ACTAS  
 
30/08/2011
Ambiente e energia, o que temos de decidir já
 
Dep.Carlos Coelho

Muito bem, vamos dar então início à nossa primeira aula.

O primeiro tema da Universidade de Verão 2011, como sabem, intitula-se "Ambiente e Energia, o que temos de decidir já.” Connosco temos o Eng. Jorge Moreira da Silva, que foi presidente da JSD.

Consta, aliás, um texto dele no livro das Histórias da JSD que a pedido do Duarte Marques incluímos na vossa pasta, um livro que foi coordenado pelo Paulo Colaço.

O nosso convidado é Vice-Presidente da Comissão Nacional do PSD, foi sucessor do Dr. Pedro Passos Coelho na presidência da JSD. Foi Vice-Presidente na JSD e agora é no PSD. Foi um deputado europeu notável - foi meu colega pelo que não é por terceiras pessoas que o digo, é por testemunho directo. Foi o responsável no Parlamento Europeu por todos os dossiers relacionados com as Mudanças Climáticas.

Está actualmente num cargo de grande responsabilidade nas Nações Unidas e já foi orador desta Universidade de Verão várias vezes, em três edições, esta é a quarta vez que o Eng. Jorge Moreira da Silva está na UV. Agradeço-lhe muito a sua presença.

O nosso convidado tem como hobby o ténis, os livros e a música. Tem como comida preferida a feijoada (oque é bom para quem está a fazer dieta);

[RISOS]

o animal preferido é o cão (animal mais votado pelos nossos convidados); o livro que nos sugere é "Se isto é um homem” de Primo Levi; o filme que nos sugere "Les Amants du Pont-Neuf”; e a qualidade que mais aprecia é a defesa para o interesse comum.

Na primeira aula da UV 2011, o Eng. Jorge Moreira da Silva.

[APLAUSOS]

 
Jorge Moreira da Silva

Muito obrigado. Eu não tinha a noção que esta era a aula inaugural. Aumenta a minha responsabilidade. É sempre um gosto voltar a esta Universidade de Verão. Eu vinha com o meu colega da Comissão Política Nacional, o Dr. Vasco Pinto Leite, e dizia-lhe que esta era a actividade do partido na qual eu tinha mais prazer em participar ao longo destes vários anos, porque sistematicamente tinha à minha frente, ao longo destas várias edições, a garantia em como o Partido tem um futuro sustentável.

Mas não posso deixar de repetir aquilo que digo sempre que participo nestas sessões: é que isto se deve não só ao modelo como também, e em larga medida, ao vosso Reitor. Os modelos funcionam, mas não dispensam a liderança e o facto de o eurodeputado Carlos Coelho ter definido o modelo e ser coordenador desse modelo tem feito desta Universidade de Verão um caso notável, não apenas em Portugal, mas até no contexto europeu. Portanto, eu quero desejar-vos um bom trabalho e, mais uma vez, ao deputado europeu Carlos Coelho, que tem feito um trabalho notável à frente das suas várias edições.

Bom, eu combinei com ele que apenas focaria a questão das alterações climáticas e da Energia na minha intervenção inicial. Porquê? Porque esse é o facto que temos de decidir já. Se eu tiver que encontrar/escolher uma área em que temos de actuar com liderança, com sentido estratégico e com sentido de urgência é a área das alterações climáticas, isto no contexto do Ambiente e da Energia. Portanto, nesta intervenção inicial vou tratar essencialmente das questões das mudanças climáticas e do desenvolvimento de baixo carbono e depois podemos falar dos outros temas de Ambiente nas perguntas e respostas, até porque costuma ser a parte mais interessante nestas sessões.

Nós tivemos, há três dias, um fenómeno climático extremo na Costa Leste dos Estados Unidos, o furacão Irene, e está em preparação, pelo que se percebe, um outro furacão, o furacão José. Qual é a novidade? A novidade está em que é raro o surgimento de fenómenos desse tipo no Atlântico Norte. Estes fenómenos são tradicionais desta época, as tempestades tropicais, mas o que não é normal é que ocorram na Costa Leste, a Norte. Este é dos efeitos que os cientistas atribuem à mudança climática causada por nós. O aquecimento global, o efeito de estufa, tem consequências que os cientistas conseguem identificar para as próximas décadas, para o próximo século, mas que também já estão a ser vividas hoje.

Durante muito tempo, a dúvida era saber se alguns fenómenos climáticos que estamos a viver poderiam ser imputados às condições normais da nossa meteorologia ou climatologia, ou já se podiam atribuir ao efeito de estufa – eu agora vou dizer um palavrão – antropogénico, isto é, o efeito de estufa causado pelas emissões de gases de efeito de estufa entre os quais o CO2. Ora, então, o que o painel intergovernamental para as condições climáticas concluiu, há poucos anos atrás, é que não é apenas verdade que vamos sofrer consequências sérias nas próximas décadas em função do nosso modelo de produção e consumo que gere emissões, como também é verdade que as alterações do clima dos últimos vinte anos – alterações de precipitação, alterações da localização dos fenómenos climáticos extremos, alteração a nível da temperatura – que essas alterações já são da nossa conta, já fazem parte da nossa responsabilidade.

Se olharem para este gráfico, em especial para o do lado direito percebe-se que esta é a fita da temperatura onde se atribuem consequências da mudança climática diferentes, em função do aumento da temperatura. Se o aumento da temperatura for de 1 grau há alterações previstas a nível da Água, dos Ecossistemas, da Saúde, da Biodiversidade; se forem 2, há outras alterações; 3, por aí adiante.

O que está previsto – se não fizermos nada – é que a mudança climática, ou o aumento da temperatura pode ir, até ao final do século, a 4 graus centígrados, em relação ao período pré-industrial (1750). Dirá, bom, mas 4 graus é uma alteração pequena, mas convém ver que estamos a falar de 4 graus em média, o que significa que em algumas partes do planeta não serão apenas 4 graus, serão muito mais do que 4 graus e, por outro lado, convém notar que o último período glaciar – nós estamos a viver um período interglaciar – a temperatura média no planeta era apenas 5 graus mais baixa do que é hoje. E recordo aquilo que aconteceu no último período glaciar: a ausência completa de viabilidade de vida humana e de viabilidade muito limitada ao nível das espécies de Fauna e de Flora, logo, 5 graus abaixo ou 5 graus acima faz toda a diferença. Portanto, pensarmos que a temperatura no planeta pode aumentar 4 graus centígrados até ao final deste século, que o nível do mar pode aumentar até 88 cms em média até ao final deste século, produzirá alterações em larga escala sobre a Saúde, os sistemas costeiros, a Alimentação, os Ecossistemas, sobre a Água, e isso infelizmente não se vai sentir de uma forma democrática. O que é que eu quero dizer? Infelizmente, as consequências das alterações climáticas far-se-ão sentir mais naqueles que já são hoje os mais vulneráveis e os que são hoje já os mais pobres e nas regiões que nem sequer são as que emitem mais gases de estufa.

Portanto, aí é o gráfico do lado esquerdo: reparem que é no continente africano e no sudoeste asiático que se vão sentir as maiores consequências das alterações climáticas e é precisamente nessas regiões que as emissões dos gases com efeito de estufa são mais baixas. Há aqui um problema, se quiserem, de fita do tempo que é as decisões para as próximas gerações ou são tomadas agora ou será tarde demais. Está aqui um problema de compatibilidade entre os círculos políticos, os círculos de decisão e os círculos de impacto dessas medidas, estamos no fundo a tomar decisões hoje única e exclusiva mente a pensar em mitigar os efeitos da mudança climática para muitas décadas, mas se não fizermos agora, too late. Em segundo lugar, há um paradoxo que não é temporal, mas geográfico: é precisamente nas regiões que menos emitem que as consequências serão mais graves, o que significa que é necessário encontrar uma resposta global. E foi por isso que começou o Protocolo de Quioto.

A primeira resposta a este problema global – a mudança climática – nasceu da Conferência do Rio em 1992, mas só teve tradução prática em 1997 com a Cimeira de Quioto onde se fixaram metas para os países industrializados: uma meta de redução de 5% até 2012 face a 1990. Porquê só para os países industrializados? Por aquilo que eu disse há pouco: os países em desenvolvimento são aqueles que serão mais afectados. Nesta fase são aqueles que menos emitem, portanto numa primeira fase os países industrializados tinham de assumir a liderança. Porém, o Protocolo de Quioto tinha um conjunto de pilares para a concretização dessas metas que, para além das políticas domésticas - aquilo que os Estados têm de fazer para reduzir as suas emissões, introduziu três mecanismos de mercado: o comércio de emissões (que eu mais à frente irei referir com maior pormenor), o mecanismo de desenvolvimento limpo e a implementação conjunta.

O mecanismo de desenvolvimento limpo, como é que funciona? Um país em vias de desenvolvimento, por exemplo, Moçambique, que não está no Protocolo de Quioto com metas vinculativas de redução das emissões, não está obrigado a reduzir as emissões, tem um incentivo para se desenvolver de uma forma mais limpa por via deste mecanismo de mercado, porquê? Porque, por exemplo, uma central eólica, uma instalação solar, uma reconversão nos equipamentos de combustão, substituindo os geradores (como sabem em muitos países em desenvolvimento a produção de energia vem ainda a partir de geradores altamente poluentes) por fontes de energia renovável baixa as emissões e essa redução de emissões gera créditos de carbono para a empresa ou para o Estado que concretize esse projecto. Esses créditos depois podem ser vendidos aos países industrializados que necessitam deles para abaterem na sua conta.

Dando um exemplo prático: a EDP está no comércio europeu de direito de emissões e tem um tecto anual para todas as suas instalações de, por exemplo, 2 Megawatts (um exemplo apenas) e tem de cumprir todos os anos esses 2 Megawatts numa determinada instalação numa central a carvão ou a gás natural; para cumprir essa meta pode fazê-lo reduzindo as suas próprias emissões por acções domésticas ou investindo em projectos em Moçambique, Angola, Bangladesh, na Índia, na China, recebendo créditos de carbono e com esses créditos de carbono abate à sua conta doméstica, à sua conta nacional de emissões. Dessa forma ganha-se nos países industrializados, porque uma parte das suas obrigações de redução das emissões, só uma pequena parte, mas ainda assim importante, pode ser feita a partir de investimentos no exterior, e ganham os países em vias de desenvolvimento que recebem investimentos em projectos "limpos” através de financiamento através de países industrializados e isto é a base da Economia do Carbono.

A Economia do Carbono é criada a partir de uma meta global para as alterações climáticas de reduções de emissões – meta que está atribuída à escala global, mas depois a cada um dos Estados e cada um deles tem de cumprir essa meta através de medidas domésticas, mas também podendo comercializar emissões com outros Estados ou investindo em países em vias de desenvolvimento. Hoje o mercado do carbono já tem um volume muito significativo, já representa em dólares praticamente 150 mil milhões anuais de transacção no mercado do carbono. Estamos a falar de um mercado com muito significado: 90% deste mercado é o sistema europeu de comércio de emissões. Eu aqui gostava de explicar um bocadinho melhor o que isto é.

Eu estou muito ligado a esse sistema. Fui, enquanto deputado europeu, o autor dessa directiva em 2003, que faz o seguinte: para além dos Estados que têm emissões, também as empresas têm obrigações de contenção das suas emissões. O que é que a Europa fez? Em vez de dizer que Portugal, França, Espanha, por aí adiante, fazem única e exclusivamente o que quiserem, à escala nacional, com políticas domésticas, fizeram as contas e chegou-se à conclusão que é mais barato ter políticas comuns e coordenadas para as alterações climáticas, na Europa, através de um sistema que é este comércio que cobre metade de todas as emissões europeias. Metade das emissões europeias está dentro desta bolha europeia de comércio de emissões. Quem é que está dentro da bolha? Estão as empresas do sector da energia, da produção de electricidade, o sector industrial como o cimento, o papel, a metalo-mecânica, o sector químico agora também, com o vidro e a cerâmica – os sectores de produção de energia e de consumo de energia mais intensivos estão todos cobertos por este sistema de comércio de emissões.

No fundo este sistema ultrapassa a própria dimensão nacional porque nele estão 15 mil empresas europeias que concentram nelas metade de todas as emissões e cria-se um tecto anual de emissões para estas empresas, um tecto que é uma bolha (se quiserem) de CO2 que é decrescente: todos os anos essa bolha tem de ser mais pequena, há um objectivo ambiental que é imposto, mas a forma de atingir esse objectivo é da forma mais eficiente. Porquê? Porque dentro desta bolha estão empresas que têm um direito a poluir, uma determinada quota de poluição, como eu disse há pouco os tais dois milhões, ou um milhão ou meio milhão de toneladas, e a empresa toma uma de duas decisões.

Ela sabe que no final de todos os anos tem que entregar à Comissão Europeia, através de um registo electrónico, uma quantidade de licenças de emissão que é igual às suas emissões anuais. Se a empresa tiver mais emissões que as suas licenças, terá de ir comprar ao mercado; se tiver menos emissões do que a sua licença de poluição, pode ir vender ao mercado. O que é que a empresa faz? Uma análise, que é esta: se for mais barato concretizar um projecto "limpo” dentro da empresa para reduzir as emissões, se for mais barato que o mercado, ela reduz as emissões; se for mais caro do que o valor da tonelada no mercado, adia esse investimento e vai ao mercado comprar as emissões que faltam, reduzindo as emissões mais tarde. Qual é a vantagem? É que a bolha europeia, a meta ambiental, é decrescente, todos os anos a bolha vai decrescendo, mas dentro da bolha a decisão de redução das emissões é assente em critérios económicos.

No fundo, com este sistema consegue-se baixar o custo do cumprimento da meta ambiental em cerca de 30% a 40%, comparado com o que havia se não houvesse este sistema. Este sistema é tal forma importante que já gera em transacções anuais cerca de 100 mil milhões de euros e é considerado hoje o padrão para aquilo que os Estados Unidos, a Austrália, a Nova Zelândia, a própria China, está a pensar fazer, portanto no futuro teremos cada vez mais sistemas de comércio de emissões.

Bom, o CDM, o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo que permite países em vias de desenvolvimento recebam projectos "limpos” e com isso geram créditos, é um sistema muito importante para esses países, mas ao mesmo tempo muito injusto. Reparem, em apenas 5 países – Brasil, Índia, China, México e Coreia do Sul – concentram-se 80% de todos os créditos de carbono que foram gerados. Portanto, tudo o que é projecto "limpo”, que é investido nesses países em desenvolvimento, gera créditos de carbono (como vos disse há pouco), que são vendidos no mercado europeu ou no mercado internacional. Infelizmente, em apenas 5 países e concentra 80% desses projectos e não é nesses países que mais necessidade existe de capacitação e investimento porque a Índia, China, Brasil, México e Coreia do Sul são países que já têm outras alavancas económicas para poder descarbonizar o seu modelo de desenvolvimento. Portanto, há aqui um primeiro problema que a Economia do Carbono tem de resolver.

Peço-vos desculpa novamente, eu vou passar alguns slides mais depressa senão não consigo chegar ao fim, mas eu neste primeiro conjunto de slides quis dizer-vos qual é o problema das alterações climáticas, qual foi a primeira resposta, através do Protocolo de Quioto e como é que a Economia do Carbono está a conseguir com que um objectivo ambiental esteja a ser cumprido do ponto de vista económico com os melhores resultados. Mas há aqui também alguns problemas, há um desequilíbrio geográfico mas houve também um segundo problema: o Protocolo de Quioto nasceu em 92, é assinado em 98, ainda com os Estados Unidos, começa a ratificação em 98, as negociações sobre 5 artigos do Protocolo de Quioto arrastam-se até 2003 e só em 2005 é que o Protocolo de Quioto entrou em vigor, porque só nessa altura se conseguiu encontrar um número de assinaturas suficientes para ele entrar em vigor. Reparem, perdeu-se 13 anos para aquele que é o maior desafio ambiental que a Humanidade tem pela frente e dos maiores desafios económicos. Perderam-se 13 anos em negociações para aquilo que é apenas um passo de bebé para aquilo que nós necessitamos, porque o Protocolo de Quioto prevê apenas uma redução de 5% do que nós precisamos e se para esses 5% perderam 13 anos com negociações e recuos facilmente se percebe que agora que estamos na fase de negociação do sucessor do Protocolo de Quioto – aquele que vai vigorar para depois de 2012 e que ainda não está desenhado, ainda não há um acordo sobre isso –, percebe-se que temos um ponto de vista político e do ponto de vista diplomático um resto de ano de 2011 e o ano de 2012 muito difíceis se quisermos ir a tempo de ter um sucessor do Protocolo de Quioto.

Bom, que é que a Europa fez do ponto de vista doméstico? Aquilo que já vos falei: o sistema de comércio europeu, as políticas domésticas, as directivas das renováveis, mas há um segundo fôlego que foi lançado por parte da Europa que foi assumir uma política integrada a alterações climáticas e de energia e é a primeira vez que isto acontece. Considera-se que as alterações climáticas é um problema de tal forma determinante para a política energética e a política energética é de tal forma determinante para as alterações climáticas, que não há alternativa senão integrar estas questões do Ambiente e da Energia e foi o que a Comissão Europeia fez, liderada por Durão Barroso, quando apresentou um pacote integrado de novas directivas e novas metas para Energia e alterações climáticas conhecido pelo Pacote 20-20-20, que é 20% de redução de emissão até 2020, 20% de Energias Renováveis até 2020 e 20% de redução de consumo de energia até 2020.

Este gráfico é interessante porque permite ver qual é a realidade nacional neste pacote europeu. Os países tiveram – num momento em que se fala tanto do papel das Energias Renováveis, tanto em Portugal como nos outros Estados europeus – o acordo que se alcançou na Europa passou pelo seguinte: os países têm uma determinada meta para redução das suas emissões, mas a sua meta pode ser menos exigente se esse país for mais ambicioso nas renováveis, portanto essa foi a equação que se desenhou, e o oposto: um país pode preferir não apostar tanto nas renováveis, mas para isso tem de assumir uma meta nas reduções maior.

Portugal tem uma meta para os sectores que não estão no comércio de emissões. O comércio de emissões, como vos disse, é uma conversa à parte, é como se os países não entrassem nessa metade das emissões, portanto metade das nossas emissões portuguesas e europeias estão nos comércio de emissões e esse sistema tem metas de redução muito mais ambiciosas até 2020 do que as que já existem hoje, mas na outra metade, que é onde existe, se quiserem, a decisão nacional das políticas nacionais, Portugal teve direito de aumentar as suas emissões até 2020 em 1% porque aceitou uma meta de Energias Renováveis de 31%. Portanto, a média europeia é 20%, nós aceitamos 31% de renováveis e dessa forma não tivemos de ir tão longe, quanto outros, na meta de redução para os sectores que não estão no comércio de emissões. Portanto, se alguém quiser baixar, em Portugal ou noutro país europeu, a sua meta das renováveis isso não se faz de borla, é preciso ir depois à meta de redução de emissões, renegociar e aceitar uma meta de redução das emissões muito maior.

Dizendo de uma forma muito simples: se Portugal decidir que quer rever a sua meta das renováveis, em vez de 31% quer ter 20% de renováveis, então vai ter de aceitar metas de redução das emissões nos Transportes, na Indústria, na Habitação, muito superiores à meta de 1% que está definida. Portante, não é possível ter as duas coisas. Isto é muito significativo numa altura em que todos os países fazem o debate sobre o papel das Energias Renováveis. Neste momento, a Europa já está a pensar em avançar unilateralmente para uma meta de 30%. É óbvio que uma das razões é Ambiental. A Europa que já assumiu uma meta de redução de 20% não quer perder a liderança e quer ir mais longe assumindo uma meta de redução de 30% porque isso credibiliza a posição europeia agora para as negociações internacionais, como também tem vantagens ambientais, mas a razão essencial para a decisão que está neste momento a ser ponderada em Bruxelas – já está no Parlamento Europeu que fez uma primeira votação sobre isto em cima da proposta da Comissão Europeia – é a razão económica. Por isso escolhi este tema para esta nossa intervenção inicial, porque se mistura no tema das alterações climáticas e cada vez mais se confluem questões de Ciência, Economia, Energia e Inovação.

Ora, a Europa porque é que quer ir agora para a meta de 30%, quando ainda por cima não há uma negociação internacional? Porque percebeu que se não fizer isso, vai perder em termos de Inovação em "tecnologias limpas”. Porquê? Como houve uma crise económica, que ainda estamos a viver, as emissões caíram. Portanto, aquele objectivo de redução das emissões para 2020 vai ser alcançado muito mais facilmente do que estava previsto. Logo, se as emissões baixaram por causa da crise económica as empresas do comércio de emissões – do ponto de vista técnico, se algumas das coisas que estou a dizer não forem tão clara posso depois clarificar melhor nas perguntas e respostas – mas imaginem que vocês são uma empresa que estão no comércio de emissões, receberam licenças de emissão até 2012, mas o que a directiva diz é que se não utilizarem podem bancá-las e usá-las no período seguinte de 2012 até 2020, que é onde a coisa vai doer mais porque as metas vão ser mais ambiciosas. Ora, como houve uma crise económica que afectou a Europa as empresas do sistema de comércio de emissões, de repente, ficaram com menos emissões, nalguns casos, do que as suas próprias licenças, logo, ficaram com licenças a mais na mão. O preço da tonelada de carbono baixou – é o mercado a funcionar, é assim que tem de funcionar –, não haveria nenhum problema mas este sistema permite que se banque para o próximo período. Portanto, "eu vou guardar estas licenças para quando, a seguir, ficar mais duro eu possa usar estas licenças”.

Ora, se eu fizer isso, a tonelada de carbono vai custar em média, não os 36 euros que estava previsto, mas 17 euros. Isso é mau? Para as empresas não é mau, porque se para cumprir metas mais ambiciosas a tonelada de carbono, se eu precisar de ir ao mercado é mais baixo, para mim empresa que tenho a obrigação de redução de emissões não é mau, é bom, mas para a Inovação europeia é mau. Porquê? Porque com a tonelada de carbono a 36 ou a 40 euros, o que é que acontece? Penetram mais facilmente as tecnologias mais "limpas”. É criado um incentivo para que as empresas que emitem menos possam ter uma viabilidade económica maior no mercado. Se a tonelada de carbono afinal vai ficar a 16 euros, essas tecnologias mais "limpas”, a política de Inovação, a política de Investigação, não vai ter um incentivo económico, logo a Índia e a China que hoje já estão no top 10 e nalgumas áreas no top 5 de tecnologias limpas como o fotovoltaico e o eólico, podem ultrapassar a Europa porque a Europa perdeu aquilo que era o seu ganho de pioneiro porque deixou de ter um incentivo económico adequado através do preço do carbono. É por isso que a Europa agora está a pensar em alterar a sua meta de emissões que já era ambiciosa, de 20 para 30%, para quê? Para cancelar algumas licenças de emissão e, dessa forma, volta a haver uma escassez de licenças no mercado, a tonelada dispara para os 36 ou 40 euros e, assim, há um incentivo para a investigação que se faz nas renováveis, na eficiência energética, na mobilidade sustentável, que possa ter viabilidade económica.

Reparem como de repente a política de Inovação europeia encontra nas metas das alterações climáticas o seu incentivo mais importante para os próximos tempos.

O que é que nós temos agora pela frente para o pós-2012? O que é que temos que decidir para o sucessor do Protocolo de Quioto? Temos que encontrar uma solução de redução das emissões que preencha alguns requisitos: um requisito de responsabilidade que é "qual é a meta global de redução das emissões se nós quisermos que a temperatura no planeta não aumente mais do que 2 graus centígrados em relação ao período pré-industrial?”. Pomos a concentração em 450 partes por milhão de CO2, 550 partes, 300 partes por milhão? Esta é a parte fundamental: responsabilidade. Segundo é: como é que vamos compatibilizar esta ambição com a solidariedade? Como é que podemos envolver os países em via de desenvolvimento neste esforço de redução das emissões sem ao mesmo tempo limitar as legítimas aspirações que têm ao desenvolvimento?

Esse é um debate apaixonante, é a área onde trabalho. Eu trabalho no programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e o prazer e o gosto que tenho é precisamente porque um dos grandes desafios que hoje o Mundo global tem é o de encontrar os incentivos económicos e as decisões do ponto de vista político e diplomático que assegurem que esses países conseguem entrar numa trajectória de desenvolvimento de baixo carbono. Isto é, que se conseguem desenvolver sem cometer os mesmos erros que nós cometemos, que foi o de basearmos o nosso crescimento na Economia do fogo que é a Economia da combustão, queimando os combustíveis fósseis. Mas é fazer isto de uma forma que não limite as suas aspirações legítimas ao desenvolvimento. Porquê? Porque isto é muito bonito – as questões ambientais são fundamentais – mas não convém esquecermos que há mil milhões de cidadãos em situação de pobreza extrema e dois mil milhões de pessoas sem acesso a electricidade. Dois mil milhões!

Quando muitas vezes oiço na Europa e vejo o dedo acusador virado contra os países em vias de desenvolvimento, dizendo que isto do Protocolo de Quioto não serve porque isto só está a limitar a vida dos países industrializados quando estes países em vias de desenvolvimento estão a fazer crescer as suas emissões de uma forma descontrolada, é altura de limitar as emissões nesses países em vias de desenvolvimento. Bom, isto é falácia, porque se esquece que esses países de facto estão a fazer crescer as suas emissões num ritmo muito mais elevado do que os países industrializados, mas esquecem-se que nesses países ainda há dois mil milhões de pessoas que nem sequer têm electricidade. Não é saber se a electricidade é verde, é branca, é cinzenta, é preta, é que não há electricidade; e que há mil milhões de cidadãos em situação de pobreza extrema e que há quase cerca de dois mil milhões sem acesso a água potável.

Portanto, este é um dos grandes desafios sobre o debate agora do sucessor do Protocolo de Quioto: é saber como é que compatibilizámos Ambição com Solidariedade.

Finalmente, Custo e Eficiência. De que forma é que estes grandes objectivos ambientais – que isto agora vai ser a doer com metas muito ambiciosas – se podem concretizar ao mais baixo custo possível, como é que podemos reformar o mercado de carbono para o tornar mais eficiente. Esta é a grande dificuldade nas negociações: é que se é verdade que os países em vias de desenvolvimento vão ultrapassar (estão quase a ultrapassar) os países industrializados no Consumo de Energia, portanto, vão consumir mais Energia (estamos a um ano que isso aconteça) do que os países industrializados e se é verdade também que a China hoje já emite mais CO2que os Estados Unidos, não é menos verdade aquilo que eu vos disse há pouco, que há pobreza extrema ainda nesses países em desenvolvimento e por outro lado que as emissões per capita são muito mais baixas do que a Europa ou os Estados Unidos. Esse é o gráfico do lado direito em que têm bolha global de emissões na China, nos Estados Unidos, na Índia, por aí adiante, depois têm as emissões per capita e estas na China são menos que um quinto do que as emissões nos Estados Unidos. Portanto, é necessário, se é verdade que hoje a China já tem mais emissões que os Estados Unidos, não é menos verdade que há ainda situações de pobreza extrema da China e que as emissões per capita são muito mais baixas do que nos Estados Unidos, logo é necessário encontrar aqui modelos de responsabilidade comuns mas diferenciadas. Esse é, se quiserem, o jargão técnico das negociações.

Primeiro, o objectivo é o da meta. Qual é a meta que nós vamos assumir para o final do século em termos de concentração das emissões. Os cientistas fazem esquemas deste género mostrando graus de probabilidade, dizendo que se nós quisermos ter um aumento da temperatura de apenas 2 graus centígrados em relação a 1750 e se quisermos ter 50% de chance que isso aconteça, temos de colocar a concentração de emissões nas 450 partes por milhão. Ora, nós hoje já estamos nas 425 partes por milhão, portanto estamos quase lá. Muitos consideram este objectivo muito ambicioso. Pois é, mas este objectivo é ambicioso em relação à vida que temos, mas só nos garante 50% da probabilidade de que vamos atingir o tal objectivo de 2 graus centígrados, porque se quisermos ter certeza maior temos que assumir concentrações de emissões ainda mais baixas, o que é do ponto de vista económico e de adaptação do nosso modelo de organização e de Sociedade muito mais difícil. Logo, nós para estas negociações, as decisões críticas são cinco ou seis. Primeira decisão que é: qual é a trajectória, o que vamos fazer até 2020 e até 2050? O que dizem todos os estudos é que o que fizermos nos próximos 10 anos, vai ser mais importante do que o que fizermos nos 30 seguintes. Porque embora a meta global, que toda a gente aceita, que é a mais fácil, que é a meta de 2050 - já toda a gente aceitou que vamos ter de reduzir as emissões em 50% à escala global em média até 2050, aceitou porque esta meta fica lá para a frente -, mas nós só conseguimos limitar o tal aumento da temperatura a 2 graus centígrados se aproveitarmos os próximos 10 anos, porque o planeta tem a Inércia e é como se fosse um camião muito pesado, se vocês travarem (o camião vai a grande velocidade), ele com o peso que tem não pára imediatamente, ainda percorre alguns centímetros ou alguns metros. O planeta é igual: se desligarmos tudo, luzes, pararmos os automóveis todos, fecharmos toda a Indústria, mesmo assim vamos sentir efeitos da mudança climática nas próximas décadas.

Logo, se nós não formos capazes de assumir metas de redução das emissões de 25 a 40% nos países industrializados até 2020 e nos países em desenvolvimento permitir que eles possam atingir o pico em 2020 e não mais tarde que isso. Se nós não fizermos isso, se não impusermos metas muito ambiciosas até 2020 para países industrializados e metas de desvio de tendência do crescimento exponencial das emissões nesses países em vias de desenvolvimento, podem esquecer o objectivo de 2 graus centígrados. No fundo temos menos de 120 meses, menos que isso, para assumir a liderança em relação a um debate e a uma política sobre a qual nós um dia vamos ter de responder. Há uma geração a seguir à vossa que vos vai perguntar se, perante todos os dados que tinham ao vosso dispor, fizeram aquilo que podiam e aquilo que deviam. Hoje os dados científicos demonstram – e a seguir falarei do ponto de vista económico – que temos todas as condições e informações para mudarmos de vida rapidamente e que não o fizermos pomos em causa a qualidade de vida das próximas gerações.

Segunda questão: financiamento. Muito bem, os países em vias de desenvolvimento precisam de dinheiro para se adaptarem a esta nova vida de baixo carbono. Porquê? Porque se nós estamos a dizer a estes países em vias de desenvolvimento que vão ter de se desviar do seu crescimento exponencial das emissões, da sua tendência, vamos ter de financiar acções de redução das emissões e financiar a adaptação às alterações climáticas. Isto é, aquelas actividades que são indispensáveis para fazer face a alterações climáticas que já não são mitigáveis, que são inexoráveis. Nos próximos dez anos os fenómenos climáticos na Europa, nomeadamente na Península Ibérica, vão-se intensificar, vamos ter mais seca severa e extrema, mais prolongada e mais intensa, mas pior do que isso é em África e no Sudoeste asiático.

Logo, há uma parte das alterações climáticas que precisa de adaptação: nos sistemas costeiros, nos sistemas de irrigação, nos sistemas de protecção civil; logo, há necessidade de financiamento. Feitas as contas, chega-se à conclusão que, tudo somado, os países em desenvolvimento precisam de 250 mil milhões – em notação anglo-saxónica são 250 biliões, mas para a nossa notação são 250 mil milhões de dólares – que precisamos para o apoio de que estes países precisam até 2020.

Em Copenhaga e depois em Cancun, os países industrializados já se comprometeram em atribuir 100 mil milhões de dólares até 2020 aos países em desenvolvimento para alterações climáticas. Para perceberem de que números estamos a falar: a ajuda do desenvolvimento hoje, a ajuda tradicional para Saúde, Educação, combate à pobreza, tudo somado, a ajuda anual ao desenvolvimento são 106 mil milhões de dólares. O que estamos a dizer é que vamos ter de duplicar a ajuda do desenvolvimento e que metade disso é para alterações climáticas; isto para ver que a questão da alteração climática é hoje central na agenda internacional e na agenda da cooperação e do desenvolvimento.

O terceiro desafio – eu vou passar rapidamente – é construir um mercado global de carbono, é no fundo aquilo que existe na Europa, tentar expandi-lo, haver cada vez mais sistemas de comércio de emissões, nos Estados Unidos, na Austrália, na Nova Zelândia, no Japão e depois conseguir interligar esses sistemas para que as empresas portuguesas, espanholas, para que elas possam depois comercializar emissões com empresas que estão na Índia, na China, nos Estados Unidos, por aí adiante. Por isso, baixa o preço de cumprimento do objectivo ambiental.

Quarto objectivo é a adaptação, de que já vos falei. É encontrar financiamento para a mudança climática que já não é ultrapassável, que já não é passível de ser travada.

Quinto lugar: deflorestação. Gostamos de ligar as questões das alterações climáticas e do Ambiente à Tecnologia apenas; renováveis e etc. Ora, há uma área que não é tecnológica, que passa pela alteração de políticas e comportamentos que é a área florestal que hoje é responsável por 20% das emissões globais. A deflorestação, nomeadamente a floresta tropical, é responsável por 20% de todas as emissões. No fundo, sabem, a floresta é um sumidouro de carbono, absorve o CO2. Se estamos a desflorestar, se estamos a degradar a floresta, isso está a aumentar as emissões, logo, a política florestal é mais central do que a política de inovação tecnológica em áreas como a Energia, para travarmos a mudança climática.

Finalmente, é necessário envolver as comunidades locais nisto. O Protocolo de Quioto está muito pensado de uma forma global e nacional, mas se nós pensarmos que uma boa parte do consumo e da energia se faz a nível local e se por outro lado pensarmos que 50% do custo da água é electricidade e 50% da electricidade já vem da água, percebe-se que não faz sentido, por um lado, pensar em redução de emissões, e por outro, pensar em adaptação na área da água, sem interligarmos as duas áreas. Por outro lado não faz sentido pensar em alterações climáticas à escala global e à escala nacional sem pensar no envolvimento das comunidades locais e regionais. Portanto há aqui uma mudança de paradigma que é necessária.

Bom, vamos fazer contas: o que nos diz o relatório Stern que foi o relatório que fez a avaliação económica de quanto é que custa reduzir as emissões (a mitigação) e quanto é que custa não fazermos nada? Diz o seguinte: se quisermos mudar de vida para atingir o tal objectivo de 2 graus centígrados, reduzir as emissões, isso vai-nos custar 1% do PIB (estou a falar à escala global) até ao final do século. Se não fizermos nada, as consequências da mudança climática para a nossa vida, para os ecossistemas, para a alimentação, para a Saúde, é de, na melhor das hipóteses, 5% o custo, ou 20% do PIB nos cenários mais catastrofistas.

Bom, vamos pensar no cenário de 5% do PIB. Ainda assim estamos a falar de um custo 5 vezes superior ao custo da redução das emissões. Por isso é que eu disse que só por irresponsabilidade, a nossa geração, a vossa geração, não fará parte de um processo de liderança na área das alterações climáticas. Seja porque isso é obrigatório, atendendo às consequências e dados científicos que nós temos, mas também do ponto de vista económico: hoje sabe-se que não fazer nada custa 5 vezes mais, sendo que, mudar de vida, ainda por cima gera benefícios económicos, novas empresas, novos empregos, novas áreas de inovação tecnológica que ultrapassam largamente os custos da redução das emissões. Nós temos todos os dados económicos do nosso lado se pensarmos numa escala temporal que ultrapasse os 2 ou 3 anos. Não é possível olhar para as alterações climáticas com os olhos de uma legislatura, nem em Portugal nem em nenhuma parte do Mundo. Se quisermos assumir um papel responsável nesta área temos de fazer as contas e uma avaliação de impacto, da mitigação, da inacção e dos benefícios económicos que ultrapassem uma pequena escala. Depois, é preciso tomar decisões. Aqueles que dizem "ah, solução para as alterações climáticas é ir já para os carros eléctricos”, ou "a solução para as alterações climáticas é pegar nas centrais a carvão e injectá-los em poços de petróleo que já não estão a produzir ou em estruturas geológicas, ou no fundo oceânico. Bom, é uma questão de fazer contas. Até podemos chegar lá um dia, mas é como tomar uma decisão para hoje que só é necessário ser tomada daqui a vinte ou trinta anos. Porquê? Olhem para esta curva que a McKinsey fez (passo a publicidade) de o custo marginal de abate de carbono. Neste primeiro segmento: redução de emissões de até 10 giga toneladas não custa nada, é só benefício, eficiência energética, mudar de vida não custa nada, portanto, é por aí que se tem de começar. As primeiras reduções podem e devem ser feitas nas áreas onde o custo é negativo: gera benefícios económicos porque se trata de alterações de comportamento. A seguir temos, nas reduções seguintes, medidas mais caras e só no final, reparem, só no final é que temos com custo de 30 euros a tonelada de CO2, para as últimas reduções lá para 2050 precisamos das tecnologias que estão hoje ainda a ser investigadas e que estão hoje ainda pouco desenvolvidas.

Este é o critério das políticas públicas, por isso fui sempre tão crítico daqueles que confundem política energética com uma certa gadgetização da energia, que é a única medida importante que muitos tentaram vender para reduzirmos as emissões é produzirmos electricidade em casa, ou apostarmos apenas nas renováveis. Ora, tão ou mais importante que isso é mudarmos de vida no consumo de energia, na mobilidade, porque isso tem benefícios económicos mais imediatos.

Este é o meu penúltimo slide, que é o tal slide da factura que nós temos pela frente, feitas as contas, custos/benefícios, chega-se à conclusão que o combate às alterações climáticas é, não apenas urgente, mas está no nosso alcance, não é um objectivo inalcançável. Temos as tecnologias, a informação científica e os mecanismos regulamentares à escala global e europeia para chegar a esse objectivo e ainda por cima compensa!

É por isso que este slide, o último, é mesmo provocador. Se alguém vos disser que agora há coisas mais importante na Europa, ou até em Portugal, e por haver essas coisas tão importantes como resgatar o Euro, salvar a Economia europeia, salvar as finanças públicas europeias e portuguesas, e se vos disserem que para fazer isso o combate às alterações climáticas vai ficar para trás, se vos disserem isso, estão a mentir. Primeiro, porque nós não temos o direito de escolher neste momento. O combate às alterações climáticas não é uma questão de escolha, é uma obrigação que impende a esta geração sob pena de não estar à altura da sua responsabilidade quando estiver a ser avaliada pelas próximas gerações. Em segundo lugar, porque o combate às alterações climáticas compensa; não tem custos; tem custos que são largamente compensados pelos benefícios económicos. Por isso, temos de fazer tudo ao mesmo tempo: salvar o Euro, resgatar a Economia nacional e europeia, mas resgatar também o equilíbrio do Planeta.

Muito obrigado.

[APLAUSOS]

 
Nuno Matias

Muito obrigado ao nosso Vice-Presidente pela brilhante exposição.

O primeiro Grupo a fazer uma questão é o Amarelo, pelo José Pato.

 
José Pato

Bom dia. A pergunta que eu faço ao senhor eng. Moreira da Silva é no plano local. Com o surgimento destas tecnologias novas, dos telhados verdes e das fachadas fotovoltaicas, não se deveria introduzir uma política local de redução dos níveis de carbono e de eficiência energética nas próprias cidades?

 
Jorge Moreira da Silva

Muito obrigado. Essa é a área mais importante, desde que não se confunda isso com a tal gadgetização da política energética. Eu vou chegar à sua resposta, mas deixe-me fazer um statementinicial.

O anterior governo confundiu Energia com Electricidade. Ora, a electricidade representa apenas 20% do consumo de energia. O que aconteceu durante os últimos 6 anos é de que a política energética foi apenas uma continuidade da aposta nas renováveis na electricidade e não se fez absolutamente nada para a eficiência energética do lado consumo e no sector energético que não é electricidade.

Fazendo uma conta rápida: imagine que nós temos uma meta, a tal de 31% para 2020 em Portugal e isso é energia globalmente e electricidade. Isso representa 60% de renováveis até 2020. Se está a fazer 60% de 20%. Está, no fundo, a tratar de 12% da energia em Portugal. Tudo o que seja limitar a política energética a uma política nas renováveis é na melhor das hipóteses, limitar a política energética a 12% de Energia. Nós temos de olhar para aquilo que não é electricidade, para os usos que não são electricidade, nomeadamente os transportes, na indústria onde ainda se consome produtos petrolíferos para combustão, na utilização do gás, tudo o que são utilizações de combustão, utilizações térmicas que não são electricidade, bom, isso representa 80% do consumo de Energia em Portugal. Isso tem sido totalmente esquecido nos últimos anos. Portanto, não é possível deixar de olhar para isso. O mesmo – e era aí que eu queria chegar, à sua pergunta – sob a eficiência energética. Se olharmos para a eficiência energética numa cidade, dizemos: "bom, eu vou nesta cidade instalar painéis fotovoltaicos para produzir electricidade nas casas, em milhares de casas e isso é a minha política para eficiência energética”. Isso não é nada para política energética, isso é mais uma vez política de produção de electricidade renovável, mas à escala local descentralizada – eu não sou contra, pelo contrário, acho que a tendência vai ser muito essa: vamos ter uma internet de energia, cada vez mais vamos ter uma produção de energia descentralizada e nós vamos começar a consumir mais em casa a própria energia que vamos produzir.

Mas nós não podemos massificar um programa que não está ainda, do ponto de vista tecnológico, suficientemente amadurecido para ser massificado. O problema aqui é uma questão de escala. Em Portugal, muitas vezes esquecemos que há uma fase de investigação, de demonstração, há uma fase de decisão e há uma fase de massificação. A tecnologia é isso que acontece: investigação, demonstração e massificação. Em algumas áreas da investigação, que é a área da eficiência energética, da micro-produção, da produção de electricidade em casa e que nós recebemos 300 euros por megaWatt/hora e depois compramos mais barata a electricidade que nós próprios consumimos, isso está bem à escala de demonstração, mas não à escala de massificação e o segundo erro é confundir isso com eficiência energética. Porque isso não reduz o consumo. A eficiência energética é a redução do consumo de energia. Não é uma nova forma de produção de energia. O que nos foi vendida, nos últimos 6 anos, foi a ilusão de que eficiência energética passava pela produção de energia na nossa casa. Desculpem, é mais eficiente massificar painéis solares térmicos para aquecimento da água, porque isso sim reduz o consumo de gás natural ou de electricidade do que massificar a produção de electricidade.

Portanto a sua questão, estou completamente de acordo. Soluções de construção de arquitectura bioclimática, de melhor comportamento dos edifícios, soluções que permitam uma redução do consumo de energia são uma prioridade.

Ao longo do tempo podemos ir fazendo, avançando com políticas de produção descentralizada. Eu não defendo que se pare com o programa, mas acho é que não se deve sacralizar algo que representa apenas uma pequena parte daquilo que deve ser a prioridade que é a redução do consumo.

Alguma pergunta me permitirá a seguir falar de transportes? Porque eu gostaria de ligar a questão dos transportes na cidade também à sua pergunta, mas já tenho aqui um ok a dizer que o tempo terminou, portanto eu depois vou utilizar parte da sua pergunta para responder no tempo de outro colega.

 
Nuno Matias

Muito obrigado. O Grupo Bege, Tiago Cunha.

 
Tiago Cunha

Antes de mais, bom dia. Na sua opinião, o é que o Governo português no espaço de uma legislatura ou no futuro a médio prazo, poderá fazer para equilibrar novamente o mix energético português?

 
Jorge Moreira da Silva

Bom, a primeira questão tem a ver com a arquitectura. Eu como disse há pouco, não se pode confundir energia com electricidade e é preciso pensar energia globalmente.

Segundo, é preciso integrar clima e energia. Por isso, fui sempre defensor, como sabem, que houvesse um Ministério de Ambiente, Energia e Transportes ou de Clima, Energia e Transportes. Não é condição necessária suficiente, mas podia ajudar. Significa isto, que não havendo um Ministério de Clima, Energia e Transportes podem ser encontradas soluções, de qualquer forma, para que a políticas de Energia e de alterações climáticas possa ser integrada, porque hoje temos várias caixinhas. Se alguém conseguir identificar metade dos planos que existem em Portugal para alterações climáticas e energia nesta sala é um especialista. Porque nós temos o Plano Nacional para Alterações Climáticas, depois temos o Plano Nacional de Alocação de Licenças de Emissão, depois temos o Plano para as Energias Renováveis, depois temos o Plano para a Eficiência Energética, depois temos os Planos Rodoviários, depois temos os Planos sectoriais de desenvolvimento de baixo carbono.

Portanto há uma miríade de Planos para a área da Energia e o que me parece que seria importante (para dar a primeira parte da resposta à sua pergunta) é: nós precisamos de um plano integrado de Clima e Energia que receba indicadores – aquilo que não se faz em Portugal que é Planeamento Energético, isto é, qual é que vai ser o plano energético para 2020, para 2050, para 2100; quais são as curvas para desenvolvimento tecnológico nessas áreas; quais são as curvas macroeconómicas de crescimento e da Economia; quais são os índices demográficos - e a partir desses indicadores, melhor, a partir dessa matriz de planeamento, isto cospe indicadores e (passo a expressão), cospe metas.

Essas metas depois, de Energia e de Clima, são concretizadas através daquilo que eu gosto de chamar de "Orçamento de Carbono”, que é: há uma meta global para renováveis, para redução energética, redução de consumo e para redução de emissões e, depois, há um "Orçamento de Carbono” que é dizer ao senhor Ministro: "O senhor tem a seu cargo "x” toneladas de redução de emissões”; ao Ministro da Agricultura: "Olhe, o senhor tem "y”; ao de Educação: "Você tem "z”. Há uma alocação de responsabilidades em termos de emissões não apenas aos agentes económicos, mas também àqueles que são responsáveis, do ponto de vista sectorial, pelas várias políticas.

Finalmente: é necessário um sistema que permita envolver os cidadãos nesta política porque eu também não concordo com uma política energética paternalista que quase que dispensa a tal mudança de comportamentos. E para isso não há nada melhor que fixar metas per capita. É óbvio que elas são em média, mas permite que os cidadãos percebam que fazem parte dessa mudança. Por isso o trabalho que fui fazendo com o Gabinete de Estudos no último ano e meia (para responder à sua questão), para além desta nova arquitectura institucional, propúnhamos três coisas: primeiro, que a meta das renováveis fosse mantida, mas que fossem alterados os pesos das diferentes fileiras; provavelmente baixar a meta das renováveis na electricidade, mas aumentar muito a meta na produção de calor, portanto, alterar a meta mas manter o mix. Porquê? Porque Energia não é Electricidade.

Segundo: alterar a meta da eficiência energética. Um país que é o país mais depende energeticamente do exterior (na Europa apenas a seguir ao Luxemburgo); um país que tem uma das altas intensidades energéticas no PIB e uma das mais altas intensidades nos Transportes, é um país que não se pode dar ao luxo de ficar na média da eficiência energética. Portanto, aquela meta europeia dos 20% das emissões não é adequada a nós, é adequada àqueles que já têm uma eficiência energia razoável, uma intensidade nos Transportes, uma intensidade da energia no PIB, razoável. Para aqueles que são perdulários na área da energia; que atiram pela janela fora a aposta que fazem nas renováveis – nós somos aqueles que apostamos nas renováveis, mas depois desbaratamos pela janela porque estamos a crescer exponencialmente no nosso consumo de energia, seja nas nossas casas, seja nas indústrias, ou nos transportes.

Portanto, neste contexto, o que propusemos é que a meta portuguesa de eficiência energética passasse a ser de 25% até 2020 (em vez dos 20%) e que o Estado desse o exemplo com uma meta de 35%, porque nestas coisas o Estado tem de dar o exemplo: nas suas frotas, nos seus edifícios, nas suas políticas de mobilidade do trabalho, o Estado tem de dar o exemplo e hoje não dá o exemplo. O Estado tem edifícios que consomem mais energia do que os edifícios das nossas casas que já consomem demasiada energia, o Estado tem uma frota automóvel que emite mais CO2 que a frota média e o Estado tem uma política de mobilidade que não é a mais adequada. Finalmente era o terceiro pilar em termos de metas: uma meta per capita para 2020 e para 2050.

As metas hoje, em Portugal, a nossa meta para Quioto é de 66 toneladas até 2012, o que dá 7,6 toneladas por cidadão. Nós sabemos que cada um de nós tem direito a emitir 7,6 toneladas até 2012. Ser quisermos estar em linha com os tais objectivos que falei há pouco para 2020 e 2050, o que venho defendendo é que a nossa meta seja de 6,5 toneladas por habitante em 2020 e de 2 toneladas por habitante em 2050. Qual é a vantagem de a gente poder avançar estas metas per capita? É que permite dizer às pessoas, que não é o país que vai ter de reduzir as suas emissões 25%, 40%, 50%, é cada um de nós que, por políticas nacionais, mas com o envolvimento da mudança de comportamentos de cada um de nós, que vai emitir 2 toneladas por habitante em 2050 e 6,5 toneladas em 2020. Portanto, eu acho que estas políticas permitiriam uma alteração do nosso mix energético, mas a alteração do mix energético começa pelo consumo de energia.

 
Nuno Matias

Muito obrigado. Terá agora a palavra o Grupo Roxo através do Paulo Alexandre Santos.

 
Paulo Alexandre Santos

Antes de mais, muito bom dia. A minha questão é sucinta: gostava de saber qual deve ser o posicionamento da UE no que respeita a este binómio Energia/Ambiente, de modo a ajudar a nossa competitividade relativamente às novas potências? Obrigado.

 
Jorge Moreira da Silva

Bom, a Europa tem de basicamente não perder a vantagem de pioneiro. A Europa, que foi literalmente quem resgatou o Protocolo de Quioto, numa altura em que a Austrália decidiu não ratificar e que os Estados Unidos decidiram não ratificar, como o Protocolo precisava de 55% das emissões para poder entrar em vigor, foi necessário que a Europa andasse literalmente a bater à porta dos outros países para que o Protocolo de Quioto entrasse em vigor.

A Europa fez isso assumindo um ónus, que foi o de poder eventualmente perder competitividade. Eu estava no Parlamento Europeu nessa altura e esse era o grande debate que se fazia na altura. Porque é que a Europa havia de querer entrar no Protocolo de Quioto, resgatar o Protocolo de Quioto; reduzir as suas emissões em 8% até 2012 quando os Estados Unidos e a Austrália ficaram de fora e quando alguns países em vias de desenvolvimento, como é o caso da Índia e da China, não tinham metas vinculativas? A avaliação foi política, num quadro de responsabilidade, que é: a Europa faz isto porque deve fazer isto. É por isto que eu sou tão Europeísta, porque a Europa foi conseguindo, por razões que não eram mero interesse próprio mas por razões de bem comum, tomar as decisões que devia de tomar na altura em que as devia de tomar. Esse foi o caso do Protocolo de Quioto, os deputados assumiram, a Europa assumiu, que nós não podemos fazer o mesmo que os Estados Unidos! Temos a obrigação de estar em Quioto e de envolver outros países em Quioto.

Mas houve também uma segunda avaliação que foi importante para convencer os empresários e as empresas europeias. Muitos, de facto, pressionaram os governos, a Comissão Europeia, o Parlamento Europeu, para que a Europa não estivesse em Quioto e fizesse o mesmo que os Estados Unidos; dizendo que enquanto os Estados Unidos não viessem para o Protocolo de Quioto, nós também não devemos estar. E a resposta que foi dada na altura e que felizmente foi bem entendida, foi uma resposta assente na avaliação económica que é: aqueles que assumirem mais cedo objectivos ambientais mais ambiciosos têm no curto prazo um ónus, mas têm no médio e longo prazo uma vantagem comparativa que é a vantagem do pioneiro.

Eu recordo-me bem – a vantagem do pioneiro é em termos de novas tecnologias, inovação – de uma delegação que chefiei, de uma das cimeiras quando estávamos a negociar o Protocolo de Quioto, uma delegação do Parlamento Europeu que se encontrou com uma delegação de Congressistas americanos (eu conto esta histórias muitas vezes). Nessa altura os Estados Unidos já tinham decidido não entrar no Protocolo de Quioto e os americanos (congressistas e alguns senadores) perguntavam: "mas porque é que vocês na Europa querem estar nessa coisa do Protocolo de Quioto quando isso vos vai fazer perder dinheiro e eventualmente até eleições? Portanto, estavam muito condicionados, ou muito perplexos com isso e quando depois numa cimeira seguinte voltámos a ter uma reunião quando o comércio de carbono já estava desenhado, a pergunta já não era essa, era: "Que benefícios económicos espera a Europa ter da participação no Protocolo de Quioto através do sistema europeu de comércio de emissões, quantos posto de trabalho estão à espera de serem gerados nos sectores da Energia, dos Transportes, por aí adiante?”. Por esta altura na narrativa dos acontecimentos, do lado de lá do Atlântico começou a percepcionar-se, primeiro na área económica e só depois na área política, que a não-participação no Protocolo de Quioto tinha uma vantagem muito limitada no curto prazo, mas grandes desvantagens para os Estados Unidos no médio e no longo prazo.

É por isso que a alteração se foi fazendo. Eu recordo-vos que na última campanha norte-americana, não foi apenas o Presidente Obama que defendeu uma política para alterações climáticas, mas o senador McCain também a defendia. Mas na eleição anterior, ou melhor, quando o Bill Clinton decidiu não colocar o Protocolo de Quioto para votação no Senado em 98, ele não o fez por ser contra o Protocolo – ele sempre foi a favor de Quioto, tal como o Al Gore -, o problema é que a esmagadora maioria dos senadores democratas e republicanos era contra.

Portanto, enquanto em 98 havia um larguíssimo consenso contra o Protocolo de Quioto, dez anos depois passou a haver um larguíssimo consenso a favor do Protocolo de Quioto. Porquê? Eu não quero entrar nas razões que tem a ver com a ética, com aquilo que considero que é obrigação dos líderes e dos políticos que é fazerem aquilo que devem fazer independentemente de vantagens próprias no curto prazo, mas houve aqui claramente uma avaliação económica que as próprias empresas americanas começaram a fazer sentir aos seus líderes.

Logo, a Europa que já passou tanto, o que custou ficar sozinha durante dez anos neste processo, não pode agora atirar pela janela essa vantagem de pioneiro, porque se o fizer vai entregar a outros, numa altura em que estamos todos a competir por Emprego, por Talento e Investimento, vai entregar aquela que foi uma das vantagens há dez anos atrás.

 
Nuno Matias

Muito obrigado. Tem a palavra o Grupo Encarnado, Cristina Faria.

 
Cristina Faria

Estamos num mundo global e de tão global que é, ele está propenso às mais diversas fatalidades ambientais.

Após séculos de poluição intensiva, sem limites, ou sem os respeitar, como é que podemos pedir aos países em desenvolvimento o respeito pelas quotas apertadas dos níveis de poluição quando a forma de desenvolver um país passa pelo consumo de energia "suja”. Faz sentido também aplicar o sistema de poluidor/pagador a esses países? Ou seja, nesta situação estamos numa actualização entre aquilo que é qualidade de vida e aquilo que é o desenvolvimento. Portanto, acabamos nós, os países ocidentais, por ser os absorventes da economia dos produtos mais baratos, mas também são os mais poluentes e acabamos por não ter qualquer perspectiva de um desenvolvimento sustentado a médio e a longo prazo.

 
Jorge Moreira da Silva

Essa questão está muito relacionada com a anterior que tem a ver com as vantagens da Europa e de países industrializados em seguir um determinado padrão que possa ser visto como desvantajoso do ponto de vista económico se comparado com os países em vias de desenvolvimento. Eu, como disse, continuaria a defender isso, mesmo que existissem desvantagens económicas, porque acho que a liderança tem sempre um sentido ético. Mas neste caso o jogo mudou. A produção deste copo – o Carlos já me viu fazer isto várias vezes, mas apesar de tudo acho que é um exemplo que funciona sempre – antes da Economia do Carbono (eu vou depois chegar aos países em desenvolvimento), dois empresários produzem dois copos antes do sistema europeu do comércio de emissões, antes de existirem metas de redução para as empresas, e não havia nenhum incentivo para que eu (empresário) passasse a usar tecnologias "mais limpas”, muito pelo contrário, para que é que eu havia de estar a gastar dinheiro em novos fornos, em novos modos de produção se isso não era, primeiro, obrigatório, segundo, reconhecido pelo público, terceiro, arriscava-me a perder a produtividade que me faria sair do mercado. Ora, hoje é o contrário, dois copos, dois produtores de vidro na Europa ou Portugal. No preço final, para além do custo da matéria-prima, da mão-de-obra, de marketing e transporte, há um custo que está incorporado que é o custo do CO2. Porque como essa empresa está no sistema de comércio de emissões, ou tem uma meta de política nacional que a obriga a reduzir as emissões, ele começa a passar o custo que tem com o CO2 para o consumidor (é assim que funciona na Economia), logo, o empresário que produz o mesmo copo de uma forma "mais limpa”, hoje vence e não perde.

Dirão ”mas isso é só na Europa, como é que nos países em vias de desenvolvimento eles podem exportar para cá produtos que não têm essa componente?”. Nós estamos numa alteração de paradigma que está a envolver também esses países, porquê? Porque esses países começaram por estar no Protocolo de Quioto sem nenhuma meta vinculativa, tinham apenas um incentivo que é: bom, se a sua fábrica de vidro em Angola mudar o forno para em de fuelóleo passar a usar gás natural, isso vai-lhe baixar as emissões, logo, vende os créditos de emissão para a Europa, teve aí uma vantagem económica. Isso hoje já existe, mas é muito induzido pela liderança, por uma acção voluntária, mas isso vai mudar, porque os países em vias de desenvolvimento já assumiram em Copenhaga e, agora, em Cancun uma meta de desvio de tendência, todos os países assumiram que unilateralmente vão colocar em cima da mesa uma meta de redução ou de contenção de crescimento das suas emissões. E isso não é válido apenas para os países industrializados, também os países em vias de desenvolvimento, por primeira vez, a seguir a 2012 vão ter objectivos quantificados de desvio de tendência. Por exemplo, o Brasil tem, assumiu já, uma meta muito ambiciosa de redução das emissões ou contenção das emissões, a Índia também, a China também já assumiu, portanto há uma tendência. Se olharmos para a regra do jogo, já não é a longo ou médio prazo, no curto prazo esses países em vias de desenvolvimento vão ter também de descarbonizar os seus modelos de desenvolvimento, logo, a Europa vai deixar de estar tão sozinha neste debate sobre a descarbonização e os produtos europeus não serão penalizados por isso.

É por isso que eu hoje discordo daquilo que defendia há dez anos atrás. O deputado Carlos Coelho lembra-se. Eu defendia, no momento em que os Estados Unidos abandonaram o Protocolo de Quioto, a introdução de uma taxa que é considerada uma Border Tax Adjustement e é produtos americanos exportados para a Europa com elevado conteúdo de CO2 deviam ser taxados, porquê? Porque considerava que um país tinha legitimidade para não estar no Protocolo de Quioto, mas não tinha legitimidade para tirar vantagem competitivas ilegítimas pelo não-cumprimento dessa obrigação ética. Hoje já não concordo com isso, porque já não vale a pena. Porque se isso há dez anos era útil para forçar os Estados Unidos a juntarem-se ao Protocolo de Quioto, hoje isso mudou, porque já ninguém põe em causa a ideia que temos de descarbonizar o nosso modelo de desenvolvimento e os próprios países em vias de desenvolvimento já estão no processo de descarbonização desse modo de produção.

Dou um exemplo prático. Peço desculpa, preciso de 30 segundos. Estive em Angola há um mês como Director das Nações Unidas, estive lá e vi projectos – voltando um pouco atrás: Angola não tem nenhum projecto CDM; aliás, nenhum PALOP que tenha mecanismos de desenvolvimento limpo, registados os tais projectos que dão créditos; portanto, África não tirou partido da Economia do Carbono, quem tirou partido foi a América Latina e o Sudoeste Asiático – e eu tive a oportunidade, agora que em Angola há uma lista longa de projectos que se preparam para se registar como crédito de carbono, de dar um exemplo prático.

Eu fui a uma Central no Soyo que transforma aqueles gases que são gerados na prospecção de petróleo. Sabem quando há prospecção de petróleo, são libertados gases que não têm outro destino senão serem queimados. A queima desses gases tem por isso um prejuízo ambiental que as Nações Unidos, o tal mecanismo de desenvolvimento "limpo”, procura evitar. Ora, neste momento Angola tem um projecto que se chama LNG, que junta oito petrolíferas no Soyo, que decidiram que em vez de queimar esse gás à saída da chaminé nos poços de petróleo, construíram uma central que vai aproveitar esse gás, sob alta pressão colocá-lo no estado líquido, exportá-lo por via marítima para os Estados Unidos, ou transportar esse gás por um gasoduto ou oleoduto para produção de gás em Luanda. Sabem o que é que isto representa? Representa uma redução das emissões, por ano, de 12 milhões de toneladas de CO2. Quantos créditos é que vão ser gerados? Vão ser gerados por ano 150 milhões de euros de créditos de carbono que Angola vai poder beneficiar pela simples circunstância de um projecto, que em qualquer caso tinha de ser feito, ser elegível.

Logo, hoje existem muitos incentivos do ponto de vista da Economia do Carbono para que esses países em vias de desenvolvimento possam descarbonizar os seus modelos de desenvolvimento. Portanto, não vale a pena voltar ao debate das vantagens Norte/Sul das comparativas e do dumpingambiental. Isso é conversa do passado, hoje temos de tirar partido desta competição global em que todos competem pela produção "mais limpa”.

 
Nuno Matias

Tem agora a palavra o Grupo Verde através do José Miguel Vitorino.

 
José Miguel Vitorino

Bom dia a todos. Bom dia senhor eng. e obrigado por estar aqui na Universidade de Verão. A questão do Grupo Verde não foi abordada aqui mas ainda assim gostaríamos de a ver esclarecida. Numa perspectiva futura, com o aumento do consumo de energia, há quem seja a favor da instalação de uma central nuclear em Portugal, mesmo sabendo que pode não ser o mais correcto e tendo noção dos riscos que isso acarreta. Por que não tirar partido da Central de Almaraz, fazendo uma parceria ou protocolo se também nós somos os principais afectados em caso de acidente? Obrigado.

 
Jorge Moreira da Silva

Ou porque não convencer o governo espanhol a desmantelar a central de Almaraz e pôr em causa o seu programa nuclear e sermos cada vez mais exigentes numa relação transfronteiriça com os nossos vizinhos, fazendo perguntas e querendo ter cada vez mais respostas sobre os níveis de segurança que nos afectam? Isto é, eu prefiro colocar a questão ao contrário.

Eu, anteontem, num daqueles programas que a Sic Notícias passa, agora mais tarde, vi o debate do nuclear entre um adepto do nuclear e uma pessoa contrária ao nuclear. O Pedro Sampaio Nunes a favor e o nosso amigo Carlos Pimenta contra.

Qual foi o azar? É que esse programa tinha sido gravado há oito meses e eu ouvi o defensor da energia nuclear dizer que a energia nuclear era a energia mais segura, mais limpa e mais competitiva. O problema é que isso foi dito antes do acidente de Fukushima. O Japão é um dos países mais avançados tecnologicamente; um dos que tem mecanismos de administração pública e monitorização exigentes e um dos que tem uma cultura de responsabilidade mais elevada. Logo, se Fukushima foi possível no Japão, pode ser possível em qualquer parte do Mundo.

Portanto, eu não estou de qualquer maneira convencido, como já perceberam sou contra a energia nuclear em geral, não apenas em Portugal, sobre Portugal a questão é mais fácil, mas em geral sou contra porque há custos ambientais que não aparecem no KW/hora. Enquanto o carvão, se o meu caro amigo tem uma central a carvão, é obrigado no KW/hora final a internalizar o preço do CO2, tem de pôr lá porque está no comércio de emissões, portanto tem uma obrigação da redução das emissões, tem de pôr lá no seu preço final a externalidade ambiental; se tiver uma central ambiental ninguém o obriga a internalizar o custo do acidente ou tratamento de resíduos porque isso é uma questão do Estado ou é algo que as seguradoras preferem não assumir completamente em termos de volume de risco. Portanto, há uma parte de dado ambiental que é o risco de acidente, o tratamento de resíduos que não está internalizado no preço final.

O que eu defendo é que todos os custos devem estar internalizados no custo final, todos. As alterações climáticas, eu acho que são o tema mais importante, como perceberam, na área do Ambiente, mas há outros problemas ambientais, logo, as centrais nucleares que de facto não têm tantas emissões de CO2 têm outros problemas ambientais, mas têm conseguido porque regra geral as centrais nucleares são matéria de capitalismo de Estado. São centrais, como sabem em Espanha há a Areva – a empresa pública – são empresas que têm vantagens comparativas em relação a outras porque beneficiam do acionista ser o Estado, portanto está ali um preço final de KW/hora que está "martelado” (passo a expressão) e que não considera todos os custos.

Àqueles países que já têm energia nuclear, o que eu peço é que cumpram padrões de segurança elevados, que disponibilizem informação e que internalizem no preço final do KW/hora. É óbvio que a Índia e a China estão a construir uma central nuclear ao ritmo de uma ou duas por semana em média, não pode travar o seu projecto nuclear de um dia para o outro, substituindo por renováveis, é impossível. Mas para países que estão nessa aposta, o que devemos ser é exigentes em relação ao padrão de segurança e à racionalidade económica; para países que não estão no nuclear, que é o caso de Portugal, devemos perguntar é porque é que haveremos de entrar no nuclear. Porque é que um país tamanho S terá de escolher uma opção XL, que é o que eu costumo dizer sempre.

Uma central nuclear não se faz por menos de 1800 megawatts. Portanto, se nós fizermos uma central em Portugal, o contrário do que muita gente diz, não é para reduzir a dependência energética do exterior. A central nuclear abastece automóveis hoje? A nossa dependência energética do exterior é petróleo, Transportes, se uma central nuclear for construída vai afastar as renováveis e a co-geração. Nós temos de assumir que quem defende a energia nuclear em Portugal defende que deve haver uma redução nas renováveis, mas é uma limitação drástica, porque 1800 megawatts na melhor das hipóteses é muito mais do que hoje já temos construído. E ninguém pode ter só uma central nuclear, porque é como centrar todo um sistema numa central, há um risco de se houver uma paragem se tiver todo o seu sistema electroprodutor que não precisa de uma central nuclear, porque hoje já tem co-geração, já tem renováveis, mas se ainda assim decidir "vou parar com tudo, vou pôr uma nuclear”, muito bem, onde está a segunda? Porque as centrais nucleares também param e o risco, o sistema não pode colapsar; uma das regras básicas da política energética é a segurança de abastecimento, tem de haver vários sistemas de redundância para que quando falha um sistema entra outro, é por isso que nós temos mais capacidade instalada em Megawatts do que a energia que precisamos. Porquê? Porque se houver um sistema que falha, nós temos a obrigação legal, está isso no contexto europeu, cada país tem que assegurar a segurança de abastecimento, porquê? Porque senão é toda a rede europeia que entra em colapso. Porque se não tivermos a tal central nuclear ou a tal central de co-geração, a seguir vamos ter que "isto falha” e vamos ter a França ou Espanha e há uma falha em cascata.

Eu não defendo a energia nuclear em Portugal desde logo, antes das razões ambientais, por razões de política energética. Segundo: por razões ambientais, como perceberam – risco de acidente – porque é que havemos de ficar com esse ónus se existem alternativas? Em terceiro lugar, porque é entrar tarde demais.

Eu nunca defenderia a energia nuclear em qualquer circunstância, mas entrar nesta fase quando estamos na ponta final de uma determinada tecnologia. Eu percebo os países que entraram na fase inicial de uma determinada tecnologia, que foi amadurecendo, que se foi desenvolvendo. Agora, nós sabemos que esta tecnologia está a entrar em declínio e que a seu tempo entrará uma mais avançada, mais segura, etc.

Não faz nenhum sentido, em termos de política de inovação um país entrar na parte final de um ciclo de uma tecnologia que está a entrar em declínio.

Finalmente, meu caro amigo, como é que estão as contas públicas? É que não há tecnologia de mais capital intensivo que o nuclear, em que enquanto numas barragens há alguma incorporação de valor nacional, nas eólicas há incorporação de valor nacional: mão-de-obra, tecnologia e por aí adiante; bom, o nuclear é chave-na-mão: venha o reactor francês, ou da Areva, ou escocês, ou inglês, ou vem da Coreia do Sul. Portanto, é capital intensivo, para a nossa Economia nesta fase é impossível; segundo lugar: incorporação de valor nacional, zero; terceiro lugar: desvantagem em termos de política de segurança de abastecimento; quarto lugar: desvantagens ambientais. Portanto, eu não defendo o nuclear como já se percebeu e acho sinceramente que o nuclear é um assunto arrumado; de vez em quando aparece porque há sempre gente que tem interesse em falar nestas coisas mas basta fazer as contas e nós hoje não precisamos do nuclear e a entrada no nuclear obrigava a desmantelar todos os projectos que já estão feitos. Portanto, nuclear, que barragens vamos fechar, que co-geração vamos fechar, que eólicas vamos fechar, que solar fotovoltaico vamos fechar, caso contrário o nuclear é supérfluo.

 
Nuno Matias

Tem agora a palavra o Grupo Cinzento através do João Pires Ribeiro.

 
João Pires Ribeiro

Bom dia e obrigada pelo tempo que partilhou connosco.

Nós vamos partir de uma citação sua do ano 2000, em que disse na altura que eram oito anos depois do Rio e três depois de Quioto, que se viveria, na sua opinião, o momento mais crítico, o momento da verdade. Entretanto já passaram mais dez anos e parece que nem todos os países continuam com essa preocupação ambiental e lá está ter demorado três anos a ser ratificado Quioto.

Tendo o senhor engenheiro participado em processos internacionais, acredita que os países têm uma verdadeira preocupação ambiental ou se se tornou meramente económica através do sistema de mercado e da venda de créditos? Acabando com a sua citação, fazendo novamente a mesma pergunta: acredita que ainda estamos no momento da verdade em relação às alterações climáticas? Obrigado.

 
Jorge Moreira da Silva

Infelizmente as coisas demoraram mais tempo do que seria expectável, porque todas as informações, todos os dados que tínhamos ao nosso dispor em 2000, na área da Ciência são praticamente os mesmo que temos agora. Portanto, a comunidade internacional, a política, os políticos, têm sido lentos em assumir a responsabilidade que há muito tempo tinham a obrigação de assumir. Porque desde o início da década 90, existe uma relação causa/efeito entre emissão de gases de estufa e alterações climáticas.

Diria hoje que estamos perante um segundo momento da verdade: porque se em 2000 o que precisávamos era de resgatar o Protocolo de Quioto e apesar de tudo ainda tínhamos – para o período de vigência do Protocolo de Quioto, que era a janela temporal eu era 2008-2012 – algum tempo, ainda assim eu considero que se perdeu muito tempo (de 92 até 2005) para que ele entrasse em vigor, ainda assim havia alguma margem para a janela de redução das emissões de 2008-2012. Hoje é pior porque 2012 é amanhã e nós não temos nenhum protocolo válido para depois de 2012. Reparem, a citação paradoxal em que nos encontramos. Hoje temos mais informação económica que demonstra que compensa agir, temos a mesma ou mais informação do ponto de vista científico quanto à necessidade de agir e, ainda assim, estamos a um ano do Protocolo de Quioto e não encontramos um sucessor. As várias rondas negociais têm tido passos de bebé: Copenhaga, Cancun; ora, nós estamos numa fase em que é necessário fechar um acordo global a tempo de encontrar um sucessor para o Protocolo de Quioto. A minha opinião pessoal é que chegou a altura de acabar com um certo cinismo na diplomacia na área das alterações climáticas e eu considero que em Copenhaga se cometeu um erro grave quando se baixaram as expectativas a duas semanas da Cimeira. A Cimeira de Copenhaga em 2010 estava marcada há dez anos. Nós sabíamos que tínhamos de encontrar um sucessor do Protocolo de Quioto até 2010 e essa data era conhecida há dez anos e durante dez anos em todos os textos das embaixadas, todos os textos do Parlamento Europeu, do G8, do G20, das Nações Unidas, dizia: a comunidade internacional assumia o objectivo de na Cimeira em Copenhaga encontrar um regime climático pós-2012 com o objectivo de travar o aumento da temperatura em 2 graus centígrados através de uma redução em 50% até 2050. Têm esta frase em tudo o que é documento internacional sufragado, assinado, pelos líderes internacionais e a duas semanas da Cimeira de Copenhaga, quando estávamos, negociadores, ainda em Barcelona na pré-Cop, na última ronda para tentar fechar um acordo e é um acordo difícil porque é mais ambicioso, porque em vez de 5% estamos a falar para países industrializados de reduzir 25% a 40% é duro, é um acordo difícil, estamos a falar da primeira vez de contenção do crescimento das emissões em países em desenvolvimento (é a primeira vez que isso acontece), é um acordo duro porque há realidades económicas e sociais diferentes entre o Norte e Sul, mas nós já sabíamos disso há muito tempo. Ainda assim, havia uma pressão política sobre os negociadores – eu sou negociador e sei o que é pressão política – que é ter um texto do G8, do G20 e a três ou duas semanas há uma declaração conjunta nalguns casos e sucessiva noutros, em que os líderes dos Estados Unidos numa Cimeira do G20, em que os mais importantes líderes globais, disseram que já não era possível encontrar um acordo em Copenhaga e que se procuraria encontrar um entendimento político. Sabem o que é que acontece quando se vai do plano A ao plano B, chega-se ao plano F que é o plano de falhanço; que foi o que acontece. A malta sentiu imediatamente: "como é que eu posso sair da minha zona de conforto; para que é que eu hei-de sair da minha zona de conforto cedendo, se ainda por cima deixou de haver essa pressão. Porque nas negociações, como sabem, a questão é muito simples: se há obrigação de um acordo, eu cedo, tu cedes, se deixou de haver uma obrigação de um acordo eu não cedo tanto, tu não cedes tanto e não há acordo nenhum; foi isso que aconteceu.

Eu quando falava de cinismo nas negociações queria dizer precisamente isto, que não é possível ter um discurso a favor das alterações climáticas e, depois, não colocar a fasquia alta em relação à necessidade de um acordo. E eu espero que a Europa – eu sou europeu e orgulho-me nisso – não prescinda do seu papel de até Durban (temos a Cimeira de Durban em Dezembro), como outras nações, resgatar a responsabilidade e a liderança que está perdida há muito tempo nestas negociações. Até porque as pessoas começaram a fartar-se das negociações; já começa a haver muito pouca paciência para a conversa das negociações porque já sabemos que estamos infelizmente a passar por um impasse nestas negociações, mas isso não pode servir de desculpa para não agirmos.

Era esta a mensagem-chave, se quiserem. Se eu tivesse de terminar a sessão terminava dizendo que nós temos de trabalhar independentemente das negociações internacionais. Isso é uma desculpa, dizermos que estamos à espera do sucessor do Protocolo de Quioto para mudarmos de vida, é uma desculpa.

Nós hoje sabemos que temos de mudar de vida, sabemos porquê, quanto custa, quanto ganhamos com isso, logo, podemos no dia-a-dia, Empresas, Estado, Cidadãos, Europa, podemos agir mesmo que não exista um acordo internacional, mas não devemos baixar a pressão sobre os líderes para que eles encontrem esse acordo. Acho que, hoje, o que está a faltar é pressão: não sinto, sinceramente, pressão na opinião pública, não sinto pressão na comunidade internacional, não sinto pressão por parte de alguns governos em relação a outros dizendo: "Meu caro amigo, nós já tínhamos aceite que haveria um acordo para o pós-2012, chegou a altura de colocar as acções e o dinheiro onde estava os pensamentos e a boca”.

 
Nuno Matias

Pelo Grupo Castanho, o Pedro Roberto.

 
Pedro Roberto

Bom dia, senhor eng. Jorge Moreira da Silva. A questão do Grupo Castanho vai muito ao encontro da explanação que fez há pouco nomeadamente no que diz respeito aos objectivos climáticos da União Europeia. Explanou-os a longo prazo, até 2020. Nós queríamos questioná-lo sobre os objectivos climáticos da União Europeia, mas até 2050. Isto é, pela pesquisa que fizemos, eles passam por reduzir entre 60% e 80% as emissões de gases com efeitos de estufa, passam por aumentar em 30% a eficiência energética e passam também por fazer progredir para 60% a percentagem de Energias Renováveis face ao consumo energético total da União Europeia.

A pergunta que lhe faço é, então, a seguinte: acredita que estes valores são viáveis tendo em conta sobretudo os comportamentos ambientais com que nos deparamos hoje, ou nunca nos permitirão atingir estas metas. Ou seja, nós sabemos que fazer estas modificações, neste caso, têm um custo que a curto prazo é muito menor do que a médio ou a longo prazo – e portanto a intervenção é premente, é urgente – mas esta questão dos comportamentos ambientais aliados também sobretudo à dependência enorme do petróleo, do carvão mineral e do gás natural e sobretudo também para o custo das infraestruturas para energias renováveis como é por exemplo a energia mar-motriz, fez o Grupo Castanho reflectir sobre este assunto.

 
Jorge Moreira da Silva

Eu agora vou ter de ser mais rápido. Não é falta de respeito pelos Grupos que seguem, mas como também uma parte das respostas já foram dadas…

Coloca uma questão importante: a capacidade da Europa de concretizar os seus objectivos. Muitas vezes somos induzidos pela ideia de facilidade na concretização dos objectivos e antes de chegar a 2050, olhar só para 2020. A meta de 20% de redução de consumo de energia em 2020 ou a meta de 20% de renováveis em 2020, na Europa, é tudo menos fácil de atingir sem uma alteração significativa de políticas europeias e nacionais. Muitas vezes, nós terminamos o escrutínio e a avaliação com a aprovação de um plano. "Ah, a Europa já aprovou o Plano 20-20-20, pronto, está feito”. Não, não está feito. Porque a tendência é oposta. Dando um número concreto: a Europa assumiu uma redução do seu consumo de energia em 20% até 2020 e numa visão mais larga uma redução da sua dependência energética que hoje está e cerca de 50% ou 60%, mas o padrão, o business as usual, aquilo que acontecerá se não fizermos nada, é um agravamento da dependência do exterior, do petróleo, do gás natura e por aí adiante.

Portanto se olharmos para as condições objectivas da Europa, da sua política energética e não olharmos para as metas, se deixarmos as coisas irem livremente, sem regulação, a tendência é de um agravamento do fosso em relação aos objectivos ambientais mais ambiciosos. Portanto, a tendência da Europa de dependência energética do exterior, a tendência da Europa de consumo de energia é de crescimento exponencial de consumo de energia e de crescimento exponencial de dependência energética do exterior. Essas são as tendências.

Se olhar para a curva dos próximos dez anos, dos últimos dez anos e as estimativas dos próximos dez, é isso; em cima disso, colocou-se metas de 20%, de 20-20-20. Eu queria enfatizar a ideia de que essas metas por si só não valem nada. É necessário que os Estados e a Europa tenham políticas que sejam compatíveis com essas metas. Portanto, concordo com o que diz em relação à dependência com o exterior e espero que a Europa possa dar um salto na comunitarização de algumas políticas.

Hoje, nós já temos algumas áreas da política energética que têm soluções comuns e coordenadas, mas eu defendo um aprofundamento da política energética europeia que não se limite à questão das renováveis e às metas para a eficiência energética. A Europa é uma vantagem, logo, a Europa que tem sido lesta em definir metas, deve encontrar novas directivas que facilitem a vida aos Estados para a coordenação comum e coordenada dessas metas. «A união faz a força». E se, enquanto que, em relação à redução de emissões está provado que a «a união faz a força» e que o sistema europeu de comércio de emissões consegue mais facilmente atingir objectivos do que 27 políticas nacionais diferentes, o mesmo acontece para a política energética. Eu defendo uma política fiscal; uma fiscalidade energética comum; eu defendo, cada vez mais, uma reconversão das políticas de segurança de abastecimento na Europa para que sejam atendidos os níveis de redundância. O que é que eu quero dizer com isto? Nós não precisamos de ter um stock de petróleo tão elevado em Portugal, ou um stock tão elevado para garantir a segurança de abastecimento porque eu sei que Espanha também tem um stock, França também tem um stock, logo, se nós pudermos definir uma política mais comum e mais coordenada para a segurança de abastecimento, provavelmente, não precisamos de armazenar, ter tantos stocks de combustíveis fósseis, porque podemos fazer uma gestão mais integrada.

Portanto, eu acho que é um dos debates que eu espero que a Europa possa vir a fazer, que é do aprofundamento da sua política energética porque disso depende, em larga escala, a sua política de vizinhança e a própria geopolítica.

Quanto aos objectivos de 2050 é como disse: estamos a falar de 70 a 90% de redução das emissões na Europa até 2050, o que se traduz em termos praticamente 100% de Energias Renováveis até 2050.

Estamos a falar de termos de encontrar tecnologias, políticas, mecanismos de financiamento, remoção de barreiras à penetração dessas tecnologias de modo a até 2050 termos renováveis em 100% na produção de electricidade nomeadamente e termos nos Transportes – que ainda não tinha referido, é o sector que mais me preocupa; é onde as emissões estão a crescer a um ritmo mais elevado, seja na Europa, seja em Portugal e não é possível termos uma política de Energia que não pense os Transportes. Essa é a minha irritação, se quiserem, quando se fala de Energia: é que fala-se de Energia numa caixinha e de Transporte noutra caixinha.

Ora, a política de Transportes está totalmente ligada à política de Energia e a nossa dependência energética do exterior, Europa e Portugal, está quase exclusivamente ligada à nossa política de Transportes porque não é uma política de mobilidade. Nós continuamos a pensar em Transportes, em Portugal e na Europa em geral, como infraestruturação de Transportes; construção civil nos Transportes, redes de infraestruturação nos Transportes e não pensamos nos Transportes numa perspectiva de mobilidade sustentável e de sistemas de mobilidade que só depois determinem a infraestruturação. O que temos é o contrário, infelizmente. Temos muita infraestruturação e poucas políticas e o que eu considero que nós precisamos é de políticas de mobilidade e não o contrário.


 
Nuno Matias

Tem agora a palavra o Grupo Azul através do João Santos.

 
João Santos

Muito bom dia a todos. Senhor Eng. Jorge Silva, pensa que o actual modelo de ordenamento de território está de certo modo de acordo com uma política de sustentabilidade energética e ambiental?

Dou um exemplo: a Serra da Malcata tem um cariz, ou teve, essencialmente natural, mas hoje em dia é mais um parque eólico.

Muito obrigado.

 
Jorge Moreira da Silva

Deixe-me aproveitar a sua pergunta para falar de Ordenamento de Território, porque é a primeira pergunta de Ordenamento de Território e se eu tivesse de escolher uma prioridade na área do Ambiente, para além das alterações climáticas, mas que apesar de tudo já existe um contexto europeu global sobre este tema, é o Ordenamento de Território.

O Ordenamento de Território é uma das poucas políticas na área do ambiente que não está comunitarizada, portanto não há praticamente directivas comunitárias sobre o Ordenamento do Território, é considerado matéria de decisão exclusiva nacional.

Ora, nós em Portugal vivemos, penso eu, uma situação anacrónica na área do Ordenamento do Território, porque se por um lado é verdade aquilo que muitos estudos dizem, que o nosso Ordenamento do Território é muito complexo e burocrático, até sinuoso, existe um emaranhado tão grande de regras que prejudica a nossa competitividade, também é verdade que a forma de ultrapassar esse emaranhado de regras, essa burocracia e essa forma complexa de ocuparmos o território é tudo menos eficiente e até transparente.

Isto é, hoje temos muitos planos, mas mau planeamento. Podemos ter na mesma zona sete ou oito planos, uns em cima dos outros. Aqui na zona do Nuno, na zona da Arrábida, temos por exemplo numa determinada zona de Almada o PDM, pode haver o Plano Pormenor e em cima desses o Plano de Ordenamento da Área Costeira, depois há o Plano da Área Protegida da Arrábida, o Plano Sectorial da Rede Natura e pode haver também, se estivermos numa zona com bacias hidrográficas, Plano especial de bacia hidrográfica.

O problema é que eles não comunicam entre si e eu hoje altero um plano e essa alteração não é automaticamente acomodada nos outros planos. Existem por isso contradições e é no meio delas que muitas vezes florescem fenómenos de corrupção, ou também se impede o desenvolvimento. No emaranhado das regras, na falta de compatibilização das regras, na falta de comunicabilidade perdemos sempre. Perdem aqueles que fazem bem, com sentido ético, com sentido ambiental, porque essas regras prejudicam a competitividade e perde o Estado também, porque é no meio dessas regras e incongruências alguns tiram benefícios ilegítimos das alterações do uso do solo.

O que foi institucionalizado pelo anterior Governo foi batota, que é uma via verde para facilitar uma série de processos na área do Ordenamento do Território. Por exemplo, quero fazer um hotel num sítio que o PDM, o Plano de Ordenamento da Orla Costeira, o Plano Sectorial da Rede Natura diz que eu não posso.

O que é que seria normal? Se faz sentido que se faça uma alteração dos planos, faça-se uma alteração dos planos. O que é que foi decidido pelo anterior Governo? Aprova-se o PIN, leva-se ao Conselho de Ministros a suspensão do PDM, para não violarmos a Lei, aprova-se o projecto, o PDM está suspenso, o projecto está aprovado, volta a vigorar o PDM. Portanto, é uma ilegalidade homologada em Conselho de Ministros, sem participação pública. Enquanto se faz um Plano de Ordenamento onde há discussão pública, quando se trata de PIN basta uma decisão administrativa de um membro do Governo para considerar aquele plano muito importante para a Economia para, de acordo com o anterior Governo, não este Governo, esse plano de ser ultrapassado sem qualquer discussão pública, sem qualquer ponderação ambiental ou de outra ordem. Portanto, há uma sobreposição das questões económicas às questões ambientais. Essa não pode ser a solução.

Qual é que poderia ser a solução? Aquilo que está no nosso programa eleitoral e presumo que no Programa de Governo é uma reforma do Ordenamento do Território de forma a haver um interlocutor único perante os cidadãos e perante as Autarquias. Isto é, enquanto eu hoje quero licenciar uma determinada estrutura, tenho que percorrer várias capelinhas na Administração Central e Administração Local, o modelo que defendemos é o de haver um interlocutor único. Há uma entidade que é responsável na relação com o Cidadão e o Ordenamento do Território e o mesmo entre o município e a Administração Central; portanto há uma maior responsabilidade e menor envolvimento dos vários sectores. Há uma menor utilização dos pareceres vinculativos e isso permite uma maior responsabilização deste processo. Mas há uma outra reforma que é necessário fazer e esta sim, relacionada com a sua questão, que tem a ver com os benefícios económicos da Biodiversidade. Alguém que esteja na Serra da Malcata, tenha um terreno na Serra da Malcata, Rede Natura "não pode fazer nada”, portanto, perde economicamente. A mudança que é preciso fazer é: passar a autorizar? Não. Depende, mas não deve ser por haver um prejuízo económico na protecção de um bem que ambientalmente se considera válido que se deve subverter as regras; o que se deve é remunerar aqueles que trabalham na conservação da Natureza. Em vez de, para si, ter um ónus ou um terreno onde não pode fazer nada e não tem nenhum incentivo para o conservar ou proteger aquelas espécies, tem de começar a haver uma compensação (é o que eu defendo, é a título pessoal como é óbvio) para que aqueles que desenvolvem essas actividades tenham um incentivo a proteger esse território e não um ónus por não fazerem nada. Isso pressupõe uma perequação nacional. Eu que vivo em Lisboa tenho vantagem que o meu caro amigo que vive na Malcata conserve o seu território, porquê? Porque há um benefício ambiental global e nacional dessa protecção, mas isso pressupõe que eu tenha numa cidade que compensar aqueles que no Interior realizarão essa actividade, caso contrário perdemos todos, porque há uma maior desertificação do Interior, há uma fuga do mundo rural, há uma degradação do mundo urbano, há uma crescente suburbanização das cidades, portanto, o país perde no seu todo.
 
Nuno Matias

Grupo Rosa, Hugo Gonçalves.

 
Hugo Gonçalves

Bom dia a todos. Queria em primeiro lugar, em nome do Grupo Rosa, agradecer ao Eng. Jorge Moreira da Silva a excelente intervenção que tem feito até agora.

A nossa pergunta vai um pouco de encontro àquilo que estava a falar há pouco da Economia energética, de economizar o gasto energético. Como nos poderemos consciencializar a todos a economizar até em casa, tendo em conta que corremos o risco que a Humanidade como a conhecemos hoje pode acabar amanhã?

Obrigado.

 
Jorge Moreira da Silva

Eu gostava de introduzir aqui uma questão de que ainda não falei ligada à reorientação de comportamentos que é a pergunta que fez.

A reorientação de comportamentos no fundo é o papel de cada um de nós deve ter na redução do consumo de energia, porque essa redução do consumo de energia tem um benefício económico para mim: se consumo menos energia, tenho uma factura energética mais baixa; se consumo menos energia, à escala nacional, o país vai ter uma menor dependência energética exterior, isto é, deixamos de ter uma balança comercial tão desequilibrada. Mas há também uma vantagem, se quiser, do ponto de vista económico, porque uma redução do consumo de energia permite canalizar, isso não tem sido muito falado, recursos de umas áreas para outras. Aquilo que estamos a gastar na Energia, degradando, desbaratando, deitando pela janela fora, são recursos que podemos voltar a investir nomeadamente na Agricultura que é um sector cada vez mais estratégico onde o País não pode deixar de ganhar a vantagem da competitividade. Mas para isso é necessário que sejam dados sinais por parte do legislador e decisor político de reorientação de comportamentos. Isso pressupõe uma mexida na fiscalidade. Eu – mais uma vez; isto são as regras desta Universidade – falo a título exclusivamente pessoal, eu defendo um choque fiscal verde, há muito tempo que o defendo, que passa de uma forma gradual e pensando isto numa perspectiva de médio e longo prazo, cada vez mais substituir impostos sobre o trabalho e sobre a riqueza que as empresas produzem por impostos ambientais. Pensando num quadro de neutralidade fiscal, não há aumento de impostos em termos globais, mas prefiro, defendo, advogo fortemente, uma maior penalização da poluição e uma menor penalização do trabalho (que é uma coisa boa), uma maior penalização da degradação dos recursos naturais e uma menor penalização, via fiscal, da produção de riqueza nas empresas (que também é uma coisa boa).

Portanto, eu espero que seja possível à escala europeia e também nacional, que possa haver uma reforma fiscal ambiental de largo espectro ao nível do património, fomentando e dando sinais para a regeneração urbana, para a requalificação, para a penalização daqueles que degradam, daqueles que abandonam, daqueles que não requalificam; que possa haver uma alteração fiscal nos produtos energéticos, que possa haver uma alteração fiscal nas tecnologias limpas da área da energia, que possa haver uma alteração fiscal na área florestal e que possa no fundo também na área das alterações climáticas, a nível do CO2, ser dado um sinal de reorientação de comportamentos.

Eu dei no outro dia um exemplo prático que é: nós podemos encontrar tantas receitas numa taxa de CO2sobre os sectores que não estão no comércio de emissões, mas também envolvendo uma parte daqueles que estão no comércio de emissões e não têm metas muito ambiciosas, do que alguns cortes que se possam fazer na Administração Pública ou alguns novos impostos que possam ser lançados.

Portanto, eu defendo muito a introdução de impostos ambientais a favor da diminuição de outros impostos e isso é um factor essencial à reorientação de comportamentos. Aconteceu na Califórnia, houve um apagão na Califórnia há sete ou oito anos atrás porque havia um consumo excessivo de energia e o governo dos Estados Unidos lançou um imposto sobre o consumo de energia e o consumo caiu e caiu a sério. Há uma sensibilidade do consumo de energia em relação às políticas fiscais. Vamos penalizar as pessoas? Não, porquê? Porque está provado que todos nós temos condições de reduzir o nosso consumo de energia em 30% a 40% sem perdermos qualidade de vida. Portanto, há uma margem elevada de 30% a 40%, no Estado isso ainda é mais elevado, em que nós podemos reduzir o consumo sem perder nada: não perdemos qualidade de vida, não perdemos mobilidade e ganhamos dinheiro, mas para isso os incentivos fiscais são importantes.
 
Nuno Matias

Muito obrigado. Pelo Grupo Laranja, a Vera Artilheiro.

 
Vera Artilheiro

Bom dia a todos.

Coube-me a mim a honra de encerrar esta primeira ronda de questões. Quero agradecer-lhe não só em nome do Grupo Laranja, como creio que posso agradecer em nome de todos, a excelente exposição que nos trouxe aqui, que acho que foi uma excelente forma de iniciarmos as aulas na Universidade de Verão.

Não abordou aqui a questão do petróleo muito embora seja um dos principais responsáveis pelas emissões de CO2. Estima-se que até 2015 seja atingido o pico do petróleo mundial e que com isto dar-se-á o fim do petróleo barato. Isto significa que os custos de extracção do petróleo irão aumentar, poderá ter também outras implicações que poderão originar a dissolução da Economia Global com o completo colapso das sociedades industrializadas.

Até que ponto considera que a Economia Mundial irá conseguir subsistir e que caminhos alternativos deveríamos traçar?

Obrigada.

 
Jorge Moreira da Silva

Sobre o petróleo, isso é tanto mais grave quanto se olhar para a situação nacional, porque Portugal é, como disse, a seguir ao Luxemburgo, o país com maior dependência energética do exterior (na casa dos 80%, 85%), por isso é que aqueles que estiverem a olhar para a energia só como electricidade estão a falar de uma falácia.

Portanto, 80% de dependência energética do exterior, sendo que 60% da dependência é petróleo. Sempre que o petróleo aumenta um euro, o barril de Brent aumenta um dólar, em Portugal isso tem um efeito três vezes superior à média europeia. Reparem que a nossa adicção no petróleo é um dos principais factores do empobrecimento da nossa Economia. Sempre que aumenta um dólar, cá, pesa três vezes mais porque nós somos mais dependentes energeticamente do exterior. Não há aqui volta a dar: o petróleo é um dos grandes responsáveis pelo aquecimento global; a nossa dependência do petróleo empobrece a nossa economia; e o barril do petróleo, a tendência é de aumentar.

Se olharmos para a escala global, para a escala do tempo, para todos os estudos que são feitos, aqueles que continuarem a apostar numa política energética assente no petróleo e numa economia assente no petróleo perdem três vezes: mais CO2, penalizados pelo preço CO2, maior dependência da economia em relação ao petróleo, três vezes maior sensibilidade sempre que o preço aumente; por outro lado maior dependência do petróleo, menos recursos alocados a áreas tecnológicas emergentes.

Um país como Portugal não tem volta a dar, é daqueles para os quais a decisão é simples: uma das nossas decisões mais importantes terá de ser a redução da nossa dependência do exterior e uma redução da nossa dependência em especial do petróleo e isso não pode ser feito sem uma nova política para os transportes e sem incentivos adequados à indústria. E cada um de nós em nossas casas e no sistema de mobilidade, para que o possamos fazer; se não fizermos isso, continuamos a olhar para a energia como se fosse só electricidade, continuamos a olhar para o petróleo como se fosse uma commodity, como ouro ou algum tipo de minério – o petróleo não é uma commodity apenas, o petróleo é uma das grandes razões da degradação da nossa Economia e do empobrecimento de Portugal -, portanto se quiserem um desígnio, um dos nossos desígnios é o de aproveitar a política para as alterações climáticas para matar três coelhos de uma só cajadada, que é: reduzir as emissões, reduzir a nossa dependência energética do exterior e desenvolver a nossa Economia, porque os recursos que vão para o petróleo podem ir mais facilmente para outras áreas de desenvolvimento tecnológico.

 
Dep.Carlos Coelho

Muito bem, chegámos ao fim da aula "Ambiente e Energia: o que temos de decidir já”.

De acordo com uma tradição antiga vamos acompanhar o nosso convidado à saída, para que o nosso Diretor-adjunto, Nuno Matias, e os avaliadores possam prosseguir os nossos trabalhos.

Em nome de toda a Universidade de Verão, muito obrigado ao Eng. Jorge Moreira da Silva.

[APLAUSOS]