámos alguma coisa para eles irem para outro sítio? Não.

Há anos, em 1998, lembro aquela frase espantosa do Eng.º Guterres "Para o Brasil e em força!” e fomos todos. O prejuízo da introdução na economia brasileira é de cerca de 3 PIB. Porquê? Ninguém sabia o que era o Brasil. Nós pensávamos que falando português eles eram iguais a nós; pensávamos que por ter as novelas brasileiras já conhecíamos o Brasil. Chegámos lá e as regras de contabilidade, laborais, judiciais, dos inventários, fiscais, era tudo o contrário e foi o debacle financeiro, 3 PIB de prejuízo. Ninguém quer fazer a análise disto. Ninguém quer reconhecer os erros, todavia, cá estão. Eu sei quais são porque também sofri em parte. Fizemos isto tudo porquê? Nunca planeámos nada. Há improviso, é um impulso: "para o Brasil e em força!”. O Dr. Salazar dizia "para Angola e em força!”, mas planeava e em Ditadura... Em Democracia nós não o fazemos, deixamos que as coisas surjam espontaneamente como se tudo fosse resolúvel facilmente e sem esforço, sem trabalho, sem concatenação e coordenação.

É por isso, minhas senhoras e meus senhores, que descemos do patamar doutrinário normativo para as questões concretas de estratégia nacional.

Os 5 pontos que eu acho essenciais:

1.º Qual é o novo modelo que vamos ter da produção, bens e serviços;

2.º O conceito de Portugal como plataforma competitiva;

3.º A diferenciação que é necessária nos estímulos económicos, financeiros e sociais;

4.º A relação entre a Ciência, a Investigação e a Produção;

5.º A Internacionalização e Diplomacia Económica.

Vamos começar pelo primeiro.

O que é que vamos fazer? Vamos produzir mais do mesmo? Impossível. Há coisas que têm um limite de capacidade de produção porque têm um limite da capacidade de absorção dos mercados da sociedade externa. Logo, temos de pensar o que é que vamos fazer de novo. Porque temos de fazer de novo. Um país pequeno é um país diferenciável, é um país diferenciado, porque o facto de estarmos na periferia da Europa só nos traz custos acrescidos. Há uns teóricos interessantes a quem já ouvi dizer que temos grandes vantagens de localização por estarmos na periferia, que somos o pivot do Atlântico e do Mundo; que a Europa vai toda começar, no futuro, a abastecer-se do que há em Portugal; "entre na Europa através de Portugal”. Disparate! Disparate total! Porquê? Por duas coisas simples: tudo o que vem de barco, dos Estados Unidos, do Extremo e Médio Oriente, ou África, têm portos mais próximo do centro da Europa do que de Lisboa, como por exemplo Gioia Tauro, Livorno; Marselha que é mais caro apesar de tudo; Barcelona; Valência; Antuérpia, que é o porto mais barato da Europa; Hamburgo, que é caro e Felixstowe em Inglaterra.

O custo de manuseamento de um contentor e a produtividade de manuseamento de carga contentorizada nesses países e nesses portos é 20% mais elevada do que em Portugal. Vamos pensar que vem um navio dos Estados Unidos e pára no nosso porto de Sines, vamos embora daí para frente concorrer na Europa; mas o caminho que faz de Sines até França tem um agravamento de 30% do que se entrar no porto de Marselha.

Portugal é excelente como plataforma logística para a Extremadura Espanhola mas só até perto de Madrid, porque depois já não compensa porque há Valência que é mais perto e mais barato. A não ser que tivéssemos condições de concorrência fortíssima com uma produtividade portuária excepcional, que nunca tivemos.

O Governo do Professor Cavaco Silva, honra se faça, em 1993, era Eduardo Azevedo Soares Ministro do Mar, fez uma reforma portuária que atingiu Portugal, melhorou muito. Daí a dois anos, acabou o nosso Governo, estava tudo reposto nas regras antigas. Chegou o Eng.º Guterres, "pobres dos irmãos em Cristo”, bom, voltaram às regras antigas, logo perdeu o dom da competitividade.

Por isso, meus caros amigos, Portugal não é centro nenhum, plataforma nenhuma para tornar a Europa acessível aos bens exteriores. Não é! Falso; isso é um bluff! Nós temos de conquistar outras coisas.

Quem é lá de cima, Minho, Porto, devia estudar o que se está a passar no têxtil do Norte que perdeu metade dos trabalhadores, 50% das empresas, a produção 5% e o valor acrescentado aumentou. Porquê? Porque rapidamente perderam aquelas áreas marginais da confecção, deixaram os chineses fazer t-shirts e sapatos baratos, pois há concorrentes melhor que nós – não em qualidade, mas preço –, e concentraram-se em têxtil técnico, fatos especiais, em gamas terminadas, sapatos que saem da porta da fábrica a cem euros o par; deixámos de fazer o sapato para o indígena normal, fazer o sapato para os «chicos-ricos»; os ricos que falta nos fazem, os lá de fora... Nesse sentido, os empresários mudaram a produção, mas essa mudança não é suficiente, é necessário um grande esforço de inovação e de investigação.

Daqui passamos para uma outra questão. Dentro deste grupo reduzido, não tenham dúvidas que o segundo sector que vai emergir em Portugal é o sector universitário, que vem das escolas superiores. O antigo empresário está a extinguir-se. Estão a emergir novos empreendedores e a função do Estado é ajudá-los. Para sair um bom empreendedor, é não só necessário ter capacidade tecnológica, mas também ter um sentido de risco. Na maior parte das universidades americanas quando acabam um curso pensam no que vão fazer. Nós, em Portugal, perguntamos quem é que nos vai dar um emprego. É diferente, mas em Portugal temos um problema que não há na América: não termos capital de risco. Há financiamento e apoios necessários, não é crime o Estado ajudar os novos empresários.

Nós temos de refazer o tecido empresarial português, todo o tecido empreendedor, tem de ser alterado, recriado. Dou o melhor exemplo que em Portugal de quem está a fazer: a Universidade do Minho, área Informática e Electrónica e a Universidade de Aveiro. São as que criam as novas empresas. Um pouco o Instituto Pedro Nunes em Coimbra, mas agora Lisboa muito pouco. Não está a ser suficiente. Estão a viver da glória imperial perdida. É melhor que percebam que o Mundo já é outro. Nesse sentido, temos de perguntar e avaliar se aquilo que a investigação portuguesa faz hoje em dia é adequado. Lembro que o Governo anterior, o Eng.º José Pinto Sousa (nunca uso Sócrates porque tenho respeito e admiração em relação ao Mestre, podia dizer ao contrário, adoro Sócrates, mas como o Mestre foi assassinado, envenenado com cicuta, não quero que aconteça isso ao mesmo) regurgitava de alegria quando dizia "estamos a gastar 1,2 do PIB em Ciência”.

Não interessa quanto gastamos, mas o problema é o que é que se produz com isso. O exercício fundamental que temos de racionalizar é: a investigação nas Universidades é essencial, é a chave do progresso, mas que investigação? Publicar papersé importante, nalgumas áreas é essencial, mas não chega. Temos de nos concentrar na produção de investigação sobre as empresas. São dois os sectores endógenos em Portugal, que carecem do dia para a noite: a floresta e a cortiça. Tivemos uma doença terrível que abateu os pinheiros e vai acabar com os pinheiros em Portugal. É verdade ou não? As palmeiras estão a morrer em Portugal e em Espanha também. Que investigação fitológica se faz em Portugal? Nenhuma. Que investigação fazemos sobre a cortiça e o seu uso alternativo? Qual é o melhor país do Mundo na área da cortiça?

Investigamos coisas que às vezes não têm nada a ver com o que nos interessa; a investigação para aplicar em desenvolvimento, nós esquecemos. O que significa que a atitude futura do Ministério da Ciência, da Educação Superior, da Investigação, não é patrocinar cargos futuros e bolsas apenas, é exigir resultados concretos, mais, é fomentar desde o início parcerias entre as universidades e as empresas. Uma empresa enriquece o património do investigador. O investigador enriquece o património de uma empresa. Mais uma vez a ideia de concertação, de plano, de interligação, de estratégia, tem de ser aplicada e é aquilo que nós não temos feito. Cada um anda para o seu lado, nas polícias, em tudo mais, é cada um para o seu lado, não há uma ideia de concertação, concretização homogénea, de trabalharmos em conjunto. A investigação é a chave e é chave para o nosso modelo económico do futuro. Se não fizermos isso não temos qualquer espécie de futuro visível.

Mas, em segundo lugar, nós partimos sempre de uma base produtiva, mas há uma área que nós temos e não utilizamos. Há três áreas valiosíssimas que são usadas por outros países como exportação e que nós não usamos. Primeira, a Educação Superior. Porque é que a Inglaterra tem sempre Cambridge, Oxford, Bath, London New School of Economics, York, tantas, porquê? Porque é que o Governo inglês, as instituições britânicas, querem sempre Universidades normais com unidades de excelência, porquê? Porque as unidades de excelência são sempre usadas para os estrangeiros irem lá gastar dinheiro também. Porque é que os americanos têm o MIT, Harvard, Yale, Notre Dame, Berkeley, porquê? Não serve só aos americanos: há estrangeiros também. Isso chama-se exportar serviços e a Educação é uma das áreas mais caras.

Isso obrigava Portugal a ter uma política de excelência e nós há muitos anos que temos horror à excelência, adoramos a mediocridade, só que ela é que nos conduziu a este estado. Porque quando se falava em excelência, fala-se em discriminação, em desigualdade, na necessária desigualdade que é preciso na vida para crescer. Não é com a Igualdade que nós crescemos; é com uma relativa desigualdade e uma relativa excelência. Temos medo disso e, como tal, cultivamos a mediocridade e a pequenez. Perdemos o sentido da glória, ética, pátria, Mundo, de nós próprios; temos medo de tudo e conformamo-nos com o que é pequeno e o que é dado. Quem não luta assim não tem futuro e, por isso, nós não merecemos se não mudarmos. A Educação Superior é uma matéria de exportação, assim como os hospitais; temos pessoal médico e de enfermagem excelente e não exportamos.

Os portugueses vão a Inglaterra, Barcelona, Navarra, Pamplona, Estados Unidos, quando temos instituições de excelência. Preparadas para servir os estrangeiros? Não. Preparadas e, às vezes, mal para servir os portugueses. Porquê? Receio, medo, não temos capacidade de organizar e ser espertos. Temos uma capacidade fabulosa: os africanos quando estão doentes vêm a Lisboa ou a Coimbra. Podíamos fazer mais. Os Angolanos e Moçambicanos quando querem fazer Mestrado ou Doutoramento podem fazer em Portugal; e Brasileiros podem fazer em Portugal nalgumas áreas. Escamoteamos o potencial; falamos politicamente da CPLP (que alegria, CPLP essa coisa magnífica!), mas só nos orgulhamos com os arquétipos, mas nunca com os conteúdos dos mesmos. Nós não preenchemos o interior de um arquétipo chamado CPLP, porque não temos capacidade e sentido de organização para isso. Eu conheço muitos países e há um país pequenino e pobre, que eu gosto muito, chamado Jordânia. Reino Hachemita da Jordânia, Hachemita porque são herdeiros de Maomé. Mas se vocês entrarem em Amã, capital, vêm quarenta hospitais e trinta Universidades. Há falta de Jordanos? Não, há 500 mil iraquianos que vão lá ver e compram lá casa. Então o que é que estão lá a fazer as Universidades? Trazemos cá o mundo árabe e vem cá todo aprender; ganhamos dinheiro com isso. Ganhar dinheiro com a massa cinzenta. Essa é a questão: não temos de ganhar dinheiro a produzir bens físicos, também podemos ganhar com bens imateriais como a Educação e a Saúde. Mas temos de ter a visão de cultivar em Portugal emblemas, campeões, símbolos!

Sem símbolos, campeões e capacidade, ninguém vem, vão para outros sítios. E temos a Língua, são 230 milhões, não é Carlos Coelho? São 230 milhões; já viram o mercado que nós temos? E nós pensamos no Sapato, no Azeite e no Vinho...

Temos de pensar noutras coisas, temos de pensar em querer ser superiores na Cultura, na Educação, na excelência em tudo, mas aí as regras estruturais que nos animam não podem ser iguais, tem de ser diferentes. Temos de desejar mais e isso não é pecado. O PSD, Social-democracia, não é uma doutrina igualitarista, é uma doutrina que, pelo contrário, sempre procurou que toda a gente tivesse todos os meios possíveis e igualdade de oportunidades. Isso é que é a nossa obrigação: é dar igualdades ao rico ou ao pobre! Agora, como ele se desenvolve na vida, isso é com ele, e quanto mais melhor; e se ele for muito rico, pague mais impostos. Amar os pobres, toda a gente, ninguém gosta dos ricos, mas quem dá dinheiro para nós vivermos são os ricos.

A tragédia é que a política que cultivamos, no nosso discurso quotidiano, não se compagina, na maior parte dos casos, com as nossas necessidades. É por isso, minhas senhoras e meus senhores, que eu acho que há sectores que temos de privatizar para termos operadores nacionais para ir lá fora. Quando foi das empresas de distribuição de água, foi uma empresa do Estado, chamada AdP, perdeu 62 milhões num ano em Lagoas no Brasil. Sabem porquê? Foi fazer uns investimentos num sítio onde não havia água e foi fazer um projecto sem autorização da tarifa nova. É claro que quando venderam entrou o novo parecer brasileiro, a tarifa nova apareceu e a água também.

Não pode ser assim. Não podemos ir para perder dinheiro português lá fora; é para aplicá-lo bem para conseguir vantagens. Eu sou a favor de algo que não é privatização, é da criação de operadores. Eu não sou muito de privatizar muito as coisas, é mais uma mistura, uma entente entre Estado e Particulares. No caso das águas é evidente. E porquê? Porque sem isso não temos exemplos para concorrer lá fora. Por isso temos de fazer isto com pedagogia, não por nós, no nobis, mas pela glória do País no exterior. Isto comentando os simples templários…

Quanto ao investimento estrangeiro: meus senhores e minhas senhoras, não tenham menor dúvida, os investimentos para Portugal não virão com abundância nos próximos tempos. Primeiro, pelo rating; segundo, dificuldades de financiamento; terceiro, se vier não é pela tecnologia, é pelos baixos salários.

Ou seja, nós podemos ter investimento estrangeiro, mas não confiarmos nele excessivamente. Portugal tem de confiar nos Portugueses, em si mesmo, com associações, parcerias, com qualquer país não faz mal – Russos, Americanos, Alemães, tudo bem – agora confiarmos mais em nós e menos naquilo que os outros trazem. Porque não é altura dos outros trazerem, é altura dos outros nos chatearem, que é pior.

Finalmente: o novo empreendedorismo. Alguns de vocês são estudantes, outros recém-licenciados, não tenham dúvidas que o novo empreendedorismo vem das Universidades. Vem de vocês.

É preciso determinação. Às vezes sofremos para começar, mesmo quando já estamos lançados na vida. Sofremos e não dormimos. Eu tenho de pagar salários a 600 pessoas e no meio desta crise às vezes não durmo, porque tenho tido dificuldades. Por isso, a vida é um constante sofrimento, em alguns momentos, mas quem não tiver isso, não está traquejado para viver no mercado global que não é de facilidades. Espero que o novo empreendedorismo venha com apoio do Estado onde for preciso.

Dos 5 pontos, falei de dois. Falei da Universidade, Ciência, Investigação e falei do que acho essencial. Vou falar de uma segunda coisa, Portugal, plataforma competitiva. O que é uma plataforma? É uma coisa que gira, ou seja, nós devemos girar para a Europa, onde está a maior parte das exportações e importações, mas na Europa não há margem de lucro suficiente hoje em dia. Quem quer ganhar dinheiro não é na Europa, mas, no meu ponto de vista, no triângulo Angola-Brasil. Mas para o Brasil ninguém pode ir sozinho, pois quem se atrever é enganado. Os Brasileiros num primeiro momento dão um grande abraço, no segundo vemos que está uma faca por detrás das costas, o que não é muito agradável às vezes. Por isso, a parceria inicial é fundamental. Esta ideia histórica do empresário português de "estou sozinho, não tenho ninguém”, deixem-me dizer-vos, é melhor ter 10% de uma coisa boa do que 90% de nada. Portugal tem de ter os Portugueses habituados a trabalhar em conjunto; entre nós e com os exteriores, pois não podemos viver isolados na vida. Temos esse complexo que é de inferioridade, de estarmos sozinhos e às vezes sofremos com isso.

Há sectores que se têm de manter fortes em Portugal. Aqueles que são recursos endógenos portugueses. Primeiro, a Aquacultura e Pescas. Eu sou do tempo, em que há dez anos atrás, se empresários queriam fazer aquacultura no mar, o IMIP que chumbava tudo. Achei graça, um dia perguntei porque é que chumbavam tudo. Passei no Guadiana: do lado espanhol via aquaculturas e no lado português estavam fechadas. Não deixavam os cidadãos portugueses fazerem, para serem eles a fazer e a sacar os fundos comunitários. Mas como não eram capazes iam à falência. Portugal tem na Aquacultura um potencial enorme. A exportação grega é aquacultura; quando vossas excelências comprar em Portugal douradas a 5 euros por quilo são gregas, quando são 22/25 são portuguesas pescadas no mar alto. Nisto, o rodovalho, a dourada e o robalo são maioritariamente gregos. É a primeira área que temos de devolver, porque é um recurso natural de excelência.

Segundo lugar, papel e celulose; temos de o fazer e desenvolver. Passamos, daí, automaticamente à terceira questão: os estímulos. No passado tivemos vários programas de apoio aos estímulos e agora fala-se de estímulos que o Estado dá à Exportação. Meus caros amigos, não devemos pensar na Exportação tout court, temos de pensar no valor líquido da Exportação/Importação em cada empresa. Se eu tiver uma exportação de 100, mas para fazê-lo, importo 80 e os 20 que tenho para pagar amortizações e de encargos financeiros e salários, eu devia apoiar os 20, não os 100. Eu não tenho de apoiar a exportação bruta, eu tenho de apoiar a exportação deduzida da importação em cada empresa, porque esse é o valor líquido das divisas criadas em Portugal.

Devemos apoiar tudo o que seja inovação e criação de emprego. Os 3 factores dos estímulos económicos e financeiros que o Estado deve dar são: ao valor líquido da Exportação/Importação em cada empresa, ou sectorial; à criação de emprego; e à inovação.

Última questão de que se fala muito e, às vezes, mal: a Diplomacia Económica. Lá se chegará, porque é de facto importante, a diplomacia é económica e pode ser subsidiária. Porque é que o Estado tem de fazer esforço em apoiar as nossas exportações, a nossa internacionalização? Deve-o na exacta medida em que ganhamos dinheiro e divisas com isso. Como é que eu ganho dinheiro na internacionalização? Vamos supor: Portugal comprou a PT com dinheiro financiado da Banca que os depositantes portugueses no Brasil. É importante a PT em si? Não, só é uma parte; a PT só é importante como instrumento de internacionalização se em todos os fornecimentos exteriores de que precisa, de sites, software, muita coisa, importar empresas portuguesas para lá, para os ajudar. Eu dou um exemplo que se passou comigo: eu tive uma pessoa que fazia aqueles sites de telecomunicações onde estão as antenas dos telefones. Portugal comprou a Telesp Celular e foram de Portugal para lá três pessoas: o Ronaldo que morreu, coitado, a secretária e um director. A empresa tinha três portugueses e o resto tudo brasileiro. Na mesma altura, os Espanhóis da Telefónia compraram uma outra empresa. Logo desembarcou avião com 300 pessoas, todos os espanhóis tomaram conta da empresa. Daí a algum tempo, todas as compras, todos os serviços processados, e aí são enormes de tudo o que se faz nas redes eléctricas e telecomunicações – toda a rede que se monta, que se mantém; o software que se aplica – tudo isso, eram só empresas espanholas que trabalhavam. Nós íamos à Telesp Celular e tínhamos de concorrer com os brasileiros e tínhamos um e eles tinham quatro; os espanhóis tinham cinco. Havia casos em que administradores de empresas portuguesas íam bater à porta de empresas que compravam coisas no Brasil e não os recebiam. Diziam "estamos no Brasil, temos de trabalhar com brasileiros”.

Ou seja, em Espanha tinham e têm um conceito estratégico, Portugal não faz a mínima ideia do que é internacionalização. Não é emprestar dinheiro para a PT ou um Banco comprarem coisas no Brasil, mas sim a partir dessa posição estratégica provocar o arrastamento e a modelação da mobilização de outras empresas portuguesas para lá, ou seja, é um conceito de planeta e satélites: uma empresa vai, torna-se um planeta e faz girar à sua volta um conjunto de satélites que são as empresas que estão em Portugal e vão para lá trabalhar.

Portugal tem horror a fazer isso, porque acha que é uma discriminação. Eu digo, é, é a favor de Portugal. Nós nunca quisemos fazer isso, por isso quando se fala em Diplomacia Económica eu gosto, é útil, mas é útil em quê? Pôr os Ministros, Governos, Embaixadores a promover o que estamos a vender? É, mas a verdadeira internacionalização faz-se, em primeiro lugar, com um órgão que é o AICEP, onde não faz sentido o Estado estar sozinho. Porque é o Estado que paga, financia, todas as exportações, apoios, feiras e todas as promoções. O AICEP há muito tempo, numa lógica reformista, devia ter o Estado e as instituições patronais todas que exportam. Porque quem sabe alguma coisa sobre exportar são as empresas, não é o Estado. O Estado saber exportar?! Meu Deus, nem importar, quanto mais exportar! Por isso, o Estado tem de criar parcerias estratégicas dentro do seu próprio território. Portugal tem de criar um conceito.

Uma nota: um país que não planeia o seu futuro e não consegue fazer com que os diferentes fenómenos se organizem, de modo a que sejam convergentes na atitude, no momento e na capacidade, não é um país que tenha futuro.

Segundo: um país que não tem a visão de preparar o país a 10 anos pelo menos, corrigindo de 2 em 2 anos, não é um país com futuro.

Terceiro: é fundamental perceber que a produção de riqueza é a primeira questão nacional. Sem ela, daqui a um ano, ano e meio, agitada, dinamizada, com financiamento necessário (que é uma questão que não falei), continuamos na pobreza e aumentamos as dificuldades. Ou dinamizamos a Economia e discutimo-la, pensamo-la, fazemos alguma coisa sobre ela ou senão o nosso futuro é limitado.

Quarta questão: temos de começar com aquilo que temos, melhorando-o com investigação e inovação. Podemos acrescentar alguma coisa, sobretudo naquilo que podemos exportar em serviços e não utilizamos: Educação, Saúde, Águas, Resíduos, Ambiente.

Quinta questão: os novos empreendedores são a nossa juventude que vem das faculdades e estas têm de dar uma ideia de capacitação técnica, e o Estado tem de ajudar financeiramente a lançarem-se.

Sexta: a internacionalização e a exportação são fundamentais e os estímulos têm de ser dados selectivamente – não a quem exportar mais, mas a quem conseguir criar mais e ter a capacidade de criar emprego.

O Estado deve ajudar as empresas na Diplomacia Económica, mas nunca substituí-las e o AICEP é um órgão fundamental mas não pode substituir o Estado (o Estado não sabe exportar). Quem sabe são os empresários, são as associações, logo, quem deve gerir o AICEP devem ser em conjunto o Estado e as empresas.

Estas ideias justificam pensar um bocadinho; não há decisões para ter mas há que pensar um bocado. Vocês são jovens e é altura de pensarem muito, ajudarem os mais velhos, que podem ter muita experiência, mas falta a inovação e o entusiasmo da idade, e aos que têm muito poder, mas não têm muito tempo para pensar.

O que vim aqui fazer, com prazer e alegria, é testemunhar uma coisa que acho essencial: pensem, mesmo mal, não interessa, pensem e expressem e, depois disso, organizem. Um país que só pensa e expressa não é suficiente, mas que a seguir também organiza, é um país com futuro. Eu acho que os nossos senhores são o nosso futuro.

Muito obrigado.

[Aplausos]
 
Dep.Carlos Coelho

Iniciamos a fase das perguntas pelo Grupo Cinzento, com o Tiago Alves; Castanho, com o Marcelo Rafael; e Azul, com o Jorge Freitas

 
Tiago Filipe Alves

Antes de mais, muito boa noite. Uma vez que sou o primeiro a falar, acho que posso agradecer em nome do Grupo Cinzento e de todos os alunos da UV a sua presença e as palavras que nos dirigiu, especialmente agora no fim do seu discurso. Sem mais delongas, passo então à questão que o Grupo Cinzento formulou.

Analisando o seu currículo, surgiu-nos uma questão sobre o empreendedorismo e os incentivos ao mesmo.

Uma vez que estamos habituados a ver imensos incentivos ao empreendedorismo e à inovação, questionamo-nos se ao criarmos esses hábitos não estamos também a criar empresas artificialmente competitivas. Ou seja, temos empresas que concorrem a esses incentivos e têm incentivos diferentes das empresas que já existem no tecido empresarial, ficando assim num plano desnivelado em termo de competitividade. É tudo.

 
Marcelo Rafael

Boa noite, senhor Eng.º Ângelo Correia, tendo em conta que é Presidente da Câmara de Comércio e Indústria Árabe-Portuguesa, até que ponto os países que estão representados na Liga dos Estados Árabes podem ser um bom mercado para os investidores e empreendedores Portugueses?

 
Jorge Faria Freitas

Muito boa noite. Em nome do Grupo Azul quero dar as boas-vindas ao Eng.º Ângelo Correia. Gostei muito da forma apaixonada como expôs as suas ideias e da sua forma de pensar o País e do Mundo.

Falou-nos em termos de futuro e que devemos fazer planos, ser organizados, visionários e empreendedores. No entanto, como o senhor Eng. sabe, estamos condicionados com as medidas da Troika e é por aí que a nossa pergunta segue: neste momento vamos assistir à privatização das nossas empresas, como a RTP e a TAP. Posto isto, poderá estar em causa o acesso aos serviços que essas empresas fornecem em aspectos tais como a qualidade e o custo?

 
Ângelo Correia

Muito obrigado pelas perguntas.

Primeira: Empreendedorismo e Inovação. Eu tenho algumas ideias com erros, mas dos quais me apercebo quando os testo, ou com as pessoas ou com a prática.

A pergunta que o Tiago Alves fez é muito importante pelo seguinte: assim com uma política nacional de Ciência e Investigação que apenas quer gastar dinheiro a obrigar pessoas a fazer papers e comunicações, e vive disso – quando não devia ser só disso, nalgumas áreas como Humanidades e Ciências Sociais vive-se muito disso – mesmo nessas circunstâncias é possível vender produtos e estar no mercado.

Apesar de tudo, e você diz que com os apoios estatais poderemos estar a criar alguns elefantes brancos: empresas sem rentabilidade financeira de longo prazo. E isso é verdade mas eu acho que assim é possível em Portugal calibrar, balancear e equilibrar o dinamismo, o empreendedorismo novo e a necessidade da viabilização sistémica no mercado. Há duas maneiras: devíamos dar um prazo máximo de 2 a 3 anos de capital de risco para a empresa verificar o que pode e o que está a fazer. Eu sei que em capital de risco apenas 1 em 5 vingam, 4 não, mas temos de ter essa hipótese. Agora, quando a empresa está na fase em que pode maturar, ou seja, tem um projecto, um produto fazível e vendável, ele deve associar-se imediatamente a quem e está habituado a vender. Por outras palavras, é essencial perceber que o capital de risco não é um fim permanente e sistémico, mas sim provisório, que serve para a seguir se angariar parcerias com empresas mais sólidas.

Um exemplo passado comigo: há dez anos uma pessoa conhecidíssima da Biotecnologia estava a fazer uma célula. Eu disse "Epá, células, acho notável! Mas uma célula pode custar 5 a 10 milhões de euros”, e ele: "Sim, pode”, e eu: "Quais são as probabilidades?”, "Não sei”, e "há quantos anos estás a fazer a célula?”, "Há 7 anos”, "Tenho muita pena, mas obrigado”, respondi.

Sete anos é muito tempo, já não dá, é um sustento, é um subsídio, não é um modo de vida. Ou seja, há um breakdown sectorial, onde os tempos não são iguais, em que se desenvolvem em tempos diferenciados e tenho de saber o tempo em que não financio mais. E acabou, pronto, não é empreendedor, ou obrigo-o a uma parceria, neste caso com um laboratório nacional ou internacional. Não posso deixar é só sobreviver transformando um capital de risco num subsídio. É um problema de sensibilidade. É por isso que eu acho que o controle que existe na Ciência em Portugal é muito importante. É das áreas mais graves. Há muita gente em Portugal que, quando olha para a riqueza e para produção, pensa em sapatos, vidros, cimento, ferro… nada disso, os bens são intangíveis hoje em dia, imateriais e materializam-se depois, mas demoram, têm uma natureza diferente e sobretudo massa cinzenta.

Eu tive um funcionário meu que chegou anteontem de Israel, visitou oito empresas, ficou a ver a tecnologia de uma maneira notável. Foi ver uma ETAR onde é produzida electricidade. Não era com painéis fotovoltaicos, era com energia cinética criada no seu interior. Feita por quem? Uma startup com 15 pessoas, mas fez. Foi a outra, por exemplo, que é uma coisa notável, que está a um mecanismo de articulação entre computadores que não precisa da Internet. Espantoso. Agora, porquê? Porque os Israelitas, coitados, têm de fazer tudo para sobreviver. Nós temos de nos tornar um bocado Israelitas. Perceber que para sobreviver temos de lutar exaustivamente, com inteligência, determinação, tenacidade, com tudo! Nós somos os Israelitas da Economia na Europa. Temos de ter essa atitude essa mentalidade.

Segunda questão. O mercado árabe para que é? Para muitas coisas e várias. Mercado árabe, duas histórias: Líbia em 1982/83, a maior empresa que estava na Líbia era portuguesa (não vou dizer o nome), tinha 4 mil trabalhadores. Em Benghazi, o hospital, as ruas, a Universidade, foram feitos por portugueses, mas estes foram expulsos em 84 porque começaram a fazer álcool a partir de uma planta. O problema não era os trabalhadores beberem; o pior foi que chamavam a polícia e davam-lhes álcool. A partir de certa altura o pessoal andava todo "grosso” (a polícia, a tropa, os trabalhadores portugueses...). Foi a revolta na Líbia... os portugueses são notáveis, conseguem fazer revoltas de uma maneira simpática.

Na Arábia Saudita havia uma empresa que fez aeródromos magníficos, depois no projecto seguinte abarbatou-se com o dinheiro e saiu. Deixou a obra por fazer. Desde essa altura a nossa imagem ficou degradada.

Entretanto recomeçou e está bem mas o grande esforço que devíamos ter feito era fundamentalmente em 2002/2003, no início da recuperação do petróleo. Você em 98/99 teve o petróleo a 10 dólares o barril, depois começou a subir até 150 e agora está em 110/120. Nessa altura, os Estados adquiriram fortunas colossais e como não têm sentido empreendedorismo nenhum – os árabes não trabalham, consomem, fazem outras coisas, mas não trabalham – o Estado acumulou riquezas e fez infraestruturas. Era altura de levar todas as pessoas para lá. Se Portugal tivesse uma visão estratégica, um conselho estratégico, quando percebíamos que em Portugal as Universidades, estradas, redes de telecomunicações, gás e electricidade, estavam exauridas, estavam feitas – na matéria de infraestruturação, Portugal é dos melhores a nível europeu - veríamos que os engenheiros, os quadros todos, os contramestres, os projectistas, iam perder tudo em Portugal. Tínhamos de ter feito um esforço aí e Portugal não fez rigorosamente nada. A tal ponto que eu hoje, explicando o passado, vos diga o que é que eu acho do futuro.

Acho diferentes cenários, diferentes locais: Golfo e infraestruturas de montagem de redes eléctricas, telecomunicações e de gás, estradas, prédios de grande categoria (lá é só pedra mármore da Argentina e da Arábia Saudita; do melhor), tudo o que é possível fazer. Não vai para lá o segundo plano, vai para lá a alta qualidade portuguesa.

Magrebe, diferente: temos de fazer parcerias na cortiça, na média indústria que eles não têm e uma coisa fundamental: algum dos senhores já esteve em Argel? Não. É uma cidade linda, com pavilhões industriais gigantes, com fábricas do modelo soviético dos anos 90 – sapatos, com 1000 trabalhadores; cerâmica, 1000 trabalhadores –, que estão lá paradas, porque eles não sabem vender, não têm um cliente na Europa. Não sabem. Nós sabemos isso tudo, por isso devemos promover, colocando lá as nossas que cá estão mal, com acordos bilaterais com o Estado Argelino, a dirigirem e a reorganizarem as empresas em parcerias locais. Portugal, ou o Estado já fez? Não, vão lá de vez em quando fazer uns folclores, mas trabalho sério, persistente, nesta matéria, não há.

Há uma última questão no Golfo, que eu não disse: é um país de consumo elevado e é ideal para quatro áreas portuguesas - a hotelaria, a cristalaria, o têxtil e sapato especiais, adaptados localmente (fazer as jellabiyasdas senhoras, os turbantes dos senhores, os lenços, os keffiyehs, isso tudo). Ou seja, é um mercado natural; ganha como pontos de venda. Se eu fosse uma grande cadeia portuguesa, uma Zara portuguesa, fazer lá um ponto de venda, não só de uma coisa, mas de várias, em consonância e articulação com o cliente local. Porque o Abu-Dhabi, o Dubai, ou o Qatar são sítios para se comprar. Ora bem, isso eu fazia, mas para isso é preciso que o Estado converse (planeamento estratégico) com os empresários e daí apoiem-se mutuamente. Não devemos ter medo, o Estado deve apoiar as empresas; o que devemos ter medo é de subsídios encapotados, ou corrupções. Agora, transparência na ligação e articulação para ajudarmos é fundamental.

Última questão: Troika, condicionamento e privatizações… Bom, há áreas em Portugal em que nós beneficiamos muito com a privatização. Vocês não são do tempo em que a CentralCer e a UniCer, produtoras de cerveja, eram públicas; ou em que a União de Bancos ou o Totta e vários outros bancos eram públicos. E andavam às cabeçadas. E era uma corrupção que não fazem ideia. Hoje em dia somos santos piedosos, quase num altar, em relação há 30 anos. A privatização melhorou muito a qualidade dos bancos, os cimentos, as telecomunicações. Houve sectores em que melhorou muito e valeu a pena. Se me disserem que todos deviam ser privatizados, não tenho a menor dúvida que a REN – há umas pessoas do PS e do PC que estão contra – pode ser privatizada amanhã. Porquê? Porque a tarifa que a REN cobra aos operadores de rede eléctrica que por lá passam não é a REN que a fixa, não será o futuro accionista que manda na REN, quem a fixa é a ERSE que é o regulador de electricidade. Ou seja, os activos da REN estão fixados em termos de valor de prestação do serviço pelo regulador, logo não pode haver apropriação de mais-valias especiais.

Vejamos na EDP. Se aparecer a E.ON alemã ou a EDF, nunca mais nós lá entramos. Não vale a pena, pois eles imporão as regras, os fornecedores e tudo. Hoje em dia, há concursos em que a EDP concorre contra dos espanhóis (financiados por uma das autonomias espanholas) e o concurso vai para o espanhol. Todos os projectos de barragens portuguesas foram feitos por espanhóis e em Portugal há capacidade técnica...

Não é só preciso privatizar, às vezes nós próprios, portugueses, damos maus exemplos.

O caso da TAOP: o único problema que eu tenho na TAP é não cair nas mãos da IBERIA. O que é que a TAP tem? Liga-nos aos emigrantes? Não. Liga-nos fundamentalmente a três tráfegos altamente rentáveis: Brasil e Angola e Moçambique. Se houver alguém que compre a TAP e depois - por qualquer motivo – quiser retaliar contra nós, corremos o risco de virem dizer: "dos cinco voos que fazíamos para o Brasil, faremos só 3” e depois fazem dois à parte. Eu tenho medo disso. Ou seja, eu sou a favor de privatizar a TAP com umas condições escritas. Mais, quem é que me diz que a TAP voa para a Madeira quando nós precisarmos? Tem de ficar escritas no caderno de encargos as regras que salvaguardam os interesses estratégicos portugueses. O interesse estratégico não se vende na bolsa; cumpre-se! Nesse sentido, acho que temos de ter alguma prudência.

Agora, margem de restrição do fornecimento de serviços de terceiros a essas empresas pode diminuir. A minha grande preferência era, se fosse possível, serem os brasileiros a comprar a EDP. Porquê? Porque eu acho que, mais uma vez, a nossa força futura é a triangulação com Angola e com o Brasil. É nesta triangulação que temos o mercado original. Mercado original, não é pecado original. Podemos desenvolver mercado original, mas quem vai decidir é o Mercado.

 
Dep.Carlos Coelho

Segunda ronda de perguntas.

Vamos ter pelo Grupo Rosa, a Susana Duarte; pelo Grupo Laranja, o Rui Marques e pelo Grupo Amarelo, o Miguel Santos Fernandes.

 
Susana Duarte

Desde já, boa noite a todos e em nome do Grupo Rosa quero agradecer a sua presença aqui hoje.

Não deverá Portugal aproveitar melhor os seus recursos marítimos e o que deverá fazer, na sua opinião, para reverter essa situação?

 
Rui Marques

Sr. Eng.º Ângelo Correia, em nome do meu grupo, muito obrigado por nos congratular com a sua presença aqui na UV.

Com o fenómeno da Globalização as distâncias atenuaram de tal modo que a geografia deixou de ser o factor competitivo. O capital é relevante, mas em campeonatos homogéneos não faz a diferença. As máquinas ainda são importantes em muitos sectores, mas a sua boa gestão pode compensar a diferenciação competitiva que daí resultaria. Mas a geografia, o capital e a maquinaria, foram substituídos pelo talento. O talento é um bem escasso como uma matéria-prima essencial. Consegui-lo, mantê-lo e desenvolvê-lo é o desafio mais importante das organizações modernas que Portugal tem. Pergunta: não acha que Portugal deveria criar condições para reter os seus próprios talentos e até atrair talentos estrangeiros, no sentido de uma estratégia de sucesso para as nossas organizações e empresas exportadoras? Obrigado.

 
Miguel Santos Fernandes

Eng.º Ângelo Correia, minha pergunta com uma palavra da sua intervenção: "planear”. Temos de saber planear, saber o que queremos fazer e saber como fazer. Neste sentido, queria saber qual é, na sua opinião, o plano para o mercado laboral? De que forma é que os jovens, as instituições de ensino e entidades governativas podem intervir para criar um plano e qual deve ser? Obrigado.

 
Ângelo Correia

O mar. Tenho ouvido, muita gente e eu próprio, falar do mar com um grande gaudio, grande atracção. Sobretudo gosto do mar por causa da cor do mar, não gosto da temperatura do mar. Vivi no Oriente durante 3 anos e as águas eram 25 graus, aqui é 18, 19, 20... não é muito agradável. Toda a gente diz que o nosso futuro está no mar; é uma ideia simultaneamente épica, mas é uma ideia peregrina. O mar é tudo aquilo que nós destruímos nos últimos 40 anos. Nós tínhamos duas grandes empresas de navegação que foram destruídas em 75. Depois, tivemos mais duas grandes empresas criadas em 83/84, que eram a PortLine e a TransInsular: uma foi comprada pelos estrangeiros; outra vegeta.

Não temos navios, nem Marinha Mercante. Nada nos inibe de a termos, mas não a temos. Grande parte de não a termos tem a ver com o não-uso de alguma capacidade instalada de construção de navios que abandonámos e com os marinheiros que andam no mar, porque quisemos aplicar legislação laboral nacional quando a legislação dos outros países é, nessa matéria, mais benigna. Por isso, se queremos ir para o mar, a primeira coisa que devemos ter é Shipping. Mas hoje em dia um navio custa cerca de 40 milhões e voltamos ao financiamento.

Outra coisa, ir para o mar significa custos portuários baratos, que não temos. Como é que se mede a produtividade de um porto? É fácil. Mede-se pelo número de contentores que são levantados ou descidos por hora. Portugal é 23/24; em Hamburgo, 32; Antuérpia 30. Pior que nós, era Génova, mas foi à falência; as cooperativas marítimas foram à falência, os italianos tiveram de fazer em Gioia Tauro um novo porto internacional, aproveitando uma grande instalação siderúrgica que entretanto se acabou. Ou seja, ter uma visão marítima é ter também uma grande capacidade de implantação e manuseamento portuário. E nós não temos portos... Há dois portos portugueses que têm fundura. Eu falo em fundura, porquê? Como sabem os navios que transportam carga geral ou contentorizada têm o chamado balastro. Os navios que transportam 3 ou 4 mil contentores Peramax, precisam de um calado de quota de mar de 17/18 metros. Um navio médio (4 mil a 5 mil contentores) precisa 13/14. Um Feeder pequeno, com duas ou três alturas de contentores, 6 mil toneladas, precisa de 9 metros. Em Portugal, só há o de Sines, que tem essa quota. E há outro que tem metade dessa quota, que é em Alcântara. O Leixões só leva até 12 metros. Setúbal leva 11.

Quando eu ouvia algumas discussões dentro do partido sobre a questão portuária de Alcântara eu via as pessoas excitadíssimas dizer "Setúbal tem uma grande…”. Mentira. Setúbal tem uma caleira que vai aos 12 metros de areia que têm de ser dragada todos anos para passaram até 14. Setúbal é excelente para transporte de carros, pois os navios não têm fundura, têm 3 metros só. Por isso, nós não temos portos. Temos um excelente: Sines, mas não está ao pé nem da produção nem do consumo. Ou seja, Sines está ao pé de uma linha de caminhos-de-ferro, ou de auto-estrada que são 80/90 kms para chegar lá. Os portos, se os virem todos: Marselha, Felixstowe, Norwich, Hamburgo, Roterdão, Valência, Barcelona, Santander, Singapura, Yokohama, Perth, são portos localizados, ou em grandes centros de produção, ou em grandes centros de consumo.

Sines não é uma coisa nem outra. Logo, nós temos a melhor condição natural, de excelência, num sítio onde nos fica caro fazer chegar ou fazer sair as mercadorias. A Geografia jogou contra a Economia. Por isso, mar? Como?! Nos portos estamos lixados, transportes marítimos não temos... Investigação marítima? Acho óptimo, mas dêem-me exemplo de uma empresa que faça prospecção marítima. Não há!

Ou seja, Portugal teve a sua vocação marítima há 500 anos. Perdemo-la! Devemos reganha-la? Com certeza! Como? Sozinho, não. Temos de olhar para o mar e arranjar parcerias. O mar não é a nossa vocação, mas sim das parcerias que fizermos. Devemos ser muito rigorosos e em Economia a pior coisa que há é o mito, o bluff; e quando é urbano ainda é pior; e quando anunciado por altas figuras ainda pior.

Por isso, mar? É óptimo para nadar. Temos dos melhores sítios do mundo, nós e o Hawai, para a chamada energia das ondas. O melhor sítio em Portugal vai da Apúlia até à Nazaré, porque a onda é forte mas não é destruidora. O grande problema da energia do mar é a capacidade de resistência à onda, mas com criação de energia. Só que uma unidade para fazer uma Mega Watt nesta fase tecnológica é quase fazer uma plataforma de petróleo, custa 20 milhões de euros, quando um Mega Watt produzido pela eólica custa um milhão, pela fotovoltaica custa dois milhões, ou seja, a rentabilidade da energia das ondas só é garantida se nós fixarmos um tarifário tão alto, tão incomensuravelmente disparatado e subsidiado. Temos de esperar. A única coisa que eu vejo a longo prazo é isto. Agora, se me disser, abandonamos o resto? Claro que não, devíamos ter procurado há muito tempo, em Portugal, parcerias nas explorações marítimas, nas pescas.

Há países, como na Líbia em que a piada que se conta é que os peixes têm barbas. Eu já comi peixe lá, numa tasca onde se come bem e disseram-me que os peixes já devem ter barbas porque eles não têm barcos para os pescar. Houve alguém do Governo que me pediu se eu podia falar em Portugal, há 12/15 anos. Não valeu a pena. Agora, nós temos condições em alguns países do mundo de ser parceiros e ter parceiros, é necessário. Percamos a ideia de que o mar é um destino, o mar é uma realidade apenas e não é só uma realidade se tivermos parcerias a ajudar.

Segunda questão: o talento; os talentos desenvolvem-se. É como a sorte, não surge, procura-se, constrói-se e conquista-se. Não há nada que venha, na vida gratuitamente. Tudo vem com sacrifício, trabalho e imaginação. O talento também se conquista, como a memória. Simplesmente, há condições genéticas, claro que há. A grande coisa para nós fazermos e ajudar-nos para termos alguma capacidade é convivermos com outros talentos.

O talento ganha-se com outros talentos, na convivência com tipos melhores que nós, por isso, a política de atracção de talentos é importante. Como é que se atrai talentos? Temos algum projecto empresarial próprio que atrai talentos exteriores? Poucos. Temos projectos de investigação que atraiem talentos? Sim e devemos ir, como fomos há 15/17 anos quando todos os instrumentos de investigação científica da Ucrânia, Rússia e Jugoslávia estavam em desmantelamento e queda, buscar pessoas que ainda hoje estão nas Universidades portuguesas e ainda bem, que bom, devemos fazer isso mais vezes. Agora, faria outra coisa: não tenho problemas nenhuns de empregar nas áreas em que precisamos mais, que é na Agricultura. A Floresta portuguesa é dos poucos bens que nós temos, mas que não tem cadastro sequer.

Eu digo-vos uma coisa, nós, uma empresa onde estou, concorremos às Centrais Biomassa e ganhámos; pagámos 200 mil euros por andar uma equipa de jovens rapazes do Instituto de Agronomia na Sertã e em Gouveia a ver terreno por terreno quem era o dono. 80% não encontrámos, porque era "prima do primo; que estava em Luxemburgo; que não estava cá” e não se sabia de quem era. Um país que não tem cadastro da sua propriedade florestal não pode fazer política. Segundo, um país que tem sete entidades que mandam na floresta sem concertação estratégica não tem política. Ou seja, Portugal, o Estado, tem de se organizar para saber quem manda. São sete as entidades; chega um, mas que mande bem! Quando tivermos isso, temos um potencial enorme.

Dou-vos um exemplo: sabem o que está a acontecer à Biomassa (quando se corta ou limpa a Floresta; partes velhas, que se vendem aos bocadinhos) em Portugal? Estão a ser vendidas para Itália; é posto no Porto de Sines a um preço cerca de 20% mais caro do que em Portugal e porque é que não compramos em Portugal? Porque não há Indústria de Biomassa. Por uma razão muito simples: o concurso foi feito em 19 de Setembro de 2006 e ainda hoje não se fez uma das várias propostas que ganharam. Porquê? Porque a Administração Pública está feita para não se fazer, para não ajudar, para obstaculizar; está feita para dar poder ao tipo que tem uma caneta à frente e não para resolver problemas. É por isso que a primeira política, no caso do Ministério da Economia, devia ser anunciar: "Portugueses, amanhã tenho uma equipa que vai pegar em todos os projectos-lei que existem sobre licenciamentos industriais e das 40 fases fazer só 20. Se cortarem metade das intervenções necessárias para os licenciamentos tudo anda mais depressa. Mas não temos a coragem, porque maior parte do poder político não manda em Portugal.

Quem manda é o poder da tecnoestrutura, porque quando um político diz "desculpe, mas eu não concordo com isto”, é um "ai meu deus, não se respeita a Administração Pública; o que é que quererá dizer ele com o não concordar; o que é que está por trás?” Há muito tempo que quem manda é o funcionário do funcionário e por aí acima. Basta ver quando vocês fazem um requerimento ao Estado, primeiro aparece um técnico de segunda que dá um parecer de seis páginas e põe no final "À consideração superior”. A seguir passa ao técnico acima, que de seis passa para três páginas e termina com "À consideração superior”. Depois passa ao subdirector dos serviços que passa a uma página e meia, que termina com "À consideração de V. Exa ou S. Exa. Depois passa para o director-geral que tem uma coisa menos pomposa, mais simples, que diz "à consideração de vossa excelência senhor Ministro”. O Ministro diz "Concordo”. Quem é o Ministro que pode ver 10/20/30 mil impressos por dia e contestar. E mais, quando o poder político um dia contesta, diz-se "O que é que se passa? Isto não é habitual. Contesta uma orientação técnica?” O poder deles é maior que os dos Ministros.

Vocês acham que os Ministros são muito importantes? Engano, na maior parte não estão lá, só quando a decisão é top-down, mas em Portugal a maior parte das decisões são bottom-up, vêm por baixo e vem já todas orientadas. É por isso que reduzir o número de intervenientes nas decisões é um mister, porque senão perdemos na decisão, no tempo e na consulta de toda gente.

Quem tiver coragem de fazer isso, dá uma grande vitória a Portugal. E não é difícil. Por aí tem a racionalização desta Administração Pública feito, porque sabe desde logo quais são as fases desnecessárias; donde sabe quais são as direcções-gerais e de serviços que são menos importantes; e donde é feita a restrição de tempo.

 
Dep.Carlos Coelho

Muito obrigado senhor Engenheiro. Temos uma tradição na Universidade de Verão, que é dar a última palavra ao nosso convidado e, portanto, esta é a oportunidade para agradecer a sua presença, as respostas que já deu e as que ainda vai dar.

Último leque de perguntas: o João Magro pelo Grupo Bege (aproveito para agradecer o seu simpático convívio na mesa durante este jantar); o Vasco Teixeira do Grupo Roxo; o Jorge Barbosa do Grupo Encarnado e o Vasco Moreira do Grupo Verde.

 
João Magro

Senhor Eng.º Ângelo Correia, a actual conjuntura económica e financeira deve alterar as prioridades de diplomacia económica portuguesa? De uma forma mais abrangente, os eventos económicos dos últimos anos devem alterar o nosso conceito estratégico nacional? Muito obrigado.

 
Vasco Teixeira

Boa noite, desde já o meu cumprimento a todos, em especial ao senhor Eng.º Ângelo Correia.

A pergunta que o Grupo Roxo gostaria de colocar foge um bocadinho ao tema que fez hoje, mas como sabemos que tem uma vasta experiência neste tema, o que queríamos esclarecer era o seguinte: será que as revoluções naturais e os levantamentos insurgentes nas nações árabes, nos últimos tempos, poderão conduzir a uma mudança geopolítica nessa parte do Globo e com consequências directas no equilíbrio do poder. Se sim, de que modo a Europa poderá sofrer com isto e que impacto poderá advir para os movimentos de extremismo islâmico.

 
Jorge Barbosa

Boa noite a todos. Queria agradecer em nome do Grupo Encarnado ao senhor Eng.º Ângelo Correia.

Acha que neste momento de dificuldades que o País atravessa, devemos continuar a apoiar os jovens empreendedores e estes jovens que estão aqui presentes devem ter ajuda se decidirem apostar na sua formação e criarem as suas empresas? Obrigada.

 
Vasco Moreira

Caro Eng.º Ângelo Correia, não é todos os dias que temos a oportunidade de assistir a uma fantástica exposição como a de hoje.

A pergunta do Grupo Verde é a seguinte: acredita que as grandes obras públicas, como o TGV e o novo aeroporto de Lisboa são cruciais para o aumento de capacidade de exportações?

Estão hoje nesta sala 100 jovens que ambicionam contribuir, com um contributo válido à sociedade: aual o conselho mais importante que nos poderia deixar?

 
Ângelo Correia

Muito obrigada pelas perguntas. Eu realmente tinha visto que havia aqui um Grupo Vermelho, vê-se logo. Eu sou do Sporting, é uma chatice pá.

[APLAUSOS]

Jorge Barbosa, você fez a pergunta se é legítimo, justificável, o apoio aos jovens empreendedores hoje. É essencial! Porque oiça: uma das prioridades que o País tem de operar é a mudança dos empreendedores. A maior parte dos que o foram, em 74/84/94, hoje não podem ser porque não sabem; alteraram-se muitas coisas, não só a questão financeira, alterou-se o enquadramento (a Globalização), a relação com os colaboradores por exemplo. No meu caso, dou-vos o exemplo, eu não faço Conselhos de Administração, apenas reúno com os banqueiros de 4 em 4 meses. Como trabalhamos com as empresas? É com os quadros todos e a decisão final sou eu quem tomo, sou eu o responsável. Agora, a decisão que eu tomo - como eu disse há pouco da tecnoestrutura - está toda filtrada por eles. Ou seja, nós precisamos hoje em dia de alterar os padrões de relação de pensar e produzir. Os jovens empreendedores são uns tipos que têm a coragem, a iniciativa, a idade e a energia. Não são as pessoas da minha idade. As pessoas da minha idade têm vícios, além da experiência e do conhecimento. Por isso é que eu acho que é fundamental.

Agora, transformar os jovens não é mimá-los, é atribuir logo alguma responsabilidade, durante um período experimental durante 2 ou 3 anos. Você não pode ser jovem empreendedor durante 5 anos, 3 já é muito tempo. Se for ao fim de 3 anos já não é jovem, é empreendedor. Deve ter outra parametrização de apoio, que não é o Estado; deve reunir-se com outras empresas, ter parcerias para se lançar noutros mercados, lançar-se na área comercial que é a área mais difícil entre nós. Isto prende-se com a questão que era colocada pelo Vasco: qual o conselho que eu dou? Dou vários: o exercício da política não pode ser exclusivo. Todo o ser humano é político, mas o exercício exclusivo da política é castrante. São muitos os que conseguem ficar num parâmetro de profissionais da política, todos nós, mas em última análise são poucos. Por isso, nada melhor do que ter outras valências que não sejam só as valências políticas.

Logo, o grande político é quem trabalha em política e noutras coisas, tem uma vida profissional fora. Eu sou forte adepto de vida profissional fora. Quando fui votado deputado em 75, eu já era administrador de três empresas e continuei sempre, com excepção de 78-83 em que só fiz política e não tinha tempo para mais nada.

Vou dizer uma coisa: enriquece a nossa vida e dá uma coisa essencial, independência; quanto mais pobres somos, mais dependentes. Com alguma capacidade financeira ou empresarial, ou profissional própria somo independentes a pensar, o que pode não ser agradável, muita gente não gosta, mas quando nós quando morremos temos uma felicidade relativa e com a consciência tranquila. Isso aprendi mais comigo próprio: é estarmos bem connosco próprios.

Terceira questão: alteração das prioridades da Diplomacia Económica em momentos de turbulência. João Magro, eu digo com toda a franqueza, eu acho que a Diplomacia Económica é um pequeno instrumento tocado por grandes senhores; um cavaquinho tocado por alguém genial. Ou seja, é uma coisa pequenina, porque só existe se houver Economia, se houver bens para vender, senão não há Diplomacia Económica. Segundo, ela é subsidiária, porquê? Porque sabe onde é que se utiliza? Para as grandes questões e só em momentos determinados, ou seja, o meu amigo quer lançar três grandes empresas de construção na Arábia Saudita, o Dr. Paulo Portas veste aquele magnífico fato às riscas, veste uma gravata verde – que é a cor do Islão, não é só do Sporting; vermelho também é do Islão, quando vai para a Guerra; verde é para a Paz "Salam aleikum” é Paz, Compreensão, Respeito e o vermelho é a guerra. Quer dizer que a Diplomacia Económica faz-se quando há reuniões com o Ministro e o Embaixador e o fulano tal vai dizer "eu preciso que três ou quatro empresas venham para cá, diga lá como é que é, como é que se faz, ajude-os lá” e a seguir o Saudita e o Abu-Dabhi diz "olhe, nós gostávamos que em Portugal fizesse isto, isto e aquilo…”; isto é o primeiro contacto entre personalidades de topo, mas depois quem tem de trabalhar nisto são os agentes do AICEP. Logo, a Diplomacia Económica é útil, mas onde? Nos Estados Unidos, na Alemanha? Nunca. Porque aí não funciona, são mercados abertos, é um mercado que joga fundo espontaneamente. A Diplomacia Económica joga em países fechados, em países onde o poder político é tutelar de tudo. Em Angola, Brasil é uma economia aberta, mas funciona. Mas isso é uma relação política levada a cabo pelo dirigente e embaixadores com objectivo sério: propor coisas fazíveis, não vai meter cunhas, mas sim propor projectos fazíveis com cooperação e coordenação, mas depois não trata de mais nada. É a primeira fase e o resto do trabalho continua. Pergunta-me: "hoje em dia isso é necessário?”. É, por uma razão: hoje em dia troca-se política por negócios.

Você sabe qual é a coisa que um árabe mais quer de Portugal? Faça o favor, gostaria que vocês dissessem, o que é que acham que é que eles gostavam mais de importar. Um visto de residência. Porquê? Têm esplendor na vida: Buicks, Cadillacs, Ouros, mulheres, Xadrez, … isso tudo. Mas lá dentro sabem que vivem num terreno contestado, logo querem ter um pied a terre, aonde – Portugal é óptimo. Logo, visto de residência.

Eu vivi em Singapura durante dois anos, fui professor em Timor e vivi muito tempo em Singapura. Como sabem, é a junção entre o melhor que existe na China e em Inglaterra. Fez-se o melhor merger entre a cultura chinesa e a civilização britânica. 75% são chineses, 15% são hindus, 10% malaios e o resto Europeus, Australianos e Americanos. O Governo de Singapura é dos mais espantosos que já vi na minha vida, em termos de organização, de qualidade de vida, de riqueza, não há noutro sítio. Mas, como é que eles fizeram? Atraíram toda a comunidade de expatriados chineses que estavam na Formosa, Macau, Filipinas, Jacarta, Pequim, por todo o sítio, chamaram-nos e disseram "ponham 5 mil dólares americanos numa conta bancária e têm um visto de residência imediatamente”. De repente, Singapura em 1972 com o senhor James Lee, (tinha o nome de Lee Kuan Yew), no cargo de Primeiro-Ministro de um partido chamado People’s Action Partie, nacional-socialista claro, durante quatro/cinco anos que atraiu capitais chineses que entraram.

Oiçam, nadavam em dinheiro, que é que eles tinham? O visto de residência. Dei este exemplo, não é para dizer que vamos ter um país de vistos de residências, estou a dizer é que nós temos de saber quando vamos fazer Diplomacia Económica, João, com quem é que estamos a falar.

É como num namoro, João, você não namora da mesma maneira com diferentes pessoas, pois não? Espero que não, João. Não repita o ritual, senão pode ter dissabores. [RISOS] Você tem de perceber com quem está a falar, o que é que ele quer, e não vai cantar outra música que ele não queira, mas canta a música que você pode cantar. De galo, imoralmente, mas canta a música que ele quer ouvir. Nós em Portugal, a primeira tentação é que nem percebemos culturalmente aquela gente e pensamos que são uma espécie de reminiscência de outros povos que não têm códigos, mas eles têm e de que maneira! Temos é de os perceber, logo, a primeira coisa da Diplomacia Económica é perceber com quem estamos, a sua cultura, a sua idiossincrasia, a sua religião e o meu modo de estar. Está bem?

Respondo à pergunta do TGV que é do Vasco Moreira com muita simplicidade: o TGV é a maior barbaridade. É melhor alguém começar a dizer nesses termos. O Dr. Passos Coelho diz isso há um ano e o País caiu-lhe em cima, mas ele tem razão!

Primeiro: onde vamos comprar as linhas e as carruagens? À Siemens, à Halston, França, Alemanha, enfim, lá fora.

Segundo: quem vai concorrer aos concursos? Empresas Portuguesas? Mão-de-obra? sim senhora. Projectos? Exterior. Qual é o valor acrescentado de Portugal nesses projectos? 10%? 15% Mas vamos gastar 100%, financiamos 100%, mas 15% anda no mercado português, o resto são importações. Primeira parte: investimento; segundo: exploração. Um TGV é um comboio não de mercadorias, mas de passageiros; tem de ter rentabilidade. Prevê-se 200 euros de Lisboa a Paris; se for de avião (e em low-cost) custa menos. Oiçam, dirão, "ah, mas o TGV está em Atocha, em Barachas”, está bem, mais meia hora; justifica pelo tempo ou pelo preço? Não! O que é que justifica? O "chiquismo”; "estarmos na onda”; "nós também estamos na Europa”, "a Europa também cá chega”; no fundo estamos a fazer como as estradas, elas não servem para irmos para lá, servem para os outros virem para cá acima de tudo.

Por isso, eu acho que o TGV era um disparate sob o ponto de vista do investimento e da rentabilidade. Era um "elefante branco” pagar todos os anos a factura. Oiça, quanto é que querem de indemnização? Não há, então vamos dar uma obra no mesmo valor para não ficar prejudicado, mas não vai mandar o Estado para Tribunal. E acaba-se com a história. Não é adiamentos para Outubro! O que é isto?! Nestas matérias não há dúvidas. Aeroporto, não é exactamente a mesma coisa. Porquê? Tivemos uma altura de trânsito de visitantes que chegou a um valor que determinava que 2017/2018 o aeroporto estivesse congestionado e, como tal, fazer um up, isto é, uma plataforma competitiva, só que aplicada a passageiros, que vão de um sítio, passam pelo outro e têm um transshipment até Lisboa.

Logo, pode ter rentabilidade económica, pode. Mas o que é que aconteceu? Desde 2008, a crise económica no Turismo levou a que houvesse um decréscimo de viagens, então, a taxa que pensámos que seria de 7% ou 10% anual no Aeroporto da Portela, passou a ser muito menor e, hoje em dia, já adiámos a saturação para 2023. Pergunta que se faz: o aeroporto está démodé? Não, está bom e novo. Está mal colocado? Não, está perto do centro. Qual é o problema, é a insonorização, a poluição? Não vejo. Então qual é a questão? Precisa de alguma expansão? Sim. Qual é? O Figo Maduro. Porque é que os militares (perdoem-me, que eu até gosto muito dos militares) ocupam o Figo Maduro para um ministro vir do estrangeiro desembarcar, porquê? Porque é que temos aquele espaço todo, que era um segundo parking e resolvia-se o problema ali. Chegava com 10/20/30 milhões, se calhar, escusava-se de gastar três mil milhões e dava a extensão por mais três, quatro anos. Portugal não está em condições económicas nem financeiras de ter luxos. Tem de ter rentabilidade e seriedade. Melhorar o aeroporto, sim; Figo Maduro, aeroporto militar; no Montijo, está lá um, que é do outro lado, com uma ponte nova; se têm um aeroporto novo porque é que vão para a Portela ocupar aquele espaço todo? Há soluções temperadas que acho que devemos tomar sem o risco da obsessão da grandiosidade, pois há grandiosidades que são caras.

Última questão: o que esta a acontecer e o que vai acontecer no mundo árabe. É simples, tenho ideias perturbantes (para algumas pessoas) sobre esta matéria. Três factores: primeiro o cansaço daquela gente com a corrupção, com o nepotismo político, com as disparidades sociais, com a ausência de expectativas em relação ao futuro de esperança. A taxa de desemprego na Líbia é de 32%; a juvenil é de 50%; na Argélia e no Egipto são vinte e tal por cento; são enormes. Porquê? Por causa do problema entre o desequilíbrio da taxa de fertilidade e da mortalidade. A taxa de fertilidade na Europa, hoje em dia, está baixo de 2. Em Portugal esta nos 1,3. Isto quer dizer cada mulher tem 1,3 filhos.

Ora para manter o stock humano de um país é preciso pelo menos 2, ou seja, morre um homem e uma mulher, mas estão lá dois que substituem. Na Europa, Rússia, Hungria, Ucrânia, Itália, Espanha, Portugal, são os países com taxa de fertilidade mais baixa. Estão nos 1,2 e 1,3.

Qual é a taxa de fertilidade no mundo árabe? Burkina Faso e Mali: 6; Sudão: 5; Argélia, Marrocos, Líbia, etc: 3. Isto quer dizer que de ano a ano a população cresce. O pior é que cresce sem aumento da capacidade produtiva, sem aumentar os idosos, cresce com uma crise concentrada nos jovens que não têm futuro. Meus senhores, minhas senhoras, meus amigos, podem vir-vos com umas conversas espantosas sobre a irmandade muçulmana, o perigo da Al-Qaeda "esses malandros que aí andam, perigosos”, não liguem; a juventude lá, tem problemas diferentes dos nossos. Portugal sofreu uma revolução sexual, por volta dos anos 70, a liberdade para as mulheres e para os homens foi muito grande, mas lá não existe isso. E quando o terrorista pensa que quando morre, depois de se bombear, tem à espera 72 virgens, isso diz tudo.

Percebam isso! Um rapaz e uma rapariga não podem encontrar-se publicamente na Arábia Saudita: põem-se num centro comercial a olhar para a montra e a falar e assim conseguem. Se passearem em conjunto, se derem as mãos cortam-lhas! É pecado. Em Marrocos, Argélia e Tunísia não é assim, mas nalguns países no Golfo é assim. Há um conjunto de frustrações profundas naquela gente que os levam a ter derivas ideológicas que têm a ver mais com outras pulsões da líbido não resolvidas normalmente.

Não é para ter vergonha disto, é para perceber isto. Quem não perceber isto, está sempre a pensar na Al-Qaeda, no Terrorismo e no Corão. Isto não tem a ver com religião, tem a ver é com sexo. Tem a ver com sexo, desculpem, não é tabu, nem problema nenhum; é que nós resolvemos alguns problemas e eles não.

Agora num país do norte de África, a questão é, como disse, um problema misto de nepotismo, corrupção, desigualdades e expectativas baixas, daí a reacção contra o poder instalado.

Perguntava o Vasco: "Oiça lá e depois disto qual é a reacção que vamos ter? Podemos ter um aumento da irmandade islâmica?” Podemos. Não tenham medo nenhum. Há três países onde partidos islâmicos estão no poder: Marrocos, Turquia, países moderados; na Jordânia e no Kuwait as eleições foram ganhas por partidos islâmicos (todavia, portam-se bem, não dão problemas, se derem é deixá-los em paz). O Ocidente não pode ter o complexo da superioridade moral, que tem de impor o seu modelo aos Árabes; o Ocidente deve respeitá-los e à sua cultura e se eles quiserem ir por mau caminho que vão, mas que sofram. Que não nos peçam, porque nós avisámos.

Nós devemos ter o direito e o dever de respeitar o deles. E se o direito deles quer ir para o Islamismo que vão e não mandem bombas sobre nós. Eu acho que não vão fazer.

Os partidos islamitas vão às eleições, no Egipto vão ter 20% no máximo, nem isso, na Tunísia vai ter 5% a 10%, se tiver. Sabe quais são os lemas, slogansdos islamitas hoje em dia, nesses dois países? É preciso emprego, é preciso produtividade, é preciso tecido produtivo, é preciso abrir-nos à Globalização. Isto são os discursos islamitas hoje. Depois o discurso ideológico é muito bonito, mas não dá pão, quando muito pode dar ódio a umas dezenas que são mais perigosos que os milhões, mas o que está em causa hoje no mundo islâmico é uma revolução fundamentalmente positiva e clara e a nossa obrigação é ajudá-los. Dessa evolução não se espera Democracia amanhã, vai demorar, mas em Portugal também demorou séculos. Cada País, cada Povo, tem o seu momento na História e o que nós não devemos fazer na vida é forçar a História. Respeita-la e não forçar. Ajudar, apoiar, encaminhar, mas não forçar. A Democracia não se exporta. Não é uma máquina, ou um saco de batatas, ou uma máquina fotográfica que se vende para o exterior. É uma ideia que se assume interiormente.

A melhor defesa da Democracia é sempre dentro de nós próprios e não nas leis e nos outros e nas polícias; é em nós. Percebemos isso para os outros, para o Árabes, porque eles um dia fazem um caminho parecido connosco. Quando eles fizerem a Europa vai abrir-lhes as portas e vai haver problemas económicos para nós, é mais uma razão para mudarmos de padrão de produção. Porque senão os Marroquinos e os Tunisinos vão fazer o que nós fazemos hoje em dia ou fazíamos há vinte anos. Isso, nós temos de perceber, mas é um passo inevitável na História. Você repare, a Indústria Automóvel, a Volvo, a Saab a Mercedes, veio do Norte para o Sul. O próximo passo é para Marrocos. É inevitável. As produções estão todas a descer; o que sobe é a pobreza e o que desce é a riqueza e a produção. Historicamente é assim e há coisas inelutáveis que nós temos de ver, perceber, compaginar, modelar, mas não contrariar.

Foi um prazer estar aqui. Muito Obrigado a todos.

[APLAUSOS]