ACTAS  
 
9/3/2011
Há uma saída para a crise?
 
Dep.Carlos Coelho

Muito bom dia, vamos dar então início à nossa sessão da manhã.

Temos sempre, é um dos temas obrigatórios, desde a primeira edição em 2003, uma aula centrada sobre as questões da Economia; chamámos, por razões evidentes, "Há uma saída para a crise?”. E temos o privilégio de ter connosco o professor Vítor Gaspar.

O professor Vítor Gaspar não está aqui por ser Ministro das Finanças, o facto de ser Ministro das Finanças é uma honra para nós e é uma segurança dada a competência do nosso convidado. Mas a verdade é que o professor Vítor Gaspar já esteve connosco antes aqui na Universidade de Verão, em 2007, e foi também falar sobre Economia e Europa nas Universidades da Europa que são uma espécie de mini-Universidade de Verão que organizamos sobre temas europeus. É portanto um homem que respeitamos há muito, cujo saber é reconhecido por todos e que nos vai oferecer a aula da manhã.

Eu gostaria de fazer uma nota para os senhores representantes da Comunicação Social, a quem, com a autorização do senhor professor Vítor Gaspar, abrimos a primeira parte desta sessão para recordar que aquilo que lhe pedimos foi um exercício pedagógico e, portanto, compreenderão que é rigorosamente isto que está pedido. A Universidade de Verão é um espaço de formação de cem jovens e esta é a prioridade nesta organização.

O nosso convidado tem como hobby ler; tem como comida preferida a Salada, já vêem que os costumes austeros não são apenas no orçamento de Estado; o animal preferido é o cão; o livro que nos sugere é um livro de Rawls, "Lectures On The History of Moral Philosophy”; o filme que sugere é "Manhattan” de Woody Allen e a qualidade que mais aprecia é a sinceridade.

Senhor professor, muito obrigado por estar connosco, a palavra é sua.

[APLAUSOS]

 
Vitor Gaspar

Muito obrigado, senhor Deputado Carlos Coelho, é um prazer estar aqui mais uma vez. Em 2007 quando estive aqui falei de questões de competitividade e falei de questões de crescimento de longo prazo e essas questões de competitividade e de crescimento de longo prazo continuam a ser extraordinariamente relevantes hoje.

O que eu gostaria de fazer era pôr de novo o meu chapéu de professor universitário que eu ponho e tiro com uma regularidade grande e falar sobre o tema "Há uma saída para a crise?”, introduzindo rapidamente a crise global, a crise europeia e a crise em Portugal, falando de seguida do tempo e do horizonte que são do meu ponto de vista relevantes para estas questões e concluindo falando convosco sobre o que me parece poder ser uma perspectiva útil para vós na actual conjuntura.

Dessa forma, espero que na segunda parte da sessão em que teremos perguntas e respostas, eu possa beneficiar da vossa sinceridade e, portanto, possamos ter uma verdadeira troca de ideias em que falamos, ouvimos e ponderamos em conjunto os argumentos relevantes. Se não for um problema para vós, eu usarei a técnica que normalmente uso quando dou aulas, isto é, irei movimentar-me enquanto interajo convosco.

A crise global começou, ou manifestou-se, no próprio Verão de 2007. Em Agosto de 2007, tivemos as primeiras manifestações da crise global numa situação em que se verificou um congelamento das transacções no mercado monetário interbancário, quer nos Estados Unidos da América do Norte, quer na Europa. Esse fenómeno foi surpreendente, os analistas levaram algum tempo na altura até conseguirem perceber o que se estava a passar. Esse fenómeno teve como gatilho a crise das obrigações subprime nos Estados Unidos da América do Norte e que tinham que ver com a titularização de créditos imobiliários nos Estados Unidos, que por sua vez tiveram que ver com uma grande alargamento do acesso ao crédito para compra de casa nos Estados Unidos. Essa expansão de crédito revelou-se frágil, a qualidade dos créditos revelou-se muito pior do que se esperava e consequentemente, no Verão de 2007, manifestou-se uma enorme desconfiança relativamente a esta classe de activos. Foi esse o gatilho da crise global cujas consequências continuamos a viver. Reparem que uma das observações que foi feita, logo em 2007, foi a de que este mercado dos créditos subprime, este mercado de títulos, era um mercado estreito, a importância agregada destes valores era muito reduzida, no entanto reparem quão longe chegaram as consequências destes eventos, eventos de que este pequeno mercado financeiro foi o gatilho.

Porque é que as consequências foram tão generalizadas? Porque a propagação destes efeitos através do sistema financeiro é complexa, porque a propagação é difícil de quantificar e seguir, e talvez mais importante, porque o sistema financeiro é baseado na confiança e uma vez colocada a questão da confiança o restabelecimento de uma nova ordem leva necessariamente tempo e este é um tema que eu vos quero propor como tema geral na minha intervenção. A questão do tempo, do tempo no restabelecimento da confiança, o tempo no processo de reajustamento. Esta questão da crise global criou desafios muito substanciais para a governação economia e financeira a nível mundial, questões que estão a ser resolvidas, questões que estão a ser trabalhadas com a colaboração de organizações internacionais, como seja o BIS, o Fundo Monetário Internacional, a Comissão Europeia, a OCDE, outras organizações internacionais e através de iniciativas que são completamente inovadores como sejam por exemplo as cimeiras do G20. E se olharem para a cronologia verificam que têm ocorrido inúmeras iniciativas a nível global.

Que a crise é global e continua a ser global, é patente, por exemplo na decisão recente da Standard & Poor’s em fazer um downgrade do estatuto do AAA da dívida americana e este abre, julgo eu, um outro tema que vos pode interessar que é o seguinte: o fundamento para a Standard & Poor’s fazer o downgrade dos Estados Unidos da América do Norte foi a forma como a negociação, o ajustamento orçamental, em torno do problema do tecto da dívida pública norte-americana foi gerido de um ponto de vista político. Isto é, a incerteza fundamental na perspectiva da Standard & Poor’s decorre precisamente da esfera política e novamente este como tema do tempo parece um tema que deve ter um grande interesse para vós, isto é, o papel da política em momentos de crise. Como julgo que o tema que vos interessa mais neste assunto em concreto não a crise global, eu relativamente a este tópico ficaria por aqui, estando no entanto absolutamente aberto para discutir qualquer aspecto da crise global que vos pareça merecer debate mais aprofundado.

Passemos então para a Europa. A Europa em relação à crise global forneceu, em parte, uma base, um ponto de referência que foi usado para permitir uma muito maior coordenação e cooperação a nível global. Se olharem para aquele fenómeno de que vos falei, a organização do G20 e a organização de cimeiras a nível do G20, podem verificar que esse processo do G20 é muito fortemente condicionado, é muito fortemente inspirado na forma como a própria União Europeia organiza cimeiras, como a própria União Europeia funciona a partir da liderança política do Conselho Europeu e mais recentemente das cimeiras de chefes de Estado ou de Governo da área do Euro. Mas a área do Euro nesta crise revelou-se também vulnerável à própria crise e nesta fase mais recente uma das maiores preocupações a nível global é a crise da dívida soberana da área do Euro.

Numa primeira fase da crise, quando se manifestou de forma aguda, o momento que marca essa fase aguda é a falência da Lehman Brothers em Setembro de 2008. A falência da Lehman Brothers é um fenómeno que é conotado com os Estados Unidos da América do Norte. Um facto marcante nessa fase da crise foi a origem da crise nos EUA e a vulnerabilidade das instituições americanas nesse contexto. O polo dessa crise passou dos Estados Unidos da América do Norte para a Europa, nesta fase mais recente e manifestou-se na forma da crise da dívida soberana na área do Euro.

Como é que esta situação pôde ser possível? Como é que pode acontecer que a área do Euro, que em termos agregados, tem uma situação orçamental mais próxima do equilíbrio do que os Estados Unidos da América do Norte, como é que pode ser que a área do Euro que tem um rácio da dívida inferior ao dos Estados Unidos da América do Norte fica no centro, se torna no ponto focal da crise? Isso acontece porque de facto, ao contrário dos Estados Unidos da América do Norte, a área do Euro, a União Europeia não é um Estado e não tem as instituições de um Estado-Nação e, portanto, a agregação na Europa não é um exercício com o mesmo significado que a agregação dentro de uma economia nacional. Portugal é um Estado soberano, não é uma região da Europa e esse ponto é fundamental que vale a pena considerarmos a seguir.

Sendo assim, para perceber esta crise, é preciso perceber quais são os elementos da arquitectura institucional da área do Euro que potenciam esta fragilidade. Evidentemente eu estarei a sobre-simplificar, mas dado que temos pouco mais de meia hora não posso fazer doutra maneira e espero justificar o vosso interesse. Eu quereria ressaltar três aspectos da arquitectura europeia que a tornam frágil neste contexto: o primeiro aspecto que é fundamental na arquitectura institucional europeia é a soberania que cada Estado-Membro pela concessão da sua política orçamental. Peço-vos que reflictam: este é um aspecto absolutamente fundamental na soberania democrática de um Estado. Ou seja, a capacidade de um país determinar as opções orçamentais através do funcionamento do seu processo democrático tem sido sempre o centro do funcionamento político de uma Nação.

Quando escuto por exemplo o resultado daquilo que no Reino Unido se chama a Revolução Gloriosa de 1694, o que caracteriza a Revolução Gloriosa é precisamente a transferência do poder orçamental para o Parlamento e as nossas democracias foram profundamente influenciadas por essa alteração no Reino Unido. De facto, as nossas instituições democráticas, todas elas, reflectiram esta tendência histórica e todas as democracias no mundo são caracterizadas desta maneira. Não se trata, portanto, de uma questão secundária, é uma questão absolutamente fulcral, parece-me, da nossa vivência democrática.

O segundo aspecto da arquitectura europeia que cria esta tensão é a cláusula de não-responsabilização de um Estado-Membro ou das instituições europeias pela dívida de outro Estado-Membro. Essa cláusula é muitas vezes referida como "no bailout” que é basicamente e intuitivamente a ideia de que cada Estado é responsável pela sua dívida e não é responsável pelas dívidas dos outros, nem directamente nem através do funcionamento das instituições financeiras europeias. A cláusula de "no bailout” faz todo o sentido dado o primeiro ponto, se cada Estado-Membro é responsável pela execução da sua política orçamental, essa responsabilidade vem a par com o honrar do compromisso de dívida, não é verdade?

E o terceiro aspecto da arquitectura da União Europeia é que não existe possibilidade considerada de bancarrota de um Estado, portanto, temos um triângulo de soberania orçamental, a impossibilidade de bancarrota e a não-responsabilidade pelas dívidas dos outros, que é um triângulo que se pode revelar frágil.

De que maneira é que ele se revelou frágil no contexto desta crise? Bom, uma vez considerada certa a possibilidade de evitar a bancarrota, uma vez levantada a questão da confiança, a tensão associada a este triângulo verificou-se com uma determinada força.

Durante muito tempo a tensão associada ao triângulo esteve disfarçada, esteve ausente, porque era opinião quase unânime que a capacidade de cada Estado-Membro honrar os seus compromissos de dívida estaria completamente garantida e nesse contexto a tensão do triângulo não opera, mas uma vez saindo dessa situação, é necessária uma resposta institucional forte e esta crise revelou fragilidades fundamentais no sistema da governação da área do Euro e eu passaria para a questão relativa a Portugal.

Portugal tem então uma situação de crise que se manifesta no contexto da crise global e da crise da dívida soberana na área do Euro, mas as causas da crise em Portugal não têm que ver com a crise global e não têm que ver com a crise da dívida soberana na área do Euro; manifestam-se, isso sim, neste contexto. As origens da crise em Portugal radicam no processo de ajustamento à participação na área do Euro que permitiram ao nosso país ter acesso a crédito em condições completamente impensáveis apenas uns anos antes.

Na minha perspectiva e enquanto eu dou aulas sobre esta matéria eu começo sempre em 1995. Em 1995, Portugal praticamente não tem dívida externa, a balança das relações portuguesas está praticamente equilibrada e a partir de 1995 e até recentemente Portugal acumulou sucessivamente défices na balança de transacções correntes e Portugal acumulou um nível de endividamento externo muito considerável. Esse nível de endividamento externo está partilhado por todos os segmentos institucionais da sociedade portuguesa, é partilhado no sector público e essa questão tem sido muito debatida e muito visível, mas também existe um muito elevado endividamento das famílias portuguesas associado com o esforço de aquisição de casa própria e um endividamento muito considerável das empresas não-financeiras, sendo que este endividamento ocorreu sob a forma de instrumentos de dívida.

Portanto, a nossa posição devedora em relação ao resto do mundo é concentrada em instrumentos de dívida e esses instrumentos de dívida foram emitidos fundamentalmente pelo próprio sector público, são títulos de dívida pública, mas também o sistema bancário, cujo endividamento externo replica o endividamento das famílias e das empresas não-financeiras portuguesas. Este endividamento externo foi coincidente com um período em que a Economia portuguesa não cresceu, em que o investimento produtivo caiu, em que a produtividade teve um desempenho desapontador e em que o desemprego se manteve a níveis relativamente elevados face ao passado. Isto é, Portugal durante esta década não acumulou capital produtivo ao ritmo que seria desejável e, mais, não acumulou capital produtivo ao ritmo que seria necessário dado o grau de endividamento externo que estava a ocorrer. Dessa forma, o nosso desafio é certamente também e fundamentalmente no médio e longo prazo, um desafio que tem a ver com o crescimento, a Economia portuguesa precisa de crescer.

Dessa forma, tenham um momento de paciência comigo e vejam que o nosso desafio – novamente muito simplificadamente, estejam à vontade para pedir esclarecimentos – é caracterizado por três aspectos: um grande endividamento no sector público, um grande endividamento do sector privado combinado com baixo crescimento da Economia portuguesa. É este, no caso português, o triângulo que precisamos de enfrentar, o triângulo que precisamos de superar.

Estas debilidades que eu acabo de descrever já existiam há anos na Economia portuguesa, já tinham sido identificadas há anos na nossa portuguesa, mas só se manifestaram de forma relevante nos mercados e no discurso político no contexto da crise global e na crise da área do Euro, não é verdade? O que não é uma coincidência, tipicamente as vulnerabilidades revelam-se em tempo de crise. A crise é desencadeada por um gatilho qualquer e uma vez em processo de crise, em que existe um problema de confiança, quando existe um problema de confiança, todos os agentes, todos os cidadãos se interrogam "será que aquilo que eu pensava sobre a situação é mesmo verdade?” e quando essa questão é colocada, algumas vulnerabilidades, alguns problemas, que tinham sido ocultados pela prosperidade são revelados.

Em momentos de conjuntura expansionista é muito fácil ser um grande dirigente político, em momento de conjuntura expansionista é fácil ser empresário, em momentos de grande expansão é fácil ser um grande líder sindical, mas em momentos de adversidade a qualidade do desempenho durante esse período de prosperidade nesses momentos de crise é posta em causa e em muitos casos são reveladas debilidades, fragilidades, situações insustentáveis, situações de insolvência. E reparem como isso se liga com o tema do tempo. O tempo em que os desequilíbrios foram acumulados é um tempo muito longo, estes desequilíbrios acumularam-se, no caso português, se a minha perspectiva está correcta, ao longo de pelo menos quinze anos, mas a manifestação desses desequilíbrios é abrupta nesse momento e é nesse momento de crise que o problema se manifesta e fica a ser relevante e dominante do ponto de vista político.

Isso leva-me a uma terceira observação sobre o tempo que é o tempo mediático. O tempo mediático, de facto, é ainda mais curto do que o tempo de ajustamento, o tempo da dinâmica económica e financeira de longo prazo, o tempo político que é o tempo em que estes problemas têm de ser equacionados e resolvidos em Democracia através do debate e da criação de um consenso; o tempo mediático tem a ver com as notícias que dominam o espaço de comunicação num muito curto prazo.

O que é necessário para superar a crise é garantir que estes vários tempos interagem de uma forma harmoniosa. Reparem, então, como é que se pode numa situação deste tipo equacionar o problema da crise e superar a crise? Eu tenho esperança que o Deputado Carlos Coelho me possa tornar a convidar a vir aqui à Universidade de Verão e espero que nesse contexto o tema da minha próxima lição seja "Depois da Crise”.

[APLAUSOS]

Mas para eu ter possibilidade para falar depois da crise, teremos de superar a crise e o meu amigo David Westbrook da Universidade de Nova Iorque fez uma série de palestras em Portugal em que dizia (com a convicção e o optimismo de que os americanos são capazes) que não há qualquer espécie de dúvida de que Portugal superará a crise e ele diz isso por uma razão muito simples, os países perduram sempre, não há qualquer dúvida que Portugal superará a crise, a questão depende de nós, de quando e quão depressa seremos capazes de superar a crise.

O primeiro aspecto que temos de perceber é que a superação da crise não será rápida, não há qualquer solução milagreira para a crise, milagres não serão possíveis, a situação é difícil, a situação é grave e será necessário um esforço de ajustamento sustentado, prolongado, vai ser necessário o sacrifício, o esforço, o trabalho, o empenho de todos.

A nossa estratégia para sair da crise vai ter de ser baseada em três elementos: a consolidação orçamental, a diminuição do endividamento – primeiros dois aspectos – e em terceiro lugar, uma estratégia para ganhar de novo potencial de crescimento na Economia portuguesa. A consolidação orçamental e a diminuição do endividamento, muitas vezes referida como "desalavancagem”, são condições necessárias para o ajustamento.

Nós estamos numa situação em que beneficiamos de um programa de assistência económica e financeira e esse programa tem condições muito claras que nós estamos obrigados a cumprir, condições, essas, que nós aceitámos voluntariamente. As condições do programa de assistência económica e financeira foram subscritas pelos três maiores partidos portugueses, o PSD, o PS e o CDS, o que quer dizer que essas condições foram em algum sentido escrutinadas das últimas eleições, mas essas condições são severas, nós estamos em primeiro lugar com obrigação de cumprir critérios quantificados e esses critérios referem-se ao défice, à dívida pública e à não-acumulação de atrasados. Centremo-nos no défice e na dívida pública, o não-cumprimento de tais condições, poderia pôr em causa o programa e a continuidade do financiamento e consequentemente poderia significar uma queda abrupta do acesso ao financiamento da Economia portuguesa com condições impensáveis para as famílias e empresas portuguesas. Consequentemente, é claro que uma tal situação não pode ocorrer. É esse o sentido de que Portugal não pode falhar, é esse o sentido de que Portugal não falhará.

No entanto, este aspecto de consolidação orçamental e de "desalavancagem”, diminuição de endividamento, não são condições suficientes para o sucesso, são condições necessárias para quê? São condições necessárias para permitir uma agenda de transformação estrutural da Economia portuguesa. Agenda de transformação estrutural que tem de começar pelo sector público, o sector público tem de diminuir a sua presença na economia e sociedade portuguesas, o sector público tem de libertar a sociedade civil e libertar o funcionamento de uma economia de mercado. A posição do sector público em Portugal tem reforçar a liberdade e a responsabilidade dos portugueses, o Estado em Portugal tem de confiar nos portugueses, tem de deixar de tutelar os portugueses. Essa, digamos, transformação estrutural do papel do Estado em Portugal é um elemento crucial desta agenda de transformação e é também essencial para poder diminuir de forma estrutural e estável o peso do Estado, mas a agenda de transformação estrutural não se reduz ao Estado, ela implica alterações profundas na nossa participação na integração europeia e, em particular, a nossa participação no jogo do mercado único sem reservas mentais.

Nós precisamos efectivamente de libertar o funcionamento da Economia, de libertar o mercado de capitais, precisamos de aumentar a concorrência na nossa economia, porque só com concorrência é que conseguimos melhorar os indicadores de inovação no nosso país e promover o progresso tecnológico. Julgo que todos nós sabemos que é quando competimos com outros que colectivamente melhoramos, não é verdade? A competição é uma das forças mais efectivas na melhoria dos resultados. O programa de assistência económica e financeira é muito forte do lado do ajustamento estrutural, há uma série de medidas de transformação estrutural que incluem o mercado de capitais, programa de privatizações é uma iniciativa emblemática, a concorrência tem como iniciativa emblemática a reforma da lei da concorrência, existem iniciativas para aumentar as concorrências nas profissões reguladas, existem iniciativas para aumentar a concorrência no mercado do produto, existem iniciativas para melhorar a flexibilidade no mercado de trabalho. A agenda de reforma estrutural e de transformação estrutural é profunda. E o nosso sucesso em tornar a nossa economia mais competitiva e mais próspera e colocar Portugal numa senda de crescimento sustentado e criador de emprego, depende dessa agenda de transformação estrutural, depende desse reforço da competitividade.

E quero concluir falando para vós. Como vos disse, na minha experiência como professor, que é uma experiência descontínua ao longo do tempo – de quando em vez, dou aulas na Universidade, de quando em vez, não – um dos aspectos que mais me impressionou foi que quando voltei a dar aulas em Portugal verifiquei que os alunos com que eu interagia no caso na Universidade Católica e no ISEG estavam substancialmente mais bem preparados que quando eu tinha dado aulas pela última vez. Eu julgo que não se trata de um erro de percepção, eu julgo que de facto é verdade que a vossa geração é a geração mais bem preparada que Portugal já produziu, a vossa geração beneficia de um Portugal como nunca houve, a vossa geração já foi muito bem treinada com critérios de exigência que não eram impostos à minha geração e que beneficia de um Estado Social maduro em que o acesso à Educação é muito mais generalizado do que alguma vez foi no país. O progresso de Portugal nas últimas décadas é verdadeiramente impressionante, como é verdadeiramente impressionante o progresso no país em matéria de Segurança Social e Saúde. Isto é, a vossa geração vive num país com um Estado Social que funciona, não é um Estado Social barato, mas é um Estado Social que funciona e viver num país com um Estado Social que funciona é um enorme activo, é um enorme privilégio.

No vosso caso, o aspecto mais importante é, de facto, a Educação e o capital humano que puderam acumular; eu, pela minha parte, fui completamente treinado em Portugal, toda a minha formação escolar é em Portugal e eu estou muito grato ao país por ter feito um enorme investimento na minha educação. Julgo que essa gratidão ao país deve ser defendida a todos, a vossa geração é muito bem treinada porque o país decidiu colectivamente investir substancialmente na Educação, isso permitiu que todos vós estejam bem treinados e tão capazes de enfrentar os desafios como estão.

Mas relativamente à minha geração há um outro aspecto que é também fundamental – e será o último aspecto que eu quero salientar –, quando eu fiz a escola primária e o liceu, Portugal era uma ditadura, certamente que não têm uma noção directa do que é viver em ditadura, mas deixem-vos assegurar que não há qualquer espécie de comparação entre viver em ditadura e viver em Democracia, mas o ponto decisivo de viver em Democracia é que a Democracia responsabiliza cada um de nós pelo funcionamento do sistema político. Na democracia, todos nós podemos falar, todos nós podemos expressar as nossas opiniões, todos nós podemos contribuir para uma melhor solução para os nossos problemas. Num momento de crise, é absolutamente decisivo que em Democracia através do diálogo e da criação de consenso, sejamos capazes de todos juntos encontrarmos uma solução. Essa solução, como disse logo de abertura, não vai chegar rápido, vai exigir um esforço sustentado, um sacrifício sustentado e um trabalho sustentado, de todos.

Claramente, não há um só caminho de ajustamento, não há um só caminho de superação da crise. É claro, julgo eu, espero que concordem comigo, que não há caminhos fáceis, para sair da crise. Mas é absolutamente crucial que todos juntos encontremos o nosso caminho. Muito obrigado.

[APLAUSOS]

 
Duarte Marques

Muito obrigado, senhor Professor, bom dia a todos.

Vamos começar agora a fase das perguntas e respostas, a honra da primeira pergunta cabe à Mariana Fidalgo do Grupo Roxo.

 
Mariana Fidalgo

Bom dia a todos, eu gostaria de cumprimentar o nosso orador pela magnífica visão de conjunto, gostaria também de cumprimentar a mesa e os restantes presentes.

Com menos consumo, menos investimento público e privado, com o esforço que pedimos de redução de despesas, há um papel importante reservado às exportações. É certo que o aumento da concorrência apenas nos beneficia, mas existem certos apoios que são normalmente proibidos pelo Tratado da União Europeia e pela Lei de Defesa da Concorrência que no caso de grave crise económica podem ser utilizados. Qual é o papel que nós podemos reservar no auxílio do Estado no incentivo às exportações.

 
Vitor Gaspar

Muito obrigado pelas suas palavras amáveis.

É inteiramente verdade o que disse, isto é, uma vez que temos uma trajectória de contracção da despesa interna o motor do nosso crescimento são as exportações líquidas, foi exactamente o que disse e é verdade. Consequentemente, nós temos as exportações líquidas que estão, neste período de contracção económica, a ajudar a atenuar a contracção económica e temos que na fase a partir de 2013, em que se espera que o crescimento retome, as exportações líquidas serão novamente o motor do crescimento.

A minha posição relativamente aos auxílios de Estado é que, em alguns casos muito pontuais, uma situação de auxílio de Estado pode verificar-se. No entanto a nossa posição sobre a eficácia de subsídios sectoriais deve ser, julgo eu, de cepticismo. Porquê este cepticismo? Porque, como eu procurei argumentar, o nosso problema fundamental em termos de desequilíbrio macro-económico é um desequilíbrio em termos de excesso de despesa e que se resolve com o ajustamento da própria despesa e é notável que em Portugal o sector privado ajustou muito rapidamente. De facto, quero sector das famílias, quer o sector das empresas não-financeiras, quer o sector das empresas financeiras, ajustou muito rapidamente a crise e em 2009 o ajustamento do sector privado já estava em pleno funcionamento. Nós só mantivemos uma posição de elevado desequilíbrio externo em 2009 porque houve uma enorme expansão do sector público, houve um enorme aumento do défice público e eu fico sempre impressionado e espero conseguir impressioná-la ao dizer que no orçamento de 2009, nos trabalhos de preparação, o número que era adiantado nessa época para o défice era de 2,2% do PIB. 2,2% do PIB. O resultado foi, de acordo com os últimos resultados publicados, 10,1% do PIB.

O ajustamento português não ocorreu em 2009 porque clara e deliberadamente o Governo decidiu seguir uma política "keynesiana” de expansão que teve de facto os resultados previsto, isto é, Portugal teve uma recessão inferior à da média da área do Euro e, portanto, a receita "keynesiana” teve o efeito de curto prazo previsto e o Governo não se cansou de repetir que o estímulo tinha resultado.

Agora, o que é importante perceber é que o estímulo que resultou em atenuar a queda económica em 2009 foi exactamente o estímulo que tornou a nossa posição insustentável e que tornou inevitável a crise em que nos encontramos hoje e o pedido de ajuda externa. Portanto, é muito importante perceber que políticas expansionistas e políticas discricionárias de apoio falham completamente processos de ajustamento. Porque essas políticas normalmente visam evitar o ajustamento, para resolver uma crise nós precisamos de fazer o ajustamento e portanto essas políticas revelam-se em geral completamente contraproducentes.

Por outro lado e muito importante, em geral, uma empresa exportadora só consegue sobreviver face à concorrência na Europa e no Mundo, se conseguir viver com a disciplina dessa concorrência. Há alguns anos em Bruxelas, eu tive o privilégio de me encontrar com o Presidente da Nokia e ele nesse contexto recebeu a pergunta "o que é que o Governo finlandês pode fazer para criar o sucesso da Nokia?” e a resposta do Presidente foi "não nos proteger da concorrência externa”, porque de facto isso implicou que a Nokia teve de enfrentar a concorrência global e a única maneira de ser um líder global é ser capaz de vencer essa concorrência. Em geral, não se consegue produzir um Cristiano Ronaldo se se disser "coitado do rapaz, tem de passar cinco anos a jogar nos campeonatos regionais para que o seu talento possa florescer”. A única maneira de se produzir uma organização ou de ter sucesso pessoal a nível global é enfrentar a concorrência mais difícil que nos possa aparecer pelo caminho. É em condições de dureza, na concorrência, que se desenvolvem os talentos, a capacidade tecnológica e de inovação necessários para o triunfo a nível europeu e a nível global. Espero ter respondido à sua pergunta.

[APLAUSOS]
 
Duarte Marques

Muito obrigado. Rúben Fonseca, do Grupo Encarnado.

 
Rúben Fonseca

Bom dia a todos, bom dia também à mesa e um cumprimento especial ao professor Vítor Gaspar, Ministro das Finanças, e dizer-lhe que neste duro percurso que até agora tem feito merece da nossa parte uma palavra de esperança e de conforto. Todos nós estamos a seu lado e, portanto, não se sinta sozinho a percorrer esse caminho.

[APLAUSOS]

Como jovem contribuinte, vejo com alguma atenção o desenrolar da situação do nosso país a nível mundial e vou ser muito directo na pergunta que vou fazer, que é acerca do sistema financeiro e os offshores.

Em 2009, na conclusão da cimeira G20, a conclusão foi mais ou menos esta: acabou o segredo bancário no mundo e começou uma perseguição àqueles que fazem evasão fiscal.

Bom, nós temos muito boas notícias da Madeira nos últimos tempos, é só boas notícias, mas as boas notícias, as outras boas notícias que os portugueses não sabem, é que a Madeira esconde um profundo tesouro que não é revelado ao resto dos portugueses. Mas voltando um bocadinho atrás, voltando um bocadinho ao mundo e perceber também porque é nós portugueses devemos todos insistir para que todos cumpram as suas cargas tributárias e devam fugir àquilo que é uma obrigação de todos, para contribuirmos todos para o engrandecimento e crescimento do Estado.

Cavaco Silva dizia que há muito tempo que concordava com o levantamento do sigilo bancário, Pedro Passos Coelho dizia que todos perdíamos quando alguns, e só alguns, ganhavam muito e eu apresento-lhe alguns dados: no que diz respeito à União Europeia, aliás a União Europeia fez pressão há bem pouco tempo para que a Áustria e o Luxemburgo saíssem da lista negra da OCDE no que diz respeito a offshorese eu volto a Portugal, em 2009, o offshore da Madeira fugia a cerca de 12%, equivalente a 12% do Produto Interno Bruto; estavam mais ou menos registadas – eu termino já, Duarte, mas isto é importante que as pessoas saibam – em offshore na Madeira 2700 empresas e estes números incomodam, incomodam aqueles que pagam; 2435 não tinham um único trabalhador, só morada, talvez para fugir ao fisco.

 
Duarte Marques

Rúben, tens de colocar a tua pergunta. O orador está aqui deste lado.

 
Rúben Fonseca

Sim. Muito bem e a minha pergunta é: no offshore da Madeira, quando 2637 empresas não pagam qualquer imposto ao Estado português, em média 20%, e quando 57 pagam apenas o mínimo, senhor Ministro, como jovem contribuinte, como é que olha para este desvio, não-pagamento, do offshoreda Madeira e, portanto, das empresas que lá estão sediadas?

Muito obrigado.

 
Vitor Gaspar

Muito obrigado pelas palavras de incentivo e apoio, que são muito apreciadas. Todos os bens raros são preciosos e o apoio vindo de um jovem contribuinte é particularmente comovente.

[RISOS E APLAUSOS]

A sua pergunta é uma pergunta que tem toda a razão de ser e que merece, julgo eu, uma resposta geral e uma resposta específica. A resposta geral é que, evidentemente, o combate à fraude e evasão fiscal é uma prioridade indesmentível do Ministério das Finanças e o Ministério das Finanças tem de uma forma clara no seu programa apertar a malha da administração fiscal em torno desse fenómeno da evasão fiscal. De facto, o ponto que levanta é um ponto que é verdadeiro em geral, isto é, deve ser sempre assim, não deve ser permitido que alguns contribuintes evitem as suas responsabilidades contributivas, mas é particularmente verdade numa situação de crise em que a repartição equitativa dos sacrifícios associados à crise é um factor decisivo para a unidade de propósito, para a nossa capacidade de enfrentarmos a crise em conjunto. Acontece, no entanto, que o combate à fraude e evasão fiscal a nível global é substancialmente mais difícil que a nível nacional e não obstante os esforços globais nessa matéria e citou e bem as conclusões do G20 a esse respeito, o problema está longe de estar resolvido.

Em termos específicos, a questão que levantou tem que ver com o Centro Internacional de Negócios do Funchal e o offshore da Madeira. Quando eu, enfim, faço conferências de imprensa tenho à minha frente um dossierque tem respostas previstas a perguntas que são frequentemente colocadas e se isto fosse uma conferência de imprensa eu teria certamente a resposta oficial à questão do offshore da Madeira, mas como esta é uma aula eu não tenho.

A questão coloca-se da seguinte maneira: uma série de disposições relativas à zona franca da Madeira e ao Centro Internacional de Negócios do Funchal têm necessariamente de ter um fim faseado, sendo que o processo começa a ocorrer desde o final deste ano. Para que isso não acontecesse teria de ter sido tomada pelo Governo anterior uma iniciativa de abrir negociações com a Comissão Europeia. A Comissão Europeia inquiriu o anterior Governo acerca deste respeito e o Governo anterior não respondeu, pelo que o processo de faseamento da descontinuidade do regime privilegiado deste Centro está a ocorrer, ou melhor, está previsto que ocorra a muito breve trecho.

A questão tem uma outra dimensão, uma vez que no quadro do programa de assistência económica e financeira, Portugal está comprometido a não aumentar e, antes pelo contrário, diminuir os incentivos fiscais e as despesas fiscais com isenções, subsídios, o que seja e consequentemente essa cláusula claramente que inclui os privilégios que são concedidos à zona franca da Madeira e ao Centro Internacional de Negócios do Funchal, pelo que o Governo respondeu um pergunta que foi colocada por alguns deputados relativamente a esta questão, dizendo: a pergunta era "o que é que está a ser feito para prolongar o regime fiscal para a zona franca da Madeira e ao Centro Internacional de Negócios do Funchal” e a resposta foi "em primeiro lugar a questão não foi seguida pelo anterior Governo, pelo contrário, o anterior Governo não respondeu a sucessivos inquéritos da União Europeia”.

Número dois: a Comissão Europeia deu o processo por encerrado.

Terceiro: a consideração desta questão está fortemente condicionada pelos termos do programa de assistência económica e financeira e, portanto, a ocorrer, terá de ser considerada nesse contexto. E foi posição do Governo que esse assunto não era um assunto oportuno na actual conjuntura e é essa a posição oficial que eu teria articulado de forma muito mais clara se eu tivesse a resposta escrita à minha frente.

[APLAUSOS]

 
Duarte Marques

Muito obrigado. Vasco Moreira do Grupo Verde e depois a seguir será a Matilde Cardoso.

 
Vasco Moreira

Muito bom dia. Começo por cumprimentar a mesa e, muito em especial, o senhor Ministro Vítor Gaspar, a quem agradeço desde já a excelente aula que nos proporcionou e que nos está a leccionar.

A questão do Grupo Verde é a seguinte: nesta época de crise sabendo que o país atravessa um período de enorme esforço financeiro e que adoptou uma política de contenção e de cortes na despesa do Estado, pergunto-lhe se faz sentido uma aposta forte no investimento e divulgação de capital de risco baseado em fundos públicos, dirigida a empreendedores, conduzindo à criação de postos de trabalho e consequentemente a um crescimento económico. Em caso positivo, quais são os métodos que o Governo poderia utilizar para concretizar esta ideia. Muito obrigado.

 
Vitor Gaspar

A questão do capital de risco é central, o acesso a financiamento para iniciativas de risco é crucial para a inovação e para o progresso tecnológico, a evidência empírica que está associada ao trabalho de um economista americano que eu julgo amplamente merecedor do prémio Nobel, mas que ainda não teve essa distinção, William Baumol, sugere que uma Economia consegue crescer e inovar quando tem uma combinação de grandes empresas com capacidade de afirmação global com muitas pequenas empresas que são responsáveis pelo fundamento das inovações.

A intuição para mim é que as ideias ocorrem sempre em indivíduos, não é? A ideia é em primeiro lugar gerada na cabeça de um de nós e depois nós usamos uma ideia através da compreensão da ideia que consigamos desenvolver colectivamente através da transmissão dessa ideia. Julgo que isso deve ser completamente intuitivo para vós, dadas as redes sociais de comunicação que vos põem em permanente contacto com os vossos amigos; quando alguém tem uma ideia, ela é rapidamente transmitida pelo grupo e usada da melhor maneira; quando a ideia é má, basicamente o grupo rapidamente a elimina, que aliás é uma das grandes vantagens da Democracia e da troca aberta de ideias, quando há uma troca aberta de ideias as más ideias são eliminadas muito rapidamente. Mas precisamente por termos este processo de geração de inovação e de ideias e termos propagação e utilização de ideias, as grandes empresas são cruciais para a execução, as pequenas são cruciais para a produção de novas ideias e para a inovação. Estas pequenas empresas são extraordinariamente arriscada. Todos nós produzimos múltiplas ideias as quais muitas são más, quando estamos a falar de negócios as más ideias levam à falência, o que significa que do ponto de vista do investidor, do ponto de vista do capitalista existe um enorme risco, daí o capital de risco ser crucial para o progresso tecnológico e para a inovação.

A capacidade de gerar financiamento de capital de risco é particularmente forte por exemplo nos Estados Unidos. O financiamento das pequenas empresas nos Estados Unidos é particularmente forte, o potencial de pequenas empresas nos Estados Unidos é muito grande, a capacidade de uma nova empresa se tornar grande e se afirmar nos Estados Unidos é muito maior que na Europa. Porque é que eu estou a dizer isto? Porque nos Estados Unidos o financiamento de capital de risco não é baseado em fundos públicos. Isto é, em geral, as iniciativas baseadas em fundos públicos funcionam particularmente mal, isso por uma razão muito simples: a administração de fundos públicos exige critérios públicos e os critérios públicos são extraordinariamente difíceis de conciliar com inovação e progresso tecnológico, porque as burocracias são de natureza conservadoras.

O crucial, portanto, do ponto de vista da intervenção pública é que o Estado crie condições que permita o desenvolvimento da iniciativa privada na área do capital de risco. Em algumas áreas pontuais pode justificar-se a intervenção pública e a competência para essas iniciativas no Governo está no Ministério da Economia e de facto no Ministério da Economia existem iniciativas para apoiar a inovação e o empreendedorismo, existem iniciativas para apoiar o investimento em pequenas e médias empresas e existem iniciativas com interacção do sistema financeiro visando precisamente o reforço do capital de risco. Mas, não obstante todas estas iniciativas pontuais, o ponto que me parece mais importante é o da criação das condições que permitam ao sector privado efectivar um verdadeiro mercado de financiamento de risco elevado.

Muito obrigado.

[APLAUSOS]

 
Duarte Marques

Agora, Matilde Cardoso do Grupo Cinzento e depois será o Alexandre Ponte pelo Grupo Castanho.

 
Matilde Cardoso

Bom dia, Doutor Vítor Gaspar deixe-me dizer-lhe em nome do Grupo Cinzento que estou absolutamente impressionada tanto com a sua intervenção como com a sua coragem em assumir um cargo como é ser Ministro das Finanças especialmente num cenário tão complicado como o actual. Tenho a certeza que será bem-sucedido.

O assunto da pergunta que lhe quero dirigir já foi tocado por si durante a sua intervenção, mas que não está completamente esclarecido e por isso quero dirigir-lhe a seguinte pergunta: as medidas recentemente anunciadas por si permitem concluir que nem os PEC nem o memorando de entendimento são suficientes para atingir os objectivos do equilíbrio orçamental. Apesar de repetidamente ter afirmado que o acordo com a Troika é para cumprir, quais as medidas previstas não subscrevia e, por outro lado, que outras medidas não contempladas será necessário implementar?

Muito obrigada.

 
Vitor Gaspar

Muito obrigado. Muito obrigado pelo apoio e pela pergunta que é uma pergunta difícil mas absolutamente central.

Uma das críticas que eu tenho enfrentado com mais regularidade tem que ver com a questão de porque é que o Governo afirma que quer ir para além do que está nos memorandos de entendimento, quer ir além do que está no acordo com a Troika? E essa questão é uma questão central e absolutamente legítima e acho que é uma forma de reformular a sua questão. Há duas dimensões diferentes dessa questão: uma primeira tem a ver com o seguinte – como eu disse na minha apresentação, mas não pude desenvolver – existe uma hierarquia de objectivos no programa de assistência. O primeiro nível da hierarquia tem a ver com critérios quantitativos que nós temos de cumprir, esses critérios têm a ver com o défice e com a dívida e também com a não-acumulação de atrasados, mas, como na apresentação, concentremo-nos sobre o défice e a dívida. Para o défice, nós temos, por exemplo, um limite de 5,9% para este ano e de 4,5% para o próximo ano.

O cumprimento atempado e escrupuloso das medidas que estão no memorando de entendimento conduziria, a nosso entender, a um resultado que estaria substancialmente acima do défice exigido, acima do limite do défice e acima do limite da dívida. Não obstante o cumprimento escrupuloso de todas as medidas, um caso desse tipo seria um caso de incumprimento com as condições do programa porque não respeitávamos o limite do défice e da dívida e nessas condições os nossos parceiros internacionais não estariam em condições de concordar com o desembolso da próxima tranche de financiamento e então é neste sentido que é necessário ir para além do programa da Troika. É necessário assumir e executar medidas adicionais para garantir o cumprimento dos limites do programa.

Deixem-me recordar-vos um ponto que eu julgo que deverá ser importante para vós porque é um ponto central de um ponto de vista político: a 21 de Julho, Pedro Passos Coelho esteve na cimeira dos chefes de Estado e de Governo da área do Euro e negociou um comunicado que tem tido, julgo eu, um grande impacto. Nesse comunicado há um parágrafo que me parece crucial, que diz que a Europa, os Estados-Membros da área do Euro, estão dispostos a fazer tudo para apoiar países que tenham um programa como seja Portugal e a Irlanda, na condição de que eles cumpram as condições centrais do programa e as condições centrais são o tamanho do envelope financeiro, os limites do défice e os limites da dívida e esse parágrafo continuava dizendo que esses países estavam completamente empenhados em conseguir esses resultados, logo é necessário ir para além das medidas previstas no programa para cumprir os limites do programa.

Este é um aspecto muito importante, mas o segundo aspecto, a meu entender é igualmente importante, já conversámos aqui sobre o facto de que a consolidação orçamental é recessiva, a desacumulação da dívida, a desalavancagem é recessiva, pelo que precisamos de ter no programa um motor de crescimento, se não tivermos crescimento no programa não poderemos ser bem-sucedidos. Esse motor de crescimento tem de vir da agenda de transformação estrutural que permitirá libertar o potencial de crescimento da Economia portuguesa e, portanto, precisaremos de ir mais longe e fazer mais rápido a transformação estrutural requerida, precisamos disso para crescer mais, criar emprego, ganhar competitividade, criar emprego, para sermos capazes de sermos bem-sucedidos no mercado europeu e no mercado global, mas no vosso ponto de vista precisamos disso para que esta geração que é muito bem treinada e está muito bem preparada, esta geração que é a promessa de capital humano em Portugal, tenha em Portugal a oportunidade de exercer as suas competências, a sua oportunidade de ser bem-sucedido no seu país.

Muito obrigado.

[APLAUSOS]

 
Duarte Marques

Muito obrigado, professor.

Alexandre Ponte do Grupo Castanho e depois será o João Santos.

 
Alexandre Ponte

Bom dia a todos.

Caro Doutor Vítor Gaspar, voltando um pouco à Madeira, na sequência de um pedido de apoio financeiro da parte de Alberto João Jardim, não acha que seria pertinente propor uma homogeneização das taxas de IRS em todo o território nacional, incluindo também os Açores? Penso que seria uma altura ideal para os portugueses se unirem e lutar contra esta crise.

Obrigado.

 
Vitor Gaspar

Muito obrigado. Eu tive já ocasião de dizer isso mesmo, isto é, que me parecia que seria oportuno e apropriado que as regiões autónomas, por sua iniciativa, se disponibilizassem para trabalhar com o Governo da República para desenhar programas em que fosse explicitado a forma como essas mesmas regiões partilhariam em concreto o esforço de ajustamento do todo nacional. Parece-me que isso é muito importante precisamente pela razão que diz, para garantir que – deixe-me pôr a questão de maneira ligeiramente diferente – para ser um símbolo da unidade nacional, da unidade de propósito que todos nós precisamos de ter para superar a crise.

E eu tenho boas indicações de que isso irá ocorrer já no contexto do primeiro exame regular do cumprimento do programa por parte do Fundo Monetário Internacional, da Comissão Europeia, do Banco Central Europeu, os governos regionais através das suas secretarias regionais de finanças estiveram envolvidas em todo o processo com o melhor espírito de cooperação e, portanto, foi desde logo claro a disponibilidade dos governos das regiões autónomas para colaborar com um espírito absolutamente construtivo.

No caso da Madeira é público que houve já uma formalização desse pedido de cooperação com o Governo da República no desenho da estratégia de ajustamento estrutural, ontem no Parlamento eu revelei conhecer uma carta que o Presidente do Governo Regional da Madeira enviou ao senhor Primeiro-Ministro a esse respeito, relativamente aos Açores não tenho informação formalizada, mas estou convicto que de facto o Governo Regional dos Açores irá tomar uma iniciativa para sinalizar também a sua disponibilidade para trabalhar em conjunto com o Governo da República para desenhar um programa de ajustamento estrutural com, precisamente, o propósito que indicou.

Muito obrigado.

 
Duarte Marques

Muito obrigado. João Santos do Grupo Azul e de seguida o Cristiano Gaspar.

 
João Santos

Bom dia. Gostaria, antes de mais, em nome do Grupo Azul, saudar o senhor Ministro e desejar-lhe as maiores felicidades. Considera que no contexto actual o Euro será para alguns países da União Europeia uma moeda forte, atendendo até ao ataque cerrado das agências de rating a alguns países? Muito obrigado.

 
Vitor Gaspar

Muito obrigado pelas suas palavras simpáticas e pelo seu apoio.

Existem pelo menos duas perguntas diferentes na sua curta pergunta: uma primeira tem que ver com saber se o Euro é ou não uma moeda demasiado forte. A forma como eu vejo essa questão é a seguinte e a minha resposta evidentemente é muito influenciada pelo facto de que eu, por profissão, sou banqueiro central, não é verdade? Eu passei quase sete anos em Frankfurt como Director do Gabinete de Estudos Económicos Central Europeu e a minha carreira em Portugal desde 1993 tem ocorrido no Banco de Portugal. Consequentemente a questão da moeda forte é vista como uma contraparte da estabilidade de preços.

Efectivamente, se nós nos lembrarmos da tradição portuguesa, antes de começar o processo de convergência para a participação na área do Euro, Portugal era um país de inflacção elevada e era um país de crédito caro e de crédito escasso, o que significava basicamente que para a minha geração adquirir casa própria era um desafio muito difícil. Por exemplo, a instabilidade monetária em Portugal traduzia-se por situações em que não só tínhamos inflacção elevada como tínhamos uma grande instabilidade associada com desvalorizações cambiais, nós tínhamos um sistema cambial deslizante, crawling peg, e esse sistema era pautado, de quando em vez, por crises cambiais e valorizações discretas.

Neste contexto, Portugal era incomparavelmente mais pobre do que é agora, incomparavelmente mais fechado, a prosperidade do país era muito menor e sempre que havia uma crise não havia qualquer espécie de dúvidas, o mecanismo de ajustamento era a queda de salários reais.

Esse facilitismo da moeda fraca e essa desvalorização permanente conduzia a uma situação em que Portugal estava solidamente ancorado no passado e em que sectores tradicionais ameaçados constantemente pela concorrência de países onde a mão-de-obra é substancialmente mais barata, sobreviviam artificialmente e adiavam a transição do país para uma estrutura produtiva em sectores de maior tecnologia e de maior valor acrescentado que são necessariamente os sectores do futuro. Consequentemente, queixarmo-nos de uma moeda demasiado forte é muito parecido com o estudante que o exame é no dia 4 de Setembro, "se fosse no dia 6 de Setembro é que era bom”, o que o estudante não se lembra é que se o exame fosse a 6 de Setembro, quando chegasse a 5 de Setembro a boa data seria 8 de Setembro e é assim com a moeda fraca e com a valorização. Agora, há também um comentário que faz sobre as agências de notação, as agências de notação tiveram um papel muito nocivo no quadro da crise global, esse papel muito nocivo ocorreu, na minha perspectiva, não no período mais recente, mas quando as agências de notação certificaram que certos produtos titularizados tinham a melhor qualidade possível, AAA, isso ocorreu na fase inicial da crise e verificou-se que as agências de notação na altura foram vítimas de conflitos de interesse absolutamente dramáticos.

As agências de ratingtrabalhavam com bancos, os bancos pagavam as agências de rating e os bancos com as agências de rating discutiam como é que se podia desenhar um produto de forma a conseguir o rating AAA. Essa situação levou a uma grande fragilidade da qualidade certificada desses produtos e que esse processo foi um processo pouco transparente e pouco eficaz na garantia da qualidade desses produtos foi absolutamente claro na fase da crise de 2007, 2008, nesse período as agências de rating tiveram um papel criticável e foi claro que esse sector precisava de ser regulado, precisava de ser escrutinado e merecia uma crítica severa. Em parte por causa deste fracasso das agências de rating na fase inicial da crise as agências de ratingtornaram-se muito mais ortodoxas na forma como notam os seus produtos e, consequentemente, as agências de ratingpassaram a ser protagonistas da crise num papel completamente diferente, num papel em que muitas vezes do ponto de vista mediático elas aparecem como, digamos assim, os portadores das más notícias, o gatilho que provoca o ajustamento de mercado.

Acontece, no entanto, se nós olharmos para a evidência empírica, verificamos que quase inteiramente as agências de rating não seguem a evolução do mercado, elas reflectem a evolução do mercado e, consequentemente, embora exista uma relevância mediática muito grande do comportamento das agências de rating neste contexto, eu julgo que a importância que elas têm tem sido fortemente sobrevalorizada. Os mercados em períodos de crise tendem a sobre-reagir, a sobre-reacção dos mercados é reflectida numa sobre-reacção das agências de rating, julgo que é mais isso que se tem passado. Muito obrigado.

 
Duarte Marques

Muito obrigado, senhor Ministro. Cristiano Gaspar do Grupo Rosa e depois será o Rui Marques do Grupo Laranja.

 
Cristiano Luís Gaspar

Antes de mais quero agradecer ao Doutor Vítor Gaspar pela sua presença e pela excelente intervenção. A minha questão prende-se em dois pontos: em primeiro lugar, relacionado com os impostos e em segundo lugar, com o papel da Banca.

Vou falar de um imposto em particular, o IVA, e nos aumentos que o Estado tem feito. Eu gostaria de lhe perguntar se este aumento do IVA não iria mexer com as exportações, pois há uma realidade muito emergente, ou seja, se um país que quer importar produtos irá procurar o mais barato com certeza. Tendo em conta o valores do IVA português de certeza absoluta que já não vai procurar no nosso país mas, por exemplo, a Espanha que temos aqui ao lado.

Em segundo lugar, a minha questão prende-se com a Banca: na minha opinião o Estado tem que pressionar a Banca para alargar prazos, para criar condições aos investidores. Isto, para além de fazer com que a Economia portuguesa conseguisse crescer, iria fazer com que a nossa reputação na Bolsa aumentasse e consequentemente os investimentos.

Assim, qual a razão deste aumento do IVA e no que é que mexe com as exportações portuguesas? Em segundo lugar, qual a relação Estado-Banca? Muito obrigado.

 
Vitor Gaspar

Muito obrigado pelas duas perguntas. A primeira é muito mais simples que a segunda.

Relativamente à questão do Imposto sobre o Valor Acrescentado, ele é baseado no chamado "princípio do país-destino”. O Imposto sobre o Valor Acrescentado é um imposto sobre a despesa do território. Eu estou a dizer isto porque as exportações não pagam IVA, as exportações portuguesas como as exportações de qualquer país europeu não pagam IVA, as exportações não fazem parte da base do IVA. É, de resto, por isso, que o aumento do IVA faz parte de um pacote de uma desvalorização fiscal.

Quando se pensa na quebra da taxa social única e da compensação dessa quebra por um aumento de impostos, o aumento de impostos que se considera é um aumento de imposto sobre a despesa interna. Qual é a história aqui? A taxa social única cai e, portanto, o preço na produção cai. Se a repercussão for total o aumento da tributação indirecta compensa exactamente esse efeito, mas os preços das exportações caem, está bem?

Portanto, quando pensamos na concorrência entre as exportações portuguesas e as exportações espanholas, o nível do IVA em Portugal e Espanha não é relevante. O ponto em que a diferença entre o IVA entre Portugal e Espanha é relevante tem que ver com as compras transfronteiriças, isto é, uma família portuguesa pode decidir fazer as suas compras do outro lado da fronteira se os preços forem mais baixos em Espanha, mas isso não tem absolutamente nada a ver com exportações, certo? Não são as exportações portuguesas que estão a ser afectadas.

Se a diferença do IVA entre duas regiões adjacentes for muito grande pode haver deslocalização de despesa por causa dessa diferença de impostos, mas nos Estados Unidos em que não há fronteiras e há diferenças significativas de tributação indirecta entre Estados adjacentes, embora exista de facto evidência de que alguns cidadãos, cruzam a fronteira estadual para comprar bens e serviços, esses fenómenos são relativamente pouco importantes do ponto de vista quantitativo.

A segunda pergunta é mais difícil, porquê? Porque eu julgo perceber inteiramente qual é o seu pressuposto, isto é, se o crédito for mais fácil à Economia é mais fácil crescer, se o crédito for mais fácil para as Pequenas e Médias Empresas é mais fácil ter investimento e inovação. Se o crédito for mais fácil para as empresas exportadoras é mais fácil exportar, mas como eu tive ocasião de dizer e repito, nós precisamos de ter um processo de diminuição de endividamento, precisamos de ter um processo de desalavancagem. Nesse contexto, os bancos portugueses têm de apresentar planos de financiamento que garantam, ou que visem garantir, o seu acesso a financiamento de mercado em condições normais a prazo. Os bancos portugueses no quadro do programa estão comprometidos a cumprir rácios de capital ambiciosos e a proceder a uma desalavancagem que significa que a taxa de cobertura de crédito por depósito tem de aumentar substancialmente. No princípio deste processo, os bancos portugueses concediam crédito em montante 1,6 vezes os depósitos, neste período do programa esse rácio terá de reduzir-se para 1,2; é isto a que se chama um processo de desalavancagem, que como eu disse é uma condição necessária para o sucesso do nosso ajustamento. E, portanto, não há qualquer espécie de dúvida que por causa do processo de desalavancagem o custo de acesso a crédito e o crédito disponível vão ser substancialmente reduzidos. Portanto, a nossa redução de acesso a crédito vai ser activa. Não há alternativa em termos de resolver uma crise de endividamento, não é possível resolver uma crise de excesso de dívida aumentando o nível de endividamento.

Isto dito, nestes quadros que os planos dos bancos apresentam está estipulado que os planos têm de ser compatíveis com a evolução macro-económica do próprio programa e com as necessidades de financiamento do sector público e em particular do sector empresarial do Estado. Aqui, o Estado pode dar um contributo muito importante, reduzindo muito rapidamente a necessidade de financiamento do sector empresarial do Estado, poderá libertar fundos que ficarão disponíveis para crédito a Pequenas e Médias Empresas, a empresas exportadoras e a outras áreas completamente vitais para o funcionamento da nossa Economia.

Espero ter respondido.

[APLAUSOS]

 
Duarte Marques

Obrigado, senhor Professor.

Rui Marques do Grupo Laranja e depois será o João Franco do Grupo Amarelo.

 
Rui Marques

Bom dia, senhor Ministro das Finanças, Vítor Gaspar, permita-me, em nome do meu grupo, enaltecer o seu incansável esforço e dedicação total nestes dois primeiros meses de Governo.

De acordo com a indicação dada e referenciada na Comunicação Social no mês de Fevereiro do presente ano por um professor, da minha escola, Dr. José Ferreira Machado, Director da Nova School of Business and Economics, o contributo anual desta instituição para as exportações portuguesas é de 5 milhões de euros anuais, isto é, a mudança de marca e de imagem da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa começa precisamente pelo seu principal objectivo que é exportar Ensino. Exportar para crescer e podermos honrar os nossos compromissos perante os nossos credores.

Senhor Ministro, não será um caso a replicar por outras universidades portuguesas até porque, a título exemplificativo, o Ensino Superior está entre os dez maiores exportadores nos Estados Unidos, Reino Unido, Canadá e Austrália?

Não seria uma boa resposta à crise apostar neste nosso capital humano, já que, como referiu, a nossa geração é a geração mais bem preparada que Portugal já produziu?

Muito obrigado.

 
Vitor Gaspar

Muito obrigado.

Eu acho que de facto essa visão é uma visão inspiradora, é uma visão importante. Temos casos de grande sucesso nessa matéria à volta do mundo. É claro que as duas costas dos Estados Unidos da América do norte foram extraordinariamente bem-sucedidas nesse quadro. A exportação de serviços de Ensino superior por parte dos Estados Unidos tem sido notável. Aqui na Europa temos tido alguns casos de sucesso, em particular, um exemplo que eu gosto bastante é o do polo universitário em Barcelona, onde existem algumas instituições de excelência que resultaram de uma aposta estratégica no Ensino Superior e na excelência e na investigação científica. E parece-me de facto que a aposta em capital humano é uma aposta que merece todo o apoio e é uma das áreas em que julgo que podemos estar optimistas.

Na última década, talvez nas últimas duas décadas, o progresso que conseguimos em Portugal em matéria de Ensino Superior e Ciência é verdadeiramente notável, é uma das áreas de crescimento, é uma das áreas de sucesso e, consequentemente, não posso não concordar consigo, a nossa esperança está em que iniciativas como a aposta na excelência no Ensino Superior e na Ciência possam merecer reconhecimento internacional e, portanto, Portugal possa ser eleito como um bom destino para obter formação universitária a nível superior e de pós-graduação e um bom sítio para investigar e contribuir para o progresso científico a nível mundial. A aposta na excelência e, novamente, na concorrência, parecem-me cruciais nessa dimensão.

Muito obrigado por essa tónica de esperança.

[APLAUSOS]

 
Duarte Marques

Obrigado. João Marques Franco do Grupo Amarelo e de seguida o Carlos Sampaio da Costa do Grupo Bege.

 
Joao Marques Franco

Bom dia, senhor Ministro. Também eu e o meu Grupo lhe agradecemos, também a minha geração lhe agradece o facto de ter tomado conta das finanças do nosso país, sabemos que o faz todos os dias com grande sacrifício pessoal e por isso terá sempre da nossa parte uma forte homenagem.

[APLAUSOS]

A pergunta que lhe faço é muito concreta. Nos últimos dez anos os sucessivos governos têm reduzido, ou congelado, os salários e não têm tocado no horário do trabalho. A pergunta que eu faço é se não podíamos ter resultados semelhantes a nível do equilíbrio orçamental com salários fixos, ou seja, os mesmos que temos agora, aumentando o horário de trabalho e se isso não teria vantagens económicas e menos castradoras do crescimento económico. Também não lhe resisto a perguntar qual é o modelo económico que propõe num contexto pós-Troika, se vamos ver o "falcão liberal” de que já ouvimos falar.

 
Vitor Gaspar

Muito obrigado.

Deixem-me começar com uma consideração geral. A responsabilidade pelo reequilíbrio das finanças públicas num país não é uma responsabilidade individual é uma responsabilidade colectiva.

Nenhum Ministro das Finanças consegue reequilibrar as finanças públicas por si só. No século XIX, alguém escreveu que quando os messias não entram em cena fazendo milagres a sua reputação rapidamente desaparece e eu acho importante ser completamente claro sobre esta questão: milagres nós não sabemos fazer e, consequentemente, a ideia de que as finanças estão equilibradas porque estão bem entregues é uma completa falácia. Só vai ser possível reequilibrar as finanças públicas portuguesas com o empenhamento de todos; eu, pela minha parte, farei tudo o que possa para não desiludir mas a solução para o problema é uma solução que nos cabe a todos e será gerada pela sociedade portuguesa e pelo sistema político português.

A queda e o corte de salários é um fenómeno raro. O único momento em que houve um corte salários, de remunerações nominais, foi no ano passado, em que o Governo decidiu cortar os salários dos funcionários públicos em 5%. Um fenómeno desse tipo é um fenómeno raro e é justamente um fenómeno raro porque o salário de cada um de nós é crucial para a nossa vida e a protecção do salário, da remuneração dos trabalhadores, é crucial para a protecção do direito ao emprego. Se nós estivéssemos numa situação em que o salário pudesse ser reduzido sem restrições a protecção ao emprego não teria qualquer valor. Não é verdade? Porque se reduzia o salário até o trabalhador sair voluntariamente.

A questão do horário do trabalho é uma questão de consciencialização colectiva, isto é, se nós decidíssemos que em vez de 35 horas trabalharíamos, por exemplo, 38,5, o efeito dessa alteração sobre a produtividade seria muito grande. Uma situação desse tipo teria uma ordem de grandeza suficiente para criar uma solução viável para a crise. Uma diminuição do número de feriados e uma restrição à tradição nacional de fazer pontes teria o mesmo efeito.

A questão é então consciencializar essa alteração, isto é, se todos nós decidirmos que pudemos ter menos três feriados, menos três pontes e trabalhar 40 horas em vez de 35, uma grande parte do problema estaria resolvida; a questão é como fazer isso de uma forma a que seja aceite sem criar fracturas na sociedade portuguesa.

Portanto, o problema é um problema da acção colectiva. É saber como é que vamos conseguir fazer isso todos juntos.

O John Maynard Keynes escreveu que para superar uma crise é preciso resolver um problema da acção colectiva, é como quando dois carros vêm numa estrada e estão ambos do mesmo lado da estrada, se um deles continuar no mesmo caminho e o outro se desviar não há problema. Mas se, para evitarem o acidente, ambos guinarem para o lado o acidente é certo. Para evitar o acidente é preciso que um deles vire e o outro não. É um problema de acção colectiva.

Numa crise, o crucial é resolver esse tipo de problemas, como é que nós podemos garantir que nós nos mantemos no nosso caminho, ou vice-versa. Não é importante quem vira, mas que vire só um. Relativamente ao tipo de soluções que colocou, o problema que se põe é este, é um problema de acção colectiva; se aquilo que sugere fosse consensual sem fracturas sociais, podia de facto ter o potencial que disse. Na ausência desse consenso, poderia ser um caminho muito perigoso a trilhar.

Sobre a questão do "falcão liberal”, reparem, prestem um bocadinho de atenção e olhem para mim: eu pareço-vos um falcão?

[RISOS E APLAUSOS]

 
Duarte Marques

Muito bem. Vamos dar agora a palavra às perguntas livres.

Carlos Sampaio do Grupo Bege.

 
Carlos Sampaio da Costa

Obrigado. Muito bom dia a todos. Senhor Ministro, mais uma vez muito obrigado por estar na Universidade de Verão. A minha pergunta é a seguinte: recentemente o New York Times publicou um poderoso e controverso artigo do Warren Buffett, que em poucas palavras afirmou que os milionários deveriam pagar mais impostos.

Aqui, em Portugal, a carta de Buffett foi o rastilho para a discussão da taxação dos ricos que cai sempre bem na opinião pública. No contexto português, será útil um imposto sobre as grandes fortunas, ou por outro lado seria mais proveitoso uma diminuição dos impostos em troca da criação de postos de trabalho?

 
Vitor Gaspar

Relativamente ao artigo do New York Times e do Warren Buffet, eu fiquei impressionado pela responsabilidade social e a disponibilidade que Warren Buffet sinalizou para participar no esforço colectivo que é necessário para superar a crise. Warren Bufett, como de resto Bill Gates, têm uma tradição de apoio a causas sociais meritórias e têm uma tradição de disponibilizar a sua fortuna para a persecução de fins sociais. Esta tradição de mecenato privado é uma tradição forte nos Estados Unidos da América do Norte e traduz na minha perspectiva uma grande responsabilidade das elites económicas e financeiras pelo destino colectivo da nação americana.

Este sentido de responsabilidade das classes dominantes é muito importante, julgo eu, para a coesão social e nacional e este artigo do Warren Buffett é um exemplo muito bom nessa matéria.

Relativamente à questão em Portugal, a nossa abordagem têm sido a de procurar seguir um caminho que nós chamamos de equidade social na austeridade.

Os aumentos de impostos que têm vindo a ser anunciados não são uma opção de fundo, são um recurso. Guilherme de Oliveira Martins, o Presidente do Tribunal de Contas, como historiador escreveu a História do Ministério das Finanças e uma biografia de Oliveira Martins, que foi Ministro das Finanças em 1992, na altura de uma grande crise nacional. Guilherme de Oliveira Martins escreve que esse seu antepassado chegou ao Ministério das Finanças em período de crise e rapidamente anunciou que queria colocar medidas com três dimensões: medidas imediatas arbitrárias e violentas para combater a crise e seria esta a primeira fase. Numa segunda fase substituiria essas medidas por outras medidas mais equilibradas e mais equitativas. Numa terceira fase iria combater os desequilíbrios de longo prazo a nível da administração pública e da sociedade portuguesa. Diz o escritor que Oliveira Martins apenas pôde realizar a primeira a fase.

A nossa preocupação, neste contexto, foi procurar enquadrar as medidas de ajustamento urgente necessárias numa estratégia que fizesse sentido do ponto de vista do médio e do longo prazo. Isto é, os aumentos de impostos que foram anunciados em sede de imposto sobre rendimento, sobretaxa extraordinária e a taxa adicional por solidariedade são num caso uma medida extraordinária que figurará apenas num ano e uma medida transitória que terá duração limitada no tempo. Os outros casos de aumento de impostos são simplesmente antecipações de aumentos que já estavam no programa.

Porquê toda esta introdução? Porque a ideia é que nós procurámos usar o sistema fiscal como ele existe. Isto é, procurámos exercer a equidade social na austeridade, usando a noção de equidade já consagrada no sistema fiscal português em que a equidade se define por referência ao sistema de imposto ao rendimento, o IRS e o IRC. Não nos pareceu ser útil procurar operacionalizar na crise uma noção diferente de equidade.

Pensem, dada a contestação que temos visto a estes impostos que são baseados na estrutura existente e que se fazem alguma coisa é acentuar o carácter redistributivo do sistema fiscal português, o que aconteceria se nós estivéssemos a tentar transformar e consensualizar a noção de equidade em Portugal durante o processo de gestão da crise? Parece-me que uma estratégia desse tipo não seria bem-sucedida e como tal considerar alterações profundas como do sistema fiscal como seriam implicadas pela tributação do património, pela tributação das fortunas, foram excluídas desta equação.

Relativamente à questão do aumento de impostos versus criação de postos de trabalho, neste momento a questão, julgo eu, não se coloca dessa maneira, porque nós precisamos de reduzir despesa, fundamentalmente, mas precisamos também de aumentar impostos por uma razão de consolidação orçamental. E, repito, a consolidação orçamental não é uma opção, conseguir os objectivos orçamentais a que estamos comprometidos é um imperativo, não é uma opção.

Portanto, aumentos de impostos têm de ocorrer, no entanto uma das hipóteses que está na mesa em termos de desvalorização fiscal, de redução da taxa social única, é precisamente condicionar essa redução à criação líquida de emprego.

A única dificuldade, ou melhor, a dificuldade fundamental que se coloca a essa medida é uma dificuldade que tem a ver com o desenho, a execução e o controlo administrativo do processo. É uma medida particularmente difícil de arquitectar de um ponto de vista prático, mas se for possível executar uma medida desse tipo será uma das melhores possibilidades de conseguir reganhar competitividade para Economia e conseguir criar emprego no processo, o que é particularmente importante, numa altura em que o Desemprego em Portugal é dramaticamente elevado, especialmente da vossa geração.

Muito obrigado.

[APLAUSOS]

 
Duarte Marques

Carlos, temos cerca de meia hora, não é?

Eu tenho já cerca de quinze inscrições mais ou menos, só temos 30 minutos. Eu tenho cinco inscrições de pessoas que nunca fizeram uma pergunta em "Catch the eye”, por isso vou dar já a palavra ao Miguel Oliveira do Grupo Amarelo e, de seguida, à Sara Teixeira do Grupo Cinzento.

 
Miguel Oliveira

Bom dia, senhor Ministro. A questão que eu tenho para colocar é bastante concreta. É uma medida que embora tenha sido amplamente discutida penso que não foi concretizada. Em suma, poderia a União Europeia criar um sistema de apoio financeiro que possibilite a recompra de títulos de vida pública no mercado secundário, portanto, países como a Grécia poderiam comprar os títulos da dívida que anteriormente tinham sido colocados no mercado. E, na sua opinião, qual deveria ser o modelo financeiro a adoptar após o cumprimento do acordo com a Troika? Obrigado.

 
Sara Teixeira

Bom dia a todos. Começo por cumprimentar a mesa, em especial o Dr. Vítor Gaspar pela sua excelente explanação.

Foi referido pelo Dr. Jorge Sampaio, ex-Presidente da República, e ontem aqui reafirmado pelo Dr. Mário Soares: "há mais vida para além do défice”.

A minha questão é a seguinte: de que forma é que nós jovens podemos realmente acreditar nisso? Obrigada.

 
Vitor Gaspar

Muito obrigado. Eu vou começar pela última questão "há mais vida para além do défice”. Efectivamente, não só há mais vida para além do défice, como tem de haver mais vida para além do défice e o défice não se resolve por si só.

Isto é, para repetir o que já disse, a consolidação orçamental e a diminuição do endividamento e desalavancagem financeira são condições necessárias para uma agenda de transformação e para retomar ou para fundamentar uma trajetória de crescimento sustentado para a Economia portuguesa. O nosso objectivo, aquilo que nos deve inspirar, é essa agenda de transformação, é essa perspectiva de crescimento. A redução da dívida é um meio imperioso sem o qual não temos a possibilidade de realizar uma agenda de transformação, é um meio imperativo no sentido em que sem isso não conseguimos uma transição para um crescimento sustentado, mas é contudo um meio, o nosso horizonte tem de ser o crescimento e a criação de emprego, o nosso horizonte tem de ser sermos concorrenciais, competitivos e bem-sucedidos na Economia europeia e global. O exemplo da nossa ambição de sermos bem-sucedidos em matéria de Ciência e de Ensino Superior é um exemplo emblemático dessa ambição nacional.

Relativamente à questão do apoio financeiro para comprar dívida em mercado secundário, isso está previsto como uma possibilidade no Fundo europeu de estabilização financeira, as novas regras do fundo acordadas a 21 de Julho estão em ratificação nos Estados-Membros, as modalidades exactas em que essa possibilidade possa vir a ocorrer dependem da forma como o Fundo vai exercer na prática essa possibilidade e as modalidades em detalhe não são conhecidas. Evidentemente, é nossa posição de que a possibilidade de intervenção num mercado secundário seria extraordinariamente favorável para a capacidade europeia de gerir a corrente crise.

"Qual o modelo financeiro a adoptar depois da Troika”, eu admito livremente que não podiam estar satisfeitos com a minha resposta porque eu não me lembro de ter respondido a esse aspecto da pergunta. A ideia é que após a crise nós teremos de ter um sistema financeiro substancialmente diferente em Portugal e na Europa. As práticas de regulação e supervisão vão ter de ter evoluído muito consideravelmente, a importância de instituições europeias na regulação e supervisão deste sector terão de ter aumentado, a estrutura do sistema bancário terá certamente evoluído, o sistema bancário será mais integrado e terá uma estrutura acionista mais diversificada e o sistema financeiro será portanto um sistema financeiro muito mais robusto. E a Economia portuguesa como um todo estará, após Troika, muito menos dependente de instrumentos de dívida e isso se formos bem-sucedidos, o volume directo do estrangeiro em Portugal e a participação de não-residentes em Portugal terá aumentado muito substancialmente, isto é, teremos substituído instrumento de dívida por participações em capital. Portanto, do ponto de vista da estrutura do sistema financeiro, quer na Europa, quer no Estados-Membros, quer particularmente em Portugal, será uma estrutura profundamente diferente relativamente à estrutura que temos hoje. Espero agora ter respondido.

 
Duarte Marques

Muito obrigado, senhor Ministro. Carla Ferreira do Grupo Verde, pela primeira vez e a Beatriz Cardoso do Grupo Bege.

 
Carla Ferreira

Cumprimento à mesa, bom dia a todos.

Professor Vítor Gaspar, a minha questão é de índole um pouco diferente das que têm sido apresentadas. É a seguinte: face às medidas de austeridade que têm vindo a ser implementadas e que é chamado a explicar, quais são as principais dificuldades que encontra em comunicá-las, em fazer entender a sua urgência e indispensabilidade, tanto ao nível da Assembleia da República como ao nível do grande público? Já se sentiu incompreendido muitas vezes? Obrigada pela sua presença e esclarecimentos.

 
Beatriz Cardoso

Bom dia a todos. Só a médio/longo prazo obtemos resultados de verdadeiras reformas na nossa Economia. Isso pede o esforço de todos os portugueses para um resultado visível apenas no futuro. Como se renovam mentalidades que estão habituadas ao espectáculo e estão próximas de perder a paciência relativamente a cortes?

Obrigada.

 
Vitor Gaspar

Eu acho que consigo responder rapidamente, até porque as duas questões estão muito relacionadas.

Eu tenho muita dificuldade em comentar uma questão do tipo se me sinto incompreendido, eu não tenho esse tipo de ansiedades existenciais.

[APLAUSOS]

A questão da mentalidade e a questão da disponibilidade para suportar sacrifícios, trabalho adicional, carga fiscal, diminuição de prestações sociais, porventura, consequências pessoais da extinção de alguma organização do sector público – todas essas questões são centrais ao nosso esforço. A vantagem que uma crise e uma crise profunda têm é que se a realidade da crise não for negada a necessidade de um esforço de ajustamento que envolve todos é razoavelmente patente e eu presumo que para negar a necessidade de sacrifício é necessário negar a realidade da crise, o que me parece impossível.

Agora, é evidente que é muito importante neste contexto ter a capacidade de explicar a natureza da crise e ter a capacidade de explicar que há uma ou mais saídas para a crise. Como eu vos disse na minha apresentação, o caminho de saída da crise não é único, mas não há nenhum caminho da saída da crise que seja fácil, mas é crucial que sejamos todos a fazer o mesmo caminho.

Qual é a maior dificuldade de comunicação neste contexto? A maior dificuldade de comunicação neste contexto é que o tempo de comunicação, como eu procurei dizer na minha apresentação, o tempo dos órgãos de Comunicação Social é muito curto, muitas vezes mede-se em horas, é o facto político do dia. O processo que estamos aqui a falar é um processo que foi longo na criação dos problemas e que será também longo na sua solução e é preciso de ser capaz de comunicar de forma duradoura, o crucial não é o momento, não é a hora, não é o dia, é a constância de propósito. Para vencermos esta crise precisamos de ter consciência do ponto de partida e de ter a determinação de perseverar semanas, meses, alguns anos, para conseguir superar a crise e nessas condições poderemos organizar uma Universidade do Verão sobre o depois da crise.

[APLAUSOS]

 
Duarte Marques

Tenho uma pergunta do Pedro Pires do Grupo Encarnado, que é a primeira vez também e outra pergunta do Afonso Meireles do Grupo Roxo, tenho a indicação que também é a primeira.

 
Pedro Pires

Bom dia a todos. Mais uma vez, agradecer ao Doutor Vítor Gaspar por estar aqui connosco.

A minha pergunta é a seguinte: a taxa de juros das obrigações gregas atingiu esta semana o valor de 47% a dar o prazo de dez anos. Olhando para este valor, à vista desarmada e para quem se calhar não perceba muito sobre estes mercados, este parece um retorno demasiado atractivo. A pergunta que eu faço é: aconselharia a mim, ou a qualquer entidade a investir neste produto? Se não, porquê?

 
Afonso Meireles

Bom dia à mesa, em especial ao Doutor Vítor Gaspar.

A pergunta que lhe quero fazer é a seguinte: sendo a Agricultura um sector de extrema importância para o país e que carece de apoios, de modo a aumentar a competitividade deste sector, quais as medidas de apoio que gostaria de implementar e como poderia ultrapassar as limitações da PAC. Obrigado.

 
Vitor Gaspar

Sobre a questão da Agricultura não tenho grande coisa a dizer, peço-lhe desculpa, reconheço completamente a legitimidade da pergunta, mas as questões específicas do sector da Agricultura não fazem parte das questões sobre as quais eu tenha reflectido nos últimos anos.

Eu tenho um Mestrado em Economia agrícola, mas concluí-o em 1984. Peço-lhe desculpa, mas não tenho de facto uma resposta específica a dar-lhe.

À outra pergunta, relativamente às taxas de juros das obrigações gregas, tenho uma resposta específica. É preciso compreender que o preço das obrigações gregas, por exemplo, determinado no mercado hoje em dia reflecte um volume de transacções que é aproximadamente nulo. Isto é, no mercado de obrigações gregas existe um conjunto extenso de vendedores potenciais, mas não existem compradores potenciais, portanto, é um mercado que virtualmente não existe. O preço que reflecte um volume zero de transacções, é um preço que não é representativo de coisa nenhuma.

Deixem-me fazer-vos uma observação que é geral e que tenho esperança que vos interesse: na altura em que foi lançada a União Monetária, o indivíduo que eu prezo muito e acho que é um dos melhores economistas europeus, Alexander Lamfalussy, escreveu um pequeno artigo de apoio ao relatório do Comité Delors em que dizia que a disciplina orçamental na futura União Monetária não podia ser deixada nas mãos do mercado porque a disciplina de mercado funcionava em momentos normais de forma demasiado fraca e de forma demasiado lenta e que em períodos de crise era demasiado violenta e demasiado destruidora.

O que nós vimos nesta crise foi precisamente a efectivação da segunda parte da frase do Alexander Lamfalussy. O que aconteceu é que na ausência de confiança sobre certos títulos de dívida pública, o mercado desses títulos simplesmente desapareceu e como o desaparecimento do mercado desses títulos, com volumes de transacção que são virtualmente zero, os preços tornam-se não-representativos.

Mas agora prestem atenção, só um ponto adicional: imaginem que são detentores de um título desses, que compraram títulos de dívida grega e que o mercado está como hoje, por qualquer razão (porque tiveram uma doença na família, porque precisaram de pagar um empréstimo, porque precisaram de socorrer um amigo, querem vender esses títulos), a verdade é que vão descobrir quando procurarem vendê-lo que o título não tem nem aproximadamente o valor que julgavam que tinha. Pensem na vossa angústia nessas circunstâncias. Porque é que eu estou a fazer toda esta digressão, porque julgo que este exemplo que é suscitado pela sua pergunta nos leva a colocar-nos do ponto de vista do credor e a simpatizar com a posição do credor e para nós percebermos a dinâmica da crise em que estamos envolvidos precisamos não só de perceber o nosso ponto de vista, o ponto de vista do devedor, mas ser capaz também de perceber o problema do credor. Não há nenhuma relação de crédito, de dívida que possa ocorrer se o credor e o devedor não estiverem de acordo. A solução da crise da dívida soberana da área do Euro vai também exigir um encontro entre credores e devedores.

Espero ter respondido à sua pergunta.

 
Duarte Marques

Muito obrigado, senhor Ministro. Pela primeira vez o Rui Silva do Grupo Encarnado. Alguém que não tenha feito nenhuma pergunta e que queira fazer que me avise, senão, de seguida, é o André Serras.

 
Rui Miguel Silva

Bom dia a todos. Começo por agradecer a presença do Doutor Vítor Gaspar aqui na Universidade de Verão.

O Doutor Vítor Gaspar começou desde logo por referir que esta é uma crise não só nacional, mas também global e europeia.

Em que medida a aproximação à União Europeia pode significar uma resposta para a crise? Obrigado.

 
André Serras

Bom dia, senhor Ministro, bom dia à mesa. A minha pergunta é a seguinte: visto a poupança ser proveniente do trabalho e também por saber que num cenário de crise o aumento da produtividade é obtido numa redução dos custos de produção, porquê taxar o rendimento ao invés da riqueza e porquê um aumento elevado na electricidade? Por que não aplicar a teoria moderna das expectativas racionais e adaptativas? Obrigado.

 
Vitor Gaspar

Muito obrigado.

A questão das expectativas é crucial. Já me perguntaram aqui sobre a comunicação no quadro de crise a comunicação é arte integrante da condução da política. Eu já aqui mostrei exemplos da necessidade de coordenação através da acção colectiva e para que essa coordenação seja bem-sucedida a Comunicação é crucial. Reparem naquele exemplo que vos dei, muito simples, de dois carros que estão na mesma faixa de rodagem avançando em sentidos contrários, é absolutamente claro que apenas um se poderá desviar para evitar o acidente. As expectativas racionais e adaptativas não ajudam de todo. Quem tiver uma abordagem de expectativas racionais percebe que há equilíbrios múltiplos, isto é, existe o equilíbrio em que nenhum deles se desvia e batem, se desviam os dois batem também e existem equilíbrios em que um guina e o outro não, ou o outro guina e o primeiro não. Certo? As expectativas racionais não nos ajudam de todo, há equilíbrios múltiplos e as expectativas racionais não ajudam. Reparem que isto é um exemplo simplérrimo.

As expectativas racionais como usadas em Economia consideram que o problema da acção colectiva, o problema da coordenação foi resolvido e portanto o agente económico individual descobre o equilíbrio e sabe qual é o equilíbrio. Quando o nosso problema é gerir uma crise e mobilizar as pessoas, as expectativas racionais não ajudam absolutamente nada. No caso das expectativas adaptativas o mesmo tipo de problema ocorre, no meu exemplo dos carros como só há uma observação, ou bateram ou não bateram, como resultado, aqueles que conseguiram guinar ainda podem ter mais um período para aprender, mas os que morreram no acidente já não podem para o período seguinte usar as expectativas adaptativas.

Pelo que não pode ser resolvida a questão assim, tem de ser mesmo por comunicação. Por exemplo, um dos automobilistas sinaliza o pisca da direita, o outro vê o sinal do pisca da direita, quer dizer que ele se vai manter na sua linha, guina e o problema está resolvido. É, portanto, necessário, comunicar. É preciso fazer uma coisa parecida com sinalizar o pisca da direita, esse ponto parece-me absolutamente crucial, a comunicação é parte integrante da política, dado que o nosso problema é muito mais complicado que o problema do tráfego a comunicação é muito mais complexa.

Como o esforço de ajustamento será repetido, precisamos de uma constância de propósito e assim sucessivamente. Vai ser um desafio difícil e constante. Em algum sentido, parece-me importante que cada um de vós esteja disposto a participar e a ajudar nesse esforço de comunicação. Reparem que é difícil, não é? Porque cada um que seja afectado negativamente por uma medida, vai achar que aquela medida em concreto é injusta e é injustificada, que está mal explicada, que não era necessária. É importante explicar que medidas desse tipo estão a afectar todos ao mesmo tempo e resolver o nosso problema de acção colectiva.

Por que não, dado que nós temos um problema de poupança e temos um problema de actividade, não tributar a riqueza? A tributação da riqueza é sistémica, é uma tributação difícil. As tentativas de tributar a riqueza, à volta do mundo não têm sido bem-sucedidas na prática. Tentar fazer uma revolução tributária desse tipo em período de crise seria, julgo eu, aumentar imenso a instabilidade no processo.

Parece-me muito mais prometedor usar o sistema que temos, procurar distorcê-lo o menos possível, ao mesmo tempo que se prepara uma reforma do sistema de tributação directa a um prazo de dois anos. Nós anunciamos, desde já, que existirá uma reforma do IRS e do IRC a um prazo de dois anos, a introdução de um imposto sobre a riqueza tem uma complexidade consideravelmente superior à reforma do Imposto sobre o rendimento e dizem-me que está é a última ronda de perguntas, porque esgotámos o nosso tempo, pelo que deixem-me dar-vos uma mensagem final sobre o tempo: o tempo de comunicação, o tempo de ajustamento em crise, o tempo para retomar uma trajectória de crescimento.

O tempo de comunicação vai ser difícil para todos nós, vai ser necessário conseguir explicar a todos os portugueses, a todos os participantes no processo político, que o ajustamento é difícil mas indispensável e que vamos ter perspectivas muito mais favoráveis sendo o ajustamento bem-sucedido. O ajustamento não é só dívida, o ajustamento não é só défice. O ajustamento na dívida e o ajustamento no défice são instrumentos para uma transformação estrutural que é necessária para que o ajustamento do défice e da dívida sejam bem-sucedidos, mas é mais importante é necessário para pôr Portugal num patamar diferente de crescimento, desenvolvimento, de exigência, de qualidade, de prosperidade, de competitividade. Só com essa agenda de transformação conseguiremos ter uma trajectória de crescimento sustentado, de criação de emprego e em que a nossa Economia possa prosperar no mundo. Isto exige, como vos disse, uma grande constância de propósito, uma grande perseverança no processo de ajustamento. A crise – perguntaram-me – é uma crise, global, europeia e nacional. A crise portuguesa revelou-se, como seria natural, num momento de crise europeia e de crise global. Em particular, a Europa necessita com grande urgência de casos de sucesso no processo de ajustamento dentro da área do Euro. O sucesso de países como a Irlanda e Portugal têm um interesse vital para a Europa como um todo, a Europa se perceber a oportunidade desse sucesso tem toda a disponibilidade, todo o empenhamento e todo o interesse em facilitá-lo e promovê-lo. Num contexto de aprofundamento da integração europeia e da política europeia, o nosso esforço, sacrifício e empenho poderão ser bem-sucedidos e poderão transformar Portugal num caso de sucesso no contexto de integração europeia e, para isso, o esforço e empenhamento da vossa geração é o mais importante sinal de esperança e o mais importante factor de sucesso.

Conto, portanto, convosco! Muito obrigado!

[APLAUSOS]