ACTAS  
 
8/29/2011
Briefing sobre sistemas eleitorais pelo Prof. Doutor Manuel Meirinho
 
Manuel Meirinho

Boa noite a todos.

Queria antes de iniciar o meu briefing cumprimentar naturalmente o senhor Presidente da Câmara, que é o nosso acolhedor-mor, é um prazer estar aqui nesta bonita vila; cumprimentar os convidados, incluindo os autarcas, os meus colegas deputados e, em particular, o secretário-geral do PSD, é um prazer estar aqui consigo; cumprimentar o meu colega, o Duarte Marques, que não sabe o que é arroz de capão, mas eu já lhe expliquei; e, naturalmente, o senhor Director da Universidade de Verão do PSD, antecipando aqui o meu agradecimento pelo honroso convite que me fez.

É com muito prazer e muita honra que eu colaboro neste briefing sobre Sistemas Eleitorais e dizer-lhe que é com muito gosto que me revejo como académico, numa academia diferente, mas uma academia seguramente tão rigorosa e com um nível de qualidade e exigência que supera muitas daquelas que eu conheço. Os meus cumprimentos e os desejos de que este projecto continue e se reforce em cada edição, que julgo que vai na IX.

Dado o convite que me foi feito, cumprimento em particular as pessoas a quem se destina a minha intervenção, neste caso são os alunos. Esta é uma intervenção particular, não é institucional ou política, é uma intervenção de natureza técnica. Portanto, em jeito de briefing, vou tentando que a minha explicação sobre questões essenciais a ter em consideração, necessárias e básicas para trabalhar em sistemas eleitorais, não vos provoque uma indigestão.

Uma que vão ter de trabalhar e dado a exiguidade do tempo, porque já vi que o rigor também se coloca aqui a nível da gestão do tempo, eu vou tentar cumprir os 20 minutos que me foram dados. O senhor Presidente tem, desde já, a autoridade e a autorização para me mandar calar quando entender.

O que é que eu fiz para tentar amenizar uma conversa, um briefing, sobre Sistemas Eleitorais, que é uma matéria estranha a muita gente? (às vezes apetece-me dizer que sou um pouco, e uso mesmo a expressão, "ovelha tresmalhada” na Universidade, ou um pouco louco para me meter nestas matérias de Sistemas Eleitorais).

Eu vou fazer cinco perguntas a mim próprio e vou responder, vou-vos dar uma resposta. Essas cinco perguntas basicamente respondem a cinco questões essenciais de quem se inicia nestes temas, ou de quem tem de laborar nestes temas. Ao que parece, o desafio que vão ter em boa parte também nesta Universidade é um trabalho sobre sistema político/eleitoral, leis eleitorais.

Eu não vos posso ajudar a fazer o trabalho, como é normal, mas no que vos posso ajudar é neste briefing dar-vos estas respostas a cinco questões básica. Com certeza, com o material de apoio que vos foi dado e com a vossa capacidade de trabalho e investigação, saberão responder ao desafio que vos foi dado.

Qual é a primeira pergunta que nós devemos fazer quando nos metemos em terrenos como os dos sistemas eleitorais? A primeira é: porque é que, por exemplo, a vossa Universidade de Verão se lembrou de vos pôr a fazer um trabalho sobre isso? É com certeza porque os sistemas eleitorais têm uma importância, têm um papel, constituem um pilar essencial do travejamento de qualquer sistema político. Portanto, a primeira pergunta que nós devemos fazer é: porque é que estudamos os sistemas eleitorais, ou seja, qual é o lugar que os sistemas eleitorais ocupam no sistema político?

Ora bem, como sabem os sistemas políticos têm três grandes subsistemas: o primeiro é o Governo, o segundo é o sistema de partidos e o terceiro é o sistema eleitoral. Estes três sistemas interagem uns com os outros, mas o sistema eleitoral tem um papel determinante, porquê? Porque é a partir dos sistemas eleitorais que se configura todo o processo de captura do exercício e da manutenção do poder.

Portanto, no sistema político, o subsistema que trata desta matéria essencial e para o qual vocês estão a ter formação especializada, é o sistema eleitoral. É dele que parte toda a arquitectura que nos dá as regras do jogo de conquista de poder, da sua manutenção e exercício. Claro que este é cruzado com outras leis, mas a genética do poder está nos sistemas eleitorais e por isso caminharam juntos. São criatura da mesma mãe.

Ora bem, a importância de um sistema eleitoral está no coração de um sistema político, é ele que determina o modo de exercício e de conquista do poder. Mas um sistema eleitoral é também importante por uma outra razão, porque tem consequências absolutamente determinantes no funcionamento de qualquer exercício político.

Uma boa parte da mecânica do funcionamento dos sistemas políticos, como por exemplo o sistema partidário, o sistema de recrutamento político das candidaturas, é determinada pela existência dos sistemas eleitorais. Do ponto de vista mais técnico, são variáveis independentes que configuram o sistema político e variáveis dependentes que interagem também com os outros subsistemas, nomeadamente os subsistemas de partidos.

Portanto, porque é que estudamos os sistemas eleitorais? Por uma razão muito simples: porque é o subsistema que determina e que configura a conquista, exercício e manutenção do poder. Portanto, a partir daí só verdadeiramente teremos condições para compreender, avaliar e mudar a arquitectura dos sistemas representativos, sobretudo dalguns que entraram, não direi em colapso, mas nalguma degeneração.

A resposta é essa. Não conseguiremos compreender o funcionamento, avaliar algum do seu desempenho e mudar a arquitectura desses sistema, sem compreendermos bem os sistemas eleitorais.

A segunda questão tem a ver com o nome das coisas. Às vezes perco muito tempo com os meus alunos para conseguirem determinar uma diferença entre as coisas e o nome das coisas. Como sabem, há uma diferença: é que o nome das coisas muitas vezes não é a "coisa”, ou seja, o conceito nominal não é o conceito operacional, só nos dá o nome, por exemplo Estado, Partido, mas nós, muitas vezes, não sabemos de que "coisa” tratamos.

Ora aqui temos a segunda pergunta: do que é que falamos quando falamos de sistemas eleitorais? Ou seja, temos o nome da "coisa”, sistema eleitoral, mas não sabemos que "coisa” é. A segunda pergunta tem a ver com o esclarecimento que eu vos vou dar sobre a "coisa”.

Em regra, quando falamos de sistemas eleitorais, temos ideia de que estamos a tratar de um processo técnico que regula o processo eleitoral e depois basicamente converte a vontade dos eleitores, aquilo a que chamamos de vontade psicológica ou vontade política, em vontade representativa, ou seja, como é que dos votos dos eleitores passamos para deputados. Essa é uma ideia simplista do sistema eleitoral e para além de simplista, é uma ideia errada. O nome da "coisa” não está a coincidir com a "coisa”.

Temos então de fazer um esforço para compreendermos melhor o que é um sistema eleitoral e a resposta é basicamente esta: um sistema eleitoral é uma espécie de sistema tripartido que tem uma vertente normativa, que é a lei eleitoral.

Muitas vezes se confundem as leis eleitorais com o sistema eleitoral, o que é insuficiente. As leis eleitorais que regulam todo o processo eleitoral, desde a constituição das candidaturas até à maneira de como se vota, de como se calculam os votos, de como se convertem os votos em mandatos e por aí fora. São só uma parte do sistema, é a parte que nós conseguimos ver olhando, por exemplo, para aquilo que está na Constituição, para a lei ordinária e para a chamada legislação complementar, por exemplo, lei sobre o financiamento dos partidos. Tudo isto faz parte da legislação complementar adstrita aos sistemas eleitorais, mas isso é insuficiente para vocês terem noção do que é um sistema eleitoral.

Para além desta vertente, desta variável normativa, tem de ter uma variável técnica, aliás, nós somos muitas vezes criticados por sermos meio engenheiros eleitorais. Mas como isto não é propriamente uma aula e não vos vou fazer o desafio, poderá ficar para depois noutros vossos trabalhos.

Como vos vou dizer mais à frente, os sistemas eleitorais têm uma componente técnica muito complexa e aliás, em boa parte, também com uma variação muito grande de elementos. Corresponde basicamente à possibilidade que nós temos de pegar no voto que entra nas urnas e convertê-lo em representação. Há centenas de possibilidades, mas em regra, vocês já ouviram falar por exemplo do método D’Hondt, mas há dois métodos básicos. A vertente técnica tem só a ver com a possibilidade que nós temos de pegar no voto da urna e transpor esse voto em representação. Muitas das reformas eleitorais tentam mexer nisso exactamente pela capacidade que as fórmulas eleitorais têm de alterar o resultado das eleições.

Mas, depois, falta-nos uma outra vertente, a social e cultural e é aí que completamos a noção de sistema eleitoral. Os sistemas eleitorais, muito rapidamente, induzem uma aprendizagem. Quem tem alguma experiência política, aprende, os partidos, aprendem, a Democracia aprende, as instituições aprendem. Os sistemas são entidades vivas, também aprendem e determinam por exemplo a cultura política de um país, a maneira como os cidadãos usam ou não usam o voto, a maneira como os partidos interpretam do ponto de vista da sociologia cultural os comportamentos e atitudes políticas, por exemplo, as manifestações de voto em branco, abstenção. Isso também é sistema eleitoral logo, temos que aduzir à vertente normativa, a chamada lei eleitoral, a vertente técnica e a vertente social.

Quem não conseguir apanhar esta amplitude de manifestações que um sistema tem, em regra tende a reduzir a análise à vertente técnica e não apanha realidades que são muito importantes nas manifestações da cultura eleitoral. Por exemplo a questão da cultura política, nós hoje defrontamo-nos com a interpretação de matérias como a abstenção, o voto em branco, como eu vos disse, alguma aprendizagem que as estruturas políticas fazem, por exemplo em função das regras eleitorais na estruturação do seu recrutamento político, na maneira como fazem as campanhas. Todas elas aprendem com o sistema e se o sistema estiver a mudar em todas as eleições, por exemplo, os partidos têm uma dificuldade de adaptação muito grande.

Como os sistemas eleitorais são em regra criaturas muito bem estruturadas, muito sólidas, por exemplo, nós não temos verdadeiramente uma reforma eleitoral desde a nossa Democracia. Temos algumas alterações ao sistema, mas não temos reforma, isso cria uma habituação, uma aprendizagem, aprendemos todos, os eleitores também aprendem, inclusivamente a enganar os eleitos. Portanto, os sistemas eleitorais também incorporam esta variável, é uma variável sociológica, de cultura política se quiserem. A resposta a esta segunda questão é: não se fiquem nunca, nunca, pela vertente técnica dos sistemas eleitorais. Olhem para as leis e para as regras, mas essa é uma dimensão redutora, é preciso abrir a perspectiva de análise de sistemas e quem tem alguma prática de campanhas sabe que isso é verdade.

Uma terceira nota é basicamente a seguinte: para que é que servem os sistemas eleitorais? Imaginemos que hoje fazia o desafio na vossa Universidade de fazerem uma proposta de reforma. Nós temos de saber para que é que servem os sistemas eleitorais.

Basicamente, esta pergunta tem a ver com aquilo que nós conseguimos fazer com os sistemas eleitorais, é fazer representação. Gerar instituições representativas é o seu principal resultado: o Parlamento Europeu, o Parlamento Nacional, os executivos municipais enquanto durarem no actual formato. Portanto, o fim primeiro de um sistema eleitoral é gerar representação, é produzir órgãos representativos fundados exactamente na expressão do voto. Só que há um aspecto que em regra foge à análise desta função representativa, é que não há só representação traduzida nos órgãos, há também representação territorial, por exemplo nós estamos num distrito que ele dois deputados.

Coloca-se até um problema de representatividade dos territórios, apesar de terem uma representatividade em função da lei. É certo que os deputados não representam árvores, mas também representam territórios, estes também têm mais do que pessoas.

Esse é problema que se coloca, por exemplo, na Teoria da Representação, ou seja, os sistemas eleitorais geram representação, mas há muitas representações. Por exemplo, nas reformas eleitorais, em regra, esquece-se muito isso; há representação territorial, há representação social e há até representação descritiva ou funcional, por exemplo titulada nas quotas, nas mulheres. Por exemplo, para determinadas etnias, alguns países como a Austrália e a Nova Zelândia utilizam várias representações, não há só a representação o órgão colegial, da Assembleia da República, do Parlamento Europeu.

Os sistemas eleitorais também se têm de preocupar com o output das várias representações e, em regra, no desenho natural da passagem das populações do Interior para o Litoral existem muitas representações que são impossíveis de obter se não forem reconfigurados os sistemas. Vão-se esgotando. Não é possível porque simplesmente não há possibilidade de fazer.

A segunda grande função de um sistema é basicamente o quê? Para que é que existe um sistema político? A resposta é muito simples: existe para tomar decisões. É o primeiro grande contribuidor líquido para que haja Governos, por isso se coloca muito em causa, na discussão da reforma dos sistemas eleitorais, a questão da governabilidade e porquê? Porque não tem sentido haver representação e sistemas eleitorais para produzir pessoas que não governem.

Portanto, o sistema eleitoral tem uma função muito essencial que é gerar Governos, tem de produzir um Governo. Se produz de uma forma mais estável, ou menos estável. Mas não produz só Governo, produz também oposição e isso às vezes também falha nas reformas, ou seja, inevitavelmente o sistema eleitoral gera Governo e oposições.

Uma terceira função básica de um sistema eleitoral, tem de ver com a responsabilidade política. Também não raramente, esta função foge à análise. Qual é a maneira que nós temos, nas democracias representativas, de transferir responsabilidade política do ponto de vista dos governantes? A única maneira é concebermos um sistema que transfira a autoridade da comunidade política para as instituições e que lhe dê legitimidade que deriva do consentimento.

Ora, vocês podem fazer os exercícios que quiserem durante toda a noite e amanhã de manhã, às 8 da manhã, apresentarem o resultado, mas não há outra forma de transferir autoridade com consentimento senão através da expressão do voto e da sua conversão por via eleitoral. Não há!

Os gregos andaram nessa luta durante muitos anos, os gregos, os antigos, não estes e tentaram colmatar isso com a via do sorteio. Por causa do sorteio, o Sócrates, o verdadeiro filósofo …

[RISOS E APLAUSOS]

… como sabem, foi condenado a inspector de docas por via do sorteio. Os perigos das chamadas formas híper-democráticas dão nisto. Portanto, a única fórmula que consegue pegar na autoridade, legitimar quem governa para a decisão e para a acção por via do consentimento é a expressão do voto e nós precisamos de converter essa expressão do voto em representação. É uma função basilar dos sistemas eleitorais. Eu direi, aliás, que é a função mais importante porque é a partir dela que se estrutura tudo.

Quando os técnicos começaram a pensar nas tais fórmulas matemática, círculos e por aí afora, tinham bem isto na cabeça, porque os fundadores do governo representativo, como o Madison, entre outros, quando pensaram este sistema não se preocuparam primeiro com as técnicas, preocuparam-se primeiro com os princípios. Estamos a falar de princípios, porque há uma ideia básica de que sistemas eleitorais são para técnicos, engenheiros eleitorais e afins, que conseguem manipular umas leis e produzir determinados resultados. A ideia é a mais errada, por isso é que eu comecei por aqui: primeiro é preciso entender os fundamentos porque não entendendo os fundamentos dos sistemas eleitorais, não vale a pena perceberem nada de técnica. Aliás, tendem a errar e na maior parte das vezes erram e muito.

Os sistemas eleitorais têm outra função muito importante que é a de estruturar a competição. A competição política, a competição pelo poder, é toda estruturada pela via dos sistemas eleitorais.

Uma outra função, que é chamada de função conciliativa. Na maior parte dos países que fazem a transição para a Democracia, uma grande preocupação na configuração dos sistemas eleitorais é ver em que medida é que é nós conseguimos arquitectar um sistema que possa acomodar as tensões. Aconteceu isso por exemplo em Timor, vocês estejam atentos e vejam que sistemas eleitorais lá metem.

Em regra, a preocupação é quando nós capturamos o processo de exercício de poder, temos que nos preocupar com o seu resultado, não podemos criar um sistema que depois vá produzir exactamente o seu inverso e, por isso mesmo, esta função conciliadora é muito importante: integrar ou não as minorias, dar ou não espaço representativo às forças sociais emergentes.

Porque é que nós escolhemos após o 25 de Abril um sistema eleitoral com este formato? Porque a preocupação do legislador era acomodar as tensões e clivagens sociais da altura, do período de transição, porque se nós escolhêssemos outra opção maioritária, corríamos o risco de uma exclusão político-social.

Portanto, os sistemas eleitorais acomodam as tensões e os conflitos, porquê? Porque já estamos a falar de efeitos. Não se pode fazer uma alteração ao sistema eleitoral sem pensar nisto, porque às vezes o efeito que nós queremos são exactamente ao contrário, é esta a função conciliativa.

Quarta questão, muito rapidamente, quais são os instrumentos básicos que nós temos num sistema eleitoral e que podemos facilmente operar para gerar mudanças?

Há cinco grandes elementos num sistema eleitoral que vocês conhecem, a maioria de vocês, mas eu vou-vos falar num que tem a ver com a questão final. Já ouviram falar das fórmulas eleitorais, vocês estão familiarizados com o método D’Hondt que muitas vezes é confundido com um princípio.

Como sabem, este senhor D’Hondt é o único que tem direito a nome próprio na nossa Constituição, que é também caso único no Mundo. Já alguém leu? Não está nos programas da Universidade, senhor Director, a leitura da Constituição? A única pessoa que tem direito a ter nome na nossa Constituição é este senhor e mal, porque o que lá deveria estar devia ser o princípio de representação e não o método. O método é uma fórmula, quando eu falo de fórmula, falo de uma fórmula matemática de pegar em votos e convertê-los em mandatos, mas isso é uma fórmula. Antes das fórmulas nós temos princípios.

Quem um dia quiser estudar sistemas eleitorais verificará que tem um mundo deles. Nós, em regra, falamos em sistemas maioritários e sistemas proporcionais e, depois, uma espécie de híbrido sobre o qual também não estamos muito de acordo. São os chamados sistemas mistos, do qual o sistema alemão é muito falado, aliás tem sido muito traduzido e discutido em Portugal, ainda há bocado estávamos a falar aqui na mesa disso. Mas isso são os sistemas de representação, nunca confundam sistemas eleitorais com elementos dos sistemas eleitorais. Uma coisa é um sistema maioritário, outra coisa é um sistema proporcional. Isso são princípios de representação, não são sistemas eleitorais, são princípios de representação.

Outra coisa são as fórmulas matemáticas que nós utilizamos para converter votos em mandatos. O primeiro grande elemento técnico para caracterizar um sistema eleitoral é a fórmula que ele usa: se é uma fórmula maioritária ou se é uma fórmula proporcional. E temos várias fórmulas, por exemplo, nos usamos a de D’Hondt, mas podíamos usar outra qualquer porque há várias fórmulas de sistemas proporcionais. Muitas fórmulas proporcionais, por exemplo, eu defendo em Portugal a saída rápida do método D’Hondt e a introdução da quota Hare. Temos muitas possibilidades.

O segundo grande elemento são os círculos eleitorais. Os círculos eleitorais, toda a gente sabe, são basicamente as unidades onde nós contamos os votos. Mas há várias possibilidades que nós temos de utilizar círculos eleitorais que vão desde os chamados círculos uninominais (elegem um) até círculo nacional único. A Holanda, por exemplo, tem um onde elege 150 deputados; a Madeira, com o tempo, alterou-se o círculo eleitoral para um círculo nacional único. Portanto, o M (que é aquilo que nós chamamos de Magnitude) que é igual a quantos mandatos eu elejo num círculo, vai de M igual a um, até M igual ao que vocês quiserem.

Este segundo elemento é muito importante. A propósito dos círculos eleitorais, utilizamos o "custo por deputado”, quanto é que custa eleger um deputado em Portalegre? Está ali o Cristóvão Crespo e eu vou propor-lhe um desafio, porque aqui em Portalegre, eleger um deputado custa 25% dos votos e em Lisboa custa 1,5%.

Porque é que os pequenos partidos elegem com facilidade deputados em Lisboa, Porto, Braga e Aveiro? Porque são os círculos que determinam o chamado "custo por deputado”. Se eu quiser calcular o custo da eleição de um determinado deputado utilizo uma fórmula muito simples, que qualquer um de vocês consegue determinar. Os círculos eleitorais são uma das condicionantes maiores à obtenção dos mandatos e à relação entre eleito-eleitor. Era deste tema que eu vos queria falar no fim, muito rapidamente.

O elemento que eu acho mais importante que num sistema eleitoral é a chamada estrutura do voto. Isso significa o que todos os sistemas eleitorais dão mais ou menos liberdade de escolha a quem escolhe, neste caso ao eleitor, e dão mais ou menos liberdade a quem pré-determina o voto, ou seja, ao recrutador.

Os sistemas eleitorais determinam quem recruta, quem faz a selecção do pessoal político, dão-lhes as regras de como vai poder fazer o recrutamento, mas dão também ao eleitor maior ou menor margem de liberdade para poder escolher quem é colocado a sufrágio. Há sistemas que não dão nenhuma margem de liberdade ao eleitor, que é o nosso.

Do ponto de vista de estrutura do voto, que diz respeito à forma como o boletim de voto aparece, como ficam os candidatos e à liberdade que o eleitor tem ou não tem de determinar a sua selecção nesse boletim. Nós temos situações que vão desde sistemas de ausência de liberdade, ou seja, listas bloqueadas e fechadas, que é o nosso caso. São conceitos diferentes porque são bloqueadas pelos partidos, ou seja, o eleitor não pode determinar nem a ordem nem a preferência e também não tem qualquer possibilidade de multiplamente distribuir o seu voto, portanto são totalmente bloqueadas. O eleitor ratifica ou foge, nomeadamente para o voto em branco, abstenção e por aí fora.

E até sistemas de total abertura, por exemplo, a Suíça tem o sistema de [NOME INAUDÍVEL] em que o eleitor pode fazer a lista que entender e coloca lá até candidatos que não são propostos pelos partidos. Esta estrutura do voto é aquela que mais tem relação com o cidadão.

Qual é a parte do sistema eleitoral que é mais familiar ao cidadão? É o boletim de voto. O cidadão não sabe aplicar o método D’Hont e aliás até duvido que muita gente a outro nível o saiba aplicar, mas isso é outra coisa. Há outra parte muito importante para fazer reformas eleitorais a pensar no cidadão porque o resto ele não sabe, não conhece os processos de recrutamento, as fórmulas matemáticas, não sabe qual é a dimensão do órgão representativo.

Aliás, os sistemas eleitorais são criaturas muito estranhas, ainda hoje eu surpreendo-me com muitas investigações. Eu, por exemplo, posso revelar aqui que estive na campanha e houve eleitoras que me perguntavam se eu ía depois para a Guarda. Eu responde "não, não vou para a Guarda, a Assembleia da República é em Lisboa”. Isso só para dizer que é um elemento muito estranho do ponto de vista técnico e até dos princípios.

O boletim de voto, a estrutura e a modalidade do voto é que o cidadão mais facilmente manipula. É aqui que incide a essência de algumas das reformas que tendem a melhorar a qualidade da representação, que é abrir um pouco o sistema de forma a permitir que o cidadão possa ele ser a entidade final a determinar quem é escolhido. É exactamente aqui neste ponto que entroncam muitas das reformas actuais e eu acabava aqui já com isto.

Para acabar, quando nós falamos de elementos dos sistemas eleitoral, o que eu vos queria deixar como resposta é que há uma multiplicidade de opções que vão desde as fórmulas às cláusulas de barreiras.

Eu há bocado estava a falar relativamente à questão de Portalegre. Nós não temos na nossa Constituição uma cláusula de barreira legal, ou seja, uma imposição legal, uma percentagem mínima de votos que é preciso para atingir a representação, não temos! Até podíamos dizer que deste ponto de vista Portugal não tem cláusulas de barreira porque é fácil converter os votos em mandatos.

Não! Por que quando não há cláusula de barreira legal, há uma cláusula real que está inscrita na lei eleitoral ou na Constituição. Isto que eu há bocado estava a dizer que em Portalegre o custo de um deputado é de 25%, resulta exactamente da chamada cláusula de barreira real. Portanto, do ponto de vista técnico é inimaginável a quantidade de opções que nós temos para configurar as reformas eleitorais e analisar e classificar sistemas eleitorais.

Aqui não vale a pena perder muito tempo, mas é importante que fiquem com esta ideia: nunca reduzam, um sistema eleitoral do ponto de vista técnico à fórmula, método D’Hondt, o que vocês quiserem; não reduzam à fórmula. Estes elementos, como a própria dimensão do órgão representativo ou a dimensão da Assembleia, são fundamentais.

Quando se discute se devemos ou não reduzir o número de deputados na Assembleia, estamos a discutir uma questão cardeal, uma questão de fundo que é matéria de sistemas eleitorais. A dimensão de um órgão representativo é um elemento importantíssimo nos sistemas eleitorais, aliás, do ponto de vista do funcionamento e da arquitectura dos órgãos colegiais de base electiva, é o mais importante.

Devemos ou não devemos e até quando e que consequências é que isso tem? Imaginemos que passamos para 181 como o PSD defende; alguém estudou as consequências disso? Bom, é importante ter em conta que a dimensão dos órgãos não é neutra.

Passo para a questão seguinte: quais são os efeitos/consequências de nós termos ou não termos um determinado sistema eleitoral? As consequências são várias e eu muito sinteticamente, sintetizo (passo o pleonasmo) muito rapidamente. Nenhum sistema eleitoral é neutro, não há hipótese de concebermos sistemas eleitorais neutros. A grande regra, a regra de ouro para análise das consequências de um sistema eleitoral é o conceito de trade-off.

Os sistemas eleitorais concretos, aqueles que funcionam na prática, não são aqueles que nós concebemos na teoria, têm inevitavelmente consequências na vida política, não há como fugir a isso. Quais são as grandes consequências?

A primeira grande consequência é na proporcionalidade. Qualquer sistema eleitoral não consegue ser 100% proporcional por mais que nós queiramos. Portanto, quando nós falamos no problema de proporcionalidade, "vamos reduzir o número de deputado, então isso causa um grande efeito na proporcionalidade. Aqui d’el rei, é a morte aos partidos pequenos”, errado! Há efeitos, mas são múltiplos e é preciso estudar outros.

Segundo grande efeito: governabilidade. Um sistema eleitoral pode ser desenhado para gerar governabilidade, neste caso formal, mas muitas vezes eles não são desenhados para a gerar, mas geram-na na prática. Ou seja, nós podemos ter um sistema eleitoral como o nosso, por exemplo, para as autarquias locais, que não está desenhado para dar governabilidade, mas dá governabilidade a 91%. 91% das nossas autarquias têm governos maioritários nas eleições de 2009, mas nós não temos um sistema maioritário. O sistema tem consequências em regime de trade-off, ou seja, o seu funcionamento gera alterações na capacidade competitiva dos partidos, o chamado formato do sistema partidário.

Se os círculos eleitorais forem muito pequenos, então os partidos de poder têm em regra vantagens brutais sobre os pequenos partidos, logo, têm melhores condições de governabilidade. Isto para vos dizer que um sistema eleitoral em concreto gera efeitos que não são previstos na lei e que temos de estudar, são os chamados efeitos mecânicos.

Há dois tipos de efeitos que os sistemas eleitorais provocam. Um é o chamado efeito mecânico, são esses que eu vos estou a dizer. Por exemplo, são efeitos como na governabilidade e na proporcionalidade, em que nós conseguimos medir qual é o grau de proporcionalidade do nosso sistema e há outros que não conseguimos medir, que são chamados efeitos psicológicos.

Um sistema eleitoral não produz só efeitos na capacidade competitiva dos partidos, também produz efeitos nas pessoas. Se um sistema eleitoral não é atractivo para o cidadão tenderá a estimular mais a abstenção. Isso hoje está estudado. Sistemas eleitorais que se reformularam para introduzir mecanismos de personalização de voto ganharam em mais participação, ou seja, não há só efeitos no funcionamento concreto do sistema que nós conseguimos medir, há outros que nós não conseguimos medir que são os chamados efeitos psicológicos.

Portanto, esta resposta é muito simples: cuidado que qualquer sistema eleitoral tem efeitos destes dois tipos e qualquer mudança que façamos num sistema eleitoral vai ter consequências no funcionamento de todos os outros sistemas.

Eu deixo só estas reflexões que são elementos gerais que, a meu ver. são essenciais para vocês poderem reflectir sobre isso.

Com este desafio de hoje, na actualidade, quer em Portugal, quer nalguns países que têm sistemas muito próximos dos nossos, coloca-se uma questão de fundo que é como melhorar a qualidade da representação, quais são as vias melhores para isso. A incidência dos estudos e das análises têm estado em cima da estrutura, da modalidade, do voto e da abertura das listas. É esse um caminho que já teve muitos estudos e pode ser, digamos, um motivo de reflexão que vos pode acompanhar nesta Universidade.

Peço desculpa se isto foi indigesto, mas as matérias não são nem simples para nós nem simples para vocês, mas eu julgo que se destas quatro ou cinco ideias que eu vos deixei se conseguirem pelo menos reflectirem nelas isso já é muito bom e, portanto, eu dei o tempo por bem empregue. Não têm de saber, mas têm de saber reflectir sobre elas. Do briefing, se conseguirem tomar nota para reflectirem já é muito bom. De maneira que muito obrigado pela vossa atenção.

[APLAUSOS]