Sector social: um actor fundamental para ultrapassar a crise portuguesa
Dep.Carlos Coelho
Muito boa tarde, começámos a parte curricular da
Universidade de Verão com o Ambiente que é um tema que sempre existiu. Desde a
primeira edição de 2003, houve sempre um tema de Ambiente na Universidade de
Verão. Não é a mesma circunstância com o tema desta tarde. Só, recentemente,
face ao agravamento da crise social e à emergência da realidade da Pobreza em
Portugal, é que decidimos incluir o tema social na estrutura da Universidade de
Verão e para falar a verdade não é a primeira vez que o Dr. Manuel de Lemos nos
dá a honra de estar entre nós.
Já aqui esteve para falar sobre esta temática na
Universidade de Verão de 2009 se a memória não me trai, onde nos presenteou com
um ângulo de observação único; ele é das pessoas em Portugal que mais sabe da
matéria: está à frente da União das Misericórdias, tem um currículo muito
vasto, quer no sector público, quer no sector social, a lidar com estas
matérias e estou certo que vai ser um orador fantástico, para nos falar do
sector social e como ele pode ajudar a ultrapassar a crise portuguesa.
O Dr. Manuel de Lemos tem como hobby coleccionar miniaturas de automóveis de competição; como
portuense que é, a comida preferida é tripas à moda do Porto; o animal
preferido é o cão; o livro que nos sugere, neste momento de crise, é "Portugal,
na hora da verdade” do Ministro Álvaro de Santos Pereira; o filme que nos
sugere é "The Inside job”, curiosamente julgo que é a mesma sugestão do Miguel
Relvas; e a qualidade que mais aprecia é a lealdade.
Dr. Manuel de Lemos, muito obrigado por ter aceite o
nosso convite, o palco é seu.
Manuel de Lemos
Muito boa tarde.
Vou já para ali falar, mas não queria deixar de nesta
mesa mais formal dizer o quanto é agradável estar perante uma audiência tão
jovem, tão interessada e tão qualificada. Digo tão qualificada porque ao almoço
estive a ouvir os métodos de selecção das pessoas e portanto sei que é uma
plateia diversa e muito interessante.
Dizer também que esse prazer tem muito a ver também
com a circunstância do Director, o senhor Reitor da Universidade de Verão, ser
o Carlos Coelho, com quem tenho há muitos anos uma longa relação de colaboração
e de participação, de troca de ideias. Tem sido extremamente enriquecedor para
mim esse contacto. Porque o Carlos é uma pessoa que está sempre atenta: o Mundo
passa e ele está sempre disponível para pensar (que é uma coisa que muitos
Portugueses não fazem) e não fica na categoria dos pensadores, mas na dos
trabalhos que é uma categoria muito interessante e Portugal tem muita falta
disso.
Depois dizer-vos que tendo o privilégio de ser
Presidente do Secretariado Nacional da União das Misericórdias Portuguesas e a
circunstância de estar num local onde tudo vai parar: o bom, o menos bom, o
óptimo e o péssimo.
E é um bocadinho sobre isso, sem prejuízo de alguma
reflexão teórica que se torna necessária, que eu entendi que valia a pena
preparar esta apresentação, um bocadinho diferente da que fiz há dois anos, que
foi obviamente mais teórica.
Como agora está na moda fazer declarações de
interesse, eu vou começar por uma declaração de interesses. Talvez a frase mote
para a minha intervenção: o Estado-Nação tornou-se demasiado pequeno para
resolver os grandes problemas e ao mesmo tempo demasiadamente grande para
resolver os pequenos.
Cá vem a minha declaração de interesses. Toda a gente
sabe, é público, que sou do PSD, mas antes de ser do PSD – como sempre ouvir
dizer ao Francisco Sá Carneiro – sou português, cidadão e pessoa. No mundo das
Misericórdias depressa percebi que perante as necessidades absolutas da vida
rapidamente nos deixamos demover pelos interesses partidários que são
ultrapassados pela consciência e pelo humanismo, eu diria, pela necessidade de
ajudar.
Perante o cenário actual, é preciso dizer a verdade e
pugnar para que os valores que são nossos, os valores que são do PSD, triunfem.
Não são só do PSD, são obviamente daqueles que querem que as sociedades avancem
e que avancem da forma mais justa e mais equilibrada.
Tenho um desafio para toda esta intervenção e,
seguramente, na fase das perguntas e respostas, esse desafio vai estar
presente. Sei que são jovens, sei que aqui há filhos, há futuros e presentes
pais, imaginem que num futuro muito próximo vocês vão ter um familiar, ou já
têm, portador de deficiência, um pai a necessitar de cuidados de saúde
urgentes, um avô a querer um lar, um filho sem vaga numa creche, devo dizer
aliás que hoje é um dia positivo porque o Governo acabou de anunciar de manhã
mais cerca de vinte mil lugares em creches. Já poderemos falar nisso e sobre
aquilo que os Governos têm a ganhar quando colaboram com as instituições que
estão no terreno. Ou imaginem, voltando ao assunto, um irmão que precisa de um
emprego para pagar uma coisa tão simples que é a factura da electricidade.
Eu fiz aqui um pequeno enquadramento para eu próprio
me guiar nesta intervenção. O que é isto do sector social? O que é a Economia
Social? Hoje toda a gente fala na Economia Social. Quem integra o sector
social? O que é – também se fala hoje muito – a Economia Solidária?
Depois, quero falar de alguns números sobre Portugal:
taxas muito duras; também falarei de coisas que acontecem que não deviam
acontecer e que eu chamei aqui "o impensável”; as dificuldades inerentes à
acção no terreno; a "real realidade” do sector (chamei-lhe assim porque muitas
vezes fala-se de uma realidade que não é real) e depois alguns factos para podermos
ajudar as pessoas.
Em Portugal, a Constituição da República fala em três
sectores de produção: o público, o privado e o sector cooperativo/social ou
particular. Isso está na Constituição da República, mas em boa verdade – e o
PSD tem muitos pecados nessa área, tem por exemplo mais pecados que o Partido
Socialista nessa área – tem de se fazer uma divisão simples entre público e
privado, deixando de lado o sector social. Chama-se muitas vezes o terceiro
sector e chama-se assim por uma influência anglo-saxónica. Nomeadamente os
Americanos começaram a descobrir que havia dentro do sector privado um outro
sector em que alguns dos objectivos não correspondiam à formulação do próprio
sector privado. Por isso, nos Estados Unidos começaram a chamar isso de third sector, mas na tradição latina
isso sempre se chamou sector social.
Nos últimos anos tem-se tornado fundamental. Eu
lembro-me que há uns anos o Presidente Clinton veio numa viagem a Portugal e eu
tive a ocasião de conversar com ele e ele disse-me que nos Estados Unidos havia
cerca de um milhão de Fundações. Na altura imaginei o que seria uma assembleia
geral de uma hipotética associação de fundações em que cada uma teria um
representante. Seria uma reunião com um milhão de pessoas. Porque é que isso
acontece nos Estados Unidos, em Portugal e noutros países? É porque o sector
público e o sector privado são manifestamente insuficientes para satisfazerem
as necessidades sociais.
Portanto, quem é que cabe neste sector? Em primeiro
lugar, as IPSS. Falo delas em primeiro lugar porque a legislação em Portugal, o
decreto 119/83, que já tem vinte e oito anos - um diploma da responsabilidade
do PSD na altura, embora muitas pessoas de muitos sectores tenham colaborado
nele - chama a este sector as Instituições Particulares de Segurança Social. É
muito significativo que este "P” não é Instituições Privadas de Segurança
Social. São Instituições Particulares de Segurança Social.
Prestem muita atenção porque muitas vezes ouvimos,
até responsáveis, falarem das Instituições Privadas de Segurança Social e
precisamente utilizou-se a palavra Particular para ficar bem claro que não
estávamos no domínio do sector privado.
Portanto, as próprias misericórdias estão dentro
deste ramos das IPSS, são classificadas como Instituições Particulares de
Segurança Social embora ao longo do Decreto-Lei vários capítulos lhe estejam
exclusivamente dedicadas e, portanto, constituem uma subdivisão das
Instituições Particulares suficientemente grande para terem uma autonomia e
história próprias.
Depois também cabem aqui as cooperativas,
associações, os clubes de futebol, não as SAD [RISOS], as Fundações. Depois
também faz, aquilo que eu chamei aqui, não sei se é correcto do ponto de vista
teórico, a "Economia Social Imersa”, que são as estruturas de solidariedade
familiar de proximidade e de vizinhança que são, ainda hoje em Portugal, a
primeira e mais importante rede de protecção social que há em Portugal.
Como poderão ver a seguir, eu depois quando mais
adiante vos mostrar uns números, vocês vão verificar que em Portugal – e isto
tem a ver com a dimensão do nosso Estado Social – é esta "Economia Social
Imersa” que assegura que o País funcione, em primeiro lugar.
Eu pus aqui fontes de financiamento de Misericórdias
para vocês perceberem melhor: o Estado, a cooperação do Estado tem a ver com
aquilo que o Estado entende financiar, não as Instituições – portanto em boa
verdade eu só pus aqui porque com certeza na fase de perguntas e respostas
vocês vão levantar essa questão –, eu costumo dizer que o Estado não financia
em nada as Misericórdias, o que o Estado financia, e as IPSS, são as pessoas
que estão nas Instituições. Isto é tanto assim que vamos imaginar que um lar
tenha capacidade para cem pessoas; se lá só estiverem 50 ou 80, o Estado só transfere
o valor correspondente àquele número de pessoas. Várias vezes, por exemplo na
Comunicação Social, as pessoas perguntam-me "mas qual é a dívida?”, ou "qual é
o financiamento?” e eu nunca sei porque só com vários meses de distância é que
é possível chegar a um número certo, porque todos os meses isto varia.
Depois temos as comparticipações dos utentes e das
suas famílias, isso é muito evidente no caso de um lar, e depois os recursos
próprios que vêm, no caso das Misericórdias, dos donativos, ou benemerências,
como gosto mais de chamar; temos também rendimentos do património próprio,
nomeadamente imobiliário que muitas vezes vieram dos próprios donativos e,
finalmente, as actividades com proveitos positivos.
Já agora, gostava de dizer, que no mundo das
Misericórdias – eu às vezes digo que as Misericórdias são um bocadinho como a
coca-cola, primeiro estranha-se, depois entranha-se – acontece de tudo. Desde
aquela Misericórdia que tem uma padaria para que as mães quando vão às creches
buscar as crianças aproveitam e compram o pão na padaria ou uma doçaria. Estou,
por exemplo, a falar da Misericórdia de Vila Verde, não sei se há aqui alguém
de Vila Verde, mas vale a pena ir à Misericórdia de Vila Verde, ou às
Misericórdias que têm Charcutaria, que criam porcos pretos e fazem enchidos,
como é o caso da Misericórdia do Vimieiro aqui no Alentejo.
Há Misericórdias a fazer de tudo: há Misericórdias a
fazer energias alternativas, como é o caso da Misericórdia de Boticas que tem
recursos hídricos, outras alugam terrenos, para se colocar aquelas torres
produtoras de energia. E, depois, nos hospitais, nas farmácias e mesmo em lares
com fins lucrativos, isto é, com fins de obter receitas que ajudem a suportar
as instituições.
Imaginem agora, por exemplo, o que se passa num lar.
Dou-vos um exemplo: um idoso num lar custa (para vocês fazerem uma ideia) em
média cerca de mil euros (um bocadinho menos); o Estado coopera com qualquer
coisa como 747 euros, portanto, onde é que está a diferença? A diferença está
na reforma do indivíduo ou é pago pelas famílias. Se, como muitas vezes
acontece – a família desaparece ou não tem recursos – a diferença sai dos
recursos próprios da Misericórdia. Eu, que trabalho com as Misericórdias há
mais de trinta anos, devo dizer-vos que é por esse motivo que ninguém nunca foi
posto à porta de um lar. Isto é, as Misericórdias e as IPSS também foram
capazes até hoje de continuar a assegurar com dignidade e qualidade o
atendimento às pessoas.
Contribuição para um conceito de sector social: nesta
sociedade globalizada onde vivemos e onde todos os dias se agudizam os
fenómenos de exclusão e pobreza, inúmeros actores e instituições tentam
encontrar respostas para estes graves desequilíbrios.
Estes actores não são uniformes, como vos disse há
pouco quando identifiquei quem é que constitui o sector social, e apresentam
formas e modelos diferentes, opções históricas agregadas ou não a modelos
teóricos. Mas fazem, todos, parte da mesma família alargada porque têm por
objecto a Cidadania e a realização da pessoa humana.
O sector social tem por objecto a realização, o
alcançar e promover do desenvolvimento da pessoa humana e a sua integração como
cidadãos nas sociedades em que vivem e todos nós, todos vocês, tenho a certeza
absoluta que conhecem pessoas cuja participação social não existe, nem pode
existir vistas as circunstâncias em que vivem.
Ora, todas estas organizações actuam na Economia, não
por razões de lucro, mas para servir as pessoas, sendo este um facto que muita
gente parece insistir em ignorar. Eu, há bocadinho, disse que o PSD muitas
vezes utiliza uma expressão "as instituições privadas sem fins lucrativos” em
detrimento da expressão "instituições do sector social”. Eu quero vos dizer que
isto não é ingénuo, porque já gritei tanto, já tanta gente gritou tanto contra
isto que é uma tentativa de alguns sectores empurrarem todo o sector social
para o sector privado, porque o que caracterizam como efectivo é a tal ideia de
lucro e não a tal ideia de servir as pessoas.
O Carlos não me leva a mal: há bocadinho ele estava a
contar que quando o Blair passou a presidência ao Juncker, o Blair fez um
discurso sobre Economia que agradou à Direita do Parlamento e, depois, no dia
seguinte o Juncker fez um discurso sobre questões sociais, que agradou à
Esquerda; e que tinha graça porque um homem de Esquerda fez um discurso que
agradou à Direita e um homem de Direita fez um discurso que agradou à Esquerda.
Isto tem muito a ver com isto que eu vos estou a
dizer. Eu tive um professor na Sorbonne que dizia que um homem não se pode
cortar às fatias, não há um homo-economicusou um homo-socialis – são homens!
Simplesmente!
E o que é difícil neste contexto é encontrar esse tal
equilíbrio entre o economicus e o socialis.
Quais são as diferenças? Na Economia Social
associam-se pessoas; na Economia formal associam-se capitais. Na Economia
Social o objecto não é remunerar o capital, eu diria que é cumprir a missão, ao
passo que na Economia formal o projecto é sempre remunerar capital. Na Economia
Social não se têm quotas, mas pagam-se quotas; o tudo é das Instituições,
enquanto na Economia formal o tudo é de todos, no caso do Estado, ou de cada
um, no caso do sector privado puramente dito, os shareholders. Mas não sendo o objectivo o lucro é imperioso assegurar
a sustentabilidade com a obtenção de resultados líquidos dos exercícios.
Eu de vez em quando tenho umas discussões com os
senhores Provedores que me dizem assim: "Nós tivemos de lucro 50 mil euros” –
agora já ninguém tem disso, mas aqui há uns anos tínhamos – e eu dizia "você
não teve lucro nenhum, porque você não vai distribuir, o que você teve foi um
resultado líquido de exercício desse montante, mas lucro não tem, pois lucro é
a remuneração capital e no sector social, como vos disse, não se associam
capitais mas sim pessoas.
O que não quer dizer que a Economia Social não seja
uma forma de empreender, que não seja geradora de riqueza, mas marcando uma
diferença clara entre organizações com base no capital e organizações em que a
base são as pessoas.
Voltamos outra vez aos actores de que vos falava há
pouco: temos as organizações de produtores com o objectivo de melhorar e
comercializar a sua produção, é o caso das Cooperativas; temos as iniciativas
de habitantes ou outros agentes que procuram respostas e serviços para subir a
qualidade de vida, nomeadamente o caso dos serviços de proximidade; depois
temos as Cooperativas propriamente ditas, as Mutualidades, as Misericórdias, as
IPSS e muitas outras.
Nos últimos anos, tem-se vindo a criar um ramo, um
sub-ramo, não sei o que podemos chamar a isto, a que os teóricos chamam de
Economia Solidária que é um conjunto de actividades dentro da Economia Social
cujo objecto é unicamente a resposta aos problemas sociais, onde os interesses
humanos prevalecem sobre os interesses materiais e económicos.
Esta Economia Social, por exemplo, o padre Adelino
Maia e o padre José Maia, ambos sucederam na presidência da CNIS, defendem
muito a importância da Economia Solidária e com muita razão – subscrevo
completamente – muito distinta da Economia Social, de alguma maneira, onde se
associam mais as Cooperativas e outros ramos que não têm por único objecto a
resposta a problemas sociais.
Visa recuperar o sentido social e ético da Economia
para enfrentar a desigualdade da Pobreza e da Exclusão.
Eu pus aqui as declarações do Warren Buffet, porque
quando estava a fazer este slide, ao lado no meu computador se seguiam aquelas
declaração do Warren Buffet em que ele disse que os ricos também tinham de
tomar posição o que aqui em Portugal levou a uma discussão sobre se devia haver
um imposto especial para os ricos.
Depois dos recentes acontecimentos em Londres e do
que começou a acontecer em Hamburgo, acho que vale a pena pegarmos no momento
de crise que a Europa está a viver e reflectirmos todos um pouco sobre estas
matérias.
É um bocado isto que eu dizia: esta Economia deve
assumir uma posição política de confronto de modo a serem criadas condições
para tornar o mundo mais equitativo, ou de outra forma será mais um
prolongamento de estado.
Eu pus esta nota aqui porque nos últimos anos em
Portugal, nomeadamente o Partido Socialista tentou muito isso e tentou muito
isso, como? Regulamentando tudo sobre o sector social e sobre a Economia
Solidária, tudo! Eu devo vos dizer, se me permitirem falar assim, "saltou-me a
tampa” quando vi um Engenheiro numa Unidade de Cuidados Continuados com uma
coisa que eu nem sabia – mas isso é a minha incapacidade tecnológica –, com uma
lâmpada que era agora uma fita métrica, dizer a uma senhora e a uma instituição
que aquela parede tinha que ir abaixo porque lhe faltava dois centímetros.
Portanto, faltavam dois centímetros e achava ele que esses dois centímetros
eram toda a diferença entre ter qualidade e não ter qualidade.
A Economia Social e a Economia Solidária vivem por
si, não devem ser um prolongamento do Estado; podem ser complementares do
Estado, devem ser, eventualmente, no caso da Economia Solidária até
complementares do Estado, mas não podem ser um prolongamento do Estado. Deve
centrar-se na posição colectiva recíproca das relações humanas e por isso é
sempre um conceito partilhado de direitos e obrigações.
A Economia Solidária, ainda do meu ponto de vista, é
uma tecnologia social, um mecanismo de criação de empregos e de promoção do
desenvolvimento sustentável.
Toda a gente se lembra da Qimonda? A Qimonda foi uma
empresa de alta tecnologia que se instalou em Vila do Conde. Antes da Qimonda,
a maior empresa, o maior empreendedor, o maior empregador, era a Santa Casa da
Misericórdia de Vila do Conde e, depois, foi a Qimonda e muito bem, toda a
gente ficou muito satisfeita. Hoje é outra vez a Santa Casa da Misericórdia de
Vila do Conde porque a Qimonda entretanto foi à falência. O que restou da Santa
Casa da Misericórdia dos investimentos da Qimonda foram os filhos dos
engenheiros e funcionários da Qimonda. É que a Santa Casa tem de pagar as
comparticipações deles porque não têm dinheiro para as pagar.
Nestes anos todos, a Qimonda recebeu algumas centenas
de milhões de euros do Estado em comparticipações a fundo perdido. Eu quero
dizer-vos que nesse mesmo período a Santa Casa da Misericórdia não recebeu nem
um cêntimo, mas sobreviveu e sobrevive e continua a receber as pessoas e, por
isso, há pouco dizia que não ter lucro não liberta a Economia da obrigação de
ser sustentável e de procurar ter rendimentos do exercício.
Claro que a Economia Solidária tem vindo a ser
naturalmente reforçada pela incapacidade do Estado e pela descrença nos
programas locais catapultando para novas respostas cívicas. Eu diria que a
Economia Solidária é, dentro da Economia Social, complementária à intervenção
do Estado e reforçada em situações de Crise como a que vivemos. A Economia
Solidária deve ser encarada como um modelo de desenvolvimento válido e
necessário, não só economicamente, mas também a nível humano. Agora também, uma
vez que já falei da minha relação com o Carlos, sendo ele o ilustríssimo
deputado europeu, eu não podia deixar de deixar aqui um olhar europeu sobre a
Economia Social.
Há uma das coisas, aqui há dias, conversando com o
deputado Peneda, com quem tenho também o privilégio de ser amigo, falávamos um
bocado sobre isto. A gente abre os jornais, estão aí os Média, só falam do Estado, da União Europeia
como uma Economia, mas a Europa não foi feita por causa da Economia, a Europa
foi construída para promover e prevenir a Paz, a Cidadania, a qualidade de vida
e o desenvolvimento dos cidadãos europeus. Este é o tal braço que eu acho que
neste momento e talvez explique muitos dos problemas da Europa, é a excessiva
importância da Economia na tal ideia que há um homo-economicus e um homo-socialis.
A União Europeia assumiu-se como o expoente máximo do que se convencionou
chamar de Estado Social, que naturalmente varia de Estado-membro para
Estado-membro, mas a verdade é que mesmo a União Europeia se viu obrigada a
reconhecer aos Estados-Membros o desenvolvimento e apoio à Economia Social.
Permitam-me que vos recomende a leitura da recomendação do Parlamento Europeu a
11/2/2009 que foi votada por unanimidade pelos Estados-membros e também um
comunicado final da presidência belga de 2010. Este último com o interesse de
reforçar a ideia da importância da Economia Social na Europa, que já vale cerca
de 10% na Economia Europeia e em Portugal não chegamos a 7%, o que é também
significativo da dualidade da omnipresença do Estado que vemos em Portugal e
também de uma certa postura política de muitos partidos do arco parlamentar em
relação a uma certa prevalência do privado sobre o social.
Portanto, nesta linha europeia e também em Portugal,
de Estado Social, o número de equipamentos sociais também tem vindo
naturalmente a aumentar. Actualmente, pela prevalência das dificuldades
económicas e sobretudo pela errada concepção, a meu ver, do que é o
desenvolvimento humano encontramo-nos numa situação de estagnação que eu temo
que seja para durar alguns anos. Ou seja, a resposta dos encadeamentos sociais
tenderá a diminuir nos próximos anos e por isso vale a pena saudar, vale mesmo
a pena saudar, medidas como, curiosamente foram tomadas hoje pelo Ministério da
Solidariedade, depois quando falarmos disto vou ser mais concreto em relação a
essas medidas, mas às vezes sem gastar dinheiro, só com bom senso, só com boa
vontade e com o diálogo é possível aumentar o número de respostas sociais de
uma forma que satisfaça efectivamente as populações.
Agora vamos falar mais de números, relativamente às
respostas sociais estima-se que 79% são propriedade do sector social, apenas
1,5% corresponde ao sector privado, são sobretudo Lares e Creches e dos cerca
dos 20% - que é o que falta aqui entre os 80% da rede pública estatal – mais de
metade já é gerido por instituições do sector social e o Ministro Mota Soares
anunciou há dias, quando apresentou aquele programa estratégico de emergência,
a sua vontade de entregar os restantes 20% à gestão do sector social. Nos
últimos anos o que é que se fez mais em Portugal? Creches, Lares de Idosos e
serviços de apoio domiciliário. Isto tem uma razão, digamos as duas últimas têm
a ver com o aumento da esperança de vida e a importância dos problemas do
envelhecimento em Portugal, o primeiro tem a ver com a fraquíssima resposta que
havia em Creches, com a circunstância de cada vez haver mais mulheres a
trabalhar, com algum enfraquecimento da tal rede de economia social imersa e
portanto dos pais e das mães que poderão ajudar a tomar conta das crianças e a
falta de creches no nosso país, efectivamente.
Todos conhecem o programa PARES que o anterior
Governo lançou para tentar de alguma forma responder a esta dificuldade.
Eu agora vou-vos mostrar um mapa que eu acho ser
muito importante. Isto é o que temos de dados, quero dizer que usei os dados do
INE, mas que de alguma maneira correspondem à nossa sensibilidade.
As taxas anuais: creches, cerca de 30%, o que quer
dizer que 64% ficam com as famílias; centros de actividades ocupacionais, 7,5%,
portanto muitos jovens que podiam ter actividade não têm para onde ir; lares
residenciais, 24,9%, que quer dizer que 75% dos Idosos ainda consegue ficar nas
suas casas, o ainda mal é quantos desses já não poderiam estar nas suas casas,
mas sobre isso ninguém tem números exactos; serviços de apoio domiciliário a
pessoas com deficiência 7,8%, aqui todos percebem que estamos com taxas
baixíssimas no nosso País; centros de dia, 21%, é também uma taxa muito baixa
porque muitos dos idosos que não estão em Lar estariam com certeza muito melhor
se tivessem em centros de dia, isto é, se tivessem um sítio para estar enquanto
as famílias vão trabalhar; Lares de Idosos, 19,8%; ah, eu aqui, desculpem lá,
lares residenciais são lares para crianças com deficiência; os serviços de
apoio domiciliário a idosos, 26,5%, também é uma taxa muito baixa.
Isto dá uma ideia muito clara do que é o nosso Estado
Social em termos de respostas e por isso quando às vezes nós ouvimos dizer que
o Estado Social está em risco, é preciso perceber do que estamos a falar e qual
é a resposta que temos. Perante pirâmides demográficas já invertidas, como é
que pode Portugal ter ainda como objectivo taxas de cobertura nos 19% e 20% a
idosos, foi aquelas que eu vos mostrei aqui no quadro anterior.
Porque é que eu chamei isto de impensável? Porque
isto tudo é muito bonito quando vemos o quadro com os números, mas se for o meu
avô, se vocês puserem isso no "meu avô”, na "minha avó”… Em Portugal existem
ainda – para quem ainda tem a sorte de os ter – duzentos e vinte mil lugares na
totalidade de respostas para Idosos, só que, em Portugal, com 65 anos já vamos
nos um milhão e novecentos indivíduos. Esta situação agrava-se de ano para ano,
já que os dados demográficos são implacáveis e nos próximos anos vão chegar a
esta categoria dos 65 anos a geração do baby
boom e portanto este número vai ter um salto muito grande.
É óbvio que, para não estarmos aqui a fazer dramas,
ainda bem que o De. Albino Aroso que já tem mais de 82 anos e quando fez 70
anos disse-me "sabe, Manel, eu agora sinto-me muito bem, porque um homem de 80
anos tem a vitalidade de um homem de 60”, e eu disse-lhe "você parece aquele
cineasta americano (o Woody Allen), que de dez em dez anos faz um filme a dizer
como é bom ter sessenta anos e assim sucessivamente.
Mas isso é verdade e nós não podemos olhar para este
número como uma desgraça, porque felizmente é um facto a melhoria das condições
sanitárias, a melhoria da qualidade de vida, faz com que onde o problema se
agudiza é quando as pessoas ficam dependentes, enquanto isso não acontece tudo
vai bem. Isto depois motiva na nossa população coisas muito engraçadas. Eu devo
dizer que, como disse nas Misericórdias e trabalho para elas há trinta anos,
tinha mais ou menos a vossa idade quando comecei a trabalhar para as
Misericórdias, nessa altura não era difícil pôr uma pessoa num lar. De vez em
quando vinha uma pessoa ter comigo e dizia: "olhe, eu queria pôr o meu tio, ou
o meu pai num lar”. Não era difícil porque não havia muitos idosos e porque a
taxa de rotatividade era muito rápida, hoje temos muitos idosos e a taxa é
muito baixa. Ou seja, demora muito tempo a haver uma vaga num lar.
Por isso, como calculam, a minha secretária tem lá
uma pilhazinha de cunhas que é uma grande instituição portuguesa como vocês
sabem; o que leva as pessoas a inscreverem-se em vários lados. Numa lógica que
podíamos dizer just in case, isto é,
se eu precisar já estou ali inscrito e vou para o lar, quando o que nós
devíamos ter é uma lógica just in need,
isto é, quando precisarem vão para o lar. Esta situação agrava ainda muito mais
o problema porque como não há a garantia de ter lugar muita gente se inscreve
para o dia em que vier a ter essa necessidade e isso agudiza muito mais o
problema.
Agora vamos à população portadora de deficiência,
existem 635 mil indivíduos, estamos a falar de pessoas como sabem – eu sou
deficiente, basta ter aqui os óculos, sou deficiente, mas não é disso que
estamos a falar – com graus de incapacidade entre 30% a 100%, dos quais se
destacam os indivíduos com incapacidade superior a 80%, estamos a falar de 73
mil pessoas em Portugal. Aqui é a carência é total, porque apenas 40 mil
frequentam algumas respostas sociais de serviços e equipamentos e toda a gente
sabe qual é o drama das famílias que têm jovens deficientes ou deficientes a
cargo.
Creches: a situação actual é tão desconcertante que
face às exigências da segurança social o custo médio é de 350 euros, que é o
custo da Universidade, – já não sei, não faço Universidade há muito tempo, mas
os meus dizem – o que é impensável, que uma criança numa creche custe o mesmo
ou perto do que custa um estudante universitário. E porquê? Por causa das
exigências do Estado.
Cresce o número de Misericórdias com pedidos mensais
para isenção de pagamentos das salas de creche dado que as famílias não têm
condições para suportar a comparticipação, há mesmo casos em que os educadores
– as meninas se fazem o favor, que são mais sensíveis a estas coisas, de
olharem para esta frase, porque isto é inaceitável – que se apercebem que as
crianças só se alimentam na instituição e que a fralda posta no dia anterior
chega a ser a mesma para o dia seguinte, eu devo vos dizer que hoje nós sabemos
que nas nossas instituições, à sexta-feira, nomeadamente aquelas que são
fechadas ao Sábado e ao Domingo, e que o dia em que as crianças mais comem é à
segunda-feira. Isto tem uma leitura.
Uma em cada cinco crianças portuguesas vive em risco
de pobreza. A incidência da Pobreza infantil em Portugal é de 24%. O Estado não
se tem adaptado à realidade portuguesa e esconde-se, isto é, exige-se tudo mas
não comparticipa e depois temos este problema, é que temos uma taxa de
natalidade baixíssima, como sabem o ano passado devíamos ter 1,9, quando
devíamos ter pelo menos 2,1 para assegurar a renovação das gerações.
Ora, perante este quadro é difícil exigir a um jovem
casal que vá ter três ou quatro filhos. Portugal registou no início de 2010 a
terceira menor taxa de natalidade dos 27 Estados da União Europeia.
Podemos falar das crianças e jovens em perigo,
sobretudo nas alterações sociais, por faixas etárias a partir dos 3 anos. A
morosidade processual: há uma técnica que trabalha comigo e que ao mesmo tempo
gere uma instituição de crianças com risco; eu devo dizer que entre o divertido
e o impensável, tudo acontece. Desde as jovens esfaquearem os técnicos,
assaltos, é uma loucura o que hoje se passa nos Centros de emergência a
crianças em risco, sobretudo em Lisboa.
Sobre os idosos, eu já disse, como há pessoas que vão
para os lares just in case, temos
muitas pessoas com mais dez anos em lar; há o aumento da esperança média de
vida, e depois temos aqui uma coisa que é muito importante eu é a rede de
cuidados continuados porque os Lares não foram concebidos para terem pessoas na
fase final da sua vida e portanto o Lar não está preparado para este tipo de
resposta. Para além do mais, devo dizer, que das coisas mais depressivas é
entrar num lar em que 50% das pessoas estão acamadas, de boca aberta e deitadas
ao lado de outras pessoas que são activas e que poderiam ter uma vida activa.
Eu julgo que se eu vivesse num lar desses todos os dias me havia de perguntar a
mim mesmo quanto tempo falta para "ficar como aquele”, quero dizer, acho que
deve ser das coisas mais péssimas que existem.
De facto, só a
rede de cuidados continuados, que devo dizer que é um pilar do sistema de saúde
imprescindível e acho que o novo Governo – eu estou aqui a apresentar estes
dados e até estamos num momento político importante porque o Governo acabou de
chegar, é esta a realidade que o país tem, mas acho que obviamente na questão
dos cuidados continuados, porque ainda por cima é muito mais barato ter uma
pessoa nessas circunstâncias, numa unidade de cuidados continuados, do que num
hospital.
E, depois, a minha guerra – parece que também é do
nosso Presidente da República, já não estou completamente em má companhia – que
é tornar possível, acessíveis, alguns cuidados absolutos. Isto é, nós pomos um
idoso num lar, depois ele precisa de roupa, cama e mesa lavada, depois precisa
de uma cirurgia de cataratas e fica cinco anos à espera de uma cirurgia de
cataratas que é uma cirurgia que se faz em cinco minutos. Isto quer dizer que
quando ele chega, perdeu cinco anos numa cirurgia que se pode fazer em cinco
minutos e que muitas vezes o sector social está em condições de o fazer muito
mais barato do que o sector público é capaz de o fazer.
Deixem-me só chamar a atenção a um aspecto que é
muito importante: há provedores a relatar-me casos em que os filhos utilizam as
mais diversificadas estratégias para reterem as prestações dos progenitores,
dos idosos, aliás aqui até há algum tempo – eu tive de ir à televisão falar
disto – havia filhos que estavam a ir buscar os pais aos lares. O problema não
era das Misericórdias, quero dizer, a pressão era tanta que entrava logo outro,
era das pessoas que saíam, porque eram as mesmas pessoas que há um ano ou dois
fizeram bastante pressão – a tal cunha - para entrar num lar. Nada tinha mudado
naquela casa, por alguma razão a família tinha menos dinheiro e a reforma do
idoso dava jeito para pagar a prestação do carro, ou as férias na Madeira, no
Brasil, em Cancun, e por isso ia-se buscar o idoso, à custa de quê? Se a casa
há dois anos não tinha lugar para o idoso, agora também não tinha. Portanto, eu
gostava só de chamar a atenção para este número: 1,9 milhões de portugueses são
pobres, ou seja, vivem com menos de 407 euros por mês (valores de 2007 e estão
a crescer). Sem os apoios sociais do Estado, a Pobreza em Portugal atingia não
apenas 8% mas quase 40% e estamos a ter um novo rosto de pobreza que é a
pobreza laboral, que são as pessoas com um emprego, mas que ganham de tal maneira
mal que continuam a pedir apoios, eu devo dizer que na União temos quatro ou
cinco mails por dia destas pessoas a
pedirem apoio.
Portanto, algumas Misericórdias, como sabem, abriram
refeitórios, isto tem saído na Comunicação Social. O que é que nós verificamos?
Mesmo nas Misericórdias que já tinham refeitórios sociais, é que mudou o perfil
das pessoas que lá iam; quem lá iam eram pessoas idosas, hoje vão pessoas na
faixa dos 40 anos e perante isto e quando se diz que o Estado não tem dinheiro,
eu ouvi dizer que vem cá o Ministro da Economia, acho que são boas perguntas
para se lhe perguntar: TGV ou políticas de protecção social? Aeroporto de
Lisboa ou políticas de protecção social? PPP na Saúde ou políticas de protecção
social? Hospitais mal geridos ou políticas de protecção social? É porque quando
se diz que não há dinheiro é preciso pôr isto em cima da mesa; são boas
questões para se pôr ao senhor Ministro da Economia.
Isso são questões que não valem a pena. Só alguns
números que nós respondemos: em 2010, nós temos 19 hospitais em que teremos
atendido cerca de 640 mil pessoas e a nossa estimativa é atender este ano cerca
de 900 mil pessoas e também sabemos que se fosse por políticas públicas, isto
é, se estas instituições não servem vou pôr isto tudo público, esta despesa
quadruplicaria. Já vos disse que empregamos cerca de 200 mil pessoas e se fosse
o Estado precisava de fazer disto 600 mil, talvez não resolvesse a questão do
Emprego mas com certeza dava cabo das finanças públicas em Portugal.
Algumas questões positivas: é preciso criar um novo
enquadramento de rendimento social de inserção, aliás já está previsto no plano
de emergência. São precisos programas séries de combate à Pobreza na população
idosa; é necessário avançarmos – há bocado também falei nisto – na rede
nacional de cuidados continuados integrados; é necessário aproveitar a rede de
cuidados agudos do sector social; é necessário anunciar já a flexibilização da
tutela às exigências feitas às IPSS, também já está no plano; e é necessário possibilitar
a Inovação e as Novas Tecnologias para ultimar as respostas sociais.
Eu devo dizer que – e aqui permitam que neste fórum
lhe preste grande homenagem – eu trabalhei muito com o querido amigo nosso,
desaparecido há um mês, chamado Diogo Vasconcelos, com quem nós trabalhamos
muito nesta questão das Novas Tecnologias para optimizar as respostas sociais e
ele disse até inclusivamente à equipa que trabalhava com ele, que a maior
homenagem que lhe podíamos fazer era continuar esse trabalho, pois as Novas
Tecnologias (depois podemos falar nas perguntas e respostas) são fundamentais
para ajudar a melhorar isto sem custos. É necessário uma verdadeira rede de
cuidados de cuidados domiciliários. Nós, perante o número de idosos que vamos
ter – eu sou dos que pensam que não podemos transformar o país num imenso lar;
precisamos de lares, mas não podemos fazer do país um lar – é preciso estarmos
atentos aos novos fenómenos sociais; rever todo o sistema de acolhimento de
crianças e jovens em perigo, e aqui uma questão que o nosso Primeiro-Ministro
tem chamado muita atenção para isto e é também uma das nossas pedras-de-toques:
qualidade e luxo são coisas diferentes. Nós podemos e devemos ter respostas de
qualidade, não é aceitável falarmos de Cidadania e depois não acolhermos bem as
pessoas, mas não precisamos de ter luxos.
Ok, eu termino. Tinha aqui um poema, mas deixo ficar
aqui e vocês lêem. Muito obrigado.
[APLAUSOS]
Nuno Matias
Muito obrigado, Dr. Manuel Lemos. Vamos passar então
às perguntas. Começa o Grupo Bege pelo Carlos Sampaio da Costa.
Carlos Sampaio da Costa
Antes de mais, boa tarde.
A pergunta que eu vou colocar é a seguinte: tendo em
conta que diversas instituições de solidariedade são apoiadas pelo Estado, será
preferível caminhar para uma integração cada vez maior numa rede pública ou
torná-las mais independentes. Deseja um Estado mais ou menos interventivo nesta
área? Obrigado.
Manuel de Lemos
Se tivéssemos uma rede pública eram logo quatro vezes
a despesa, que subia quatro vezes mais; são os números que nós temos e não são
ao acaso, porque resultam de algumas respostas públicas que o Estado nos
entrega, como eu disse, cerca de 20% dos equipamentos sociais públicos estão já
a ser dirigidos por instituições do sector social: Misericórdias e IPSS.
Portanto, nós sabemos que aí houve reduções, a despesa diminuiu quatro vezes;
nós não estamos neste momento em condições disso. Também não sou adepto de não
haver tutela. Somos todos portugueses e eu acho que a tutela faz sentido.
Porém, a tutela não deve ter a ver com os tais dois centímetros que eu referi
há bocado. A tutela deve ter a ver com resultados, isto é, numa unidade de
cuidados continuados, por exemplo, se entra lá uma pessoa – eu não sou médico,
não sei se há aqui estudantes de medicina; se eu disser muita asneira (ah, há
aqui uma médica) você desculpe-me – preenche um conjunto de tabelas; oiço falar
em CAT, que são os índices, por exemplo, se a pessoa teve um AVC, os índices de
dependência.
O que deve interessar ao Estado é se no fim do tempo
que lá esteve a pessoa melhorou ou não melhorou, e melhorou segundo o padrão
que há-de estar no acordo celebrado entre o Estado e a instituição que presta o
serviço. Agora se isso foi decidido com cinco médicos, com nove ou dez
enfermeiros isso não faz diferença – do meu ponto de vista e nesse aspecto
permitam-me mas sou muito americano –, o que me interessa é o resultado.
Obviamente não estamos a falar mal das pessoas e por isso é que deve haver
auditorias.
O que eu acho verdadeiramente importante nas questões
sociais é a ideia do Jean Monet que dizia: nós não podemos pôr uns Estados de
um lado, os outros do outro e o problema no meio. Não, nós temos de nos pôr
todos do mesmo lado porque nós somos todos Estado.
Há o "Estado-Estado”, mas depois o PSD é Estado, as
Misericórdias são Estado, é tudo Estado, porque o Estado somos nós todos e o
problema é do "outro”. E quando temos um problema grave o que acontece muito em
Portugal é pormos o problema no meio das nossas questões.
Nuno Matias
Muito obrigado. Grupo Roxo, Helena Rebelo.
Helena Rebelo
Boa tarde. Boa tarde ao Dr. Manuel de Lemos e muito
obrigada pela sua esclarecedora apresentação.
O grupo da cor roxa queria questionar sobre o
seguinte: sabemos que hoje, fruto da conjuntura financeira do País, assiste-se
a uma pressão financeira também sobre as Misericórdias e IPSS. Assim,
gostaríamos de saber o que pensa sobre o papel acrescido ou subsidiário que
deve ser reservado às autarquias locais e às empresas no âmbito da
responsabilidade social.
Manuel de Lemos
O que eu acho é o seguinte: o que se pede hoje às
empresas é que produzam. Vamos lá ver, Responsabilidade Social todos temos de
ter. Eu não ando numa rua em contrário porque tenho a responsabilidade social
para com o outro carro que sabe que aquela rua só tem um sentido. Tal como não
atravesso fora da passadeira. Porquê? Porque há também uma responsabilidade
social.
Nós vivemos num Estado que tem ordens. Nós vemos com
algum interesse algumas actividades das empresas, por exemplo quando têm
infantários, mas isso é sempre pensado no interesse da empresa, ou seja, a
empresa acha que como tem muitas mulheres se calhar mais vale a pena ter ali um
infantário para as mulheres não faltarem por porem os filhos no infantário. A
empresa faz uma avaliação disso; é muito interessante que o faça, porque
substitui o Estado.
Agora as autarquias locais, eu acho que devem
coordenar e ajudar as instituições do sector social a cumprirem melhor. Eu
julgo que está a referir-se não àquilo que compete às autarquias locais
enquanto instituições do Estado que têm responsabilidades sociais, mas estamos
a falar na resposta que os outros já dão. Um erro péssimo em Portugal é este
tipo de concorrência. Eu vi, aqui há uns anos, as autarquias locais a fazerem
IPSS, com todos os custos que está a ter.
Eu costumo dizer ao autarca o seguinte: o autarca e a
Misericórdia têm o mesmo público-alvo, são os cidadãos do seu concelho,
portanto, o que devem fazer mais uma vez é cooperar, é colaborar.
Até porque o país é pobre e tem muitos problemas.
Aqui há uns anos em França, houve uma transferência
de competências do Governo central para as autarquias locais. Isso era bom, mas
teve de se andar para trás porque só entrava nos Lares quem fosse do partido,
tivesse cartão de militante do partido do Presidente da Câmara. Não sei se nós
– eu, por acaso, sou dos que acho que não – temos Democracia que chegue;
portanto, grande desafio!
Assumir Responsabilidade Social, com certeza; ter
consciência de quais são os problemas daquela comunidade, sem dúvida; mas
depois cada um fazer o que sabe fazer e cooperar!
Já agora uma nota para eu terminar a minha resposta:
não é por acaso que há muitos provedores que foram autarcas e em muitos casos o
percurso de muitos políticos é passar pela Misericórdia e depois ser autarca.
Há aqui um exemplo – só quero ver o lado virtuoso – daquilo que os romanos
chamariam o cursus honorum das
pessoas, no sentido do seu percurso; a intervenção cívica também tem muito que
ver com isso.
Nuno Matias
Muito obrigado. Tem a palavra agora o Grupo Encarnado
através da Daniela Teixeira Serrano.
Daniela Teixeira Serrano
Boa tarde a todos. Dr. Manuel de Lemos, primeiramente
deixe-me congratulá-lo pela excelente exposição que acabou de fazer e também
pela disponibilidade que mostrou em estar cá connosco. Pegando muito nas suas
palavras, na exposição que acabou de fazer e tendo em conta as condicionantes
que hoje geram, incentivam e realçam o factor social do País, tornando-o
inquestionavelmente vulnerável e aparentando sistemas de crise imediatos, referindo-me
aqui não só ao sistema de crise económica em que vivemos mas também a todos os
flagelos sociais que daí advêm – falo da Toxicodependência, no Desemprego, na
ruptura familiar, na escassez do poder de aquisição de bens muitas vezes
primários, no endividamento e no agravamento dos aparatos sociais: o suicídio,
o alcoolismo, a violência doméstica – como julga a criação de associações de
carácter não lucrativo? Falo também na declaração de utilidade pública,
achando-as ou não uma resposta útil na articulação de projectos de
sensibilização da população, nomeadamente no incentivo ao voluntariado jovem
pelo interesse comum.
Reforço aqui um pouco mais o que acabei de expor,
questionando sobre as formas de fiscalização: serão elas eficazes ou nem tanto?
E qual o papel dos agentes políticos neste âmbito? Obrigada.
Manuel de Lemos
Eu acho que a sua questão reporta-nos directamente a
duas outras. Deixe-me começar por uma coisa que a mim me sensibiliza muito, que
é a questão do voluntariado jovem. Eu penso que há, se quiser que eu assuma
aqui um ponto fraco do sector social, alguma incapacidade no seu conjunto de
agregar jovens. Às vezes falo muito por razões religiosas, jovens católicos; eu
sou católico como é óbvio, penso que resulta e é evidente das funções que
tenho, mas não confundo caridade com resposta social. Caridade é uma vertente
individual. Portanto, a mobilização dos jovens neste momento é fundamental e
devo dizer que acolho todas as sugestões que me queiram dar nessa matéria
porque tenho a consciência da necessidade de sermos mais solidários. Mais
solidários na real realidade; solidários mesmo!
Eu sei que ser voluntário é muito chato. Se nós
marcamos ir à terça-feira a casa de uma idosa, ela desde segunda-feira de manhã
está à vossa espera; se por acaso não se vai é muito grave. Não é uma coisa que
se pode fazer quando se apetece, ou se prepara a pessoa, ou se estabelece um
compromisso – não é por acaso que nos estatutos das Misericórdias se chamam de
compromissos. Porque há um compromisso. Portanto eu acho fundamental tudo o que
tem a ver com voluntariado jovem, relaciona-se com a tal questão da Cidadania e
com a Responsabilidade Cívica. Vocês podem fazer muito para melhorar a situação
das pessoas.
Depois, tenho algum medo da excessiva iniciativa por
parte de individuais, eu acho que isso mais sentido dentro de organizações mais
vastas. Por exemplo, aconteceu muito na área da deficiência: os pais de
crianças deficientes fizeram isso muito e funcionou durante um determinado
momento, mas, depois, ou os pais ficaram velhos ou não conseguiram continuar e
só com muita dificuldade é que conseguiram mobilizar outras pessoas que não
tinham filhos ou parentes próximos naquela circunstância para enquadrar, por
isso faz-me muito sentido não perder essa vontade mas enquadrá-la em
organizações mais vastas que não sejam só voluntaristas enquanto organizações.
Era isso.
Nuno Matias
Muito obrigado. Pelo Grupo Verde,
o Rogério Gomes Gouveia.
Rogério Gomes Gouveia
Ora, boa tarde. Quero antes agradecer a sua vinda em
nome do Grupo Verde e também quero agradecer pessoalmente porque o admiro
muito, até porque foi uma pessoa que acompanhei muito na minha formação a nível
social a nível académico. A grande questão que trazemos penso que será uma
questão que todos os jovens que aqui estão terão curiosidade em saber: nós
sabemos que uma das grandes preocupações das gerações jovens prende-se com a
insustentabilidade do sistema da Segurança Social.
Acredita que a médio/longo prazo o sistema entrará em
ruptura deixando para trás todos os pressupostos da solidariedade
intergeracional? Será que nós, jovens, podemos confiar que também teremos
direito a uma Reforma?
Manuel de Lemos
Bom, não é uma questão de acreditar, tem de ser. Tem
de ser! Portanto, nós temos de criar as condições para ser. Pergunta-me: "é
difícil?”. Claro que é difícil. Mas nós não podemos pensar só no problema
quando estivermos lá na Reforma, por isso o problema não é só meu, eu até diria
que o meu até está mais ou menos resolvido [RISOS] e portanto, nós não podemos
dizer que é um problema só dos outros, é um problema nosso e daí a vossa
actividade política e cívica é muito importante.
Este tem de ser um tempo de responsabilidade
colectiva e nesse sentido acredito primeiro que é urgente e acredito que este
Governo esteja a tentar fazê-lo da melhor maneira possível para que esta crise
seja ultrapassada e o País entre outra vez num rumo à esperança e ao desenvolvimento
– mas o que não podemos é daqui a quinze anos voltarmos a ter o FMI como já
tivemos no passado e isto ser cíclico.
Temos de parar e mudar este paradigma do
desenvolvimento e por isso precisamos de ser mais exigentes, mais cuidadosos,
mais racionais. Quando, por exemplo, numa unidade de continuados me dizem
assim: "mas não acha melhor ter três idosos num quarto de quatro?” Eu acho, mas
custa mais dinheiro. "E não acha melhor ter dois num quarto de três?” Também
acho, mas custa mais dinheiro e o País tem dinheiro para isso ou não tem?
É por isso que eu há bocado vos chamava a atenção
para a diferença entre luxo e qualidade. Nestas questões todas nós temos de ser
muito rigorosos. O Dr. Sá Carneiro dizia: "Gostava de ter um país em que os
velhos tivessem Presente e os jovens tivessem Futuro.” É esse país que nós,
Estado, estamos todos intimados a cumprir.
Nuno Matias
Muito obrigado. Pelo Grupo
Cinzento, Sara Teixeira.
Sara Teixeira
Boa tarde a todos. Ouvimos o Dr. Manuel de Lemos
chamar à designada rede social imersa a verdadeira e mais importante rede de
protecção social em Portugal, fundada não só na transmissão de recursos mas
também nos laços afectivos relevantes. Como todos assistimos nos últimos anos a
um ataque à célula familiar – actor principal desta rede submersa – de que
forma é que o Estado pode inverter a situação? Quais as verdadeiras políticas
da Família que garantem em pleno todas as funções que são a este nível atribuídas?
Manuel de Lemos
Bom, não é por acaso que para esse ataque à rede
social imersa contribuíram duas coisas. Houve uma mudança do ciclo de vida e
alguns aspectos são extremamente positivos, por exemplo a oportunidade de vida
das mulheres. Depois a deslocalização, que teve um lado virtuoso e um lado
muito desvirtuoso que foi os grandes centros e as grandes oportunidades no
País. Portugal é muito centralizador: um jovem que queira melhorar de vida
sente-se tentado a ir para Lisboa, sob pena de nos sítios de origem ser mais
difícil. Isso também quebrou os laços, o que podemos atribuir a isso, a um
certo desenvolvimento económico que o País teve.
Mas há também a ter em conta alguns pressupostos
ideológicos – que não são os nossos, obviamente – que fizeram fé nessa
desarticulação da família como a tal célula base e da rede de vizinhos de que
você falava e muito bem.
Como é que o Estado pode fazer face a isso? Eu acho
que é libertando a Sociedade Civil. É que nós temos um Estado omnipresente, que
possui desde barbearias (li num jornal qualquer que temos uma barbearia) à TAP
(uma coisa tão grande).
A libertação da Sociedade Civil propiciará a criação
de pólos económicos diversos, vão fazer com certeza, do meu ponto de vista,
inequivocamente um reencontro das pessoas consigo próprias e aí sim, eu acho
que esse é um papel muito importante que as autarquias podem desempenhar. Nós
tivemos a autarquia do saneamento básico, depois tivemos a autarquia das
rotundas, depois tivemos a autarquia das viagens aos idosos, etc.; eu acho que
há todo um papel que as autarquias podem fazer, de qualidade de vida, de
prender as pessoas às comunidades, de articular o que é fundamental para que
você ficar nas suas terras, além de políticas activas de família (ficava aqui
uma hora e ele não me deixava falar mais), mas é importante falar nisto. Você
tem toda a razão: estivemos durante muitos anos sob um ataque ideológico claro
à Família.
Nuno Matias
Muito
obrigado. Pelo Grupo Castanho, o Hugo Frade.
Hugo Frade
Muito boa tarde. Dr. Manuel de Lemos, a questão do
nosso grupo é a seguinte: uma vez que as autarquias locais têm uma melhor
proximidade e conhecimento dos cidadãos, seria exequível delegar a estas
entidades competências de fiscalização dos indivíduos que recebem subsídios de
desemprego de forma a combater melhor os casos fraudulentos? Obrigado.
Manuel de Lemos
Isso é uma pergunta muito difícil, porque a tentação
é dizer que sim e que não. Sabe que a coisa mais fácil é ir ao Presidente da
Junta e sacar um carimbo da Junta a dizer que precisa de apoio. É a coisinha
mais fácil que há, não é? Primeiro porque o Presidente da Junta está
disponibilíssimo para achar que toda a gente na terra dele precisa de apoio e
depois ele tem um problema grave é que daqui a 4 anos quer ser eleito outra vez
e os políticos comem uma coisa chamada votos (alimentam-se de votos, não é?) e
portanto, nesse sentido à partida é na comunidade que as coisas se têm de
tratar, não é no Governo central, por isso a minha tentação de dizer que sim.
E não seria possível que em autarquias da oposição
mais radical toda a gente fosse corrida com um não, nem que fosse apenas para chatear o Governo central, por razões
meramente políticas ?
Portanto, há aqui questões que do ponto de vista
teórico você tem toda a razão, mas do ponto de vista prático e do ponto de
vista da cidadania que temos pode não ser e eu até quero dizer o seguinte:
admito que haja pessoas do PSD que achavam que também podia ser. O nível de
responsabilização política de muita gente em Portugal às vezes faz-me um
bocadinho de impressão nestas questões sociais.
Nuno Matias
Pelo Grupo Azul, o Pedro Bizarro.
Diogo Bizarro
Muito boa tarde. Dr. Manuel de Lemos, face à
desertificação que se tem verificado no interior do País, até que ponto é que
as Santas Casas das Misericórdias têm capacidade para dar resposta às
necessidades das populações? Muito obrigado.
Manuel de Lemos
A situação mais grave não é no interior do País, aí é
verdade que houve desertificação e temos grande quantidade de idosos, mas
apesar de tudo ainda há muita economia de subsistência. E é curioso que os
níveis de exigência da actual geração de idosos é mais baixo que os níveis de
exigência dos futuros idosos.
Onde os problemas são particularmente graves são os
das Misericórdias dos centros suburbanos, onde as pessoas não têm rectaguardas
familiares, onde as pessoas não têm nível nenhum de subsistência, onde as
pessoas criaram um esquema de dependência muito complexo. As Misericórdias do
Interior vão vivendo, apesar de tudo. Há pouco quando eu disse que um idoso
custava em média mil euros, isso não é nos centros do Interior, é nos centros
urbanos. Aliás, o distrito mais caro, para vocês ficarem a saber, é o do Porto,
onde o valor atinge os 1100 euros. A mim me surpreendeu muito, porque eu
julgava que ia ser Lisboa, mas a Misericórdia de Lisboa não entrou neste estudo
porque não é uma Misericórdia, como sabem.
Agora, vejamos, quando estes idosos morrerem quem é
que lá fica? Esse é outro problema e eu aí, sim, acho que as autarquias têm um
papel fundamental a desenvolver, algumas têm políticas muito interessantes
nessa matéria. Em Portugal só valorizamos o que está mal, mas há coisas muito
interessantes: há aí autarcas a fazer coisas muito giras, no sentido de prender
as comunidades.
Nuno Matias
Grupo Rosa, Nuno Pimentel Gomes.
Nuno Pimentel Gomes
Boa tarde, Dr. Manuel de Lemos. A minha pergunta e a
intervenção do Grupo Rosa leva em linha de conta aquilo que referiu quanto à
Economia Social Imersa e que terá a sua desmultiplicação numa relação mais
próxima e mais familiar e que tem muito que ver, não digo com um ataque, mas se
calhar com esta pressão que está a ser colocada junto da Família, como foi
referido pelo Grupo Cinzento.
Ou seja, de que forma é que o senhor enquanto
Presidente da União das Misericórdias Portuguesas tem noção que as mesmas terão
capacidade de virem substituir as famílias quando essas não tiverem capacidade
de continuar a prover-se. Ou seja, todos nós temos noção que com as medidas
implementadas ou que serão implementadas no próximo ano por parte do plano de
entendimento que foi assinado com a Troika, as famílias portuguesas terão uma
redução significativa em termos de capital e de disponibilidade financeira para
continuar os mesmos níveis. Obrigado.
Manuel de Lemos
Bom, nós temos uma vantagem: as Misericórdias são
instituições da comunidade, isto é, são as próprias pessoas que a fundam.
Talvez tenha seguido com atenção a discussão com a hierarquia da Igreja por
causa do papel das Misericórdias – em que eu disse que não conheço nenhuma
Misericórdia fundada por um bispo. Ou seja, as Misericórdias foram sempre
fundadas pela Comunidade, "cem homens bons”, era a ideia e significa daí que
temos um grande conhecimento disso. Agora, se você me pergunta assim: "Você
acha que as misericórdias vão ser capazes de substituir as famílias?”. Eu acho
que não são capazes nem é essa a sua função. A sua função é ser complementar da
Família; são instituições nesse sentido: complementares do Estado, da Família e
instituições da comunidade.
Eu peço ao Estado é os compromissos assumidos, por
favor não faltem. É inaceitável que haja acordos firmados que não sejam pagos a
tempo e horas. Depois, eu já não vou pedir aumento das comparticipações porque
acho que nós, as Misericórdias têm de cortar nas gorduras. Mas o Estado tem de
dar o exemplo, também deve cortar gorduras, senão ninguém se entende.
Se o Estado português não cortar gorduras a sério,
por exemplo na Saúde – que é uma área que eu domino melhor – depois também não
tem autoridade moral, nem o Estado, nem o Governo, ninguém tem autoridade
moral.
Deixem que fale desta questão das Creches que o
Ministro Mota Soares anunciou. Nós andámos a dizer isto ao PS ao longo dos
anos, mas o PS queria obra pública e fez o programa PARES em que toda a gente
se endividou, o Estado gastou pipas de massa, não sei quantos lugares fizeram,
mas acho que 13 mil lugares em cinco anos...
Nós o que dissemos ao Mota Soares – eu e o Padre Lino
Maia – perante o problema que ele tinha (não tinha onde pôr as crianças) é que,
segundo os especialistas, eu não sou especialista, que uma criança precisa de
dois metros quadrados. Isto é, desde que as salas tenham dois metros quadrados,
você em vez de limitar a oito crianças, deixe ter dez crianças ou doze. Se isso
do ponto de vista dos técnicos puser em causa a qualidade não queremos, mas se
for só o luxo, se for razoável, se os técnicos disserem "sim senhor, isso até
se faz nos outros países”, então vamos lá a isso.
Com isso nós permitimos que o Estado sem gastar
dinheiro aumente vinte mil lugares em creche; é só uma medida de bom senso.
É uma medida espectacular que abre o telejornal? Se
calhar a medida em si mesmo não é espectacular, mas como eu disse hoje à Rádio
Renascença, «grão a grão a galinha enche o papo», não é? Se houvesse dez, ou
quinze, medidas como esta na área social... é perfeitamente possível tomar
medidas como estas, nos cuidados continuados, nos lares… Porque é que 50% nos
Lares serão quartos individuais, em pessoas que nunca ao longo das suas vidas
viveram em quartos individuais. É que eu até já ouvi uma vez um responsável
público dizer "coitados, também nunca tiveram isto ao longo da sua vida...”.
Então se não tiveram também não é grave. Já estão a
viver em situações que nunca tiveram ao longo da sua vida, com as instalações
limpas, com comida cuidada, com nutricionista...
Quando na rede de cuidados continuados o Estado
exigiu que 20% das camas fossem individuais, houve muitos médicos e técnicos
que disseram "isso é errado do ponto de vista técnico” e acabou. Isso não quer
dizer que em cada piso não houvesse um ou dois quartos individuais, por
exemplo, para quem está numa fase terminal, ou uma pessoa que grita muito, um
doente menta, etc.
A questão do equilíbrio é aqui uma questão
fundamental.
Nuno Matias
Grupo Laranja, Ângela Caeiro.
Ângela Caeiro
Dr. Manuel de
Lemos, em nome do Grupo Laranja quero agradecer-lhe a sua importante
contribuição nesta Universidade de Verão.
Numa entrevista,
em Janeiro, à revista Cidade Solidária que é a publicação da Santa Casa da
Misericórdia, afirmou relativamente ao envelhecimento: "não basta dar mais anos
à vida, é imperioso dar mais vida aos anos”. Então, a questão que lhe queremos
colocar é: como podem os idosos desfrutar melhor das suas vidas?
Manuel de Lemos
Aquilo que eu disse tem a ver com a questão do aging, do active aging. E continuo a pensar rigorosamente a mesma coisa.
Quando há pouco vos dei o exemplo das cataratas em que é completamente
inadmissível nós andarmos a arranjar lugares para um idoso e depois com a tal
operação feita por nós custa 800 euros e dura 20 minutos, andar a tratar disso
durante 5 anos e não lhe dar qualidade de vida.
Como é que isso se faz? Isso faz-se sobretudo com bom
senso, com equilíbrio e far-se-á muito no futuro com as Novas Tecnologias e a
Inovação. Nós estamos a fazer uma experiência chamada TeleAlarme e constatámos
– já tínhamos essa percepção – que 75% das pessoas que accionam o botãozinho da
TeleAlarme só querem conversar. Começam por ter uma dor, mas não têm dor
nenhuma, aquilo é só um motivo para apertaram o botão. Só querem conversar, e
curiosamente 70% desses 75%, sabem a que horas é que telefonam? Fim do dia,
quando a noite cai, o que significa que apesar de todas as modernices ainda
temos um ciclo biológico engraçado; porque não é pela noite fora, os que dormem
mal, é quando a noite se põe. É o ciclo da vida.
Portanto, as Novas Tecnologias, a geração que vem a
seguir a esta que está com os facebooks, as internets, com o conhecimento e
acesso, por isso nós damos muito valor às Universidades de Idosos, porque é uma
forma de os manter activos.
Nós, na Santa Casa e em muitos lares estamos a fazer
experiências. Por exemplo: há dias estive no Algarve e um idoso veio mostrar-me
uma horta que ele cuidava. Ele sempre foi lavrador e o que ele sabe fazer é a
horta! Isto custa dinheiro? Isto não custa nada. Até dá qualidade, porque no
dia em que servem as alfaces que ele plantou faz-se uma festa no lar a dizer
"agora vamos comer as alfaces que vocês todos viram ali o senhor Zé a
produzir”. Isso cria-lhe dignidade, ele fica lá um tipo importante. Naquele dia
está toda a gente a comer as alfaces que ele plantou. A vida são estas coisas,
isso exige muito bom senso, exige animadores culturais. É dinheiro muito bem
gasto.
Se calhar é muito mais importante termos isso do que
mais dois centímetros na sala, estão a ver? Há aqui uma lógica de percepção e
isso quem é que sabe fazer? Quem sabe fazer é quem está no terreno, eu
confesso, se me mandarem fazer eu não sei, mas sei olhar para quem faz e temos
que ouvir. Depois, há uma coisa: quando eu oiço alguém dizer que sobre isso já
está tudo, eu começo logo a pensar "outra vez”, começo logo a brincar com o
computador ou com o telemóvel, porquê? Porque eu sei – nesse aspecto sou muito
socrático -, só sei que nada sei. Portanto, uma ideia que deu um resultado fantástico
em Tavira é um desastre e Olhão; e uma coisa que deu um resultado fantástico em
Vila Verde, em Amares não funciona. Porquê? Porque o nosso país é pequenino mas
é extremamente diverso, por isso, a animação cultural têm de ser as pessoas das
comunidades que têm de ser capazes de potenciar e encontrar isso.
Eu sou daqueles que acredito que a nova geração,
vocês estão aí todos a mexer, mas quando forem velhos estão todos tramados, é
verdade! O meu pai, que era engenheiro, portanto de nível cultural maior,
quando descobriu que podia mandar mailspara os amigos que tinha no Brasil, nunca mais chateou ninguém em casa. Ou
quando teve acesso ao Skype, queria saber como é que aquilo funcionava e
entendia-se com o neto que estava em Inglaterra. Isso era um trabalho
fantástico que tínhamos de fazer e, lá está, a responsabilidade social das
empresas! A Cisco Systems que é uma grande empresa e que pensa que vai ganhar
(e vai) milhões de dólares com isto, está preocupada em saber o que pensa o
português Manuel de Lemos, o francês fulano, o italiano beltrano. E estamos aí
a falar da responsabilidade social da Cisco. Isso é muito interessante, muito
interessante.
Nuno Matias
Pelo Grupo Amarelo a Tânia Bragança.
Tânia Bragança
Olá, muito Boa tarde, é sem dúvida um prazer termos
aqui o Dr. Manuel de Lemos a dar-nos estes esclarecimentostão importantes, ainda por cima numa altura em que se fala muito
destas questões dos problemas sociais e das respostas sociais.
O Grupo Amarelo ainda por cima tem a honra de
finalizar este grupo de perguntas e queríamos realmente perguntar sobre o livro
"A consciência de um Liberal” de Paul Krugman que reflecte sobre a relação
entre as variáveis crise económica e a crise social, advogando que a primeira
crise é a crise social geradora da segunda, a crise económica. Krugman apoia-se
no estudo sobre o padrão socioeconómico norte-americano, concluindo que o
colapso dos mercados financeiros advém de uma ineficácia de distribuição da
riqueza. Na sua opinião qual é a relação entre estas duas variáveis?
Manuel de Lemos
Eu aqui, só tenho de subscrever o Krugman, Nobel da
Economia, no sentido de que de facto eu também penso e disse isso quando falei
da Europa e quando falei das razões por que fundámos a Europa – a Europa não
foi fundada por causa da Economia; os primeiros líderes europeus, o Adenauer,
entre outros, sabiam que era na questão social que a Europa se resolvia
economicamente -, o que eu penso é que há aqui um grande desvio, a submissão ao
económico.
Eu apesar de ser completamente voluntário na União
das Misericórdias tenho uma actividade privada e graças a deus não me posso
queixar, agora eu respeito muito as entidades privadas, penso que mesmo para a
minha actividade privada é muito bom estar bem comigo mesmo.
Como vocês sabem, quando estão muito bem dispostos, o
vosso estudo, o vosso trabalho, rende mais. Portanto, a questão do equilíbrio,
a questão do social – e agora visto isto num plano macro - não foi por acaso
que um homem de Direita fez o discurso social, porque curiosamente se calhar
agradou a Esquerda e porque a Direita que está no Parlamento não está a ver bem
o filme. Eu devo dizer que agora estou aqui num ambiente óptimo porque é gente
que tem os mesmos valores que eu mas já estive muitas vezes em ambientes
adversos.
Uma coisa que me é muito gratificante é colocar a
Esquerda perante a dificuldade de haver pessoas de Direita que estão tão ou
mais preocupados que eles e não por qualquer objectivo político – não tenho
nenhum em vista – mas por verdadeiras razões de preocupação social, em estudar
e debater com eles as questões sociais.
Eu sou daqueles que acredita piamente que o País só
se safa se naquela hora das grandes opções, como o TGV, tiver uma determinada
estrutura social suficientemente equilibrada e quero dizer-vos que sou
completamente contra aquele rendimento social da inserção sem controle. Aliás,
disse isso quando o Dr. Pedro Passos Coelho em campanha foi lá às Misericórdias,
eu sugeri-lhe duas coisas: extinguir uma coisa chamada rendimento mínimo
garantido por rendimento social de inserção. Porquê? Porque eu acho que devemos
ter resposta para um deficiente que nunca trabalhou e que nem tem condições
para trabalhar. Podemos chamar-lhe rendimento social garantido.
O rendimento social de inserção, do meu ponto de
vista, devia estar ligado ao subsídio de desemprego, ao período a seguir ao
desemprego; agora, quando eu vou ao café está tudo cheio de senhoras do
rendimento social de inserção que não são capazes de tomar o café em casa.
Estas fulanas não mereciam receber rendimento social de inserção; eu não
percebo porque é que eu hei-de pagar dos meus impostos para estas fulanas
estarem aqui no café, não consigo perceber isso. Isso não é política social
nenhuma, nem de Esquerda, nem de Direita; isso não é nada; isso é de
responsabilização social. É isso.
Nuno Matias
Muito bem. Como sabem temos uma segunda ronda de
perguntas livres, o chamado "Catch the eye”. Vou pedir a quem tenha perguntas
para fazer, que me dê a indicação.
Cristiano Luís Gaspar
Bom é a primeira vez que falo na Universidade de
Verão de 2011. Gostaria em primeiro lugar felicitar a mesa: Dr. Manuel de
Lemos, pela excelente intervenção que teve; restante mesa, membros da
organização e os meus caros colegas.
A minha questão vai de encontro à pobreza que neste
momento grande parte da população portuguesa está a viver e na minha opinião as
dificuldades que ainda hão-de vir. Surgiu recentemente na Câmara Municipal do
Fundão a ideia da cedência de terrenos camarários a particulares que em troca
os devem tratar. Promove-se assim a responsabilidade social e uma boa
cidadania.
Tendo em conta que estas medidas têm em vista uma
agricultura de subsistência pela população, gostaria de saber qual a sua
opinião. Em primeiro lugar, se acha que esta medida é aplicável a nível
nacional e, em segundo lugar, se acha que os portugueses deveriam voltar a ter
uma agricultura de subsistência.
Mário Lourenço
Desde já, cumprimento o Dr. Manuel de Lemos pela
excelente intervenção e todos os presentes.
Gostaria de começar por dizer que não sou um
pessimista, antes pelo contrário, mas de facto generalizou-se a ideia de
Portugal como um barril de pólvora. E, a que cada medida que o Governo
apresenta, o rastilho desse barril vai caminhando até um estado incomportável.
Acha que Portugal vai chegar ao estado em que o barril explodirá? Vamos chegar
a um estado de violência, manifestação social como já se viu em Espanha e
Grécia. Podemos impedi-lo? Como? Obrigado.
Ricardo Santos
Antes de mais, queria felicitá-lo visto que teve
coragem de dizer que faz um bom trabalho, mas teve coragem para dizer que o
sistema tem os seus defeitos. E que, mais do que isso, o factor "cunha” ainda
funciona. Venho de Paredes, onde o lar é muito concorrido, para se lá entrar é
preciso o factor "cunha”. Confesso que não vinha a esta aula com muita vontade
porque achava que o senhor viria dizer que o sistema era perfeito e eu diria o
contrário. Vejo que teve coragem de o reconhecer também. Faz um trabalho
excepcional nas Misericórdias, mas tem o seu defeito e isso é muito
gratificante da sua parte.
Vou fazer um breve reflexão e gostaria de saber a sua
opinião sobre a mesma. Sou um liberal e como tal as Misericórdias são o melhor
exemplo daquilo que deve existir numa sociedade. A Misericórdia é um instituto
privado, um conceito diferente daquilo que nós temos incutido de um Estado que
paga mas que também quer conduzir as políticas sociais. Eu acredito que o
Estado deve pagar, não exigir nada em troca, não manietar as pessoas que estão
nos lares a irem votar. Deve pagar, sim, mas não orientar as políticas, que
deve ser responsabilidade das Misericórdias.
Gostaria também se saber que influência nas
Misericórdias tem a Igreja e que me explicasse o que realmente se passa.
Obrigado.
Manuel de Lemos
Muito rapidamente. Ao Cristiano, eu diria o seguinte:
eu, por acaso, acho que Portugal não deveria ter uma Agricultura de subsistência
porque a subsistirmos nesses termos, estamos mal. Agora, o que nós não podíamos
fazer e fizemos muito mal, foi largamos por completo a Agricultura, o que não
quer dizer que não tenhamos – eu tenho uma quinta ali para os lados de Amares e
por isso eu ao fim-de-semana quando posso vou lá fazer de agricultor, porque me
sinto bem comigo mesmo. Descansa-me, relaxa-me tanto quanto um livro e faz bem
o contacto com a Natureza. E devo dizer que muitas cidades do mundo, estava a
lembrar-me por exemplo de Berlim ou Budapeste, têm essa política de cedência de
terrenos para as pessoas produzirem algumas coisas. É também uma forma de
ocuparem esses terrenos, mas também é uma forma de as pessoas idosas fazerem o
seu papel – como há bocado a sua colega estava a dizer – de cidadania,
sentirem-se úteis, produzirem bens, produzirem primeurs como dizem os franceses. Em todo o caso, acho essa
política do Fundão muito simpática porque nomeadamente em momento de crise
também dá para a subsistência. A nossa política de subsistência tradicional era
o porco, o frango, as galinhas, a couve, as batatas, que se produziam. Acho que
há aqui um equilíbrio que vale a pena, mas olhar para isto como uma questão de
subsistência acho que é um bocadinho redutor.
Em relação ao Mário Lourenço, eu queria dizer o
seguinte: eu também sou um optimista, vejo sempre o copo meio cheio e mais, até
tenho dito isso e só por isso é que eu estou nas Misericórdias, porque são
instituições que celebram a Vida, o gosto de viver e não há nada que me divirta
tanto como uma boa conversa, porque trocar ideias, conversar, não ter horas; o
bem mais escasso que eu tenho é o Tempo e, portanto, eu vejo sempre o copo meio
cheio.
Há bocado eu disse sobre a violência em Londres, li
quando vinha para cá que havia uma notícia qualquer sobre a violência em
Hamburgo e estamos a falar da Alemanha. Eu acho que os Portugueses choram-se
muito. O que nós temos de fazer é agir, intervir com cabeça, tronco e membros,
com bom senso e responsabilidade.
Também aquela ideia de que somos um povo pacífico não
corresponde à nossa tradição, ou melhor, corresponde à nossa tradição do meio
século XX para diante, antes disso os portugueses eram mais brutinhos; o que
quero dizer é que em cada um de nós há sempre uma coisa escondida.
Eu sou um optimista, acho que temos de fazer melhor e
está nas nossas mãos, pegar o problema nas nossas mãos e ser inflexíveis quanto
às senhoras que vão para o café gastar o dinheiro da gente, o que quero dizer é
ser inflexível contra isso. Portanto, se houver isso, eu como sou um optimista,
estou do seu lado, não vai haver barril de pólvora nenhum. Se tanto gritarmos e
não fizermos nada é provável que ele expluda.
Gostava de dizer ao Ricardo o seguinte: não sou
adepto que o Estado pague, sou adepto que o Estado comparticipe. Aliás, na
minha discussão sobre cuidados agudos em que o PS exigia, eu sempre pus do lado
da balança que as pessoas comparticipassem e acho que também não vale de nada
mentir, porque a taxa moderadora é uma comparticipação e vocês vão ver como ela
vai subir.
O Ministro Correia de Campos levou a sua hipocrisia
ao máximo quando começou a levar taxa moderadora de uma pessoa internada, como
se a decisão de internar a pessoa fosse do próprio, não fosse do médico;
ninguém é internado por gosto, portanto como é que se vai levar uma taxa
moderadora, vai-se moderar o quê? Há é uma comparticipação, não se fez uma boa
política. Porque se nós pagarmos dói mais.
Eu agradeço as suas palavras simpáticas, mas eu sou o
maior crítico das Misericórdias. Tenho de ser, senão não sou dos melhores.
Passo a vida a exigir o melhor de mim e o melhor das
instituições onde trabalhamos, temos de ser críticos e serenos e sabermos o que
é que está mal, porque é que está mal e como está mal, o que é necessário fazer
e termos um olhar estratégico e perspectiva porque se não o tivermos nós
reduzimo-nos a instituições de caridade e aí a Igreja toma conta delas e bem.
Mas não é essa a sua tradição histórica: as Misericórdias são instituições da
Comunidade. Há Misericórdias em 24 países, não sei se sabem, e há 4200
Misericórdias no Mundo, por acaso neste momento até sou o presidente mundial
das Misericórdias. Vinha há oito dias do Brasil e lá há 2500 Misericórdias. O
sistema de saúde do Brasil é assente nelas.
Nós definimo-nos como instituições de direito
canónico mas não públicas de direito canónico, isto é, nós temos uma relação
preferencial com a Igreja no sentido de que os nossos valores são os valores
tradicionais da Igreja, nomeadamente das 14 obras de Misericórdia, sete espirituais,
sete materiais, que é cuidar dos doentes, dar pousada aos peregrinos (era
bonito nos séculos anteriores, agora quer dizer dar tomar conta dos
sem-abrigo). Agora, a minha relação com os senhores bispos, com os mais
inteligentes dos senhores bispos e o papel da Igreja Católica era outra
conversa... então é que não havia horário. [RISOS]
Essa posição tem a ver na responsabilização. Eu sou
católico, actuo como católico socialmente, nos valores, mas tenho de respeitar
as outras religiões. Não sou o único, os protestantes também fazem, os judeus
também fazem e até há nas Misericórdias – os senhores bispos não gostam de
ouvir – a Maçonaria. Eu aceito todas as pessoas, desde que não ponham em causa
os valores. Agora, a minha relação com a hierarquia da Igreja é uma relação de
entendimento e frontalidade; eles estão a tratar das almas, eu estou a tratar
dos corpos e, já agora, damos um jeito às almas – é esta a nossa posição.
Nuno Matias
Dou a palavra ao Mário Paulino do Grupo Azul.
Mário Paulino
Muito boa tarde, gostaria antes de mais nada, de o
felicitar pela sua intervenção que tanto se adequa às necessidades destes
tempos.
Até que ponto acharia benéfico o Governo Central
apostar no aperfeiçoamento e aumento do rigor na fiscalização social de forma a
potenciar a equitatividade da distribuição dos benefícios sociais e
consequentemente maximizar o número de beneficiários por justa causa? Até que
ponto não acha que seria uma reestruturação base a efectuar? Obrigado.
Nuno Matias
De seguida, do Grupo Laranja o
Joaquim Freitas.
Joaquim Freitas
Boa tarde à mesa; cumprimentar também o Dr. Manuel de
Lemos e começar com uma provocação. Se me permite, eu sou autarca
social-democrata numa Junta de Freguesia e não acho que seja assim tão fácil
passar as declarações; há autarcas muito bons, muito competentes e eu gostava
de pensar que são a grande maioria.
Mas não era essa a minha questão. A ideia que eu
tenho das Misericórdias é que elas são, no terceiro sector, uma das redes mais
bem estruturadas. Sendo isto uma realidade, não seria importante terem um papel
aglutinador e alavancador de toda uma organização de estruturas de voluntariado
jovem de forma a que fossem mais activas e dessa forma poderem transmitir
noções de trabalho social, de valores fundamentais e educação para a
responsabilidade? Tudo isto numa estratégia de empowerment da própria juventude e, eu diria, que a médio prazo, da
própria sociedade em geral? Obrigado.
Nuno Matias
Obrigado Joaquim. Do Grupo Verde,
Laura Horta.
Laura Horta
Boa tarde Dr. Manuel de Lemos, boa tarde a todos. A
minha pergunta vai no sentido das várias entidades que prestam auxílio aos mais
variados níveis, no entanto penso que podemos constatar que a articulação entre
essas mesmas entidades é pouca ou nenhuma. Não seria relevante estabelecer um
trabalho em rede em que exista uma verdadeira articulação para uma maior
eficiência social? Obrigado.
Manuel de Lemos
Muito rapidamente. Em relação ao Mário, eu diria que
é fundamental aumentar o controlo, não tenho dúvidas, já falámos sobre isso. Já
agora, quando no tempo do Eng. Guterres se lançou o rendimento mínimo garantido
houve um Presidente da Câmara, o José Vieira Carvalho, já falecido, autarca da
Maia, um dos mais respeitados que o PS teve, que me pediu – ele era
simultaneamente provedor – para que a Misericórdia da Maia fosse
experiência-piloto para o rendimento mínimo garantido e eu lá fiz a candidatura
e conseguiu ser aprovada.
Ao fim do primeiro dia eu tinha lá uma equipa e fui
lá falar com eles para saber como é que tinha corrido o primeiro dia. A técnica
social disse-me uma coisa fantástica que eu nunca mais me esqueci que foi:
"sabe quem foi o primeiro senhor que cá veio? Foi aquele senhor ali da frente”
que era um dos maiores proprietários da Maia. No papel ele tinha todas as
condições para receber o rendimento mínimo garantido. Se aquilo fosse no Porto,
no departamento de Segurança Social, preenchia os papéis e já estava, mas como
era na Maia a técnica até conseguiu brincar com ele para ver se ele se ia
embora; porquê? Pelo tal conhecimento, pela tal fiscalização que é necessária
fazer e que – temos de perceber isso – o Estado é cego e não tem
possibilidades.
Ao Joaquim faço mea
culpa pelo meu exagero de linguagem.
De facto, as Misericórdias são uma rede estruturada.
Aqui há uns dias fiquei muito contente porque a Fundação Agha Kan fez um estudo
internacional sobre Envelhecimento em Portugal, e o estudo concluía que era
necessário que o Governo se entendesse com a União das Misericórdias porque era
a rede mais estruturada que havia. Não sei quem foram, mas sei que foram feitos
por técnicos da Agha Kan.
Depois, dizer que a questão do voluntariado jovem, é
um aspecto que as Misericórdias têm de melhorar muito. Nós criámos um
departamento de voluntariado dentro da União; tem sido muito difícil interna e
externamente pô-lo a funcionar, espero que nesta fase final de 2011 ter maiores
adesões. Talvez a articulação com as autarquias seja um bom passo que não ainda
não demos e valha a pena explorar as potencialidades dessa articulação. Mas não
tenho dúvidas nenhumas em relação à questão do voluntariado jovem.
Em relação à Laura Horta, o que eu gostava de dizer é
o seguinte: eu acho fundamental haver cooperação, mas nós temos uma mania,
nisso somos muito latinos, é "a minha instituição é melhor que a tua” e eu devo
dizer que aquele amigo que disse que era outro erro das Misericórdias, o meu
desafio nas Misericórdias é que eles fazem parcerias com toda a gente e duas
Misericórdias é dificílimo fazer parcerias entre eles – é a lógica da quinta.
E, portanto, eu desafiei agora, por causa do Alzheimer, fazer uma unidade por
distrito, porque é um problema grave da sociedade portuguesa, vamos ter muito
mais doentes, já temos muito mal tratados e mal acompanhados, e tenho-me visto
em palpos de aranha para conseguir pôr as Misericórdias a colaborar umas com as
outras, lá iremos, mas também aqui há muito trabalhinho a fazer.
Nuno Matias
Grupo Castanho, Rosa Nogueira Santos.
Rosa Nogueira dos Santos
Boa tarde, antes de mais, gostaria felicitar o Dr.
Manuel de Lemos pela clareza e transparência da apresentação mas também às
respostas aqui colocadas.
Relativamente à minha questão, eu gostaria de
aprofundar um pouco mais sobre a pirâmide etária. Queria colocar uma questão
para cada extremo das faixas etárias: relativamente à faixa etária mais jovem
com a diminuição da taxa de natalidade mas também com a crise social que
atravessamos acaba por haver um aumento da procura de creches e deste modo um
aumento da lista de espera. Queria perguntar até que ponto é que as
Misericórdias estão preparadas para acompanhar este aumento das listas de
espera, mantendo sempre a qualidade dos serviços prestados.
Relativamente ao outro extremo, queria perguntar e
queria que desenvolvesse um pouco mais quais são as medidas que estão a ser
implementadas para assegurar que os jovens dos nossos dias, na sua terceira
idade, tenham assegurados os serviços de prestação de cuidados. Até aqui foi
apenas explorado que seria bom pensar em soluções, mas queria saber o que está
a ser feito agora.
Ronaldo da Rosa
Obrigado. Gostava de dar uma boa tarde aqui a todos
presentes, especialmente ao Dr. Manuel de Lemos e agradeço já a sua presença,
isto só mostra mais uma vez que o PSD é um partido que nunca se esquece dos
problemas sociais e daí também a sua vinda, o que é bastante importante.
A minha pergunta é sobre o património da Santa Casa
da Misericórdia, no que respeita às doações que os utentes fazem: falou dos
rendimentos da Santa Casa e um dos rendimentos são as doações. Eu sei que a
Santa Casa tem um património muito vasto, mas também sei que parte dele está
abandonado. Por exemplo, eu sou dos Açores e a Santa Casa lá da Horta, que é
uma das mais antigas de Portugal, tem muito património, terrenos e casas que
não vendem e estão abandonados. Eu acho que a venda deste património da Santa
Casa poderia ser encaixada nos rendimentos e possibilitar outras acções que a
Santa Casa. Era essa a minha questão, obrigado.
Nuno Matias
Obrigado. Do Grupo Bege, Tiago
Cunha.
Tiago Cunha
A minha questão é a seguinte: na minha actividade
profissional tenho verificado que o prolongamento excessivo do internamento em
unidades hospitalares, após já terem alta médica, é feito por casos sociais, ou
seja, o doente (ou de origem ou em sequência dos seus tratamentos) fica com um
grau de dependência em que muitas vezes acaba por necessitar de apoio em casa e
quando este não é possível chega-se a verificar situações de internamento
prolongado por um ou dois meses, à espera que os doentes sejam integrados numa
unidade da rede dos cuidados continuados, uma unidade de média/longa duração. A
minha questão é: como é que o estado pode tentar minorar o impacto deste
aumento do internamento, considerando que a diária média hospitalar hoje em dia
é de cerca de 200 euros e, além disso, ainda existe o custo adicional de cada
doente que está a ocupar uma vaga num hospital implica um atraso no tratamento
mais célere de outros doentes.
Manuel de Lemos
Acho muito benevolente os 200 euros, os números que
eu tenho são os 400/500 euros e gostava de dizer que uma unidade de cuidados
continuados, mesmo as mais caras, são 104 euros, portanto, estamos a comparar
500 com 104 e é óbvio que a rede está a ser criada e ainda tem dificuldades. A
única forma que há de minorar o prolongamento do internamento excessivo, tem
toda a razão, é uma das pechas. Há coisas virtuosas e outras não. O
congestionamento dos hospitais também facilita outras coisas menos virtuosas à
volta. A rede de cuidados continuados é uma rede fundamental de qualquer
sistema moderno de saúde, por isso eu disse que era necessário apostar mais num
prolongamento da rede embora eu pense que é necessário repensar a rede.
Depois, em relação ao Ronaldo, estava a falar-me da
Santa Casa da Misericórdia da Horta. A questão da gestão do património é
central para muitas Misericórdias e também como aqui há todo um trabalho a
fazer. Fiz um trabalho muito interessante nessa matéria na Santa Casa da
Misericórdia do Porto: dividiu-se o património em várias áreas. O património
que estava afecto aos equipamentos (hospitais, lares, etc.), património que era
estratégico e que valia a pena recuperar e pôr a obter rendimentos e património
que não era estratégico e que fazia mais sentido vender. Embora aí haja alguma cautela,
porque também as pessoas lá das Misericórdias não são todas santas – fico por
aqui.
No tempo que eu passei numa Misericórdia que já não é
Misericórdia, que é o caso da Misericórdia de Lisboa, criei um fundo
imobiliário fechado em que entregava, a quem sabia, o aproveitamento desse
material. Temos pensado em criar na União das Misericórdias Portuguesas um
apanhado, prepararmos a experiência que fizemos há seis anos na Misericórdia de
Lisboa e replicá-la pelo menos no património que muitas Misericórdias têm em
Lisboa. As Misericórdias são um mundo fantástico, têm património – aqui há dias
ligou o La Féria que queria comprar um edifício ao lado do Politeama, ele
julgava que era da Misericórdia de Lisboa, não era, era da Misericórdia de S.
Pedro do Sul - portanto, este mundo aqui à volta é um mundo muito interessante.
Mas com certeza que há gestões – chamam-se Mesas de Misericórdias – mais
vocacionadas para isso outra menos. Portanto há aqui muito trabalho a fazer,
por isso é que eu digo que as Misericórdias são instituições com muito
potencial, são quase como jogadores de futebol.
Depois, em relação à Rosa Nogueira Santos, eu aqui
começava pelos idosos e dizer-lhe assim: curiosamente, se nós olharmos a muito
longo prazo nós até temos equipamentos que cheguem, não temos é para os 20 anos
mais próximos, porque como nascem poucas crianças daqui a 50 ou 60 anos vai
haver muito poucos velhos. Se calhar, partindo do princípio que um lar demora
20 ou 30 anos, vale a pena pensarmos se vale a pena fazermos muitos mais lares.
Por isso eu disse ali, que era fundamental apostar – até para não tornar o país
num imenso lar –, numa rede de cuidados continuados assente na circunstância
dos velhos que vão chegar, que vocês hão-de ser um dia se deus quiser todos
hão-de lá chegar, com outro background cultural,
outro nível e daí tudo o que eu disse esse trabalho que estamos a fazer de
Inovação e Novas Tecnologias, o que se vai fazer por exemplo citei o caso dos
TeleAlarmes.
Um idoso precisa de quatro coisas: necessidades básicas,
cama, mesa, roupa lavada, e pode-se ter ou no lar ou na casa dele se tiver,
precisa de segurança, vocês não têm ideia mas os assaltos a idosos têm
aumentado de uma maneira brutal, já há gangues aí a operar e vão operar mais;
precisa de outra segurança que é a segurança médica, portanto tudo o que se
está a fazer aí em termos de censores médicos ligados que podem disparar numa
central; e depois, precisa de uma coisa que são os afectos, no combate à
solidão. Portanto, são estas quatro coisas.
O que nós estamos a fazer é olhar para isto para
sabermos com investimentos razoáveis e tentar puxar a cortina do futuro para
vermos como é que as coisas vão funcionar e podem funcionar daqui a dez anos.
Como me dizia, aqui há dias, um provedor no Ribatejo: "eu já não tenho velhos
como os que lá tenho”. O que ele me estava a tentar dizer é que aquela geração
é a última daquele tipo. Nós temos de adequar as nossas respostas a isso, o que
estamos a tentar fazer é tentar melhorar a capacidade de responder a isso; com um
grave problema: isto não é como aqueles cafés em que se passa e está lá um
papel cinzento a dizer "abre daqui a uns dias com nova gerência”, nós temos que
nos manter em funcionamento da unidade em que nós estamos.
Em relação aos mais jovens, às Creches, que foi a
outra pergunta que me pôs, eu penso que respostas como a que o senhor Ministro
das 20 mil vagas são respostas efectivas da nossa capacidade de colaborar e
cooperar, nós com o Governo.
Nuno Matias
Muito obrigado. Do Grupo Encarnado, Ruben Fonseca.
Rúben Fonseca
Boa tarde à mesa, cumprimento também ao Dr. Manuel de
Lemos e um bem-haja por ter vindo cá.
A minha pergunta é muito simples. «O Ministério da
Saúde está a pôr em risco as Misericórdias e as instituições de acção social»,
esta frase não é minha, é do Dr. Manuel de Lemos, de há dois dias atrás. Vemos
aqui uma coisa curiosa, é que o Estado não está a ajudar, está sim quase a
comportar-se como um obstáculo, um inimigo, aquele que não quer que de facto os
outros ajudem.
A minha pergunta é muito simples: deve haver
regulação dentro do próprio Estado para que acções como dar Magalhães mas não
dar refeições; dar computadores mas não dar ajuda às famílias sejam revistas?
Deverá ter o Estado alguma entidade fiscalizadora destes absurdos sociais?
Obrigado.
Nuno Matias
Obrigado, Ruben. Do Grupo Bege,
Miguel Gavino.
Miguel Gavino
Boa tarde, Dr. Manuel de Lemos. Devo começar por
dizer que eu sou da Póvoa do Varzim, que para quem não conhece fica mesmo ao
lado de Vila do Conde onde foi o caso da Qimonda.
Nesta tarde estivemos a ouvir bastante falta de
fiscalização por causa das taxas, mas tendo em conta a forma como os gabinetes
e serviços estão organizados, PPP e projectos que levam derrapagens monstruosas
e ajudas a multinacionais em que toda a gente vai para a rua, como é que o
senhor que gere Misericórdias explica como que com poucas ajudas elas consigam
fazer tanto trabalho? Obrigado.
Nuno Matias
Muito obrigado, Miguel. Para finalizar do Grupo
Verde, Bruno Brito. Pedindo desculpa por alguma falha minha, mas compreendam,
vamos depois procurar compensar numa futura aula.
Bruno Brito
Boa tarde a todos. Queria agradecer ao Dr. Manuel de
Lemos estar aqui presente e a sua excelente apresentação tão bem estruturada.
Referiu na sua apresentação que há cerca de 220 mil lugares na totalidade das
respostas sociais para idosos, mas há cerca de um milhão e meio de indivíduos
com mais de 65 anos. Tendo em conta que isto pode propiciar isolamento, maus
tratos por parte das famílias, crescimento exponencial de lares ilegais e tendo
em conta estes dados e o facto de que se está a criar ou pensar a começar a falar
na comissão de protecção aos idosos, qual será o papel que as Santas Casas da
Misericórdia devem ter nestas comissões e qual a importância destas comissões
na sociedade?
Manuel de Lemos
Começo pelo Bruno: as Misericórdias estão representadas
nessas comissões. Mais uma vez as instituições são instituições de pessoas, eu
conheço comissões (de ouvir dizer, nunca participei em nenhuma) onde me dizem
que as coisas funcionam muito bem ou outras onde as coisas estão muito
diluídas. Mais uma vez isso tem muito a ver com a organização e às vezes faltam
regras claras para intervir.
Portanto, tudo o que você disse vem no acréscimo do
que eu disse, mas por exemplo, em Lisboa, a própria Segurança Social estimula
os lares ilegais. Porquê? Porque não há respostas… Eu se me colocar no papel de
uma assistente social, compreendo que ela ponha de um lado da balança os maus
tratos de uma pessoa e do outro o lar ilegal... Voltamos sempre à velha questão
das opções e das escolhas Às vezes temos a tendência de responder ao imediato,
o que é aceitável, é da natureza humana.
Esta questão de olharmos a 20 ou 30 anos, às vezes
não são prioridades políticas e como não são só se tornam prioridade política
quando têm uma dimensão muito grande e a gente percebe que se fosse olhado com
atenção há 10 ou 20 anos atrás, por exemplo a Demografia era prevista, é uma
ciência exacta, eu não sou demógrafo, mas o João Valente Rosa e outras pessoas
escreveram sobre isso há muitos anos.
Como há bocado disse a vossa Rosa Nogueira dos
Santos, nós sabemos agora que se calhar daqui a 60 anos não via haver tantos
velhos, nascem menos, não é? Há aqui uma questão, por isso é que eu respondi há
bocado àquele líder de grupo, sobre como é que garantimos que teremos pensões,
nós temos de tratar do problema agora, não é chegarmos lá e se não tivermos
dinheiro não pagamos as pensões ou pedimos ajuda ao FMI da altura. Há problemas
que nós temos de nos preocupar agora.
Em relação à resposta do Miguel Gavino eu confesso
que não sei responder, isto é, eu também me admiro como é que as coisas
funcionam – a Dra. Maria José Nogueira Pinto dizia que as Misericórdias eram
muito elásticas. Mas acho que até este tempo temos a necessidade de parar, isto
é, nesse aspecto alguma exigência de qualidade que temos de ter, por oposição é
melhor ter isto que coisa nenhuma, às vezes mais vale ter coisa nenhuma que ter
aquilo.
Digamos, a exigência da sustentabilidade associada a
isto vai pôr problemas sérios a algumas Misericórdias; eu estou muito
preocupado com algumas Misericórdias, mas apesar de tudo é para mim um enigma
como é que nós conseguimos. É um bom enigma, eu tenho uma solução para isso: é
o manto da Nossa Senhora da Misericórdia. O que me leva a outro raciocínio:
como é que é possível se é assim? Claro que o sector público é muito
complicado. Eu não estou a dizer que as pessoas são más gestoras ou não são
sérias, mas, reparem, eu preciso de um computador, se estiver na Misericórdia
digo "vai ali comprar um Toshiba”, faço cinco ou seis perguntas e se for mais
barato na FNAC eu mando comprar na FNAC; um gestor público tem de fazer um
concurso público, ou uma consulta pública, é um processo por negociação, isso
vai logo dar um custo danado àquilo. Reparem, há regras próprias da função
pública que favorecem em nome da transparência e seriedade que também fazem as
coisas como são. E isto conduz-nos à pergunta do Ruben.
Sabe porque é que eu disse aquilo, Ruben? Eu disse
aquilo por duas razões. Você leu a notícia toda, já estou a ver. O senhor
provedor de Estômbar, de profissão carteiro, provedor da Misericórdia de Estômbar,
telefonou-me a chorar, a chorar porquê? Porque há quatro meses que não recebia
nenhuma transferência do Estado. A Misericórdia de Estômbar – sabem onde é
Estômbar, ao lado de Portimão, uma aldeiazinha ali em Portimão – é uma
Misericórdia pequenina numa aldeia piscatória, ele fez aquela unidade de
cuidados continuados porque o Estado português lhe pediu. Se me perguntassem a
mim se eu achava que a Misericórdia de Estômbar tinha condições para fazer uma
unidade de cuidados continuados, eu tinha dito que não, porque é uma
Misericórdia de uma comunidade piscatória muito pequenina, ou então fizessem
uma unidade maior em Portimão. Eu tinha dito que não, mas ninguém me perguntou
nada e insistiram com o provedor. Hoje devo dizer que quando me falam referem
que a Misericórdia funciona com qualidade, contudo, não têm recursos
financeiros nenhuns para aguentar dois meses e sabe por que ele estava a
chorar? Porque não lhe fiavam dinheiro na mercearia para comprar a comida e a
população olhava para ele como se fosse ele que devesse.
Ele é um homem de bem, não deve dinheiro a ninguém;
ele só devia porque o Estado português, que tem a obrigação de saber melhor que
eu que Estômbar é onde é e tem a dimensão que tem. E mesmo assim o empurram
para fazer aquilo. Mais, tem outra coisa, que é o capital relacional, porque se
for o meu querido amigo António Tavares (que o Carlos Coelho conhece) que é
provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto e se atrasar, eu digo "opá, vai
ao banco, telefona para o BES e diz ao Ricardo Espírito Santo que espere mais
quinze dias, que eles esperam e financia-te”. Agora, é óbvio que ele tem isso,
conhece as pessoas, tem capital, tem poder económico para fazer isso, mas Estômbar
não tem. E mais, a Misericórdia de Estômbar ou as Misericórdias à volta não
recebem durante quatro meses, não é quinze dias de atraso. Uma de duas: ou não
têm de todo dinheiro, ou então quando têm, tinham lá umas pessoas para comer,
mas como têm de pagar ao fim do mês já não vão dar e têm mais dificuldades em
dar de comer às pessoas. Por isso é que eu disse aqui que a única coisa que eu
peço é que cumpram os compromissos assumidos e que os compromissos assumidos
são para se cumprir. Portanto, se houver que fazer opções para fazer cumprir os
compromissos têm de se fazer.
Gostava de vos dizer o seguinte: foi um prazer, um
privilégio de ter a oportunidade de falar convosco. Devo dizer-vos que todas as
perguntas, sem excepção, foram pertinentes e cada uma delas merecia que eu
ficasse aqui a conversar sobre elas e sobre alguns ângulos que eu nem sequer
abordei ou se calhar nem abordei bem.
Agora é a minha vez de vos dizer
que estou encantado convosco, com as perguntas que fizeram e só tenho de pedir
desculpa de ter sido tão longo na primeira intervenção, mas não tive capacidade
para ser mais breve. Portanto, muito obrigado.
Dep.Carlos Coelho
Muito obrigado, Dr. Manuel de Lemos, em nome da UV.