[LEITURA DE POEMAS: Hugo Carneiro,
do Grupo Roxo, leu uma versão adaptada da "Ode Triunfal” de Fernando Pessoa e
João Bastos, do Grupo Azul, leu "Ai, Timor” de João Monge]
Carolina Cruz Xavier
Boa noite!
É com enorme prazer que me foi
incumbida a responsabilidade de, não só em nome do Grupo Rosa mas também em
nome de toda a Universidade de Verão, dar as boas-vindas ao senhor Eng. Ângelo
Correia, notável figura do PSD e do panorama nacional.
Encontramo-nos hoje na presença de
um dos elementos históricos do Partido tendo sido um dos fundadores do PPD
dando uma importante base vanguardista na democracia portuguesa. Conhecido como
gestor, engenheiro, político e comentador, saliento um percurso brilhante em que
o espírito dinâmico e empreendedor, alicerçado pelo cultivar de amizades
políticas e culturais, levaram ao progresso do país, dando actualmente destaque
às Energias Renováveis.
Desempenha um relevante papel na
diplomacia económica, sendo uma figura sempre presente no Parlamento,
influenciando com a sua opinião firme e cordial as grandes figuras do panorama
político e conferindo um sentimento de estabilidade muito importante durante os
conturbantes tempos que actualmente atravessamos.
À semelhança do político que mais
admira – Winston Churchill – reconhecemos-lhe igualmente as capacidades de
coragem e tenacidade.
Proponho, então, que todos os
presentes se levantem e ergam o copo para homenagear um homem que tanto tem
contribuído para o progresso do nosso país.
Muito obrigada ao senhor
engenheiro pela sua presença e disponibilidade. Muito obrigada!
[APLAUSOS]
Dep.Carlos Coelho
A Carolina, no brinde que nos
propôs em homenagem ao nosso convidado, salientou, e bem, a circunstância de
ele ser um dos fundadores do PSD. Temos hoje o privilégio de não só receber
alguém com um percurso singular, quer na vida empresarial como na política,
como um dos homens que ajudou o PSD a ser o grande partido que é hoje. Se a
urgência de algumas respostas para o momento em que vivemos não obrigasse a
outra lógica de conversa, esta noite poderíamos ter uma conversa muito
interessante sobre esses tempos heróicos em que o PSD, na altura PPD, se teve
de afirmar, às vezes, com necessidade de assegurar a integridade física de
muitos dos nossos dirigentes. Foram tempos difíceis em que se teve de lutar no
sentido mais físico da palavra para afirmar o PSD.
O Eng.º Ângelo Correia foi
deputado à Assembleia da República, na altura teve várias responsabilidades,
designadamente presidente de diversas comissões parlamentares, a defesa
nacional, dos assuntos europeus, do poder local; teve dimensão internacional
quer em delegações da Assembleia da República quer no Conselho da Europa e da
NATO. Foi um homem que assumiu responsabilidades do Governo, foi Ministro da
Administração Interna, dirigente do partido, Vice-Presidente do partido,
Presidente do Congresso… Foi um homem que marcou durante muitos anos a vida do
PSD nos lugares por que passou.
Nos últimos anos, tem-se dedicado
mais à vida empresarial e de gestão. Talvez seja difícil encontrar na nossa
família política quem tenha tanta experiência nestas duas vertentes: a política
e a empresarial. Portanto, num momento em que estamos todos confrontados com a Crise
e necessitados de sair dela – e que vocês são testemunhas de que Portugal não
se pode limitar ao seu rectângulo, mas pode e deve fazer coisas e afirmar-se lá
fora –, faz todo o sentido que, tendo eu o privilégio de dirigir ao nosso
convidado a primeira pergunta, lhe pergunte isto mesmo: senhor Engenheiro, com
a sua experiência única, qual acha que deve ser hoje a estratégia para
Portugal?
Minhas senhoras e meus senhores,
para nos responder, na Universidade de Verão 2011, o senhor Eng.º Ângelo
Correia.
[APLAUSOS]
Ângelo Correia
Muito obrigado, Carlos Coelho,
muito obrigado pelas suas palavras, obrigado a todos.
Tenho muito prazer e muito gosto
em estar aqui. Tenho a convicção de que vou falar mais do que o tempo que me é
dado, mas quando chegar a altura e estiverem cansados, o Carlos faz-me sinal e
eu calo-me.
Quando o Carlos Coelho me sugeriu
um tema, eu disse que ia inseri-lo numa lógica que penso ser essencial para que
vocês. Rapazes e raparigas, tenham consciência de que alguns de vocês vão ser
líderes e vão fazer parte de uma elite que é a elite do País. E se têm
consciência disso, a melhor coisa é começar a pensar desde novo que para ser líder
ou para estar na elite, não basta fazer uma carreira partidária, é preciso ter
uma carreira pessoal fora da política. Historicamente, até hoje não foi assim,
mas o futuro vai dizer que o desempenho exterior à política vai ser uma das
condições necessárias e requeridas para um bom desempenho político.
A minha intervenção não tem a ver
com a circunstância, mas é difícil não falar das circunstâncias. Não tem a ver
com este Governo e tem a ver com este Governo. Não é dirigida ninguém, é
dirigida a mim próprio, dirigida às minhas reflexões, que faço há muitos anos.
O País fala da saúde, da educação, dos cortes orçamentais, da dívida, da
segurança social... Há discussões enormes sobre tudo isto, mas não há uma
discussão sobre Economia em Portugal. Aliás, é lógico, ou antes, consequente
que assim seja, pois Portugal nunca teve uma Economia muito forte.
Nos períodos em que nós vivemos
bem pode presumir-se que tivemos uma Economia forte? Não, não, tivemos sempre
uma Economia fraca; tivemos é reservas estratégicas: no século XVI as reservas
da Índia, no XVIII as reservas de açúcar e ouro, e no séc. XX as reservas
africanas. Hoje em dia, não temos economia nem reservas. Por isso, a discussão
sobre a Economia é questão central, que o País e o Partido raramente discutem.
Discutir Economia porquê? Nesta
altura é fundamental discuti-la e pensá-la. Em primeiro lugar porque o programa
da Troika está todo ele moldado para as finanças, cortes, restrição,
dificuldade. Mas se a dificuldade for multiplicada e continuada muito tempo
descamba na angústia. Logo, tem de haver um momento em que a angústia é
superada pela esperança. E o que é que dá esperança? A Economia, se crescer, se
não crescer, ou se mantiver, teremos dificuldades e mantemos a angústia. Por
isso a Economia é hoje uma questão central, e é-o mais com este Governo por
três razões simples: por ser o nosso Governo; porque nunca em Portugal vi um
programa eleitoral assim, acho que é melhor que o programa do Governo,
desculpem a franqueza, mas acho que o programa eleitoral do PSD é ímpar.
Raramente se fez um programa tão lúcido, tão discriminado e tão bem feito. É
uma circunstância valorativa. Em terceiro e último lugar: pela necessidade que
temos hoje de discutir o problema.
A essa luz o problema hoje
amplia-se, por uma dificuldade que nos surge desde há dez, onze anos, que o
modelo económico português se desmoronou. Continuamos a assistir à extinção do
sector das Obras Públicas, do pequeno e médio Comércio, à queda do peso das
quotas de mercado, das taxas das nossas exportações no mercado mundial à
diminuição da taxa de lucro da maior parte das empresas exportadoras. Portanto,
estamos numa circunstância extremamente difícil e delicada que nos obriga
repensar. Repensar. Há bocado eu dizia que o País não pensa em Economia. Não
vejo nenhuma discussão sobre a Economia, não vejo, vejo um programa de Finanças
todos os dias, mas Economia não. Economia não, pois significa a riqueza
produzida e a questão nuclear que hoje em dia se põe a Portugal é esta: o que é
que nós vamos fazer numa conjuntura em que a Europa está em crise, a
globalização ameaça as nossas empresas, a falta de financiamento dificulta a
nossa vida, o que é que vamos fazer?
Eu, aí, queria enquadrar
teoricamente e depois concretamente. Primeiro enquadramento teórico tem que ver
com um programa normativo, não há análises isentas de ideologia, por isso
quando há algumas pessoas que se apresentam como independentes e muito
competentes eu fico aflito, aflitíssimo. O que é que quer dizendo que é
independente? Eu não conheço o que são independentes, porque não há decisões
políticas sem uma afirmação ideológica prévia. Combater o político em nome da
tecnicidade é um erro, uma mistificação, e quem não encara primeiro o problema
sob ângulo político comete uma percepção errada. É por isso que a primeira
questão é sempre doutrinária, ideológica e, por isso política. E política diz
isto: a economia é para as empresas, para o sector privado, mas o sector
privado não se regula só pelo mercado. Portugal vive há desmaiados anos numa
ilusão que há uma mão invisível que influencia tudo e mais alguma coisa sem
influência do Estado ou de outras instâncias. Nós temos de dizer, afirmar e ser
consequentes – "ser consequentes” é um conceito-chave –, temos de perceber que
a Economia é para as empresas, para o sector privado, mas o Estado não está
fora da Economia, pelo contrário, está totalmente dentro, todos os dias, a
qualquer hora.
Quem é que define as regras de
licenciamento das empresas? Quem é que define as regras de funcionamento ambiental
das empresas? Quem é que define as regras da política fiscal das empresas? Quem
define as regras laborais ou de justiça que impedem a sua actividade económica?
Quem é que regula a Economia no seu sentido mais genérico para se assegurar que
a competitividade se exerce? Logo, a nossa actividade todos os dias, mesmo
privada, é balizada, é entrosada, por aquilo que é o funcionamento do Estado em
relação à Economia.
É por isso, e aqui vamos à segunda
questão doutrinária, que só há futuro, só há organização do futuro, se o País
porventura tiver um modelo, uma hipótese de caminho, definida, rigorosa e
pensada. Por quem? Pelo Estado? Pelo mercado? Não, pelos dois. Isso é uma
questão que está ausente da vida política há anos. Isso chama-se planear.
Portugal abandalhou, limitou, conseguiu restringir ao mínimo a sua acção de
planeamento. A acção de planeamento não é do Estado, é do Estado, dos
operadores culturais, científicos, económicos e financeiros, do acto político à
plêiade diferenciada que em conjunto devem produzir uma ideia – essa ideia
chama-se um conselho estratégico nacional. Portugal não tem há anos, por
debilidade, ausência, incapacidade e falta de vontade, um conselho estratégico
para si próprio, isto é, um conjunto de ideias que norteiam o caminho para onde
vamos e como vamos. Portugal está cheio de ideias esparsas, está cheio de
espasmos intelectuais, mas isso não interessa em política. Em política, um
professor, um catedrático, um analista, um comentador, podem fazer isso. Os
senhores não podem fazer isso. Os senhores são o agente político que transforma
a ideia em praxis; transforma e
concretiza as ideias. Para isso a primeira coisa é um conselho estratégico que
é traduzido por um plano. Um plano o que é? É um conjunto de orientações que
são fruto de uma concertação nacional (conceito a reter), que obriga a que em
conjunto pensemos o que é o que País pode ser, deve ser, e daí escolhermos o
modelo em uníssono.
Nós estamos habituados a conversar
sobre uma coisa perfeitamente estéril que é a concertação social, isso é
estéril, de segundo plano, isso é discutir os salários, as férias e coisas do
género. O que nós temos de pensar antes disso é qual é o caminho de Portugal.
O caminho de Portugal não é o
Estado que determina a nós, não é o mercado e as empresas que o decidem sem o
Estado, não são os empresários que fazem sem saber o que as Universidades
pensam, não são as Universidades que o fazem sem saber o que é que a população
precisa, não são os agentes culturais e educativos que não saibam os que as
empresas e as Universidades precisam e carecem. Não é nenhum deles sem perceber
o mundo exterior e o que ele impacta na realidade nacional. Há uma ausência
total, em Portugal, há muitos anos, de uma ideia que é um conceito estratégico
e, daí decorrente, um plano.
É urgente que Portugal retome a
ideia de planear! Planear é sempre o encontro do presente com o que vem da
História, do Passado e a projecção do futuro. Planear é ter uma actividade
pensada em conjunto para decidirmos a 10 anos o que é que o País quer.
Hoje em dia pensa-se a um ano,
quando se pensa! A 10 anos! Porque há coisas que não se fazem estruturalmente
sem um prazo longo. Dir-me-iam, mas isso é uma ideia fixista da História,
planear a 10 anos. Não é. Por isso é que há raccourcispermanentes que obrigam a revisões de 2 em 2 anos de todo o modelo. As
empresas, grandes empresas, fazem-no. Têm um departamento próprio que os faz.
Em Portugal, fomos a pouco e pouco
mitigando e diminuindo esta questão. Esta é a primeira questão que temos de
pensar e sem a qual, sem a vontade de um plano, sem um conselho estratégico,
Portugal navega à vista, Portugal não tem rumo. O que não quer dizer que mesmo
quando se tem um plano, um conselho estratégico, às vezes, a ventania não seja
excessiva, pelo menos já tínhamos uma ideia de um certo caminho que é obrigado
a inflexões, mas temos uma ideia. Portugal deixou de pensar e deixou de
planear, é por isso que eu digo que o Estado forte não é aquele que é grande,
não é aquele que é excessivamente poderoso, mas sim aquele que planeia bem o
futuro, porque é aquele que congrega o presente para dar expectativas e acções
para o futuro. Planear é sobretudo obrigar a que as diferentes coisas que se
façam tenham uma lógica entre si e se conjuguem.
Por isso é que eu tenho visto ao
longo da história portuguesa exemplos do planeamento económico, social,
cultural, ambiental, não ser feito. Há momentos históricos em Portugal, há
alguns anos atrás, em que não havia enfermeiras: hoje em dia ainda exportam
enfermeiros. Há uns anos atrás havia falta de médicos: hoje em dia não se sabe
se há falta ou não. Há alguns anos houve uma PAC sobre Portugal que liquidou a
nossa Agricultura. Qual foi a política portuguesa de resposta? Zero. Por isso
estamos assim. Há anos houve uma política de pescas que liquidou a nossa frota,
que nos convidou a vender navios. O que é que nós fizemos? Zero. E os espanhóis
invadiam as nossas costas e as nossas águas territoriais. O que é que nós
fizemos? Não interessa, o que interessa é se há uma debilidade temos de a
resolver. Há uns anos, os chineses quiseram atacar-nos e atacaram (também os
paquistaneses, os marroquinos), nos têxteis. O que é que nós fizemos como
Portugal? Pouco. As empresas fizeram muito, mas o Estado não fez nada. Há uns
anos percebemos que começava a haver um excesso de casas, a Teixeira Duarte e
uns trinta ou quarenta grandes empreendedores pesam 10% do PIB; preparámos
alguma coisa para eles irem para outro sítio? Não.
Há anos, em 1998, lembro aquela
frase espantosa do Eng.º Guterres "Para o Brasil e em força!” e fomos todos. O
prejuízo da introdução na economia brasileira é de cerca de 3 PIB. Porquê?
Ninguém sabia o que era o Brasil. Nós pensávamos que falando português eles
eram iguais a nós; pensávamos que por ter as novelas brasileiras já conhecíamos
o Brasil. Chegámos lá e as regras de contabilidade, laborais, judiciais, dos
inventários, fiscais, era tudo o contrário e foi o debacle financeiro, 3 PIB de
prejuízo. Ninguém quer fazer a análise disto. Ninguém quer reconhecer os erros,
todavia, cá estão. Eu sei quais são porque também sofri em parte. Fizemos isto
tudo porquê? Nunca planeámos nada. Há improviso, é um impulso: "para o Brasil e
em força!”. O Dr. Salazar dizia "para Angola e em força!”, mas planeava e em
Ditadura... Em Democracia nós não o fazemos, deixamos que as coisas surjam
espontaneamente como se tudo fosse resolúvel facilmente e sem esforço, sem
trabalho, sem concatenação e coordenação.
É por isso, minhas senhoras e meus
senhores, que descemos do patamar doutrinário normativo para as questões
concretas de estratégia nacional.
Os 5 pontos que eu acho
essenciais:
1.º Qual é o novo modelo que vamos
ter da produção, bens e serviços;
2.º O conceito de Portugal como
plataforma competitiva;
3.º A diferenciação que é
necessária nos estímulos económicos, financeiros e sociais;
4.º A relação entre a Ciência, a Investigação
e a Produção;
5.º A Internacionalização e Diplomacia
Económica.
Vamos começar pelo primeiro.
O que é que vamos fazer? Vamos
produzir mais do mesmo? Impossível. Há coisas que têm um limite de capacidade
de produção porque têm um limite da capacidade de absorção dos mercados da
sociedade externa. Logo, temos de pensar o que é que vamos fazer de novo.
Porque temos de fazer de novo. Um país pequeno é um país diferenciável, é um
país diferenciado, porque o facto de estarmos na periferia da Europa só nos
traz custos acrescidos. Há uns teóricos interessantes a quem já ouvi dizer que
temos grandes vantagens de localização por estarmos na periferia, que somos o pivot do Atlântico e do Mundo; que a
Europa vai toda começar, no futuro, a abastecer-se do que há em Portugal;
"entre na Europa através de Portugal”. Disparate! Disparate total! Porquê? Por
duas coisas simples: tudo o que vem de barco, dos Estados Unidos, do Extremo e
Médio Oriente, ou África, têm portos mais próximo do centro da Europa do que de
Lisboa, como por exemplo Gioia Tauro, Livorno; Marselha que é mais caro apesar
de tudo; Barcelona; Valência; Antuérpia, que é o porto mais barato da Europa;
Hamburgo, que é caro e Felixstowe em Inglaterra.
O custo de manuseamento de um
contentor e a produtividade de manuseamento de carga contentorizada nesses
países e nesses portos é 20% mais elevada do que em Portugal. Vamos pensar que
vem um navio dos Estados Unidos e pára no nosso porto de Sines, vamos embora
daí para frente concorrer na Europa; mas o caminho que faz de Sines até França
tem um agravamento de 30% do que se entrar no porto de Marselha.
Portugal é excelente como
plataforma logística para a Extremadura Espanhola mas só até perto de Madrid,
porque depois já não compensa porque há Valência que é mais perto e mais
barato. A não ser que tivéssemos condições de concorrência fortíssima com uma
produtividade portuária excepcional, que nunca tivemos.
O Governo do Professor Cavaco
Silva, honra se faça, em 1993, era Eduardo Azevedo Soares Ministro do Mar, fez
uma reforma portuária que atingiu Portugal, melhorou muito. Daí a dois anos,
acabou o nosso Governo, estava tudo reposto nas regras antigas. Chegou o Eng.º
Guterres, "pobres dos irmãos em Cristo”, bom, voltaram às regras antigas, logo
perdeu o dom da competitividade.
Por isso, meus caros amigos, Portugal
não é centro nenhum, plataforma nenhuma para tornar a Europa acessível aos bens
exteriores. Não é! Falso; isso é um bluff!
Nós temos de conquistar outras coisas.
Quem é lá de cima, Minho, Porto,
devia estudar o que se está a passar no têxtil do Norte que perdeu metade dos
trabalhadores, 50% das empresas, a produção 5% e o valor acrescentado aumentou.
Porquê? Porque rapidamente perderam aquelas áreas marginais da confecção,
deixaram os chineses fazer t-shirts e sapatos baratos, pois há concorrentes melhor
que nós – não em qualidade, mas preço –, e concentraram-se em têxtil técnico,
fatos especiais, em gamas terminadas, sapatos que saem da porta da fábrica a
cem euros o par; deixámos de fazer o sapato para o indígena normal, fazer o
sapato para os «chicos-ricos»; os ricos que falta nos fazem, os lá de fora...
Nesse sentido, os empresários mudaram a produção, mas essa mudança não é
suficiente, é necessário um grande esforço de inovação e de investigação.
Daqui passamos para uma outra
questão. Dentro deste grupo reduzido, não tenham dúvidas que o segundo sector
que vai emergir em Portugal é o sector universitário, que vem das escolas
superiores. O antigo empresário está a extinguir-se. Estão a emergir novos
empreendedores e a função do Estado é ajudá-los. Para sair um bom empreendedor,
é não só necessário ter capacidade tecnológica, mas também ter um sentido de
risco. Na maior parte das universidades americanas quando acabam um curso
pensam no que vão fazer. Nós, em Portugal, perguntamos quem é que nos vai dar
um emprego. É diferente, mas em Portugal temos um problema que não há na
América: não termos capital de risco. Há financiamento e apoios necessários,
não é crime o Estado ajudar os novos empresários.
Nós temos de refazer o tecido
empresarial português, todo o tecido empreendedor, tem de ser alterado,
recriado. Dou o melhor exemplo que em Portugal de quem está a fazer: a
Universidade do Minho, área Informática e Electrónica e a Universidade de
Aveiro. São as que criam as novas empresas. Um pouco o Instituto Pedro Nunes em
Coimbra, mas agora Lisboa muito pouco. Não está a ser suficiente. Estão a viver
da glória imperial perdida. É melhor que percebam que o Mundo já é outro. Nesse
sentido, temos de perguntar e avaliar se aquilo que a investigação portuguesa
faz hoje em dia é adequado. Lembro que o Governo anterior, o Eng.º José Pinto
Sousa (nunca uso Sócrates porque tenho respeito e admiração em relação ao
Mestre, podia dizer ao contrário, adoro Sócrates, mas como o Mestre foi
assassinado, envenenado com cicuta, não quero que aconteça isso ao mesmo)
regurgitava de alegria quando dizia "estamos a gastar 1,2 do PIB em Ciência”.
Não interessa quanto gastamos, mas
o problema é o que é que se produz com isso. O exercício fundamental que temos
de racionalizar é: a investigação nas Universidades é essencial, é a chave do
progresso, mas que investigação? Publicar papersé importante, nalgumas áreas é essencial, mas não chega. Temos de nos
concentrar na produção de investigação sobre as empresas. São dois os sectores
endógenos em Portugal, que carecem do dia para a noite: a floresta e a cortiça.
Tivemos uma doença terrível que abateu os pinheiros e vai acabar com os
pinheiros em Portugal. É verdade ou não? As palmeiras estão a morrer em
Portugal e em Espanha também. Que investigação fitológica se faz em Portugal?
Nenhuma. Que investigação fazemos sobre a cortiça e o seu uso alternativo? Qual
é o melhor país do Mundo na área da cortiça?
Investigamos coisas que às vezes
não têm nada a ver com o que nos interessa; a investigação para aplicar em
desenvolvimento, nós esquecemos. O que significa que a atitude futura do
Ministério da Ciência, da Educação Superior, da Investigação, não é patrocinar
cargos futuros e bolsas apenas, é exigir resultados concretos, mais, é fomentar
desde o início parcerias entre as universidades e as empresas. Uma empresa
enriquece o património do investigador. O investigador enriquece o património
de uma empresa. Mais uma vez a ideia de concertação, de plano, de interligação,
de estratégia, tem de ser aplicada e é aquilo que nós não temos feito. Cada um
anda para o seu lado, nas polícias, em tudo mais, é cada um para o seu lado,
não há uma ideia de concertação, concretização homogénea, de trabalharmos em
conjunto. A investigação é a chave e é chave para o nosso modelo económico do
futuro. Se não fizermos isso não temos qualquer espécie de futuro visível.
Mas, em segundo lugar, nós
partimos sempre de uma base produtiva, mas há uma área que nós temos e não
utilizamos. Há três áreas valiosíssimas que são usadas por outros países como
exportação e que nós não usamos. Primeira, a Educação Superior. Porque é que a
Inglaterra tem sempre Cambridge, Oxford, Bath, London New School of Economics,
York, tantas, porquê? Porque é que o Governo inglês, as instituições
britânicas, querem sempre Universidades normais com unidades de excelência,
porquê? Porque as unidades de excelência são sempre usadas para os estrangeiros
irem lá gastar dinheiro também. Porque é que os americanos têm o MIT, Harvard,
Yale, Notre Dame, Berkeley, porquê? Não serve só aos americanos: há
estrangeiros também. Isso chama-se exportar serviços e a Educação é uma das
áreas mais caras.
Isso obrigava Portugal a ter uma
política de excelência e nós há muitos anos que temos horror à excelência,
adoramos a mediocridade, só que ela é que nos conduziu a este estado. Porque
quando se falava em excelência, fala-se em discriminação, em desigualdade, na
necessária desigualdade que é preciso na vida para crescer. Não é com a
Igualdade que nós crescemos; é com uma relativa desigualdade e uma relativa
excelência. Temos medo disso e, como tal, cultivamos a mediocridade e a
pequenez. Perdemos o sentido da glória, ética, pátria, Mundo, de nós próprios;
temos medo de tudo e conformamo-nos com o que é pequeno e o que é dado. Quem
não luta assim não tem futuro e, por isso, nós não merecemos se não mudarmos. A
Educação Superior é uma matéria de exportação, assim como os hospitais; temos
pessoal médico e de enfermagem excelente e não exportamos.
Os portugueses vão a Inglaterra,
Barcelona, Navarra, Pamplona, Estados Unidos, quando temos instituições de
excelência. Preparadas para servir os estrangeiros? Não. Preparadas e, às
vezes, mal para servir os portugueses. Porquê? Receio, medo, não temos capacidade
de organizar e ser espertos. Temos uma capacidade fabulosa: os africanos quando
estão doentes vêm a Lisboa ou a Coimbra. Podíamos fazer mais. Os Angolanos e
Moçambicanos quando querem fazer Mestrado ou Doutoramento podem fazer em
Portugal; e Brasileiros podem fazer em Portugal nalgumas áreas. Escamoteamos o
potencial; falamos politicamente da CPLP (que alegria, CPLP essa coisa
magnífica!), mas só nos orgulhamos com os arquétipos, mas nunca com os
conteúdos dos mesmos. Nós não preenchemos o interior de um arquétipo chamado
CPLP, porque não temos capacidade e sentido de organização para isso. Eu
conheço muitos países e há um país pequenino e pobre, que eu gosto muito,
chamado Jordânia. Reino Hachemita da Jordânia, Hachemita porque são herdeiros
de Maomé. Mas se vocês entrarem em Amã, capital, vêm quarenta hospitais e
trinta Universidades. Há falta de Jordanos? Não, há 500 mil iraquianos que vão
lá ver e compram lá casa. Então o que é que estão lá a fazer as Universidades?
Trazemos cá o mundo árabe e vem cá todo aprender; ganhamos dinheiro com isso.
Ganhar dinheiro com a massa cinzenta. Essa é a questão: não temos de ganhar
dinheiro a produzir bens físicos, também podemos ganhar com bens imateriais
como a Educação e a Saúde. Mas temos de ter a visão de cultivar em Portugal
emblemas, campeões, símbolos!
Sem símbolos, campeões e
capacidade, ninguém vem, vão para outros sítios. E temos a Língua, são 230
milhões, não é Carlos Coelho? São 230 milhões; já viram o mercado que nós
temos? E nós pensamos no Sapato, no Azeite e no Vinho...
Temos de pensar noutras coisas,
temos de pensar em querer ser superiores na Cultura, na Educação, na excelência
em tudo, mas aí as regras estruturais que nos animam não podem ser iguais, tem
de ser diferentes. Temos de desejar mais e isso não é pecado. O PSD,
Social-democracia, não é uma doutrina igualitarista, é uma doutrina que, pelo
contrário, sempre procurou que toda a gente tivesse todos os meios possíveis e
igualdade de oportunidades. Isso é que é a nossa obrigação: é dar igualdades ao
rico ou ao pobre! Agora, como ele se desenvolve na vida, isso é com ele, e
quanto mais melhor; e se ele for muito rico, pague mais impostos. Amar os
pobres, toda a gente, ninguém gosta dos ricos, mas quem dá dinheiro para nós
vivermos são os ricos.
A tragédia é que a política que
cultivamos, no nosso discurso quotidiano, não se compagina, na maior parte dos
casos, com as nossas necessidades. É por isso, minhas senhoras e meus senhores,
que eu acho que há sectores que temos de privatizar para termos operadores
nacionais para ir lá fora. Quando foi das empresas de distribuição de água, foi
uma empresa do Estado, chamada AdP, perdeu 62 milhões num ano em Lagoas no
Brasil. Sabem porquê? Foi fazer uns investimentos num sítio onde não havia água
e foi fazer um projecto sem autorização da tarifa nova. É claro que quando
venderam entrou o novo parecer brasileiro, a tarifa nova apareceu e a água
também.
Não pode ser assim. Não podemos ir
para perder dinheiro português lá fora; é para aplicá-lo bem para conseguir
vantagens. Eu sou a favor de algo que não é privatização, é da criação de
operadores. Eu não sou muito de privatizar muito as coisas, é mais uma mistura,
uma entente entre Estado e
Particulares. No caso das águas é evidente. E porquê? Porque sem isso não temos
exemplos para concorrer lá fora. Por isso temos de fazer isto com pedagogia,
não por nós, no nobis, mas pela
glória do País no exterior. Isto comentando os simples templários…
Quanto ao investimento
estrangeiro: meus senhores e minhas senhoras, não tenham menor dúvida, os
investimentos para Portugal não virão com abundância nos próximos tempos.
Primeiro, pelo rating; segundo,
dificuldades de financiamento; terceiro, se vier não é pela tecnologia, é pelos
baixos salários.
Ou seja, nós podemos ter
investimento estrangeiro, mas não confiarmos nele excessivamente. Portugal tem
de confiar nos Portugueses, em si mesmo, com associações, parcerias, com
qualquer país não faz mal – Russos, Americanos, Alemães, tudo bem – agora
confiarmos mais em nós e menos naquilo que os outros trazem. Porque não é
altura dos outros trazerem, é altura dos outros nos chatearem, que é pior.
Finalmente: o novo
empreendedorismo. Alguns de vocês são estudantes, outros recém-licenciados, não
tenham dúvidas que o novo empreendedorismo vem das Universidades. Vem de vocês.
É preciso determinação. Às vezes
sofremos para começar, mesmo quando já estamos lançados na vida. Sofremos e não
dormimos. Eu tenho de pagar salários a 600 pessoas e no meio desta crise às
vezes não durmo, porque tenho tido dificuldades. Por isso, a vida é um
constante sofrimento, em alguns momentos, mas quem não tiver isso, não está
traquejado para viver no mercado global que não é de facilidades. Espero que o
novo empreendedorismo venha com apoio do Estado onde for preciso.
Dos 5 pontos, falei de dois. Falei
da Universidade, Ciência, Investigação e falei do que acho essencial. Vou falar
de uma segunda coisa, Portugal, plataforma competitiva. O que é uma plataforma?
É uma coisa que gira, ou seja, nós devemos girar para a Europa, onde está a
maior parte das exportações e importações, mas na Europa não há margem de lucro
suficiente hoje em dia. Quem quer ganhar dinheiro não é na Europa, mas, no meu
ponto de vista, no triângulo Angola-Brasil. Mas para o Brasil ninguém pode ir
sozinho, pois quem se atrever é enganado. Os Brasileiros num primeiro momento
dão um grande abraço, no segundo vemos que está uma faca por detrás das costas,
o que não é muito agradável às vezes. Por isso, a parceria inicial é
fundamental. Esta ideia histórica do empresário português de "estou sozinho,
não tenho ninguém”, deixem-me dizer-vos, é melhor ter 10% de uma coisa boa do
que 90% de nada. Portugal tem de ter os Portugueses habituados a trabalhar em
conjunto; entre nós e com os exteriores, pois não podemos viver isolados na
vida. Temos esse complexo que é de inferioridade, de estarmos sozinhos e às
vezes sofremos com isso.
Há sectores que se têm de manter
fortes em Portugal. Aqueles que são recursos endógenos portugueses. Primeiro, a
Aquacultura e Pescas. Eu sou do tempo,
em que há dez anos atrás, se empresários queriam fazer aquacultura no mar, o IMIP
que chumbava tudo. Achei graça, um dia perguntei porque é que chumbavam tudo.
Passei no Guadiana: do lado espanhol via aquaculturas e no lado português
estavam fechadas. Não deixavam os cidadãos portugueses fazerem, para serem eles
a fazer e a sacar os fundos comunitários. Mas como não eram capazes iam à
falência. Portugal tem na Aquacultura um potencial enorme. A exportação grega é
aquacultura; quando vossas excelências comprar em Portugal douradas a 5 euros
por quilo são gregas, quando são 22/25 são portuguesas pescadas no mar alto.
Nisto, o rodovalho, a dourada e o robalo são maioritariamente gregos. É a
primeira área que temos de devolver, porque é um recurso natural de excelência.
Segundo lugar, papel e celulose;
temos de o fazer e desenvolver. Passamos, daí, automaticamente à terceira
questão: os estímulos. No passado tivemos vários programas de apoio aos
estímulos e agora fala-se de estímulos que o Estado dá à Exportação. Meus caros
amigos, não devemos pensar na Exportação tout
court, temos de pensar no valor líquido da Exportação/Importação em cada
empresa. Se eu tiver uma exportação de 100, mas para fazê-lo, importo 80 e os
20 que tenho para pagar amortizações e de encargos financeiros e salários, eu
devia apoiar os 20, não os 100. Eu não tenho de apoiar a exportação bruta, eu
tenho de apoiar a exportação deduzida da importação em cada empresa, porque
esse é o valor líquido das divisas criadas em Portugal.
Devemos apoiar tudo o que seja
inovação e criação de emprego. Os 3 factores dos estímulos económicos e
financeiros que o Estado deve dar são: ao valor líquido da
Exportação/Importação em cada empresa, ou sectorial; à criação de emprego; e à
inovação.
Última questão de que se fala
muito e, às vezes, mal: a Diplomacia Económica. Lá se chegará, porque é de
facto importante, a diplomacia é económica e pode ser subsidiária. Porque é que
o Estado tem de fazer esforço em apoiar as nossas exportações, a nossa
internacionalização? Deve-o na exacta medida em que ganhamos dinheiro e divisas
com isso. Como é que eu ganho dinheiro na internacionalização? Vamos supor:
Portugal comprou a PT com dinheiro financiado da Banca que os depositantes
portugueses no Brasil. É importante a PT em si? Não, só é uma parte; a PT só é
importante como instrumento de internacionalização se em todos os fornecimentos
exteriores de que precisa, de sites, software,
muita coisa, importar empresas portuguesas para lá, para os ajudar. Eu dou um
exemplo que se passou comigo: eu tive uma pessoa que fazia aqueles sites de telecomunicações onde estão as
antenas dos telefones. Portugal comprou a Telesp Celular e foram de Portugal
para lá três pessoas: o Ronaldo que morreu, coitado, a secretária e um
director. A empresa tinha três portugueses e o resto tudo brasileiro. Na mesma
altura, os Espanhóis da Telefónia compraram uma outra empresa. Logo desembarcou
avião com 300 pessoas, todos os espanhóis tomaram conta da empresa. Daí a algum
tempo, todas as compras, todos os serviços processados, e aí são enormes de
tudo o que se faz nas redes eléctricas e telecomunicações – toda a rede que se
monta, que se mantém; o software que se aplica – tudo isso, eram só empresas
espanholas que trabalhavam. Nós íamos à Telesp Celular e tínhamos de concorrer
com os brasileiros e tínhamos um e eles tinham quatro; os espanhóis tinham
cinco. Havia casos em que administradores de empresas portuguesas íam bater à
porta de empresas que compravam coisas no Brasil e não os recebiam. Diziam
"estamos no Brasil, temos de trabalhar com brasileiros”.
Ou seja, em Espanha tinham e têm
um conceito estratégico, Portugal não faz a mínima ideia do que é
internacionalização. Não é emprestar dinheiro para a PT ou um Banco comprarem
coisas no Brasil, mas sim a partir dessa posição estratégica provocar o
arrastamento e a modelação da mobilização de outras empresas portuguesas para
lá, ou seja, é um conceito de planeta e satélites: uma empresa vai, torna-se um
planeta e faz girar à sua volta um conjunto de satélites que são as empresas
que estão em Portugal e vão para lá trabalhar.
Portugal tem horror a fazer isso,
porque acha que é uma discriminação. Eu digo, é, é a favor de Portugal. Nós
nunca quisemos fazer isso, por isso quando se fala em Diplomacia Económica eu
gosto, é útil, mas é útil em quê? Pôr os Ministros, Governos, Embaixadores a
promover o que estamos a vender? É, mas a verdadeira internacionalização
faz-se, em primeiro lugar, com um órgão que é o AICEP, onde não faz sentido o
Estado estar sozinho. Porque é o Estado que paga, financia, todas as
exportações, apoios, feiras e todas as promoções. O AICEP há muito tempo, numa
lógica reformista, devia ter o Estado e as instituições patronais todas que
exportam. Porque quem sabe alguma coisa sobre exportar são as empresas, não é o
Estado. O Estado saber exportar?! Meu Deus, nem importar, quanto mais exportar!
Por isso, o Estado tem de criar parcerias estratégicas dentro do seu próprio
território. Portugal tem de criar um conceito.
Uma nota: um país que não planeia
o seu futuro e não consegue fazer com que os diferentes fenómenos se organizem,
de modo a que sejam convergentes na atitude, no momento e na capacidade, não é
um país que tenha futuro.
Segundo: um país que não tem a
visão de preparar o país a 10 anos pelo menos, corrigindo de 2 em 2 anos, não é
um país com futuro.
Terceiro: é fundamental perceber
que a produção de riqueza é a primeira questão nacional. Sem ela, daqui a um
ano, ano e meio, agitada, dinamizada, com financiamento necessário (que é uma
questão que não falei), continuamos na pobreza e aumentamos as dificuldades. Ou
dinamizamos a Economia e discutimo-la, pensamo-la, fazemos alguma coisa sobre
ela ou senão o nosso futuro é limitado.
Quarta questão: temos de começar
com aquilo que temos, melhorando-o com investigação e inovação. Podemos
acrescentar alguma coisa, sobretudo naquilo que podemos exportar em serviços e
não utilizamos: Educação, Saúde, Águas, Resíduos, Ambiente.
Quinta questão: os novos
empreendedores são a nossa juventude que vem das faculdades e estas têm de dar
uma ideia de capacitação técnica, e o Estado tem de ajudar financeiramente a
lançarem-se.
Sexta: a internacionalização e a
exportação são fundamentais e os estímulos têm de ser dados selectivamente –
não a quem exportar mais, mas a quem conseguir criar mais e ter a capacidade de
criar emprego.
O Estado deve ajudar as empresas
na Diplomacia Económica, mas nunca substituí-las e o AICEP é um órgão
fundamental mas não pode substituir o Estado (o Estado não sabe exportar). Quem
sabe são os empresários, são as associações, logo, quem deve gerir o AICEP
devem ser em conjunto o Estado e as empresas.
Estas ideias justificam pensar um
bocadinho; não há decisões para ter mas há que pensar um bocado. Vocês são
jovens e é altura de pensarem muito, ajudarem os mais velhos, que podem ter
muita experiência, mas falta a inovação e o entusiasmo da idade, e aos que têm
muito poder, mas não têm muito tempo para pensar.
O que vim aqui fazer, com prazer e
alegria, é testemunhar uma coisa que acho essencial: pensem, mesmo mal, não
interessa, pensem e expressem e, depois disso, organizem. Um país que só pensa
e expressa não é suficiente, mas que a seguir também organiza, é um país com
futuro. Eu acho que os nossos senhores são o nosso futuro.
Muito obrigado.
[Aplausos]
Dep.Carlos Coelho
Iniciamos a fase das perguntas
pelo Grupo Cinzento, com o Tiago Alves; Castanho, com o Marcelo Rafael; e Azul,
com o Jorge Freitas
Tiago Filipe Alves
Antes de mais, muito boa noite.
Uma vez que sou o primeiro a falar, acho que posso agradecer em nome do Grupo
Cinzento e de todos os alunos da UV a sua presença e as palavras que nos
dirigiu, especialmente agora no fim do seu discurso. Sem mais delongas, passo
então à questão que o Grupo Cinzento formulou.
Analisando o seu currículo,
surgiu-nos uma questão sobre o empreendedorismo e os incentivos ao mesmo.
Uma vez que estamos habituados a
ver imensos incentivos ao empreendedorismo e à inovação, questionamo-nos se ao
criarmos esses hábitos não estamos também a criar empresas artificialmente
competitivas. Ou seja, temos empresas que concorrem a esses incentivos e têm
incentivos diferentes das empresas que já existem no tecido empresarial,
ficando assim num plano desnivelado em termo de competitividade. É tudo.
Marcelo Rafael
Boa noite, senhor Eng.º Ângelo
Correia, tendo em conta que é Presidente da Câmara de Comércio e Indústria
Árabe-Portuguesa, até que ponto os países que estão representados na Liga dos
Estados Árabes podem ser um bom mercado para os investidores e empreendedores
Portugueses?
Jorge Faria Freitas
Muito boa noite. Em nome do Grupo
Azul quero dar as boas-vindas ao Eng.º Ângelo Correia. Gostei muito da forma
apaixonada como expôs as suas ideias e da sua forma de pensar o País e do
Mundo.
Falou-nos em termos de futuro e
que devemos fazer planos, ser organizados, visionários e empreendedores. No
entanto, como o senhor Eng. sabe, estamos condicionados com as medidas da
Troika e é por aí que a nossa pergunta segue: neste momento vamos assistir à
privatização das nossas empresas, como a RTP e a TAP. Posto isto, poderá estar
em causa o acesso aos serviços que essas empresas fornecem em aspectos tais
como a qualidade e o custo?
Ângelo Correia
Muito obrigado pelas perguntas.
Primeira: Empreendedorismo e
Inovação. Eu tenho algumas ideias com erros, mas dos quais me apercebo quando
os testo, ou com as pessoas ou com a prática.
A pergunta que o Tiago Alves fez é
muito importante pelo seguinte: assim com uma política nacional de Ciência e
Investigação que apenas quer gastar dinheiro a obrigar pessoas a fazer papers e comunicações, e vive disso –
quando não devia ser só disso, nalgumas áreas como Humanidades e Ciências
Sociais vive-se muito disso – mesmo nessas circunstâncias é possível vender
produtos e estar no mercado.
Apesar de tudo, e você diz que com
os apoios estatais poderemos estar a criar alguns elefantes brancos: empresas sem rentabilidade financeira de longo
prazo. E isso é verdade mas eu acho que assim é possível em Portugal calibrar,
balancear e equilibrar o dinamismo, o empreendedorismo novo e a necessidade da
viabilização sistémica no mercado. Há duas maneiras: devíamos dar um prazo máximo
de 2 a 3 anos de capital de risco para a empresa verificar o que pode e o que
está a fazer. Eu sei que em capital de risco apenas 1 em 5 vingam, 4 não, mas
temos de ter essa hipótese. Agora, quando a empresa está na fase em que pode
maturar, ou seja, tem um projecto, um produto fazível e vendável, ele deve
associar-se imediatamente a quem e está habituado a vender. Por outras
palavras, é essencial perceber que o capital de risco não é um fim permanente e
sistémico, mas sim provisório, que serve para a seguir se angariar parcerias
com empresas mais sólidas.
Um exemplo passado comigo: há dez
anos uma pessoa conhecidíssima da Biotecnologia estava a fazer uma célula. Eu
disse "Epá, células, acho notável! Mas uma célula pode custar 5 a 10 milhões de
euros”, e ele: "Sim, pode”, e eu: "Quais são as probabilidades?”, "Não sei”, e
"há quantos anos estás a fazer a célula?”, "Há 7 anos”, "Tenho muita pena, mas
obrigado”, respondi.
Sete anos é muito tempo, já não
dá, é um sustento, é um subsídio, não é um modo de vida. Ou seja, há um breakdown sectorial, onde os tempos não
são iguais, em que se desenvolvem em tempos diferenciados e tenho de saber o
tempo em que não financio mais. E acabou, pronto, não é empreendedor, ou
obrigo-o a uma parceria, neste caso com um laboratório nacional ou
internacional. Não posso deixar é só sobreviver transformando um capital de
risco num subsídio. É um problema de sensibilidade. É por isso que eu acho que
o controle que existe na Ciência em Portugal é muito importante. É das áreas mais
graves. Há muita gente em Portugal que, quando olha para a riqueza e para
produção, pensa em sapatos, vidros, cimento, ferro… nada disso, os bens são
intangíveis hoje em dia, imateriais e materializam-se depois, mas demoram, têm
uma natureza diferente e sobretudo massa cinzenta.
Eu tive um funcionário meu que
chegou anteontem de Israel, visitou oito empresas, ficou a ver a tecnologia de
uma maneira notável. Foi ver uma ETAR onde é produzida electricidade. Não era
com painéis fotovoltaicos, era com energia cinética criada no seu interior.
Feita por quem? Uma startup com 15
pessoas, mas fez. Foi a outra, por exemplo, que é uma coisa notável, que está a
um mecanismo de articulação entre computadores que não precisa da Internet.
Espantoso. Agora, porquê? Porque os Israelitas, coitados, têm de fazer tudo
para sobreviver. Nós temos de nos tornar um bocado Israelitas. Perceber que
para sobreviver temos de lutar exaustivamente, com inteligência, determinação,
tenacidade, com tudo! Nós somos os Israelitas da Economia na Europa. Temos de
ter essa atitude essa mentalidade.
Segunda questão. O mercado árabe
para que é? Para muitas coisas e várias. Mercado árabe, duas histórias: Líbia
em 1982/83, a maior empresa que estava na Líbia era portuguesa (não vou dizer o
nome), tinha 4 mil trabalhadores. Em Benghazi, o hospital, as ruas, a
Universidade, foram feitos por portugueses, mas estes foram expulsos em 84
porque começaram a fazer álcool a partir de uma planta. O problema não era os
trabalhadores beberem; o pior foi que chamavam a polícia e davam-lhes álcool. A
partir de certa altura o pessoal andava todo "grosso” (a polícia, a tropa, os
trabalhadores portugueses...). Foi a revolta na Líbia... os portugueses são
notáveis, conseguem fazer revoltas de uma maneira simpática.
Na Arábia Saudita havia uma
empresa que fez aeródromos magníficos, depois no projecto seguinte abarbatou-se
com o dinheiro e saiu. Deixou a obra por fazer. Desde essa altura a nossa
imagem ficou degradada.
Entretanto recomeçou e está bem
mas o grande esforço que devíamos ter feito era fundamentalmente em 2002/2003,
no início da recuperação do petróleo. Você em 98/99 teve o petróleo a 10
dólares o barril, depois começou a subir até 150 e agora está em 110/120. Nessa
altura, os Estados adquiriram fortunas colossais e como não têm sentido
empreendedorismo nenhum – os árabes não trabalham, consomem, fazem outras
coisas, mas não trabalham – o Estado acumulou riquezas e fez infraestruturas.
Era altura de levar todas as pessoas para lá. Se Portugal tivesse uma visão
estratégica, um conselho estratégico, quando percebíamos que em Portugal as
Universidades, estradas, redes de telecomunicações, gás e electricidade,
estavam exauridas, estavam feitas – na matéria de infraestruturação, Portugal é
dos melhores a nível europeu - veríamos que os engenheiros, os quadros todos,
os contramestres, os projectistas, iam perder tudo em Portugal. Tínhamos de ter
feito um esforço aí e Portugal não fez rigorosamente nada. A tal ponto que eu
hoje, explicando o passado, vos diga o que é que eu acho do futuro.
Acho diferentes cenários,
diferentes locais: Golfo e infraestruturas de montagem de redes eléctricas,
telecomunicações e de gás, estradas, prédios de grande categoria (lá é só pedra
mármore da Argentina e da Arábia Saudita; do melhor), tudo o que é possível
fazer. Não vai para lá o segundo plano, vai para lá a alta qualidade
portuguesa.
Magrebe, diferente: temos de fazer
parcerias na cortiça, na média indústria que eles não têm e uma coisa
fundamental: algum dos senhores já esteve em Argel? Não. É uma cidade linda,
com pavilhões industriais gigantes, com fábricas do modelo soviético dos anos
90 – sapatos, com 1000 trabalhadores; cerâmica, 1000 trabalhadores –, que estão
lá paradas, porque eles não sabem vender, não têm um cliente na Europa. Não
sabem. Nós sabemos isso tudo, por isso devemos promover, colocando lá as nossas
que cá estão mal, com acordos bilaterais com o Estado Argelino, a dirigirem e a
reorganizarem as empresas em parcerias locais. Portugal, ou o Estado já fez?
Não, vão lá de vez em quando fazer uns folclores, mas trabalho sério,
persistente, nesta matéria, não há.
Há uma última questão no Golfo,
que eu não disse: é um país de consumo elevado e é ideal para quatro áreas
portuguesas - a hotelaria, a cristalaria, o têxtil e sapato especiais,
adaptados localmente (fazer as jellabiyasdas senhoras, os turbantes dos senhores, os lenços, os keffiyehs, isso tudo). Ou seja, é um mercado natural; ganha como
pontos de venda. Se eu fosse uma grande cadeia portuguesa, uma Zara portuguesa,
fazer lá um ponto de venda, não só de uma coisa, mas de várias, em consonância
e articulação com o cliente local. Porque o Abu-Dhabi, o Dubai, ou o Qatar são
sítios para se comprar. Ora bem, isso eu fazia, mas para isso é preciso que o Estado
converse (planeamento estratégico) com os empresários e daí apoiem-se
mutuamente. Não devemos ter medo, o Estado deve apoiar as empresas; o que
devemos ter medo é de subsídios encapotados, ou corrupções. Agora,
transparência na ligação e articulação para ajudarmos é fundamental.
Última questão: Troika,
condicionamento e privatizações… Bom, há áreas em Portugal em que nós
beneficiamos muito com a privatização. Vocês não são do tempo em que a
CentralCer e a UniCer, produtoras de cerveja, eram públicas; ou em que a União
de Bancos ou o Totta e vários outros bancos eram públicos. E andavam às
cabeçadas. E era uma corrupção que não fazem ideia. Hoje em dia somos santos
piedosos, quase num altar, em relação há 30 anos. A privatização melhorou muito
a qualidade dos bancos, os cimentos, as telecomunicações. Houve sectores em que
melhorou muito e valeu a pena. Se me disserem que todos deviam ser
privatizados, não tenho a menor dúvida que a REN – há umas pessoas do PS e do
PC que estão contra – pode ser privatizada amanhã. Porquê? Porque a tarifa que
a REN cobra aos operadores de rede eléctrica que por lá passam não é a REN que
a fixa, não será o futuro accionista que manda na REN, quem a fixa é a ERSE que
é o regulador de electricidade. Ou seja, os activos da REN estão fixados em
termos de valor de prestação do serviço pelo regulador, logo não pode haver
apropriação de mais-valias especiais.
Vejamos na EDP. Se aparecer a E.ON
alemã ou a EDF, nunca mais nós lá entramos. Não vale a pena, pois eles imporão
as regras, os fornecedores e tudo. Hoje em dia, há concursos em que a EDP
concorre contra dos espanhóis (financiados por uma das autonomias espanholas) e
o concurso vai para o espanhol. Todos os projectos de barragens portuguesas
foram feitos por espanhóis e em Portugal há capacidade técnica...
Não é só preciso privatizar, às
vezes nós próprios, portugueses, damos maus exemplos.
O caso da TAOP: o único problema
que eu tenho na TAP é não cair nas mãos da IBERIA. O que é que a TAP tem?
Liga-nos aos emigrantes? Não. Liga-nos fundamentalmente a três tráfegos
altamente rentáveis: Brasil e Angola e Moçambique. Se houver alguém que compre
a TAP e depois - por qualquer motivo – quiser retaliar contra nós, corremos o
risco de virem dizer: "dos cinco voos que fazíamos para o Brasil, faremos só 3”
e depois fazem dois à parte. Eu tenho medo disso. Ou seja, eu sou a favor de
privatizar a TAP com umas condições escritas. Mais, quem é que me diz que a TAP
voa para a Madeira quando nós precisarmos? Tem de ficar escritas no caderno de
encargos as regras que salvaguardam os interesses estratégicos portugueses. O
interesse estratégico não se vende na bolsa; cumpre-se! Nesse sentido, acho que
temos de ter alguma prudência.
Agora, margem de restrição do
fornecimento de serviços de terceiros a essas empresas pode diminuir. A minha
grande preferência era, se fosse possível, serem os brasileiros a comprar a
EDP. Porquê? Porque eu acho que, mais uma vez, a nossa força futura é a
triangulação com Angola e com o Brasil. É nesta triangulação que temos o
mercado original. Mercado original, não é pecado original. Podemos desenvolver mercado
original, mas quem vai decidir é o Mercado.
Dep.Carlos Coelho
Segunda ronda de perguntas.
Vamos ter pelo Grupo Rosa, a
Susana Duarte; pelo Grupo Laranja, o Rui Marques e pelo Grupo Amarelo, o Miguel
Santos Fernandes.
Susana Duarte
Desde já, boa noite a todos e em
nome do Grupo Rosa quero agradecer a sua presença aqui hoje.
Não deverá Portugal aproveitar
melhor os seus recursos marítimos e o que deverá fazer, na sua opinião, para
reverter essa situação?
Rui Marques
Sr. Eng.º Ângelo Correia, em nome
do meu grupo, muito obrigado por nos congratular com a sua presença aqui na UV.
Com o fenómeno da Globalização as
distâncias atenuaram de tal modo que a geografia deixou de ser o factor
competitivo. O capital é relevante, mas em campeonatos homogéneos não faz a
diferença. As máquinas ainda são importantes em muitos sectores, mas a sua boa
gestão pode compensar a diferenciação competitiva que daí resultaria. Mas a
geografia, o capital e a maquinaria, foram substituídos pelo talento. O talento
é um bem escasso como uma matéria-prima essencial. Consegui-lo, mantê-lo e
desenvolvê-lo é o desafio mais importante das organizações modernas que
Portugal tem. Pergunta: não acha que Portugal deveria criar condições para
reter os seus próprios talentos e até atrair talentos estrangeiros, no sentido
de uma estratégia de sucesso para as nossas organizações e empresas
exportadoras? Obrigado.
Miguel Santos Fernandes
Eng.º Ângelo Correia, minha
pergunta com uma palavra da sua intervenção: "planear”. Temos de saber planear,
saber o que queremos fazer e saber como fazer. Neste sentido, queria saber qual
é, na sua opinião, o plano para o mercado laboral? De que forma é que os
jovens, as instituições de ensino e entidades governativas podem intervir para
criar um plano e qual deve ser? Obrigado.
Ângelo Correia
O mar. Tenho ouvido, muita gente e
eu próprio, falar do mar com um grande gaudio, grande atracção. Sobretudo gosto
do mar por causa da cor do mar, não gosto da temperatura do mar. Vivi no
Oriente durante 3 anos e as águas eram 25 graus, aqui é 18, 19, 20... não é
muito agradável. Toda a gente diz que o nosso futuro está no mar; é uma ideia
simultaneamente épica, mas é uma ideia peregrina. O mar é tudo aquilo que nós
destruímos nos últimos 40 anos. Nós tínhamos duas grandes empresas de navegação
que foram destruídas em 75. Depois, tivemos mais duas grandes empresas criadas
em 83/84, que eram a PortLine e a TransInsular: uma foi comprada pelos
estrangeiros; outra vegeta.
Não temos navios, nem Marinha
Mercante. Nada nos inibe de a termos, mas não a temos. Grande parte de não a
termos tem a ver com o não-uso de alguma capacidade instalada de construção de
navios que abandonámos e com os marinheiros que andam no mar, porque quisemos
aplicar legislação laboral nacional quando a legislação dos outros países é,
nessa matéria, mais benigna. Por isso, se queremos ir para o mar, a primeira
coisa que devemos ter é Shipping. Mas
hoje em dia um navio custa cerca de 40 milhões e voltamos ao financiamento.
Outra coisa, ir para o mar
significa custos portuários baratos, que não temos. Como é que se mede a
produtividade de um porto? É fácil. Mede-se pelo número de contentores que são
levantados ou descidos por hora. Portugal é 23/24; em Hamburgo, 32; Antuérpia
30. Pior que nós, era Génova, mas foi à falência; as cooperativas marítimas
foram à falência, os italianos tiveram de fazer em Gioia Tauro um novo porto
internacional, aproveitando uma grande instalação siderúrgica que entretanto se
acabou. Ou seja, ter uma visão marítima é ter também uma grande capacidade de
implantação e manuseamento portuário. E nós não temos portos... Há dois portos
portugueses que têm fundura. Eu falo em fundura, porquê? Como sabem os navios
que transportam carga geral ou contentorizada têm o chamado balastro. Os navios
que transportam 3 ou 4 mil contentores Peramax, precisam de um calado de quota
de mar de 17/18 metros. Um navio médio (4 mil a 5 mil contentores) precisa
13/14. Um Feeder pequeno, com duas ou três alturas de contentores, 6 mil
toneladas, precisa de 9 metros. Em Portugal, só há o de Sines, que tem essa
quota. E há outro que tem metade dessa quota, que é em Alcântara. O Leixões só
leva até 12 metros. Setúbal leva 11.
Quando eu ouvia algumas discussões
dentro do partido sobre a questão portuária de Alcântara eu via as pessoas
excitadíssimas dizer "Setúbal tem uma grande…”. Mentira. Setúbal tem uma
caleira que vai aos 12 metros de areia que têm de ser dragada todos anos para
passaram até 14. Setúbal é excelente para transporte de carros, pois os navios
não têm fundura, têm 3 metros só. Por isso, nós não temos portos. Temos um
excelente: Sines, mas não está ao pé nem da produção nem do consumo. Ou seja,
Sines está ao pé de uma linha de caminhos-de-ferro, ou de auto-estrada que são
80/90 kms para chegar lá. Os portos, se os virem todos: Marselha, Felixstowe,
Norwich, Hamburgo, Roterdão, Valência, Barcelona, Santander, Singapura,
Yokohama, Perth, são portos localizados, ou em grandes centros de produção, ou
em grandes centros de consumo.
Sines não é uma coisa nem outra.
Logo, nós temos a melhor condição natural, de excelência, num sítio onde nos
fica caro fazer chegar ou fazer sair as mercadorias. A Geografia jogou contra a
Economia. Por isso, mar? Como?! Nos portos estamos lixados, transportes
marítimos não temos... Investigação marítima? Acho óptimo, mas dêem-me exemplo
de uma empresa que faça prospecção marítima. Não há!
Ou seja, Portugal teve a sua
vocação marítima há 500 anos. Perdemo-la! Devemos reganha-la? Com certeza!
Como? Sozinho, não. Temos de olhar para o mar e arranjar parcerias. O mar não é
a nossa vocação, mas sim das parcerias que fizermos. Devemos ser muito
rigorosos e em Economia a pior coisa que há é o mito, o bluff; e quando é urbano ainda é pior; e quando anunciado por altas
figuras ainda pior.
Por isso, mar? É óptimo para
nadar. Temos dos melhores sítios do mundo, nós e o Hawai, para a chamada
energia das ondas. O melhor sítio em Portugal vai da Apúlia até à Nazaré,
porque a onda é forte mas não é destruidora. O grande problema da energia do
mar é a capacidade de resistência à onda, mas com criação de energia. Só que
uma unidade para fazer uma Mega Watt nesta fase tecnológica é quase fazer uma
plataforma de petróleo, custa 20 milhões de euros, quando um Mega Watt
produzido pela eólica custa um milhão, pela fotovoltaica custa dois milhões, ou
seja, a rentabilidade da energia das ondas só é garantida se nós fixarmos um
tarifário tão alto, tão incomensuravelmente disparatado e subsidiado. Temos de
esperar. A única coisa que eu vejo a longo prazo é isto. Agora, se me disser,
abandonamos o resto? Claro que não, devíamos ter procurado há muito tempo, em
Portugal, parcerias nas explorações marítimas, nas pescas.
Há países, como na Líbia em que a
piada que se conta é que os peixes têm barbas. Eu já comi peixe lá, numa tasca
onde se come bem e disseram-me que os peixes já devem ter barbas porque eles
não têm barcos para os pescar. Houve alguém do Governo que me pediu se eu podia
falar em Portugal, há 12/15 anos. Não valeu a pena. Agora, nós temos condições
em alguns países do mundo de ser parceiros e ter parceiros, é necessário.
Percamos a ideia de que o mar é um destino, o mar é uma realidade apenas e não
é só uma realidade se tivermos parcerias a ajudar.
Segunda questão: o talento; os
talentos desenvolvem-se. É como a sorte, não surge, procura-se, constrói-se e
conquista-se. Não há nada que venha, na vida gratuitamente. Tudo vem com
sacrifício, trabalho e imaginação. O talento também se conquista, como a
memória. Simplesmente, há condições genéticas, claro que há. A grande coisa
para nós fazermos e ajudar-nos para termos alguma capacidade é convivermos com
outros talentos.
O talento ganha-se com outros
talentos, na convivência com tipos melhores que nós, por isso, a política de
atracção de talentos é importante. Como é que se atrai talentos? Temos algum
projecto empresarial próprio que atrai talentos exteriores? Poucos. Temos
projectos de investigação que atraiem talentos? Sim e devemos ir, como fomos há
15/17 anos quando todos os instrumentos de investigação científica da Ucrânia,
Rússia e Jugoslávia estavam em desmantelamento e queda, buscar pessoas que
ainda hoje estão nas Universidades portuguesas e ainda bem, que bom, devemos
fazer isso mais vezes. Agora, faria outra coisa: não tenho problemas nenhuns de
empregar nas áreas em que precisamos mais, que é na Agricultura. A Floresta
portuguesa é dos poucos bens que nós temos, mas que não tem cadastro sequer.
Eu digo-vos uma coisa, nós, uma
empresa onde estou, concorremos às Centrais Biomassa e ganhámos; pagámos 200
mil euros por andar uma equipa de jovens rapazes do Instituto de Agronomia na
Sertã e em Gouveia a ver terreno por terreno quem era o dono. 80% não
encontrámos, porque era "prima do primo; que estava em Luxemburgo; que não
estava cá” e não se sabia de quem era. Um país que não tem cadastro da sua
propriedade florestal não pode fazer política. Segundo, um país que tem sete
entidades que mandam na floresta sem concertação estratégica não tem política.
Ou seja, Portugal, o Estado, tem de se organizar para saber quem manda. São
sete as entidades; chega um, mas que mande bem! Quando tivermos isso, temos um
potencial enorme.
Dou-vos um exemplo: sabem o que
está a acontecer à Biomassa (quando se corta ou limpa a Floresta; partes
velhas, que se vendem aos bocadinhos) em Portugal? Estão a ser vendidas para
Itália; é posto no Porto de Sines a um preço cerca de 20% mais caro do que em
Portugal e porque é que não compramos em Portugal? Porque não há Indústria de
Biomassa. Por uma razão muito simples: o concurso foi feito em 19 de Setembro
de 2006 e ainda hoje não se fez uma das várias propostas que ganharam. Porquê?
Porque a Administração Pública está feita para não se fazer, para não ajudar,
para obstaculizar; está feita para dar poder ao tipo que tem uma caneta à
frente e não para resolver problemas. É por isso que a primeira política, no
caso do Ministério da Economia, devia ser anunciar: "Portugueses, amanhã tenho
uma equipa que vai pegar em todos os projectos-lei que existem sobre
licenciamentos industriais e das 40 fases fazer só 20. Se cortarem metade das
intervenções necessárias para os licenciamentos tudo anda mais depressa. Mas
não temos a coragem, porque maior parte do poder político não manda em
Portugal.
Quem manda é o poder da
tecnoestrutura, porque quando um político diz "desculpe, mas eu não concordo
com isto”, é um "ai meu deus, não se respeita a Administração Pública; o que é
que quererá dizer ele com o não concordar; o que é que está por trás?” Há muito
tempo que quem manda é o funcionário do funcionário e por aí acima. Basta ver
quando vocês fazem um requerimento ao Estado, primeiro aparece um técnico de
segunda que dá um parecer de seis páginas e põe no final "À consideração
superior”. A seguir passa ao técnico acima, que de seis passa para três páginas
e termina com "À consideração superior”. Depois passa ao subdirector dos
serviços que passa a uma página e meia, que termina com "À consideração de V.
Exa ou S. Exa. Depois passa para o director-geral que tem uma coisa menos
pomposa, mais simples, que diz "à consideração de vossa excelência senhor
Ministro”. O Ministro diz "Concordo”. Quem é o Ministro que pode ver 10/20/30
mil impressos por dia e contestar. E mais, quando o poder político um dia
contesta, diz-se "O que é que se passa? Isto não é habitual. Contesta uma
orientação técnica?” O poder deles é maior que os dos Ministros.
Vocês acham que os Ministros são
muito importantes? Engano, na maior parte não estão lá, só quando a decisão é top-down, mas em Portugal a maior parte
das decisões são bottom-up, vêm por
baixo e vem já todas orientadas. É por isso que reduzir o número de
intervenientes nas decisões é um mister, porque senão perdemos na decisão, no
tempo e na consulta de toda gente.
Quem tiver coragem de fazer isso,
dá uma grande vitória a Portugal. E não é difícil. Por aí tem a racionalização
desta Administração Pública feito, porque sabe desde logo quais são as fases
desnecessárias; donde sabe quais são as direcções-gerais e de serviços que são
menos importantes; e donde é feita a restrição de tempo.
Dep.Carlos Coelho
Muito obrigado senhor Engenheiro.
Temos uma tradição na Universidade de Verão, que é dar a última palavra ao
nosso convidado e, portanto, esta é a oportunidade para agradecer a sua
presença, as respostas que já deu e as que ainda vai dar.
Último leque de perguntas: o João
Magro pelo Grupo Bege (aproveito para agradecer o seu simpático convívio na
mesa durante este jantar); o Vasco Teixeira do Grupo Roxo; o Jorge Barbosa do
Grupo Encarnado e o Vasco Moreira do Grupo Verde.
João Magro
Senhor Eng.º Ângelo Correia, a
actual conjuntura económica e financeira deve alterar as prioridades de
diplomacia económica portuguesa? De uma forma mais abrangente, os eventos
económicos dos últimos anos devem alterar o nosso conceito estratégico
nacional? Muito obrigado.
Vasco Teixeira
Boa noite, desde já o meu
cumprimento a todos, em especial ao senhor Eng.º Ângelo Correia.
A pergunta que o Grupo Roxo
gostaria de colocar foge um bocadinho ao tema que fez hoje, mas como sabemos
que tem uma vasta experiência neste tema, o que queríamos esclarecer era o
seguinte: será que as revoluções naturais e os levantamentos insurgentes nas
nações árabes, nos últimos tempos, poderão conduzir a uma mudança geopolítica
nessa parte do Globo e com consequências directas no equilíbrio do poder. Se
sim, de que modo a Europa poderá sofrer com isto e que impacto poderá advir
para os movimentos de extremismo islâmico.
Jorge Barbosa
Boa noite a todos. Queria agradecer em nome do Grupo Encarnado ao
senhor Eng.º Ângelo Correia.
Acha que neste momento de
dificuldades que o País atravessa, devemos continuar a apoiar os jovens
empreendedores e estes jovens que estão aqui presentes devem ter ajuda se
decidirem apostar na sua formação e criarem as suas empresas? Obrigada.
Vasco Moreira
Caro Eng.º Ângelo Correia, não é
todos os dias que temos a oportunidade de assistir a uma fantástica exposição
como a de hoje.
A pergunta do Grupo Verde é a
seguinte: acredita que as grandes obras públicas, como o TGV e o novo aeroporto
de Lisboa são cruciais para o aumento de capacidade de exportações?
Estão hoje nesta sala 100 jovens
que ambicionam contribuir, com um contributo válido à sociedade: aual o
conselho mais importante que nos poderia deixar?
Ângelo Correia
Muito obrigada pelas perguntas. Eu
realmente tinha visto que havia aqui um Grupo Vermelho, vê-se logo. Eu sou do
Sporting, é uma chatice pá.
[APLAUSOS]
Jorge Barbosa, você fez a pergunta
se é legítimo, justificável, o apoio aos jovens empreendedores hoje. É
essencial! Porque oiça: uma das prioridades que o País tem de operar é a
mudança dos empreendedores. A maior parte dos que o foram, em 74/84/94, hoje
não podem ser porque não sabem; alteraram-se muitas coisas, não só a questão
financeira, alterou-se o enquadramento (a Globalização), a relação com os
colaboradores por exemplo. No meu caso, dou-vos o exemplo, eu não faço
Conselhos de Administração, apenas reúno com os banqueiros de 4 em 4 meses.
Como trabalhamos com as empresas? É com os quadros todos e a decisão final sou
eu quem tomo, sou eu o responsável. Agora, a decisão que eu tomo - como eu
disse há pouco da tecnoestrutura - está toda filtrada por eles. Ou seja, nós
precisamos hoje em dia de alterar os padrões de relação de pensar e produzir.
Os jovens empreendedores são uns tipos que têm a coragem, a iniciativa, a idade
e a energia. Não são as pessoas da minha idade. As pessoas da minha idade têm
vícios, além da experiência e do conhecimento. Por isso é que eu acho que é
fundamental.
Agora, transformar os jovens não é
mimá-los, é atribuir logo alguma responsabilidade, durante um período
experimental durante 2 ou 3 anos. Você não pode ser jovem empreendedor durante
5 anos, 3 já é muito tempo. Se for ao fim de 3 anos já não é jovem, é
empreendedor. Deve ter outra parametrização de apoio, que não é o Estado; deve
reunir-se com outras empresas, ter parcerias para se lançar noutros mercados,
lançar-se na área comercial que é a área mais difícil entre nós. Isto prende-se
com a questão que era colocada pelo Vasco: qual o conselho que eu dou? Dou
vários: o exercício da política não pode ser exclusivo. Todo o ser humano é
político, mas o exercício exclusivo da política é castrante. São muitos os que
conseguem ficar num parâmetro de profissionais da política, todos nós, mas em
última análise são poucos. Por isso, nada melhor do que ter outras valências
que não sejam só as valências políticas.
Logo, o grande político é quem
trabalha em política e noutras coisas, tem uma vida profissional fora. Eu sou
forte adepto de vida profissional fora. Quando fui votado deputado em 75, eu já
era administrador de três empresas e continuei sempre, com excepção de 78-83 em
que só fiz política e não tinha tempo para mais nada.
Vou dizer uma coisa: enriquece a
nossa vida e dá uma coisa essencial, independência; quanto mais pobres somos,
mais dependentes. Com alguma capacidade financeira ou empresarial, ou
profissional própria somo independentes a pensar, o que pode não ser agradável,
muita gente não gosta, mas quando nós quando morremos temos uma felicidade
relativa e com a consciência tranquila. Isso aprendi mais comigo próprio: é
estarmos bem connosco próprios.
Terceira questão: alteração das
prioridades da Diplomacia Económica em momentos de turbulência. João Magro, eu
digo com toda a franqueza, eu acho que a Diplomacia Económica é um pequeno
instrumento tocado por grandes senhores; um cavaquinho tocado por alguém
genial. Ou seja, é uma coisa pequenina, porque só existe se houver Economia, se
houver bens para vender, senão não há Diplomacia Económica. Segundo, ela é
subsidiária, porquê? Porque sabe onde é que se utiliza? Para as grandes
questões e só em momentos determinados, ou seja, o meu amigo quer lançar três
grandes empresas de construção na Arábia Saudita, o Dr. Paulo Portas veste
aquele magnífico fato às riscas, veste uma gravata verde – que é a cor do
Islão, não é só do Sporting; vermelho também é do Islão, quando vai para a
Guerra; verde é para a Paz "Salam aleikum” é Paz, Compreensão, Respeito e o
vermelho é a guerra. Quer dizer que a Diplomacia Económica faz-se quando há
reuniões com o Ministro e o Embaixador e o fulano tal vai dizer "eu preciso que
três ou quatro empresas venham para cá, diga lá como é que é, como é que se
faz, ajude-os lá” e a seguir o Saudita e o Abu-Dabhi diz "olhe, nós gostávamos
que em Portugal fizesse isto, isto e aquilo…”; isto é o primeiro contacto entre
personalidades de topo, mas depois quem tem de trabalhar nisto são os agentes
do AICEP. Logo, a Diplomacia Económica é útil, mas onde? Nos Estados Unidos, na
Alemanha? Nunca. Porque aí não funciona, são mercados abertos, é um mercado que
joga fundo espontaneamente. A Diplomacia Económica joga em países fechados, em
países onde o poder político é tutelar de tudo. Em Angola, Brasil é uma
economia aberta, mas funciona. Mas isso é uma relação política levada a cabo
pelo dirigente e embaixadores com objectivo sério: propor coisas fazíveis, não
vai meter cunhas, mas sim propor projectos fazíveis com cooperação e
coordenação, mas depois não trata de mais nada. É a primeira fase e o resto do
trabalho continua. Pergunta-me: "hoje em dia isso é necessário?”. É, por uma
razão: hoje em dia troca-se política por negócios.
Você sabe qual é a coisa que um
árabe mais quer de Portugal? Faça o favor, gostaria que vocês dissessem, o que
é que acham que é que eles gostavam mais de importar. Um visto de residência.
Porquê? Têm esplendor na vida: Buicks, Cadillacs, Ouros, mulheres, Xadrez, …
isso tudo. Mas lá dentro sabem que vivem num terreno contestado, logo querem ter
um pied a terre, aonde – Portugal é
óptimo. Logo, visto de residência.
Eu vivi em Singapura durante dois
anos, fui professor em Timor e vivi muito tempo em Singapura. Como sabem, é a
junção entre o melhor que existe na China e em Inglaterra. Fez-se o melhor merger entre a cultura chinesa e a
civilização britânica. 75% são chineses, 15% são hindus, 10% malaios e o resto
Europeus, Australianos e Americanos. O Governo de Singapura é dos mais
espantosos que já vi na minha vida, em termos de organização, de qualidade de
vida, de riqueza, não há noutro sítio. Mas, como é que eles fizeram? Atraíram
toda a comunidade de expatriados chineses que estavam na Formosa, Macau,
Filipinas, Jacarta, Pequim, por todo o sítio, chamaram-nos e disseram "ponham 5
mil dólares americanos numa conta bancária e têm um visto de residência
imediatamente”. De repente, Singapura em 1972 com o senhor James Lee, (tinha o
nome de Lee Kuan Yew), no cargo de Primeiro-Ministro de um partido chamado
People’s Action Partie, nacional-socialista claro, durante quatro/cinco anos
que atraiu capitais chineses que entraram.
Oiçam, nadavam em dinheiro, que é
que eles tinham? O visto de residência. Dei este exemplo, não é para dizer que
vamos ter um país de vistos de residências, estou a dizer é que nós temos de
saber quando vamos fazer Diplomacia Económica, João, com quem é que estamos a
falar.
É como num namoro, João, você não
namora da mesma maneira com diferentes pessoas, pois não? Espero que não, João.
Não repita o ritual, senão pode ter dissabores. [RISOS] Você tem de perceber
com quem está a falar, o que é que ele quer, e não vai cantar outra música que
ele não queira, mas canta a música que você pode cantar. De galo, imoralmente,
mas canta a música que ele quer ouvir. Nós em Portugal, a primeira tentação é
que nem percebemos culturalmente aquela gente e pensamos que são uma espécie de
reminiscência de outros povos que não têm códigos, mas eles têm e de que
maneira! Temos é de os perceber, logo, a primeira coisa da Diplomacia Económica
é perceber com quem estamos, a sua cultura, a sua idiossincrasia, a sua
religião e o meu modo de estar. Está bem?
Respondo à pergunta do TGV que é
do Vasco Moreira com muita simplicidade: o TGV é a maior barbaridade. É melhor
alguém começar a dizer nesses termos. O Dr. Passos Coelho diz isso há um ano e
o País caiu-lhe em cima, mas ele tem razão!
Primeiro: onde vamos comprar as
linhas e as carruagens? À Siemens, à Halston, França, Alemanha, enfim, lá fora.
Segundo: quem vai concorrer aos
concursos? Empresas Portuguesas? Mão-de-obra? sim senhora. Projectos? Exterior.
Qual é o valor acrescentado de Portugal nesses projectos? 10%? 15% Mas vamos
gastar 100%, financiamos 100%, mas 15% anda no mercado português, o resto são
importações. Primeira parte: investimento; segundo: exploração. Um TGV é um
comboio não de mercadorias, mas de passageiros; tem de ter rentabilidade.
Prevê-se 200 euros de Lisboa a Paris; se for de avião (e em low-cost) custa menos. Oiçam, dirão,
"ah, mas o TGV está em Atocha, em Barachas”, está bem, mais meia hora;
justifica pelo tempo ou pelo preço? Não! O que é que justifica? O "chiquismo”;
"estarmos na onda”; "nós também estamos na Europa”, "a Europa também cá chega”;
no fundo estamos a fazer como as estradas, elas não servem para irmos para lá,
servem para os outros virem para cá acima de tudo.
Por isso, eu acho que o TGV era um
disparate sob o ponto de vista do investimento e da rentabilidade. Era um
"elefante branco” pagar todos os anos a factura. Oiça, quanto é que querem de
indemnização? Não há, então vamos dar uma obra no mesmo valor para não ficar
prejudicado, mas não vai mandar o Estado para Tribunal. E acaba-se com a
história. Não é adiamentos para Outubro! O que é isto?! Nestas matérias não há
dúvidas. Aeroporto, não é exactamente a mesma coisa. Porquê? Tivemos uma altura
de trânsito de visitantes que chegou a um valor que determinava que 2017/2018 o
aeroporto estivesse congestionado e, como tal, fazer um up, isto é, uma plataforma competitiva, só que aplicada a
passageiros, que vão de um sítio, passam pelo outro e têm um transshipment até Lisboa.
Logo, pode ter rentabilidade
económica, pode. Mas o que é que aconteceu? Desde 2008, a crise económica no
Turismo levou a que houvesse um decréscimo de viagens, então, a taxa que
pensámos que seria de 7% ou 10% anual no Aeroporto da Portela, passou a ser
muito menor e, hoje em dia, já adiámos a saturação para 2023. Pergunta que se
faz: o aeroporto está démodé? Não,
está bom e novo. Está mal colocado? Não, está perto do centro. Qual é o
problema, é a insonorização, a poluição? Não vejo. Então qual é a questão?
Precisa de alguma expansão? Sim. Qual é? O Figo Maduro. Porque é que os
militares (perdoem-me, que eu até gosto muito dos militares) ocupam o Figo
Maduro para um ministro vir do estrangeiro desembarcar, porquê? Porque é que
temos aquele espaço todo, que era um segundo parking e resolvia-se o problema ali. Chegava com 10/20/30milhões, se calhar, escusava-se de gastar
três mil milhões e dava a extensão por mais três, quatro anos. Portugal não está
em condições económicas nem financeiras de ter luxos. Tem de ter rentabilidade
e seriedade. Melhorar o aeroporto, sim; Figo Maduro, aeroporto militar; no
Montijo, está lá um, que é do outro lado, com uma ponte nova; se têm um
aeroporto novo porque é que vão para a Portela ocupar aquele espaço todo? Há
soluções temperadas que acho que devemos tomar sem o risco da obsessão da
grandiosidade, pois há grandiosidades que são caras.
Última questão: o que esta a
acontecer e o que vai acontecer no mundo árabe. É simples, tenho ideias
perturbantes (para algumas pessoas) sobre esta matéria. Três factores: primeiro
o cansaço daquela gente com a corrupção, com o nepotismo político, com as
disparidades sociais, com a ausência de expectativas em relação ao futuro de esperança.
A taxa de desemprego na Líbia é de 32%; a juvenil é de 50%; na Argélia e no
Egipto são vinte e tal por cento; são enormes. Porquê? Por causa do problema
entre o desequilíbrio da taxa de fertilidade e da mortalidade. A taxa de
fertilidade na Europa, hoje em dia, está baixo de 2. Em Portugal esta nos 1,3.
Isto quer dizer cada mulher tem 1,3 filhos.
Ora para manter o stock humano de
um país é preciso pelo menos 2, ou seja, morre um homem e uma mulher, mas estão
lá dois que substituem. Na Europa, Rússia, Hungria, Ucrânia, Itália, Espanha,
Portugal, são os países com taxa de fertilidade mais baixa. Estão nos 1,2 e
1,3.
Qual é a taxa de fertilidade no
mundo árabe? Burkina Faso e Mali: 6; Sudão: 5; Argélia, Marrocos, Líbia, etc:
3. Isto quer dizer que de ano a ano a população cresce. O pior é que cresce sem
aumento da capacidade produtiva, sem aumentar os idosos, cresce com uma crise
concentrada nos jovens que não têm futuro. Meus senhores, minhas senhoras, meus
amigos, podem vir-vos com umas conversas espantosas sobre a irmandade
muçulmana, o perigo da Al-Qaeda "esses malandros que aí andam, perigosos”, não
liguem; a juventude lá, tem problemas diferentes dos nossos. Portugal sofreu
uma revolução sexual, por volta dos anos 70, a liberdade para as mulheres e
para os homens foi muito grande, mas lá não existe isso. E quando o terrorista
pensa que quando morre, depois de se bombear, tem à espera 72 virgens, isso diz
tudo.
Percebam isso! Um rapaz e uma
rapariga não podem encontrar-se publicamente na Arábia Saudita: põem-se num
centro comercial a olhar para a montra e a falar e assim conseguem. Se
passearem em conjunto, se derem as mãos cortam-lhas! É pecado. Em Marrocos,
Argélia e Tunísia não é assim, mas nalguns países no Golfo é assim. Há um
conjunto de frustrações profundas naquela gente que os levam a ter derivas
ideológicas que têm a ver mais com outras pulsões da líbido não resolvidas
normalmente.
Não é para ter vergonha disto, é
para perceber isto. Quem não perceber isto, está sempre a pensar na Al-Qaeda,
no Terrorismo e no Corão. Isto não tem a ver com religião, tem a ver é com
sexo. Tem a ver com sexo, desculpem, não é tabu, nem problema nenhum; é que nós
resolvemos alguns problemas e eles não.
Agora num país do norte de África,
a questão é, como disse, um problema misto de nepotismo, corrupção,
desigualdades e expectativas baixas, daí a reacção contra o poder instalado.
Perguntava o Vasco: "Oiça lá e
depois disto qual é a reacção que vamos ter? Podemos ter um aumento da
irmandade islâmica?” Podemos. Não tenham medo nenhum. Há três países onde
partidos islâmicos estão no poder: Marrocos, Turquia, países moderados; na
Jordânia e no Kuwait as eleições foram ganhas por partidos islâmicos (todavia,
portam-se bem, não dão problemas, se derem é deixá-los em paz). O Ocidente não
pode ter o complexo da superioridade moral, que tem de impor o seu modelo aos
Árabes; o Ocidente deve respeitá-los e à sua cultura e se eles quiserem ir por
mau caminho que vão, mas que sofram. Que não nos peçam, porque nós avisámos.
Nós devemos ter o direito e o
dever de respeitar o deles. E se o direito deles quer ir para o Islamismo que
vão e não mandem bombas sobre nós. Eu acho que não vão fazer.
Os partidos islamitas vão às
eleições, no Egipto vão ter 20% no máximo, nem isso, na Tunísia vai ter 5% a
10%, se tiver. Sabe quais são os lemas, slogansdos islamitas hoje em dia, nesses dois países? É preciso emprego, é preciso
produtividade, é preciso tecido produtivo, é preciso abrir-nos à Globalização.
Isto são os discursos islamitas hoje. Depois o discurso ideológico é muito
bonito, mas não dá pão, quando muito pode dar ódio a umas dezenas que são mais
perigosos que os milhões, mas o que está em causa hoje no mundo islâmico é uma
revolução fundamentalmente positiva e clara e a nossa obrigação é ajudá-los.
Dessa evolução não se espera Democracia amanhã, vai demorar, mas em Portugal
também demorou séculos. Cada País, cada Povo, tem o seu momento na História e o
que nós não devemos fazer na vida é forçar a História. Respeita-la e não forçar.
Ajudar, apoiar, encaminhar, mas não forçar. A Democracia não se exporta. Não é
uma máquina, ou um saco de batatas, ou uma máquina fotográfica que se vende
para o exterior. É uma ideia que se assume interiormente.
A melhor defesa da Democracia é
sempre dentro de nós próprios e não nas leis e nos outros e nas polícias; é em
nós. Percebemos isso para os outros, para o Árabes, porque eles um dia fazem um
caminho parecido connosco. Quando eles fizerem a Europa vai abrir-lhes as
portas e vai haver problemas económicos para nós, é mais uma razão para
mudarmos de padrão de produção. Porque senão os Marroquinos e os Tunisinos vão
fazer o que nós fazemos hoje em dia ou fazíamos há vinte anos. Isso, nós temos
de perceber, mas é um passo inevitável na História. Você repare, a Indústria
Automóvel, a Volvo, a Saab a Mercedes, veio do Norte para o Sul. O próximo
passo é para Marrocos. É inevitável. As produções estão todas a descer; o que
sobe é a pobreza e o que desce é a riqueza e a produção. Historicamente é assim
e há coisas inelutáveis que nós temos de ver, perceber, compaginar, modelar,
mas não contrariar.