ACTAS  
 
8/31/2011
A Europa no Mundo
 
Dep.Carlos Coelho

Bem, vamos dar início à nossa aula da tarde que se chama "A Europa no Mundo”.

Uma informação prévia: parte das publicações que vos foram distribuídas na entrada ainda foram feitas no Parlamento Europeu, sob orientação do Professor João de Deus Pinheiro, e foram-vos distribuídas porque não há versões actualizadas.

Estou a falar das 33 Perguntas & Respostas sobre o Tratado de Lisboa e do Jornal sobre o Tratado de Lisboa. Estas duas publicações ainda têm uma informação que ficou alterada pela evolução dos acontecimentos, isto é, referem explicitamente a redução do número de membros da Comissão Europeia – )isso estava previsto no Tratado de Lisboa, mas estava também prevista uma válvula de segurança, uma prorrogação por unanimidade, que foi accionada na negociação com a Irlanda e o Conselho Europeu decidiu por unanimidade que essa redução não vai efectivar-se).

Portanto as referências que estão em ambas as publicações, quer no Jornal, quer nas Perguntas & Respostas, quanto à redução do número de membros da União Europeia deixaram de fazer sentido face à evolução dos acontecimentos. As últimas edições já estão actualizadas; quer a Cronologia, quer a edição "Europa para Todos”.

Disto isto, quero agradecer a presença do Professor João de Deus Pinheiro, que é uma das pessoas que eu mais respeito e com quem sempre muito aprendo. O Professor João de Deus Pinheiro tem uma experiência muito grande, como podem ver pelo currículo distribuído.

Professor catedrático, Reitor da Universidade do Minho, Ministro da Educação, Ministro dos Negócios Estrangeiros, romancista e autor também, mas para lá de todas as funções que desenvolveu, quer académicas – com um percurso notável –, quer institucionais, o Professor João de Deus Pinheiro tem uma capacidade única para além da sua grande inteligência que é representar no contexto europeu o verdadeiro triângulo. Nós designamos sempre o triângulo institucional como a mola decisora da União Europeia, um triângulo que é formado pelo Conselho, pela Comissão e pelo Parlamento Europeu. O Professor João de Deus Pinheiro teve nos três vértices do triângulo: foi Presidente do Conselho, quando (na altura com o Primeiro-Ministro Cavaco Silva) exercemos pela primeira vez a presidência do Conselho da União Europeia; foi Comissário Europeu (esteve no executivo europeu); e foi deputado europeu onde eu tive o privilégio de o acompanhar; funções que também desempenhou de forma brilhante. Portanto, se alguém pode falar sobre a Europa e sobre o Mundo e sobre a Europa no Mundo é seguramente o Professor João de Deus Pinheiro.

O nosso convidado tem como hobby o Golfe e a Escrita; tem como comida preferida a feijoada e o robalo da Costa grelhado; o animal preferido é o leão; o livro que nos sugere, são dois: "Os Pilares da Terra” e "As memórias de Adriano”; o filme que nos sugere: "Citizen Kane”; e a qualidade que mais aprecia: a integridade e a lealdade.

Connosco, na Universidade de Verão, o Professor Doutor João de Deus Pinheiro.

[APLAUSOS]

 
João de Deus Pinheiro

Boa tarde a todos. Eu queria começar por saudar os participantes e neles incluo o "reitor” Carlos Coelho que uma vez mais conseguiu e consegue pôr de pé uma iniciativa deste tipo com as características que os participantes, melhor que ninguém podem apreciar. E isto, não obstante as contradições e os paradoxos.

Vêem aquela pilha de papel que está na ponta da mesa, em frente ao Carlos Coelho? Estão a ver? Imaginem esta pilha com esta altura; multiplicada por vários cantos à volta de uma secretária, em cima de uma secretária e em cima de umas estantes e terão uma visão real do Inferno de Dante para quem quer encontrar um papel.

Meus senhores, isto é o gabinete do Carlos Coelho.

[RISOS]

E eu confesso que, se não tivesse visto aquela pilha ali em cima, teria ficado preocupadíssimo. Agora o mais estranho de tudo é que, não obstante, se nós entrarmos lá e dissermos "Ó Carlos, lembras-te daquele artigo?”; "Só um momento”; e por artes mágicas, vinte centímetros para a esquerda, com uma quota no meridiano, dez milímetros para a direita, ele encontra o papel, "Era isto que procurava?”.

Este é um dos enigmas da História que eu nunca (em 5 anos de Parlamento Europeu) consegui decifrar.

[RISOS]

Não obstante, é uma pessoa de extremo rigor, com uma grande capacidade de trabalho e de uma seriedade intelectual absolutamente únicas. O que não impede de ter um verdadeiramente cáustico sentido de humor, fantástico; ter um companheirismo leal e ser uma pessoa extremamente eficaz.

Se há maneira de definir o Carlos Coelho, eu diria que é uma pessoa que vale a pena conhecer na vida. Por isso, Carlos, parabéns por esta iniciativa.

[APLAUSOS]

Do Duarte não falo, porque enquanto ele não emagrecer dez quilos eu acho que não vale a pena a gente referir-se, digamos… mas mostra que está bem no seu papel.

[RISOS]

Vamos à Europa e à Idade Média, ao período colonial em que a Europa tinha cerca de 25% da população mundial e cerca de 90% da riqueza mundial. Hoje, em conjunto com os Estados Unidos, teremos cerca de 15% da população mundial e 70% da riqueza, mas estima-se que em 2030, portanto amanhã, seremos cerca de 10% e teremos cerca de 50% da riqueza mundial. Continuamos portanto a ser ricos, a ser o maior mercado do mundo, mas atenção que o plano está inclinado no sentido mais desfavorável.

Mas continuamos a ser um espaço com características singulares: democracia parlamentar estável em toda a Europa praticamente; Estados de Direito bem estabelecido, o primado do Estado de Direito é perfeitamente aceite; os Direitos Humanos estão consagrados em várias formas; somos o soft power assumido - alguém dizia, quando eu disse isto, que somos um soft power assumido, que somos um "soft power saído do armário”. O soft power significa que não privilegiamos o ataque armado ou uso da força para resolver questões, é muito mais a parte da Diplomacia, da pressão/ajuda económica, da cenoura em vez do bastão.

Temos também um modelo social único, porque é baseado na solidariedade na doença, no desemprego, na velhice, na infância, para estudar, ou na pobreza. Portanto, o conceito de Solidariedade é o de mais intrínseco ao modelo social europeu. Temos preocupações séries com o ambiente; veja-se a questões das poluições e da energia limpa e por aí adiante. E finalmente (digo finalmente, mas iremos continuar), temos um modelo de governação verdadeiramente singular. Esta organização das instituições europeias é um modelo de tal maneira singular que 99% dos cidadãos que estão na Europa não percebem nada como é que funciona o modelo europeu. Eu repito, 99% dos cidadãos não faz ideia nenhuma de como funciona o modelo europeu: em que é que o Conselho Europeu é diferente do Conselho de Ministros em cada Estado; o que a Comissão Europeia realmente e faz; qual é o poder do Parlamento, uma vez que não há debates como nos parlamentos nacionais.

Portanto, este modelo de governação singular e estranho também é muito característico da Europa. A Europa, além disso, foi teatro de duas Guerras Mundiais, a I e a II, por motivos europeus intrinsecamente e desenrolou-se em grande parte na Europa. Mas além disso, também foi palco doutra guerra, a Guerra Fria, entre o chamado Bloco Soviético e o Bloco Democrático. Só que esta Europa das Guerras, no pós-II Guerra Mundial e com a ajuda dos nossos amigos americanos com o Plano Marshall e, mais tarde, com a ajuda da integração da União Europeia, tornou-se num caso único de estar sem Guerras, estar mais de meio século sistematicamente a crescer, em termos de salários, pensões, abonos, serviço nacional de saúde de cada país, etc., sempre num plano inclinado muito forte.

As estruturas da Europa – as estradas, hospitais, escolas – tornaram-se das melhores do mundo; as casas melhoraram também, os transportes e comunicações, nem falar, e o lazer tornou-se, digamos, uma parte integrante da vida dos Europeus. Basta ver o que aconteceu nalguns pontos, como no Sul de França, no Sul de Espanha, ou o Sul de Portugal, para perceber como os mais afluentes nórdicos vierem de melhores climas e de um lazer mais sofisticado.

Bom, esta é a fotografia da Europa que poderia ter sido feita, digamos, quando começou a Revolução dos anos 90, com a Queda do Muro de Berlim, mas que no dealbar deste século XXI é um bocadinho diferente. Estagnação do crescimento, aumento do desemprego (somos cerca de 15 milhões desempregados hoje em dia), o aumento dos défices públicos de praticamente todos os países, o aumento das dívidas soberanas por efeito dos défices sistemáticos e não só das dívidas soberanas mas também das dívidas de uma forma geral, e a tendência clara para uma diminuição da qualidade de vida e para diminuição do Estado de Providência.

E como tanta coisa mudou, a pergunta que se tem de fazer é se continua a justificar o mesmo modelo orgânico e funcional para as instituições europas. Essa a primeira pergunta que convém reflectir. Como irão ver eu vou vos dar muitas pistas para essa reflexão. Será que tendo mudado tudo, devemos manter as instituições exactamente como funcionavam há 30 anos atrás? Há 20 anos ainda havia a União Soviética; não havia telemóveis, não havia Internet. Já pensaram como era a vida sem telemóveis e Internet? Acreditam que se faziam grandes programas de fim-de-semana que se combinavam pelo telefone fixo? E que se faziam pesquisas bibliográficas sem recurso à Internet; ir para a Biblioteca, folhear, andar à procura. Foi há vinte anos apenas, foi ontem!

E mesmo há dez anos, se olharem para as revistas de dez anos, a palavra economia digital era uma palavra rara, a palavra globalização também, era assim alguma coisa de iniciados e o fundamentalismo islâmico também era coisa de alguns estudiosos apenas. Mas também há vinte anos, quando muitos nasceram, quem não se actualizasse nas matérias da Ciência e Tecnologias corria o risco de ao fim de 4 ou 5 anos estar desactualizado ou bastante desactualizado. Sabem qual é o prazo hoje? Um ano.

Isto é verdadeiramente assustador: se eu durante um ano desligar o interruptor e não ler revistas, não me preocupar com o que está a acontecer, eu corro o risco de quando retomar, ao fim de um ano, estar completamente ultrapassado numa série de campos. Aquilo que se publica num ano é igual a tudo o que se publicou até ao ano 2005. Portanto o volume de informação é uma coisa brutal. Digamos que continua a crescer exponencialmente. O paradigma da nossa vida de hoje não pode ser de maneira nenhuma o paradigma que tínhamos há 30 anos, muito menos há 50 e há que procurar esse novo paradigma. O que é que interessa hoje: é ter uma boa informação, ou ter uma boa formação para ir encontrar a informação de que se precisa? Eu não tenho dúvida que é o segundo caso.

Eu tive alguma responsabilidade em vários organismos, onde tive de contratar gente muito nova, devo dizer que quando aparecia alguém que tinha sido muito bom aluno mas que só tinha tido um emprego aos 30 anos, eu dizia "não interessa”. Pelo contrário, quando me aparecia gente que tinha sido da Associação de Estudantes, do Desporto, ou Teatro, ou gostava de jogar Bridge, ou que tinha outros interesses colaterais e tinha outras preocupações além do estudo, eu dizia "este é que me interessa”. Porquê? Porque a evolução é tão rápida, que o que importa é a nossa capacidade de abarcar o novo, muito mais que a nossa capacidade de abarcar (o que é impossível) todo o Universo. Esta é uma mensagem muito importante: ou a nova Europa é feita com base neste novo paradigma ou então continuaremos neste plano inclinado.

Continuando, eu diria que apesar de tudo a Europa continua a ser uma referência e para quem (como eu) andou por outros continentes (Áfricas, Ásias e outros), tem de se perceber como é que no meio daquelas sociedades, muitas vezes com grandes carências, esta televisão globalizada actua. O que é que eles vêem na nossa televisão? Aquilo que para nós não é perceptível: o que eles vêem é uma sociedade afluente, rica, cheia de desperdícios e eles pensam "eu podia viver com aquele desperdício; que bem que eu vivia com aquele desperdício; que bem que eu vivia com os carros que eles mandam para a sucata, com os restos que eles atiram para o lixo”.

Portanto, isto é, digamos assim, o paraíso. Claro que isto é muito semelhante às alegorias da caverna de Platão. Como sabem, o Platão referia-se à alegoria das cavernas em que havia um Povo, ou umas pessoas, que viviam numa caverna e só viam reflectidas nas paredes da caverna as sombras do mundo exterior. Quando as pessoas passavam à frente da caverna reflectiam uma sombra na parede da caverna e conforme a inclinação da parede da caverna, assim as sombras eram esguias, ou barrigudas, como nos espelhos da feira popular, ou achatadas. Eles pensavam, os habitantes das cavernas, que o mundo exterior era bidimensional, eles só viam as imagens bidimensionais. Além disso que as pessoas eram elásticas e podiam assumir várias formas. Realmente quem conhece o Ocidente e a nossa Europa pela televisão, digamos que é um paraíso, para eles é um paraíso; isto explica os barcos que atravessam o Mediterrâneo para Lampedusa e outros, na busca de uma situação melhor.

Isto porque eles olham e vêem, além da afluência, a Democracia, a Liberdade, a Solidariedade e dizem "é isto que eu quero”, portanto temos de olhar com alguma benevolência e compreensão para essa gente desesperada que procura uma situação melhor e não esquecer que nós, portugueses, também já fomos um povo de emigrantes. Portanto, não podemos olhar para esta emigração da mesma maneira que um nórdico olha; temos de ser muito mais compreensivos e estar mais do lado destes potenciais emigrantes. Mas também no interior da União Europeia, hoje, as novas gerações, vocês, começam a perceber que a qualidade de vida está a piorar e almejam a ter como referência ou a ter a qualidade de vida que eu tive, a dos vossos pais.

E perguntam-se como é que podemos inverter a situação em que caímos. Para perceber o que é que é preciso fazer eu julgo que há que compreender os desafios que se põem. Alguns são óbvios, vou tentar falar deles com alguma candura, de uma forma que todos me entendam. Começarei por dizer, que até ao final do século XXI, a europa foi governada pela chamada Geração do pós-Guerra. Os líderes europeus: o senhor Helmut Kohl, Schmidt, Adenauer, Mitterrand, Thatcher, Wilson, Edward Ifft, Andreotti, Dr. Mário Soares, são todos produto do pós-Guerra; viveram ou sentiram o que foi o drama de uma Europa empobrecida e devastada depois da II Guerra Mundial. Mas hoje no século XXI, os nossos líderes são, já não os líderes do pós-Guerra, mas os produtos do Baby Boom que aconteceu no final dos anos 60, no pós-Guerra também. Portanto, a senhora Merkel, o Sarkozy, o Cameron, Durão Barroso, Zapatero, ou mesmo o Prodi, não sentiram os efeitos dessa Europa devastada e empobrecida. E não é apenas por uma mudança de gerações, é uma mudança de atitudes e de paradigma.

Esta geração que está neste momento no poder é uma geração que viveu sem guerras, numa prosperidade sempre crescente, uma previdência social sempre a melhorar; uma Segurança Social na Educação, Saúde, na assistência, sempre a subir; uma qualidade de vida portanto sempre melhor: mais viagens, mais lazer, mais intercâmbio, afluência, abundância, lazer, segurança; uma exigência de mais e mais – eu chamo a isto, meus caros amigos, geração a que eu pertenço, a "Geração do Bem-Estar”. Uma "Geração de Bem-Estar”. Não há memória na Europa de ter havido uma geração com tantas características que eu acabei de referir, tudo sempre a melhorar, uma derivada sempre positiva.

Se eu vos disser, para terem um termo de comparação: quando eu andava no Instituto Superior Técnico a percentagem de alunos que tinha automóvel era inferior a 5%. Nós sabíamos quem é que tinha carro. Como eu tinha um avô muito simpático, que gostava muito de mim, eu era dos que tinha um "Fiatzinho” e depois, eu sabia quem é que tinha, eram menos de 5%; hoje talvez seja os 5% que não têm carro. Isto para verem como é que foi a evolução nos últimos 50 anos.

Esta "Geração do Bem-Estar”, que nos governa, não tem hábitos de sacrifícios, nunca tivemos de fazer sacrifícios; prefere evitar confrontos sempre; se houver uma forma de fugir, faz-se; faz lembrar aqueles tipos que querem ser pegadores de toiros, que vão para a cabeça e quando o bicho investe desviam-se e é o primeiro-ajuda que leva. Este jogo de ancas desta geração explica o porquê de algumas soluções comunitárias e algumas fórmulas que são conseguidas para fugir ao confronto. É uma geração fixada no curto-prazo, no carpe diem, o carpe diem é o leitmotif e estão habituados aos novos "ismos”. Já não há Comunismo, já não há Fascismos; o que é que há e o que é que predomina? O Modismo, o Consumismo, o Comodismo e o Facilitismo – estes são os novos "ismos” que governam esta "Geração do Bem-Estar”. E todos aqueles que aparecem a explicar que o plano já não está assim, são como que fustigados, ou têm sido fustigados nos últimos 15 anos.

O Medina Carreira é um, mas não é o único, são vários os que foram maltratados – chamaram-nos de "Cassandras”, tudo o que é possível e imaginário.

Esta "Geração do Bem-Estar” tende a empurrar com a barriga para salvar o que foi, obviamente, uma vida de privilégios e sempre crescente. Não tenhamos ilusões, que é o que eles sabem fazer, é o que eles tendem a replicar. Na vida replica-se sempre tudo aquilo que, de uma forma ou outra, nós apreendemos: se aprendemos a resolver problemas, resolvê-los-emos; se aprendemos a não, a virar a cara, viraremos no futuro. Portanto, o primeiro grande desafio, ou um dos grandes desafios que temos é a "Geração do Bem-Estar" que governa a Europa, mas há outros a que eu me quero referir.

Posso falar em três: Globalização; Evolução Demográfica e a questão da Energia e do Ambiente; depois podemos falar um bocadinho sobre revoluções externas e alguns desafios que se põem aí.

Sobre a Globalização, todos sabem o que é: tudo está acessível a todos, em tempo real, excepto a mobilidade física, tudo o resto é acessível em tempo real. Isto significa que a concorrência aumentou brutalmente a todos os níveis e se isto aconteceu é importante que haja uma regulação a nível global também. Simplesmente os organismos multilaterais que existem para esse efeito – a Organização Mundial do Comércio, a Organização Internacional do Trabalho, a Organização Mundial da Saúde, as Nações Unidas e as suas Agências – muitas vezes não têm funcionado e a concorrência é desleal.

Agora, vou ser um bocadinho mais chato, tipo professor: quando falamos em concorrência temos de falar que a forma de concorrer é ter o melhor produto a melhor preço e quais são os custos a que uma empresa normalmente tem de fazer face? São de cinco tipos: mão-de-obra, ou relacionados, com a parte da operação, do ambiente, contexto, tecnologia. Os custos de mão-de-obra têm que ver com os salários, com a duração do tempo de trabalho, com os descontos para a Segurança Social e a possibilidade de haver ou não greves.

Gostava de vos contar uma história muito rapidamente. Uma vez, quando era Ministro dos Negócios Estrangeiros, estava em Macau e quis visitar uma fábrica de uns automoveizinhos que havia no meu tempo, que se chamavam Dinky Toys. Hoje em dia já não existem, acho eu. E fui. Apercebi-me de que aquela gente trabalhava onze horas por dia; eram escolhidos como no filme do Elia Kazan, "Há lodo no Cais”, "Vens tu! Vens tu! Vens tu!” para trabalhar; estavam catorze dias primeiro que tivessem um dia de folga (estou a falar em Macau) e não havia nem descontos para doença, nem para reforma, nem para coisíssima nenhuma.

Como é evidente, esta mão-de-obra não-qualificada produzia muitos carros defeituosos e eu disse às tantas ao Director da fábrica "Mas, o que é que vocês fazem com o chamado "seconds”?, que são carros com defeito, que são de 8% a 10%, e ele disse-me "Não tem problema nenhum, vendemos no mercado secundário das feiras, etc., portanto também ganhamos dinheiro aí.”

Ora bem, como é que é possível, em Portugal por exemplo, se quisesse fazer os mesmos carrinhos, como é que poderia competir? Já não é o custo salário/hora que está em questão, a própria fábrica era digamos vertical, não era horizontal como estamos habituados aqui; era por andares. Bom, mas isto para dizer que, isto acontecia em Macau, na China era pior, mas também os custos da operação, da matéria-prima, do equipamento, da energia, ou dos transportes, ou os recursos ambientais. Não é a mesma coisa eu ter de controlar o CO2 ou os afluentes de uma fábrica, ou exigir um local de trabalho com o mínimo de condições (x metros2 por trabalhador, arejamento, extracção de poeiras, etc.) ou não. Só para terem uma ideia: se os custos de retirarmos os filtros de uma cimenteira, das chaminés, se forem retirados para absorver as partículas de cimento, o custo do quilo do cimento fica mais barato 5%, portanto a tentação de retirar os filtros e deixar a poluição ir para a atmosfera, como compreendem, é imensa. Mas também os custos, como eu disse, de contexto: os impostos que se têm de pagar, a burocracia que se tem de ultrapassar, ou a corrupção que existe.

Finalmente a Tecnologia: que são saber quanto custa a inovação ou pagamento de royalties. Este são os custos e é em torno destes custos que normalmente se tem de actuar para conseguir um produto mais competitivo. Qual é o problema grave aqui? É que há muitos dumpingsa cair, sobretudo na área social e na área ambiental e, portanto, as condições que nós permitimos que existam nalguns países asiáticos e que nos permitem comprar estes copos, ou estas canetas, a um preço ridículo, aqui na Europa seria considerado escravatura, seria inaceitável ter essas condições de trabalho e, portanto, há aqui uma concorrência que é profundamente desleal. E não é o custo do salário, é o que nós exigimos em termos humanos, em termos de condições humanas, pelo menos em termos de princípio que a Organização Internacional do Trabalho exige e o que na realidade se passa. O mesmo com o Ambiente. Portanto, é esta distorção, estes dumpingssocial e outros, mas só foco nestes, que fazem com que esta evasão e invasão de produtos asiáticos signifique o matar, de uma forma inexorável, toda a parte de manufactura que exista numa sociedade mais desenvolvida e com um certo número de princípios como a europeia.

A União Europeia ainda tentou fazer qualquer coisa através da inovação, tentando contrabalançar, e fez uma coisa chamada a Agenda de Lisboa, no ano 2000, para a Inovação, para a Criatividade e para o Emprego. Só que se esqueceu que no passado, quer o mercado interno, quer outras grandes realizações da União Europeia como a Moeda Única, foram feitas com base no trabalho da Comissão; a Comissão trabalhava, era o pivô, propunha e depois o Conselho e o Parlamento decidiam. Aqui achou-se que o melhor método era o intergovernamental, que era a nível europeu, que os Estados se entendem uns com os outros e a Comissão ficava um bocadinho à parte. Como é evidente, a Agenda de Lisboa foi um completo flop e não porque eu, entre outros, disse que era um pecado original não responsabilizar a Comissão por isto e responsabilizar o chamado Conselho Europeu, ou o método intergovernamental. Isto devia ter ficado como lição para o futuro, mas não ficou, porque já vemos a senhora Merkel e o senhor Sarkozy a fazerem novas propostas e a quererem também uma via intergovernamental para uma coisa que na Europa está mais do que demonstrado que não funciona e que tem de ser através do método comunitário e através da Comissão Europeia e do Parlamento.

Por outro lado, deixar o sector secundário para os asiáticos é um erro profundo, pois é precisamente o sector onde mais efeito têm as chamadas inovações tecnológicas, porque ao nível dos serviços, da advocacia, dos serviços de proximidade, da restauração, ou do turismo, os avanços tecnológicos não têm grande impacto, mas ao nível industrial tem, portanto os ganhos de produtividade que muitas vezes nós precisamos para melhorar a nossa riqueza e o nosso produto, não se consegue apenas no sector terciário, é preciso o sector secundário. Portanto, aquilo que parece evidente, é que a Europa estivesse orientada no sentido de dizer: "é preciso empreendedorismo baseado na inovação, para termos empresas e termos empregados; porque não há emprego sem empresas nem empresas sem empreendedores.” O empreendedorismo é prioridade número um. Segundo: temos e apoiar as empresas que existem, as Pequenas e Médias Empresas, mas apoiá-las de uma forma pragmática. Eu não me considero estúpido e, no entanto, uma vez pedi os formulários do PRIME – que é um sistema que havia no Ministério da Economia para apoiar as Pequenas e Médias Empresas – e devo confessar que depois de ler aquilo, eu disse "mas isto é para quem? Estão a gozar com quem? Pedem a uma empresa: "digam lá, nos últimos anos, qual foi a percentagem de inovação que a empresa teve”. Mudar a máquina de café é inovação? E a fotocopiadora? Será ou não será? Quer dizer, e o que é que faziam essas Pequenas e Médias Empresas que queriam ter acesso? Iam normalmente a gabinetes de consultoria e pagavam à cabeça, 300/500 contos para lhe preencherem os papéis. Se fosse numa base de success fee, (isto é, eles receberem se tivessem o apoio), mas não, era à cabeça.

E, portanto, foi e tem sido sempre um flop este PRIME, com estas perguntas e estes questionários completamente absurdos.

Isso faz-me lembrar, ainda há bocadinho falava nisto, a legislação brasileira no final dos anos 60 e 70, quando eles compreenderam que a Argentina que era pequenina comparada com eles eram grandes exportadores de carne e eles importavam carne, porquê? Então resolveram, é a parte da Agro-Pecuária em que temos de apostar. Então fizeram uma lei que tinha duas linhas e que dizia assim: 10% de todo o crédito bancário tem de ser no sector Agro-Pecuário. Sabem o que é que aconteceu como consequência disto? Nas feiras de gado andavam os promotores bancários atrás dos fazendeiros para eles comprarem mais manadas, investirem na Pecuária e foi assim que o Brasil se tornou no maior produtor pecuário da América Latina, autossuficiente e exportadora.

Nós aqui precisamos deste apoio ao Empreendedorismo e às PME e também ao sector primário, à Agricultura, não com leis extraordinárias, mas com leis simples que as pessoas entendam e que façam sentido.

Segundo grande desafio: a evolução demográfica. Meus senhores, como sabem, a pirâmide não existe. Muitos jovens, poucos avós, poucos velhos, acabou. Era assim com o Baby Boom nos anos 60, havia uma grande base de jovens e poucos anciãos e foi aí nessa época que se desenvolveram as teorias Malthusianas, que se desenvolveram os métodos anti-concepcionais, os incentivos ao movimento pró-aborto, o desincentivo das grandes famílias. Foi também a época em que a Segurança Social instituiu o chamado Sistema Pay As You Go (PAYG); o que é que isto quer dizer: que os que trabalham, os activos, descontam para pagar aos reformados. É como se fosse uma caixa negra entre os activos e os reformados; os activos descontam para a caixa negra, a caixa paga os reformados.

Quando a proporção de activos para reformados era de 7 para 1, tudo bem, cada vez mais benefícios para a Reforma; o problema foi que esta tendência se foi invertendo por duas razões: primeiro a taxa de natalidade caiu brutalmente (era, no pós-Guerra, 3,5) e a taxa média para a população se manter, primeiro, é de 2,1 nascimentos por mulher – se for assim mantém-se a população como existe. Chegou a ser 3,5, com o tal Baby Boom, neste momento é entre 1,5 e 1,9, portanto a taxa de natalidade veio por aí abaixo. Paralelamente, a esperança média de vida melhorou. Em 1900 era de 65 anos, em 2000 era 75 mais ou menos e em 2035 vai ser à volta de 83 anos. Bom, a percentagem de cidadãos que em 1900 era de 1 para 40, uma pessoa com mais de 65 anos para 40; em 2030 vai ser 1 para 4, um cidadão com mais de 65 para 4 com menos de 65. A pergunta é, porquê 65? Qual a razão deste número cabalístico? Alguém sabe? É uma razão completamente singular: é porque o senhor Bismarck, por volta de 1880, portanto final do século XIX, quis instituir o sistema público de reformas e perguntou "qual é a esperança média de vida aqui na Alemanha”, eles disseram "65 anos”, então ele disse "quem tiver mais de 65 tem direito a uma reforma paga pelo sistema público” e foi assim.

Isso foi-se mantendo. Se houvesse indexação, isto é, se este raciocínio de Bismarck se tivesse aplicado sistematicamente ao longo do tempo, hoje a idade da reforma seria quase 75 anos, pela mesma lógica. Bom, mas o problema não é só esse, como eu vos disse. Quando a proporção de activos era 7 para 1, tudo bem; quando é de 2 para 1, ou 3 para 1 ou de 1,5 para 1 significa que há um a trabalhar e dois a receber, não dá. E não dá também porque a idade da reforma efectiva não é 65 anos; na Europa a média é de 60 anos; por várias razões as pessoas reformam-se mais cedo. Portanto, a proporção de activos a trabalhar e a descontar para não-activos, reformados a receber, está na casa de 1,8 quase 1. Ora isto não é possível: há dois a trabalhar, com os descontos, para um receber não dá! Portanto o que é que os Estados foram fazendo? Recorrendo à dívida. Uma das razões para a dívida dos Estados, porque em vez de mudarem o sistema, foram empurrando com a barriga e a dívida foi crescendo para manter este sistema de Segurança Social. Paralelamente, o mesmo se passa com a Saúde. Para terem uma ideia: uma pessoa com 85 anos, ou mais, gasta 15 vezes mais em Saúde do que uma pessoa entre os 18 e 45, e gasta três vezes mais que uma pessoa entre os 65 e os 80. As pessoas com mais de 85 anos até 2030 sextuplicarão; haverá mais seis vezes pessoas do que há agora ou no princípio do século. É curioso verificar, os custos com a Segurança Social e com a Saúde são duas linhas paralelas, curiosamente com a mesma ordem de grandeza.

Portanto, como vêem (não vou aqui entrar em muitos pormenores), temos uma sociedade a envelhecer, com estes custos de Segurança Social e de Saúde que têm sido incomportáveis, e que tem sido paga, como disse, em parte pelo endividamento, e que só pode ser reequilibrada com um aumento dos descontos, uma diminuição na generosidade das pensões e um aumento da idade da Reforma.

Eu acho que ainda não chegámos ao fim deste ajustamento e que a idade da Reforma vai ter aumentar ainda nos próximos anos, não para vocês porque isto depois reequilibra um pouco, mas até 2030, 2035, vai ter que se diminuir a generosidade das pensões, aumentar mais a idade da Reforma e aumentar os descontos nos salários. Não são notícias brilhantes, mas é bom que se compreenda porquê. Os vários Estados, designadamente o nosso, têm de fazer isto. A grande parte não fez o trabalho de casa, porque este problema há dez, onze anos, eu falei nele e outros também falaram, simplesmente ninguém ouviu ou ninguém tinha estudado este problema.

Outra questão que se põe é a do Clima, da Energia, do Ambiente, por aí adiante, e há um modismo, também aqui. Modismo que diz que a Economia Verde cria empregos, ponto final, e há um axioma, é que as alterações climáticas por efeito dos gases e efeitos de estufa até 2025 vão aumentar a temperatura média entre meio grau a um grau. Ora, eu devo dizer que com as consequências que isto traz – a subida dos oceanos, a aridez crescente, no Norte de África, na Ásia Central, no Norte da China, acidez das águas, menor biodiversidade, pandemias, desastres naturais – eu devo dizer que ainda não fui convencido cientificamente que isto é uma realidade. Da mesma maneira que o consumo fóssil não vai diminuir, mas vai aumentar: até 2025 vai aumentar até 50% do que existe actualmente e a Europa que é vulnerável porque não tem formas de energia autónomas tem de procurar novos fornecedores, tem de procurar segurança no acesso energético, tem de procurar um mutualismo na segurança, poupança e outras energias. Outras energias que podem ser renováveis, ou nucleares.

As renováveis são limpas, mas custam-nos um a dois mil milhões e euros por ano, actualmente, precisamos de ter consciência disso. Estamos a pagar um a dois mil milhões e euros por ano pelas energias renováveis que temos e, portanto, pergunto-me se temos riqueza para isto. Segundo, rejeitamos o nuclear, porquê? Porque houve um acidente não sei onde, que, ainda por cima, foi contido no Japão; quando não temos outra alternativa. Gostava que me explicassem como é que os senhores vão preparar-se para pagar daqui a alguns anos 4 ou 5 milhões de euros por ano que vos saem dos vossos bolsos porque se continua a pensar que a segurança das centrais nucleares de 3ª geração não é aceitável, quando é completamente aceitável e tem uma probabilidade de risco inferior à saída do Euromilhões. E vai ser usada, não tenham ilusões. Porque com o aumento na Índia, China e outros países emergentes a parte dos fósseis apenas não chega, mas a Europa como aristocrata, rica, decidiu os chamados três vintes – os três vintes eram maços de tabaco que se vendiam quando eu era miúdo -, decidiu que devia reduzir 20% nos chamados gases de efeito de estufa, que havia de reduzir 20% por ganhos de eficiência nos consumos e que teria 20% nas energias renováveis, tudo isto até 2020. Eu acho isto fantástico, só que isto custa dinheiro e alguém, obviamente, tem de pagar. Resta saber se esta é a primeira prioridade ou há outras.

Finalmente e muito rapidamente, porque o tempo se está a esgotar: Relações Externas. Ao fim da Guerra Fria era fácil: havia os Soviéticos, os Comunistas, Bloco horrível de um lado; a NATO e o Ocidente do outro, encabeçados pelo único guarda-chuva que nos era capaz de defender, que era os Estados Unidos. Portanto, estávamos todos debaixo do mesmo guarda-chuva: os Estados Unidos diziam "Para a frente!” e nós repetíamos "Para a frente!”. A liderança sempre Norte-Americana porque os objectivos eram comuns. Com o fim da Guerra Fria, mudou a percepção da ameaça. Os teatros da operação, que sempre foram mais centrados na Europa, ficaram mais difusos e os inimigos também.

Quais é que são os nossos inimigos actualmente? Cada um dirá a sua coisa. Nos Estados Unidos, depois do 11 de Setembro, os inimigos são o fundamentalismo islâmico e os terroristas – esta é a preocupação número um deles; na Europa não é: são os salários ao fim do mês e se têm o seu emprego garantido. Portanto, para diferentes percepções há diferentes estratégias.

Os Estados Unidos, que sempre foram o nosso aliado preferencial têm, em relação à perspectiva é diferente da nossa e a sua estratégia também. Eles dizem de uma forma muito simples que são um hard power, o que é que isto quer dizer? Isto, há uma frase americana que simboliza tudo o que eles pensam: "multilaterally (multilateralmente) if possible, unilaterally (unilateralmente) if needed (se necessário)”. Eles estão dispostos ao multilateralismo, "vamos embora”, se possível, "senão a gente vai lá e resolve”. Nós na Europa somos uma soft power, não temos os meios militares nem temos a psicologia para humano e militar resolver problemas. Se por um lado somos aliados nos valores e objectivos com os Estados Unidos, por outro lado temos estas percepções diferentes. Mas é-nos muito cómodo ter um "mano grande” que nos protege e é muito barato porque eles é que pagam este esforço militar. Além disso, somos concorrentes, da mesma maneira que no passado era um território que dava força a um país, ou a uma região (quem tinha território tinha força) hoje em dia são os mercados e nós e os Estados Unidos somos concorrentes em vários mercados e temos percepções diferentes.

Eles querem que a Turquia esteja na União Europeia; a maioria dos Europeus acha que eles são bons mas só como associados, não cá dentro. Eles acham que nós devíamos ter muito cuidado com a Rússia e que devia estar longe da Europa; eu defendo que a Rússia faz parte integrante da Europa e que com os vizinhos que tem no Cáucaso e na China não tem outro sítio para se virar, portanto a Rússia fará parte dos nossos amigos e estará intimamente ligada aos destinos europeus por mútua vantagem. Quais são então as grandes questões que se põem? República Popular da China, porque não é uma Democracia, mas ninguém quer que a China mude; um colapso da China hoje seria catastrófico para o Mundo. Portanto, é como na Arábia Saudita, não é uma Democracia, mas deixem-nos lá estar se eles não fizerem barulho. São estes paradoxos, na questão dos valores, que baralham muito aquilo que é, digamos, a força moral dos Europeus.

Os Chineses tentam controlar a informação do Google, disto e daquilo, mas até quando? Era como os soviéticos no mundo de antes, em que havia a rádio Moscovo que não falava a verdade, havia a rádio voz da América que transmitia para lá, com a parte da Internet vai dar no mesmo, não vale a pena tapar o sol com a peneira. Para terminar aquilo que propus, darei apenas como pistas de reflexão: precisamos de uma concorrência global mais sã; precisamos de viver com o que se tem e com aquilo que se terá no horizonte visível, mantendo o conceito de solidariedade, mas mantendo também o conceito de solidariedade intergeracional; ter os EUA como parceiro indispensável mas não subjugados à sua orientação; ter a Rússia como potencial parceiro de aproximação e engajá-la na resolução dos problemas fundamentais; e rever o modus faciendi e agilidade das instituições europeias, exigir que elas sejam como nós queremos que seja, instituições jovens e não assentes no passado, mas a olhar para o Futuro. Muito obrigado.

[APLAUSOS]

 
Duarte Marques

Muito obrigado, Professor João de Deus Pinheiro.

Vamos passar à parte das perguntas e respostas. Vamos fazer uma de cada vez, temos tempo. A primeira pergunta é da Carla Ferreira do Grupo Verde.

 
Carla Ferreira

Boa tarde a todos, cumprimento a mesa e especialmente o nosso convidado a quem dirijo a questão do Grupo Verde, que é a seguinte: a fragilidade da União Europeia é visível, não deixámos de ter uma Europa a duas velocidades, acentuaram-se as desigualdades e a dependência externa dos Estados. Hoje somos menos Europa e o eixo Franco-Alemão dita os próximos passos. Assim, face à actual situação e embora o Tratado de Lisboa tenha criado um Presidente para a representar, a União Europeia não se faz ouvir a uma só voz, ou, noutra perspectiva, face à proeminência da Alemanha, fala a voz única. Que credibilidade tem esta Europa perante o resto do Mundo?

Obrigada.

 
João de Deus Pinheiro

Eu vou ser muito sincero: quando foram conhecidos os nomes do Presidente do Conselho Europeu e do chamado Ministro dos Negócios Estrangeiros europeu, eu percebi que seria uma catástrofe e que não arriscariam nada e assim se tem vindo a confirmar. Se, além disso, juntarmos o facto de a senhora Merkel e o senhor Sarkozy entenderem que são donos da Europa e se permitem fazer propostas para o futuro sem sequer consultar a Comissão, ignorando completamente o Presidente da Comissão, vamos por muito mau caminho. Eu entendo que é fundamental que isto seja dito de uma forma clara e inequívoca: não são os donos da Europa, são indispensáveis, mas não são os donos. A Europa só foi forte no passado quando deu relevância a todos os Estados, mesmo aqueles que eram aparentemente mais fracos e, portanto, a minha luta neste momento é para que as instituições voltem um bocadinho ao tempo em que o Delors era Presidente da Comissão e em que havia, digamos, uma atitude prospectiva (para a frente), uma atitude proactiva e não esta atitude reactiva que tem havido da Comissão e este ignorar por parte dos principais parceiros. Enquanto isto continuar eu julgo que não vamos a lado nenhum; pode facilitar as eleições da senhora Merkel ou do senhor Sarkozy, até admito que sim, mas seguramente não são bons para a Europa e é preciso que as pessoas digam isso, digam que o "Rei vai nu”, de uma forma clara e inequívoca, não sei se alguns vão ter coragem de o fazer, espero que o Dr. Passos Coelho nesta visita que vai fazer agora o diga de uma forma clara e inequívoca.

 
Duarte Marques

Professor, muito obrigado. De seguida, a Célia Sousa do Grupo Cinzento.

 
Célia Sousa

Boa tarde a todos, gostaria de cumprimentar a mesa, em especial o Professor Doutor João de Deus Pinheiro, agradecer-lhe a excelente intervenção desta tarde.

Como já foi referido por várias pessoas, inclusive aqui na Universidade de Verão, a União Europeia no seu conceito original morreu. Efectivamente, temos visto alguma tensão e até crispação entre os líderes da União Europeia. O que gostaríamos de lhe perguntar, Professor, era se acha que este estado de tensão pode conduzir à mudança do conceito original de União Europeia, levando mesmo à dissolução da União Europeia, ou à criação de um conceito federalista de Estados Unidos da Europa.

Obrigada.

 
João de Deus Pinheiro

Muito obrigado.

É um facto que a União Europeia, tal como a conhecemos, no tempo do senhor Delors, como eu disse, era diferente e morreu. Mas há sinais de alguma esperança. O Parlamento Europeu nunca teve tanta força, ele está vivo e, muito embora seja uma instituição heterogénea, tem um poder real e vai dizendo as coisas que muitos outros se coíbem de dizer. Mas eu acredito genuinamente que a grande força vem, não das instituições, mas dos cidadãos. Eu vou dizer uma coisa, este grupo aqui reunido, se fizesse uma petição ou uma afirmação inequívoca num certo sentido – pedir mais rigor, mais proactividade, mais empreendedorismo, mais olhar para o futuro e não para o passado –, ia ter uma repercussão fantástica. Porque hoje a nossa esperança, não para mim, mas para os meus filhos e para os meus netos, é que vocês olhem para isto de forma nova e não continuem a empurrar com a barriga.

A "Geração do Bem-Estar” é um perigo para a Europa; não vão dissolver porque não tem sequer coragem para isso; poderão ter a tentação de fazer núcleos concêntricos, que é ter um interior mais rico e depois um núcleo, digamos, de países que são europeus, mas que não têm todos os direitos, ou têm mais deveres, ou têm mais controlo – isto seria inaceitável e mataria de certeza a Europa.

Aquilo que me parece que irá acontecer é que iremos ter que resolver muitos dos problemas mesmo sem a Europa; malgré é a Europa que temos, porque depois disto tudo que eu vos disse, vou-vos dizer uma coisa: o problema português, como o grego, os espanhol, o italiano, ou irlandês, ou se resolve connosco ou não se resolve. Se estivermos à espera que nos venham salvar estamos enganados; podem facilitar-nos um bocadinho as coisas, mas depende de nós, termos consciência de que não podemos gastar mais do que temos; temos de apoiar os empreendedores, que quando nós apoiamos os empreendedores se apoiarmos dez e tivermos três que têm sucesso isso é fantástico; e nós estamos aqui nesta coisa de "apoiamos dez, queremos que os dez tenham sucesso”, isso é um mito, é um disparate. O que precisamos é de apoiar dez para que três tenham sucesso. É este tipo de atitude nova, proactiva, transparente, que nós precisamos de ter em Portugal e eu devo dizer que tenho muita esperança, mas muita esperança, que este Governo possa ser um paradigma de um passo na direcção certa, muita, muita esperança. E digo-vos mais, se este Governo nos falha eu acho que para nós há uma desilusão colectiva tremenda. São vários passos em frente e tirar mais do que um coelho da cartola, este e outros.

[APLAUSOS]

 
Duarte Marques

Obrigado, Professor. Alexandre Ponte do Grupo Castanho.

 
Alexandre Ponte

Boa tarde a todos. Boa tarde, Professor Doutor João de Deus Pinheiro. Numa altura em que muitos anunciam o fim da Europa, como a conhecemos, como já os meus colegas referiram, e a somar a isso o contínuo crescimento das novas economias emergentes que vão ganhando protagonismo, acha que estamos a assistir ao início de uma nova Era em que a Europa perderá a importância e influência no contexto global, que sempre teve, dando lugar a estas novas potências?

 
João de Deus Pinheiro

Acho que sim, Alexandre, mas isso pode não ser necessariamente mau. O que é difícil de gerir é uma situação em que já tendo se anda para trás – isso é que é muito difícil de gerir! Sobretudo se não tivermos uma perspectiva de remodelar, de voltar a ter aquilo que tínhamos e portanto aquilo que me aflige é reparar que há muita gente que continua a querer ignorar as causas deste declínio, deste plano inclinado. E sem se ter a noção destas causas não se pode corrigi-las.

O caso português, o irlandês e o grego, bateu-se na parede, já não há quem empreste, portanto não se pode continuar a mascarar o problema. Mas esse é um dos aspectos, há outros e a minha convicção, repito aquilo que disse, é que se houver uma geração nova consciente isto muda. E não é preciso muita gente. Com Cristo estavam doze, os apóstolos, eram doze. O Sinédrio de Fernandes Tomás em Portugal não chegava aos 22. Vocês são 100, já repararam no efeito multiplicador que podem ter? É que nós próprios às vezes não sabemos o que podemos; é preciso estar informado; a falta de informação é a causa das maiores desgraças e a falta de acreditar nas nossas possibilidades é o que nos tolhe muitas vezes os movimentos. Eu acredito sinceramente, mas não estou a ser demagogo, acredito sinceramente que a vossa geração e a dos meus filhos vão dar a volta a isto. E que daqui a 30 anos, quando vocês tiverem de fazer palestras como eu aqui estive a fazer, vamos rir dos tempos em que aqueles totós acreditavam em pedir mais dinheiro emprestado e a estar de papo para o ar, a não acreditar nos novos empreendedores, ou a pensar que a Agricultura era só para os indivíduos que não eram muito inteligentes. A minha geração vai ser a dos totós, daqui a 30 anos vão olhar para a nossa geração e vão dizer: "aqueles tipos eram uns tontos, viram o que eles pensavam?”. Agora, esta transição, esta mudança de atitude é que vai ser mais dolorosa e mais exigente.

[APLAUSOS]

 
Duarte Marques

Obrigado, Professor. André Marques do Grupo Azul.

 
André Marques

Boa tarde, Professor João de Deus Pinheiro. Eu, em nome do Grupo Azul, queria fazer aqui algumas perguntas: até que ponto a criação de dívida pública europeia representará um avanço na Federalização na União Europeia? Esta é a primeira. A segunda é: os Eurobonds são um passo sine qua non para um novo modelo de governação económica? Não serão simultaneamente uma forma de transmitir o fundo da dívida para os países credores? Por último: será que um aprofundamento do modelo de governação económica europeia sem a dívida de correcção do défice democrático é sustentável no quadro de uma crise económica sem precedentes?

Muito obrigado.

 
João de Deus Pinheiro

Faz-me uma pergunta numa matéria em que eu não sou perito, mas ainda bem, porque acho que quando deixamos a coisa para os peritos a coisa normalmente corre mal. A economia é uma coisa de bom senso e quase sempre as contas do merceeiro batem certo, quer nas empresas, quer nos países, quer nas nossas casas, obviamente.

Eu vou tentar responder à pergunta. A dívida pública europeia é uma coisa que é inevitável quando houve um governo económico europeu, isto, cada parte do todo ter uma estratégia aprovada pelo grupo, uma estratégia de desenvolvimento e orçamento, etc.; ainda estamos muito longe disso. Quando temos uma situação como a Grega, em que aldrabaram completamente o EuroStat ou como a de Portugal em que, agora, de um dia para o outro se descobriram mais de 200 milhões da dívida da Madeira, digamos, é que se os próprios números não são fiáveis ainda, é evidente que as pessoas que emprestam dinheiro ou os cidadãos dos países que emprestam dinheiro, que têm de dar garantias se retraem, digamos, "mas que garantias é que nós temos? Estes indivíduos estão ali de papo para o ar, não trabalham, têm um mês de férias, têm não sei quantos indivíduos que não fazem nenhum, enquanto nós estamos aqui assim a trabalhar” – esta é a percepção que os países como a Alemanha e outros países nórdicos têm dos países do Sul. Portanto, eu direi que o governo económico europeu na minha opinião faria todo o sentido, desde que há moeda única devia haver governo económico europeu, em que, repito, cada parte tem um projecto de desenvolvimento que é aprovado pelo todo e que com este governo económico europeu virão os Eurobondse as outras situações de solidariedade que deverá haver no seu conjunto.

Mas, eu não estou à espera disso para resolver o problema actual das dívidas soberanas. Penso que nem a Alemanha, nem os países nórdicos, designadamente a Holanda, etc., estão disponíveis para isso. Portanto, muito embora seja uma boa ideia de que já se fala há 4 ou 5 anos e um dos primeiros que falou nisso foi o deputado português Silva Peneda e o Juncker, Presidente do Eurogrupo, a curto prazo não vejo que isso seja possível a nível europeu.

 
Duarte Marques

Muito obrigada, Professor, tem agora a palavra o Ricardo Galiza do Grupo Rosa.

 
Ricardo Galiza

Boa tarde a todos. Especial cumprimento ao Professor Doutor João de Deus Pinheiro. A minha questão é um bocado sobre política externa e segurança. A União Europeia tem como grandes princípios a liberdade de expressão, a liberdade individual e o Bem-Estar de toda a sua população, ou seja, a segurança humana. Em Outubro passado apareceu a WikiLeaks a difundir uma quantidade enorme de documentos e de telegramas pondo em causa as relações entre diversos Estados e pondo em causa, especificamente, a segurança nacional de cada um dos Estados e a segurança humana. Como se trata exactamente de relações diplomáticas, como é que acha que a União Europeia deve agir perante isso mesmo, sabendo de antemão que estamos numa época de Globalização profunda, há uma quantidade enorme de actores transnacionais quando, por exemplo, termos o terrorismo por trás. Apesar da União Europeia já ter algumas ideias para combatê-lo, através do InforMadrid e depois em Barcelona em 2009 e 2010, continua a ser uma questão muito premente. Obrigado.

 
João de Deus Pinheiro

Sobre a parte do WikiLeaks, a pessoa que está aqui à minha esquerda é provavelmente quem mais sabe sobre esse assunto e que eu recomendo que possam ouvir.

Eu diria o seguinte, o WikiLeaks foi sobretudo uma coscuvilhice a nível diplomático e internacional, porque há muitos telegramas, secretos que os embaixadores ou representantes mandam para os Governos onde realmente usam uns termos caricatos: "olha, tive ontem uma conversa com o Ministro das Comunicações e o tipo é um completo asno”. Se mandam isto para um Governo e é apanhado, bem, a coisa não é bonita, não fica bem, mas foi sobretudo coscuvilhice. Coisas de fundo, ou de estratégia não houve quase nada no WikiLeaks, portanto, não acho que as seguranças nacionais tivessem sido postas em causa. Eu sou um dos grandes defensores da transparência, acho que salvo algumas questões que devem ser reservadas, a maior parte das coisas devem ser tornadas públicas. Não vejo razão nenhuma para que – a não ser uma – se guarde segredo: é que o controlo, o dispor de informação dá poder, em muitos sítios não se quer que as pessoas tenham acesso porque dá poder. Portanto, quanto mais os cidadãos tenham acesso à informação e ela for transparente, mais democrático é o exercício desse poder. O WikiLeaks não me aflige nada, que venham os WikiLeaks todos, porque à parte da coscuvilhice, que só teve impacto numa primeira fase, não vejo como isso poderá afectar significativamente a vida internacional.

 
Duarte Marques

Ricardo Santos, Grupo Laranja.

 
Ricardo Santos

Olá, boa tarde a todos, o meu nome é Ricardo, venho de Paredes, sou do Grupo Laranja.

Na Europa existem dois grandes modos de vermos a União Europeia, dois modos socio-económicos: o modelo social clássico em que a liberdade individual, a propriedade privada e o direito à soberania nacional é defendido. Isso foi o fundamento da Europa que hoje vemos, por Schumann ou por Adenauer. Um exemplo para explicar este modo de gestão da Europa será por exemplo um cabeleireiro alemão poder cortar o cabelo em Espanha, ou por exemplo, eu investir em acções em Espanha e não pagar a tributação por ser português. Outro exemplo mais importante será fugir à carga fiscal; um cidadão de Portugal (em que a carga fiscal é astronómica e injusta) fugir para a Irlanda (que tem uma carga fiscal mais pequena e mais justa). Em contraponto, temos um modelo socio-económico socialista em que a visão federalista e a visão de um estado macro-económico, é defendida por muitos especialistas. Obviamente que isso teria consequências: deixaríamos de ter uma Selecção Nacional, deixaríamos de ter um sentimento de patriotismo por assim dizer. Nós temos casos em que isso resultou: Hitler, Napoleão e muitos outros casos tentaram fazer isso à Europa, tentaram fazer um Estado mega europeu. O que lhe pergunto, com a sua larga experiência, é: entre estes dois modelos, entre estas duas soluções, qual aquele que devemos seguir, qual aquele que será a nossa solução para o futuro.

 
João de Deus Pinheiro

Eu não seria tão dualista, entre os dois modelos e começaria por dizer que o conceito de federalismo é muito dúbio, porque na Alemanha tem exactamente o significado contrário. Para a Alemanha eles defendem o federalismo europeu porque querem que Bruxelas tenha muito poder. Nós, em Portugal, quando falamos em federalismo europeu temos o sentimento que vai mais poder para Bruxelas. Ora, aquilo que hoje em dia é claro, penso eu, depois do Tratado de Lisboa, é que o mosaico europeu não deve fundir-se numa argamassa única – isso acho que já ninguém disputa essa questão –, o que não impede de haver um esforço conjugado. Vou-lhe dar um exemplo, falou na parte fiscal que é uma das razões cruciais na Europa hoje em dia, mas as pessoas fazem confusão entre harmonização fiscal que significa ajustes de tal maneira que não possa compensar pôr teoricamente a cabeça da minha sociedade da Holanda para pagar menos impostos em Portugal, e homogeneização fiscal que significaria que todos teriam o mesmo tipo de fiscalidade. E esta harmonização fiscal é absolutamente necessária, mas já se fala nisto há 12 anos. O que impediu muitos de fazer isto foi o Luxemburgo e a Irlanda porque ambos tinham as corporate taxes que eram muito baixas e não queriam abdicar delas.

Hoje em dia as pessoas já estão mais conscientes disso e eu julgo que já há uma tendência clara no sentido de uma maior harmonização fiscal que eu repito, diferente de homogeneização fiscal. Quanto ao federalismo eu sou federalista no sentido alemão: cada macaco no seu galho e cada um com os seus poderes e não quero que aquilo que eu posso fazer bem seja transferido para Bruxelas ou vice-versa. Portanto, da mesma maneira que o Reino Unido tem a Selecção de Gales, da Escócia, da Irlanda do Norte e a Inglesa e que se digladiam às vezes e não há Selecção de Reino Unido, eu julgo que na Europa o conceito de Pátria está muito mais ligado à Cultura, a Valores, à História, a objectivos comuns de Língua e de esforço, etc. E, portanto, sou um federalista no sentido de não querer demasiado esforço ou demasiada presença onde não é necessária, mas que "a união faz a força” é indiscutível e que temos uma força que isoladamente não teríamos, que cada país a lutar sozinho num mundo globalizado estava desgraçado, agora que temos um caminho pela frente enorme para percorrer sobretudos nos novos paradigmas e circunstâncias, isso é verdade. Pensar que o edifício está feito é um erro completo.

 
Duarte Marques

Obrigado Professor, de seguida a Marta Lopes do Grupo Amarelo.

 
Marta Lopes

Muito boa tarde, distinta mesa. Uma palavra muito especial ao nosso orador, Professor Doutor João de Deus Pinheiro. Desde já o mais sincero obrigado pela sua exposição de todo o Grupo Amarelo. Caros colegas, a pergunta que perturba o Grupo Amarelo e que hoje tem aqui a oportunidade de a expor ao nosso convidado, é a seguinte: fomos nós, Europa, que contribuímos, ou por outra, que também contribuímos para a criação do "monstro chinês”, como foi aqui falado, permitindo a entrada de mercadorias, nas suas palavras, «de fraca qualidade e de mão-de-obra pouco qualificada e mesmo escravizada». Na sua opinião, que tratamento e que "penso” pode agora a Europa administrar nesta ferida, sabendo ainda que a Europa é acérrima defensora dos Direitos Humanos e que, neste caso em particular, ainda que indirectamente, quer queiramos quer não, compactua? O que é que então deve prevalecer: a Economia, as relações internacionais saudáveis ou os valores morais?

Muito obrigada.

 
João de Deus Pinheiro

Essa é uma questão extremamente pertinente e devo dizer que quando era Ministro dos Negócios eu avisei sobre osdumpings. A primeira área onde começou a fazer-se sentir essa penetração asiática de uma concorrência profundamente desleal foi nos têxteis e no calçado. Portugal era um grande produtor de têxtil e eu alertei para o facto de os comissários, que eram ingleses (Sir Leon Brittan, foram sempre ingleses até ao Peter Mandelson), que estavam a negociar esta liberalização do comércio, estarem a fazer cedências na área da manufactura, sobretudo nos bens tecnologicamente não muito sofisticados em favor da entrada de serviços (da banca, serviços financeiros e outros) ao nível das telecomunicações nos mercados asiáticos. Foi isto que aconteceu e na altura eu disse, parecia que tinha uma premonição, que quando isto viesse a tocar alguns dos interesses fundamentais dos grandes países europeus, eles iam perceber aquilo que eu estava a dizer. Isto aconteceu com os carros; quando os chineses começaram a dizer (foi há 4 anos, se recordam) que viriam os primeiros carros chineses para a Europa.

Já viram algum? Zero. Porquê? Porque na Europa foram percebendo que os carros teriam um efeito semelhante ao das lojas dos chineses. Então o que fizeram? Coisa inteligente: puseram os estatutos dos standards de tal maneira exigentes, que os chineses andam sempre atrás do que foi exigido aos carros europeus e continuam a ser exigidos (as emissões de CO2 e por aí adiante). E travaram de facto! Em 4 anos, desde que foi anunciado por Hipólito Pires que iam haver carros chineses em Portugal, não houve nenhum, nem em Portugal nem na Europa.

Esta questão acordou, mas quanto a mim acordou tarde; mas tem de se fazer, as questões do dumping são reais e preocupantes e tem a ver não só com a concorrência desleal, mas com os princípios que nós defendemos, de dignidade humana. Parece que as pessoas têm pejo em levantar estas questões ou levantar as questões dos Direitos Humanos na China; não podemos ter pejo em fazer isso e quanto mais nos agacharmos, menor capacidade de diálogo e de, vá lá, luta teremos versus esses adversários, pois eles com a maior desfaçatez intervêm, fazem e absorvem.

Pergunta-se, quantos chineses morreram dos que cá estão nas lojas dos chineses no último ano? Ninguém sabe. Onde foram enterrados? Ninguém sabe. Isto para dizer que la charité bien ordonnée commence toujours par soi-même. Nós temos de olhar para nós e a primeira entidade com quem nos temos de preocupar é connosco mesmos, depois com o próximo, com o próximo mais próximo e depois com o próximo mais distante. Não podemos ser tansos, não podemos continuar a fingir, a olhar para o lado e a fingir que não é nada connosco. É! Apesar de eles serem muitos e poderosos, não podemos continuar a fazer discursos de circunstância, com eles ou com outros e isso é uma questão extremamente pertinente. Eles estão, neste momento, impantes porque além de terem tido esse comportamento e lhes ter compensado têm hoje a maior parte da dívida americana está na China e mesmo alguma dívida europeia e continuam a ir visitar Espanha, Portugal e outros sítios, a prometer eventualmente comprar uma partezinha da dívida ou algumas empresas mostrando o seu poderio. Esse poderio deriva da nossa insensatez, da nossa incapacidade de negociar ou do facto de termos negociado de forma errada no passado nos últimos 20 anos, mas mais vale tarde do que nunca e, portanto, continuar a fazer de conta que está tudo bem é que não.

 
Duarte Marques

Obrigado, Professor. Diogo Antunes, Grupo Bege.

 
Diogo Antunes

Boa tarde a todos, boa tarde ao Professor João de Deus Pinheiro. A nossa pergunta é a seguinte: no quadro institucional do Tratado de Lisboa, será a União Europeia capaz de efectuar os aprofundamentos necessários para que o projecto comunitário não regrida num tempo próximo? Mesmo que supere actual crise através de acções intergovernamentais, poderíamos com estes procedimentos sobreviver a crises futuras?

 
João de Deus Pinheiro

Olhe, eu direi que esta foi uma questão repetida muitas vezes quando houve o alargamento, porque dissemos que estamos a alargar a este ritmo vertiginoso – é normal para tentar dar alguma consistência a este espaço europeu –, mas as regras que nós temos não são ajustadas, não são ágeis para tomar decisões com este número tão grande de Estados.

Temos de aprofundar e ver de que maneira isto pode melhorar. Infelizmente, isto coincidiu, como disse há pouco, com o acesso ao poder da "Geração Bem-Estar”. Mascarou-se um bocadinho esta realidade. O longo prazo, hoje em dia, infelizmente, para esta geração são 4 anos e o médio prazo é 3 anos e quase todos vivem para os 6 meses que vêm ou para o prazo das eleições. Esta é a realidade e querer dizer uma coisa diferente estava a mistificá-la, portanto não acredite nas promessas da Geração do Bem-Estar; acredite em quem estiver disposto a fazer sacrifícios, acredite naqueles que estão na casa dos 40 e que acreditam que a II Grande Guerra e o 25 de Abril são de tal maneira de antanho que já só existem a preto e branco. É verdade e, portanto, quando vem o 25 de Abril, "que chatice pá, o 25 de Abril, isto vem nos canhenhos da História, a preto e branco, e vêm com isto”. Portanto é a vossa geração dos quarenta e pouco, esses é que têm a capacidade de mudar; a minha geração eu não acredito nela, eu não acredito.

 
Duarte Marques
Rui Bernardino do Grupo Roxo.
 
Rui Bernardino

Boa tarde, Dr. João de Deus Pinheiro, eu gostaria de lhe perguntar o que é que acha que falhou para chegarmos a esta crise europeia; será que foi um falhanço entre a relação entre os seus Estados-Membros, ou será que foi a falta de afirmação da Europa no seu todo no contexto mundial? Já aqui foi falado no ataque desmedido das forças emergentes; será que foi a dessincronização dos Estados-Membros, ou o tal ataque das potências que vemos a crescer hoje em dia a um ritmo abissal?

 
João de Deus Pinheiro

O que é que falhou? A Europa viveu num estado de euforia durante muito tempo, porque até aos anos 90 houve, como disse, um movimento ascensional, sempre tudo melhor e nos anos 90 aconteceu uma coisa extraordinária que foi a queda do Muro de Berlim, o desaparecimento do Bloco Soviético. Portanto, aquilo que foi o fantasma que existia desde 1945 desapareceu de repente e a Europa viveu inebriada deste factor desta ameaça que existia no Leste. Portanto, os novos Estados que foram aderindo, a Alemanha reunificou-se que era a grande questão europeia, no coração, no centro da Europa, a Alemanha dividida e conseguiu-se que com essa reunificação a Europa continuasse unida, não houvesse uma "germanificação” da Europa, pelo menos nessa altura, portanto, houve uma certa embriaguez.

Começa a sentir-se uma diferença, a meu ver, a seguir ao Presidente Delors, com quem eu tive o gosto ainda de trabalhar durante alguns anos na Comissão, o senhor Jacques Santer, uma encantadora pessoa que foi Primeiro-Ministro no Luxemburgo, mas no Luxemburgo – é preciso que se diga – toda a gente se conhece, toda a gente é primo ou andou na escola, portanto pensar que a nível europeu se pode gerir como o Luxemburgo, digamos, é a mesma coisa que a pessoa ser jogador de mérito do Grupo Dramático e Desportivo de Cascais e pensar que pode ser um craque no Sporting Clube de Portugal, quero dizer, não é (nas fases concorrentes não digo nada) do Real Madrid pronto.

Houve essas circunstâncias e uma mudança geracional que aconteceu assim mais ou menos por volta do ano 2000 quando aparecem os novos dirigentes europeus que vinham de um conjunto de estadistas notáveis e que teve um conjunto de dirigentes verdadeiramente, na minha opinião, medíocres. Portanto, o que se passou foi um falhanço na nossa capacidade de liderança e nós, em Portugal, também, tivemos lideranças muito más. Dirá que a culpa não é vossa e vocês é que vão pagar a consequência; é verdade. Quanto mais estiverem alertas para essa circunstância mais depressa se pode dar a volta e não ir mais em cantigas, ou em tunes, sabe o quer dizer em inglês, são aquelas coisas de embalar, que alguns tentam cantar. Eu acho que as situações são muito sérias, mas ainda tem hipóteses de ter solução.

 
Duarte Marques

Última pergunta desta série: Joana Graça Moura do Grupo Encarnado.

 
Joana Graça Moura

Boa tarde a todos. Boa tarde, Professor João de Deus Pinheiro.

A Europa é conhecida como gigante económico e não-militar. No contexto mundial, julga que se deve tentar desenvolver um sistema de defesa comum, ou que não seria necessário?

 
João de Deus Pinheiro

Olá, Joana, não posso deixar de dizer isto, mas a Joana é filha de um dos vultos da intelectualidade portugueses e dos mais lúcidos. É talvez a pessoa em Portugal que tem mais prémios do mundo inteiro: desde a Former Yugoslav Republic of Macedonia passando por itália, França, Inglaterra, Espanha, etc. É muito galardoado e a maior parte dos portugueses não sabem disso. Mas eu brinco muito com o pai dela dizendo que ele tem uma casa grande em Almeirim não é para pôr os livros, é para pôr as distinções que tem de tantos países que o têm distinguido. Ele vai estar cá convosco e vocês poderão apreciar.

Bom, não-militar e continuaremos a ser se tivermos alguém que esteja disposto a pagar o preço e os Estados Unidos estão. Portanto, enquanto nós estivermos muito quietinhos e gastarmos 1% ou 2% na parte militar contra os 5% ou 6% dos Estados Unidos, porque a nossa opinião pública não está preparada para isso. Se for dizer às pessoas "querem gastar 4 mil milhões na área da Defesa, em Portugal?”, as pessoas dizem " Mas está tudo louco! Não, não queremos.” Portanto, a chamada ameaça exterior, na Europa, está para aí na oitava preocupação. A preocupação dos Europeus em primeiro e segundo é a preocupação individual e depois vem o Ambiente, vem as Pandemias e a parte militar aparece em oitavo lugar. Portanto, a nossa percepção de risco não é militar, é de outro género, por isso nestas circunstâncias acho muito difícil a Europa não ser uma não-militar. Têm alguns países como a frança e a Inglaterra que tem alguma capacidade, inclusive nuclear; têm outros países membros da NATO, como a Turquia que tem Forças Armadas mais de 150 mil homens mobilizáveis e que está dentro de umas fronteiras e vive numa situação relativamente confortável, por isso, eu não vejo nos próximos anos a Europa a evoluir.
 
Duarte Marques

Muito bem. Vamos ter uma hora de perguntas. O Carlos Coelho vai agora colocar algumas questões que vieram pela Internet. Eu vou tirando os nomes todos, não é fácil, por isso eu vou olhando para vós e vou apontando. Com as mesmas regras de há bocadinho, sejam rápidos para permitir que todos façam perguntas.

Obrigado.

 
Dep.Carlos Coelho

Senhor Professor, enquanto decorre o processo de inscrição nós estamos a fazer o broadcasting destes debates em canal fechado para usar para os alunos em canal fechado com uma password, de resto só emitimos em canal aberto as sessões de abertura e de encerramento. Não é exactamente uma devassa e damos a oportunidade aos ex-alunos de fazer perguntas. Eu tenho duas perguntas para si; uma já foi ligeiramente aflorada, mas em qualquer circunstância, coloco. Do Francisco Miguel de Sousa que foi participante da Universidade de Verão de 2009 e que levanta a questão sobre o Kosovo, recordando que alguns dos Estados-Membros não reconhecem o Kosovo, é o caso da Espanha, Grécia, Chipre, Roménia e a pergunta é simples: por que razão deve Portugal como a União Europeia e os Estados Unidos, apoiar a independência de uma região com as características do Kosovo, um micro Estado com fortes influências da Máfia?

A segunda pergunta é do João Carlos Passinhas, da Universidade de Verão 2010, portanto do ano passado, que diz: acha que a tendência crescente da transferência vertical de políticas no sentido topdown, a Europa caminha para a absorção total da soberania dos Estados-Membros? Será o Federalismo uma solução para a questão das dívidas soberanas? Principalmente já foi referido, mas em qualquer circunstância poderá querer juntar qualquer coisa.

São estas as duas primeiras perguntas para o debate livre.

 
João de Deus Pinheiro

Eu acho que sobre o Federalismo, a pergunta do João Carlos Passinhas, está a resposta contida numa das perguntas anteriores. Quanto ao Kosovo, é um caso absolutamente singular. Se houvesse na ordem jurídica internacional a hipótese de haver ainda os chamados protectorados, era típico que fosse um protectorado da União Europeia e não um Estado independente. Esta é a minha opinião. Se eu fosse Ministro dos Negócios Estrangeiros jamais recomendaria o reconhecimento do Kosovo como um Estado de pleno Direito da União Europeia. Portanto, deve ter sido feito um reconhecimento num estilo de "Maria-vai-com-as-outras”, que às vezes acontece a nível internacional.

 
Duarte Marques

Muito bem. Primeira pergunta, Vasco Teixeira do Grupo Roxo e de seguida a Matilde Cardoso do Grupo Cinzento.

 
Vasco Teixeira

Antes de mais, um cumprimento à mesa. A minha questão não é bem uma pergunta, é mais um esclarecimento. Nós ontem tivemos aqui uma exposição sobre o Ambiente em que o consumo de combustíveis fósseis teria tendência para aumentar em cerca de 50% nos próximos anos. Era só isso.

 
João de Deus Pinheiro

A equação é bastante simples, a China vai aumentar o seu consumo 2% no chamado foreseeable future, se fizer as contas com outros países, designadamente a Índia, que em 2030 tem um aumento de consumo que é da ordem dos 50% em relação ao actual. Isto mesmo tendo em conta a diminuição prometida pela União Europeia.

 
Matilde Cardoso

Boa tarde, desde já felicitá-lo pela sua intervenção. Acho que todos ficámos bastante esclarecidos e muito gratos. A pergunta que lhe quero dirigir é a seguinte: pensar na Europa enquanto actor internacional envolve múltiplas dimensões e variáveis que vão desde a económica à política, passando pela cooperação para o desenvolvimento, ou o combate à pobreza, ou o comércio internacional. Afinal que valores devem orientar a política externa europeia?

 
João de Deus Pinheiro

Essa é uma daquelas perguntas de rasteira; porquê? Porque é como os guarda-redes que atiram uma bola assim, aquelas para a fotográfica e apanha a bola no ar e tal, e depois há as outras bolas como o Ronaldo, que caem de repente e passam por cima do guarda-redes. Esta pergunta tem muito que se lhe diga, porquê? É evidente que toda a política externa tem de ser baseada num conjunto de valores: Direitos, Democracia, Liberdade, etc. Mas em parte ela é determinada pelos interesses e portanto eu direi que a política externa da União Europeia acaba por ser um mix de valores e interesses. Se me perguntar o que é que predomina? Depende do adversário; se for forte como a China ou a Arábia Saudita, são os interesses, se o adversário é pequenino ou pouco forte, são os valores, mas a maior parte é um mix entre os valores e os interesses.

 
Duarte Marques

Ângela Caeiro do Grupo Laranja e de seguida o Pedro Souto do Grupo Amarelo.

 
Ângela Caeiro

Boa tarde, Dr. João de Deus Pinheiro, gostava de saber qual é a sua opinião relativamente ao restabelecimento das fronteiras internas nos países da União Europeia, pois penso que problemas como o tráfico de droga ou a emigração ilegal poderiam ser minimizados.

Obrigada.

 
João de Deus Pinheiro

Também em relação a essa pergunta, dá-se a circunstância de eu ter à minha esquerda um senhor que é um perito há vários anos no chamado Espaço Schengen, isto é, o chamado espaço sem fronteiras.

Como tudo na vida há vantagens e inconvenientes. Da mesma maneira que uma alta segurança impediria provavelmente a eliminação de ataques terroristas e outros, roubos, etc., e viveríamos todos a denunciar-nos uns aos outros e num aperto constantemente a fiscalizar-nos, no Espaço Schengen é a mesma coisa, designadamente o controlo de tráfico de droga e outros desse tipo, em benefício desse valor que nos parece muito importante que é a livre circulação das pessoas, os bens e mercadorias.

Qual é o quantum satis, isto é, o justo equilíbrio de modo a tentar que minimizar o primeiro sem ferir o segundo é uma discussão permanentemente em aberto e de vez em quando os Estados introduzem os controlos, por razões específicas, mas vão sempre avisando que é uma medida temporária, que se destina a suster uma determinada circunstância ou a atacar uma determinada circunstância. Eu julgo que a aquisição da liberdade na Europa foi de tal maneira adquirida que dificilmente seria aceite pelos próprios nacionais do país a reintrodução dos controlos anteriores. É a minha opinião pelo menos.

 
Dep.Carlos Coelho

Eu geralmente não participo nas respostas, porque o convidado é que é o protagonista, recusei intervir naquela questão do WikiLeaks, mas depois de uma refeição terei muito prazer de conversar com quem quiser sobre isto.

Mas sobre a discussão do Espaço Schengen deixem-me só juntar três coisas: primeiro, é uma percepção errada a ideia de que as fronteiras protegem, porque se isso fosse correcto, nós teríamos de pôr fronteiras em todas as cidades do País. Se as fronteiras fossem um instrumento de luta contra o Crime, nós teríamos de dizer então há liberdade de circulação dentro de um país e todas as nossas vilas e todas as nossas cidades deveriam ter uma fronteira. Então aí seria mais fácil controlar os elementos criminosos.

Em segundo lugar, todos os países do mundo que têm fronteiras não estão imunes àquilo que é uma tendência internacional que é o aumento do crime. O crime internacional está a aumentar. Os dados da ONU, os dados da Interpol e da Europol são todos claros: está a aumentar o tráfico de droga, o tráfico de materiais químicos e perigosos, o tráfico de armas, o tráfico de produtos nucleares, o tráfico de seres humanos em todas as dimensões. Portanto, não são as fronteiras que protegem isso. A liberdade de circulação na Europa é uma liberdade que beneficia os cidadãos europeus e que tem uma contrapartida de segurança que se chama SIS, não é o português, é o europeu e significa Sistema de Informação de Schengen. O que é que isso significa? Significa a integração dos dados. Quando um estrangeiro de um país terceiro está a entrar por exemplo no Aeroporto de Lisboa, não tem apenas as sinalizações de Portugal. Se essa pessoa for procurada pela justiça alemã, o guarda, o agente do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, sabe que está perante alguém perante a qual tem de reagir. A reacção pode ser impedir de entrar no Espaço Schengen; pode ser sujeitar a uma vigilância discreta; pode ser deter e apresentar ao Tribunal; ou pode ser apenas informar quem sinalizou, qual é o perigo. Isto significa que os Estados-Membros do Espaço Schengen partilham estas informações, que os dados da Segurança de Portugal estão nas fronteiras de todos os outros Estados-Membros. Portanto, isso dá uma garantia acrescida. Se nós tivéssemos fronteiras e não tivéssemos esta partilha estaríamos em pior circunstância. Admito que a percepção psicológica da Segurança fosse outra, mas em termos de eficácia não seria seguramente melhor.

 
Pedro Souto

Muito obrigado. Boa tarde, eu sou do Grupo Amarelo, chamo-me Pedro Souto e gostava de fazer uma pergunta relativamente ao que foi falado aqui hoje: os líderes actuais pertencem a uma "Geração de Bem-Estar”, ou uma geração que evitou entrar em conflitos, tal como foi explicado. Até começarem os verdadeiros problemas isso não teve repercussões, mas com a crise em 2008 por exemplo nós vemos que os líderes europeus não tomaram a acção, as rédeas de pelo menos os instrumentos que a Europa já tinha até então para criar uma solução mais ou menos fiável para os 27 Membros. O que eu pergunto e o Grupo pensa igual: essa razão de não terem sido, é por não estarem a habilitados por pertencerem a uma geração que não tinha esses problemas, ou, por outro lado, chegou-se à conclusão que a própria União Europeia não tinha os instrumentos suficientes para gerir e controlar os problemas dos grandes grupos económicos que se formaram e um modo também de controlar a globalização.

Muito obrigado.

 
João de Deus Pinheiro

Eu direi, Pedro, que foi um mix dos dois: por um lado não tinha os instrumentos e por outro lado não tinha a vontade. Não sei qual dos dois, se a galinha ou o ovo, anda aí primeiro. O que é evidente foi a falta de visão dos líderes europeus, porque quando no passado tivemos, digamos, desafios do mesmo calibre, referi há pouco o colapso da União Soviética nos anos 90, houve líderes que se mostraram estadistas e tiveram uma visão de futuro e que ousaram apostar numa visão de futuro e os instrumentos também naquela altura não havia na Europa, mas criaram-se. Agora não, agora houve uma tentativa de arranjar umas aspirinas para dar aqui e ali, em vez de atacar os problemas de fundo.

Eu continuo a dizer que o grande problema é a "Geração do Bem-Estar”; não temos estadistas e esse é o drama principal, portanto estas pessoas que estão agora a liderar tentam escamotear, esconder, acumular e viver com os problemas, em vez de tentarem dar uma resposta com alguma ousadia e de uma forma proactiva. Por isso é que eu acho que o problema de 98 não está resolvido, continua a não estar e não estará, porque se houver um colapso numa economia como a espanhola ou a italiana, tudo aquilo que foi discutido, o fundo de emergência de apoio europeu, não servirá para coisíssima nenhuma. Portanto, a questão é tão simples e crua como esta: não solucionámos, conseguimos umas aspirinas para tapar alguns problemas, como é óbvio na Grécia não taparam coisíssima nenhuma e em Portugal estão a tapar porque temos um Governo capaz de o fazer porque até agora não tínhamos. Se fosse com o Governo anterior estávamos como os Gregos, não tenhamos ilusões sobre isso, eu não tenho e portanto a minha convicção é que, infelizmente, não podemos esperar grandes medidas ou grandes iniciativas dos actuais líderes europeus.

 
Duarte Marques

Muito obrigado, Professor. André Couceiro do Grupo Cinzento.

 
André Couceiro

A União Europeia enfrenta um desafio de importância extrema que é a integração dos cidadãos que vêm de países terceiros.

O que é que se pode fazer para que estes cidadãos possam usufruir dos mesmos direitos que nós, cidadãos europeus? Se há pontos no Tratado de Lisboa que contemplam esta matéria e será que a União Europeia está disposta a abrir os portões, em vez de abrir apenas um pequena janela convidando-os, ao mesmo tempo, com um pé fora e outro dentro? É só isso, obrigado.

 
João de Deus Pinheiro

Ó André, eu vou ser muito directo na resposta. Enquanto a emigração na União Europeia veio de Leste não houve problema nenhum, assim que a emigração começa a vir de Sul surgem todos os problemas.

Nós, em Portugal, temos uma obrigação, como eu disse há pouco, estrita, de sermos liderantes nesta matéria, por várias razões: primeiro, porque quer nós, quer a Europa precisa de emigrantes. Segundo: porque não é aceitável que a religião ou a cor da pele sejam causa de exclusão. Terceiro: quando isso acontece temos de ajudar à integração nas sociedades. O que temos de evitar a todo o custo é a criação de ghettos, ou por razões de cor, ou por razões de religião ou de cultura. Isso é que temos de evitar a todo o custo. Eu devo dizer que de todos os casos de integração de comunidades de emigração na Europa o português é o caso de maior sucesso. O que é inaceitável é que certos países falam de multiculturalismo e continuam a ter verdadeiros ghettos e comunidades que são contidos em determinadas zonas e que não há multiculturalismo nenhum. Não vou citar aqui nomes, pois toda a gente os conhece. Direi apenas que na Alemanha, a comunidade turca, ou de origem turca, está perfeitamente singularizada e representarão em 2030 cerca de 30% da população, mas que vive separada do mainstream da população alemã.

 
Duarte Marques

Muito obrigado, Professor. João Magro do Grupo Bege.

 
João Magro

Caro Professor, gostaria de lhe colocar uma questão relacionada com o assunto das Áreas Monetárias Óptimas. Há muita literatura sobre esse tema e vários critérios definidos sobre esse tema e eu, pessoalmente, tenho dúvidas que haja Áreas Monetárias Óptimas. Queria perguntar ao Professor se pensa, ou não, que essas áreas existam. Eu quando vejo, por exemplo, a Alemanha unificada ou a Itália antes do Euro, ou mesmo os Estados Unidos, tenho dúvidas que tenham Áreas Monetárias Óptimas, mas enfim, o Professor pensa que existem? Vale a pena falar nesse conceito?

Segunda questão: será que a zona Euro poderá vir a ser uma Área Monetária Óptima, sobretudo pensando nos movimentos das populações e nos choques assimétricos?

Muito obrigado.

 
João de Deus Pinheiro

João Magro, não sei se você é alguma coisa ao Carlos Magro? Não, mas iria sugerir que você fosse ali assim e explicasse o que é uma zona monetária óptima. Isso era óptimo para todos nós, porque eu não sei responder.

 
João Magro

Estava a pensar nalguns critérios que vêm na literatura da Europa em que falam na necessidade de haver mobilidade das populações, de haver muita assimetria nos choques entre os vários Estados ou regiões da área monetária, enfim, mas mais importante que isso é perceber se esta zona territorial tem ou não boas condições, em termos de potencial, para ser uma área monetária.

 
João de Deus Pinheiro

Todas as áreas têm. Como sabe, há um estudo que tem já alguns anos, sobre a dolarização do mundo e a hipótese de haver uma moeda mundial, que seria ou baseada no dólar, ou com outras influências, do Euro, do Yuan, Yen, e por aí adiante. O problema não está na integração monetária, o problema está na não-integração de outra políticas e na Europa temos visto isso com a parte económica e política. O grande drama da Europa, do meu ponto de visto, político neste momento, é que é reactiva, não tem capacidade de ser proactiva. Pronto, podem dizer-me que tem de consultar as Instituições, mas não há agilidade na decisão e por isso é reactiva. Esse é um dos grandes dramas da Europa de falar a uma só voz, porque no concerto internacional de vez em quando têm de ser tomar decisões de súbito, de repente, e isso a Europa não tem capacidade.

Na parte monetária, ultimamente, tem-se chegado à mesma circunstância, de ser necessário tomar decisões, de vez em quando, de fundo, num período de tempo curto. Enquanto países conseguem fazer isso, como os Estados Unidos, com a Reserva Federal e o Governo a actuar, nós, na Europa, temos uma série de consultas que são necessárias e é necessário fazer. Onde é que temos essa capacidade, a única que temos, é na zona do Comércio. Nas negociações de Comércio Internacional, onde nos Tratados é dada à Comissão o poder de negociar em nome dos Estados-Membros e onde normalmente as regras do jogo, ou o mandato negocial é muitas vezes fluído e a Comissão tem capacidade efectiva de negociação, mas é um caso muito raro.

Portanto, eu direi que, a menos que se mudem algumas regras do jogo, a menos que haja a nível europeu – agora isto que eu vou dizer é bastante controverso – um Conselho Europeu em permanência, com Vice-Primeiros Ministros de cada Governo em permanência em Bruxelas, para tomar decisões ao nível do Conselho, na área política, se isso não acontecer esqueçam a ideia de que pode haver uma situação diferente da actual ou com resposta rápida e adequada àquilo que são os estímulos que aparecem a nível internacional.

 
Duarte Marques

Muito obrigado, Professor. Mariana Custódio do Grupo Azul.

 
Mariana Custódio

Sabemos que a esperança média de vida tem vindo a aumentar e a taxa de mortalidade infantil tem vindo a diminuir. Também sabemos que se os chineses e os japoneses tivessem o mesmo estilo de vida dos Europeus um planeta não chegaria, teria de haver três planetas Terra. Também sabemos que o planeta Terra está a atingir o seu ponto de saturação e esse ponto situa-se entre os 4 e os 16 biliões de pessoas. Neste momento o Mundo já tem 7 biliões de pessoas. A minha pergunta é se acha que o Mundo com as alterações climatéricas vai ter e vai conseguir diminuir de forma abissal a espécie humana ou se vamos ser nós com a III Guerra Mundial.

 
João de Deus Pinheiro

Isso não lhe sei responder, mas posso lhe dizer alguns números. Onde há um maior crescimento demográfico é em África: 43% daqui até 2030, portanto, quase que aumenta 50% da população. Curiosamente, a China é um caso paradigmático em termos demográficos. O primeiro é que os chineses no princípio do século tinham 7% de população sénior, isto é, com mais de 65 anos. Em 2030 vão ter 20%; há um envelhecimento muito grande na população chinesa, que vai ser muito rápido. Como é que eles vão lidar com isto, uma vez que o sistema de segurança social é muito ténue, é muito fraco? Segundo é que os chineses vão ter um problema gravíssimo: com a política de filho único que instituíram há uns anos atrás, vão chegar a 2020, não é 2030, com uma proporção homens/mulheres de 3 para 2, isto é, 3 homens para cada 2 mulheres. Isto é a primeira vez que acontece na História, o excesso de homens, porque no passado, os homens morriam nas guerras e havia mais mulheres que homens. Aí o problema resolveu-se com a poligamia.

[RISOS]

Estão-se a rir mas é verdade. Havia mais mulheres que homens, portanto, havia ali assim, uma probabilidade de resolver isso. Na China, a partir de 2020 vai ser o contrário. Como é que isso se resolve (mais homens que mulheres)?

Estamos a rir mas é um problema seríssimo. A proporção de 3 para 2, na população chinesa que é de cerca de 1,4 mil milhões significa que cerca de 300 milhões de homens a mais. Não sei se estão a ver o que é que isto representa em termos sociais. É a disrupção do modelo social chinês. Portanto, temos aqui problemas seríssimos que não estamos a considerar.

Além disso, a China com este crescimento económico que tem tido – como eu disse não vai conseguir manter o Google parcialmente fechado como tem conseguido – vai ter de ter estruturas de água, saneamento e outras coisas que não tem neste momento para o interior, que vão custar fortunas. Portanto, o que vai acontecer na China é muito problemático: qual é que vai ser a evolução, é um ponto de interrogação muito grande e que me leva a concluir que o aumento da população chinesa tenderá a estagnar ou mesmo diminuir um pouco.

Por outro lado, a esperança média de vida em África está longe da esperança média de vida europeia e não é crível, infelizmente, por causa da SIDA, que este valor da esperança média de vida venha a aumentar. A taxa da mortalidade como da SIDA, em África, é enorme e não se vê capacidade a curto prazo, pelo menos até agora, de se conseguir minimizar essa circunstância. Portanto, não sou partidário, ou não sou muito pessimista em relação à população mundial. Acho que não vai ser o principal problema com que nos vamos defrontar pelo menos até 2030 ou 2040.
 
Duarte Marques

Obrigado, Professor. Miguel Fernandes do Grupo Amarelo.

 
Miguel Santos Fernandes

Muito boa tarde, Dr. João de Deus Pinheiro, boa tarde mesa e caros colegas.

A minha pergunta vai no sentido de saber de que forma é que os jovens devem-se preparar para enfrentar a Europa. Digo isto, no mercado actual em que estamos com um índice de emigração enorme em que os quadros superiores vão todos para o estrangeiro. Eu gostaria de saber quais são as ferramentas que nós devemos utilizar e de que nos devemos municiar para de facto termos sucesso nessa persecução do mercado europeu. Obrigado.

 
João de Deus Pinheiro
Eu acho que há duas formas de responder: uma erudita e outra popular. É fazer como o Figo, o Nani e outros: mostrar que somos tão bons ou melhores que eles. Essa é a resposta popular, mas eu direi que o que ajuda muito é falar inglês com alguma correcção, se souber falar outra língua além do português ainda melhor, ter um domínio ágil das Novas Tecnologias da Informação e, sobretudo, ter a atitude de dizer quando se vai para um emprego "olhe eu não sou Engenheiro Civil, mas se for para construir uma ponte eu construo, pode é demorar um bocadinho mais tempo, mas eu construo e construo bem.” Esta tem de ser a nossa atitude. Ou, se lhe disserem "vai fazer aquela vitrina daquela montra”; "não percebo nada disso, mas vou fazer bem”. Esta de ser a nossa atitude, uma atitude de Aquário, no sentido de abertura de estar pronto a novos desafios e na Europa, ou em Portugal, isso é que é a atitude positiva para o futuro. Se quiser, arranjar outros instrumentos para ter uma certificação, então tem de ir à procura dos MBA que dão prestígio em qualquer lado. Há uma lista hoje dos MBA que estão certificados, ou avaliados, posso dizer-lhe que o da Nova em Portugal está considerado entre alguns dos melhores da Europa, na primeira vintena, é possível que daqui a pouco tempo ainda esteja melhor. Mas se for por exemplo para uma ICA, ou uma London School of Economics, digamos, é um certificado – primeiro se for aceite, depois se conseguir – de que tem capacidade para se afirmar em qualquer parte do mundo. Isto, porquê? Porque eles só aceitam candidatos que tenham, além do curso uma certa capacidade que tem de ser demonstrada, alguma experiência profissional de dois anos. Portanto, se tem essa experiência, um CA ou outra escola do tipo, normalmente o mercado de trabalho europeu ou internacional está aberto, mas também em Portugal, praticamente trabalha na empresa em que quiser.
 
Duarte Marques

Susana Duarte.

 
Susana Duarte

Desde já, boa tarde. Eu queria desde já dizer-lhe que gostei imenso da sua apresentação e da visão crítica que teve sobre o ambiente e algumas das suas ideias, porque a meu ver às vezes também é preciso ter alguma visão crítica sobre alguns dos temas e não repetir sempre as mesmas ideias.

A minha pergunta ia ser direccionada para a energia nuclear de que falou. Deverá haver um programa de cooperação europeu para implementar a energia nuclear na Europa?

 
João de Deus Pinheiro
A minha opinião é pouco normal: acho que sim. Por várias razões: tão caro quanto fazer uma central nuclear é ter um backing para suporte dessa central nuclear. Portanto, fazer uma central nuclear em Portugal sozinho seria um disparate, teríamos de fazer sempre em conjunto com outros. E fazia todo o sentido, porque a Europa, no seu conjunto, não tem energias fósseis ou alternativas capazes de responder às necessidades. A percepção de que a energia nuclear é poluente ou perigosa, é uma percepção do passado, completamente ultrapassada. Fukushima no Japão, que não é dos reactores nucleares de última geração, mostrou que é possível, mesmo com o tremor de terra, conter o chamado damage nuclear. Portanto, com as novas gerações que já são contra tremores de terra, etc., ainda mais. Eu sou um defensor acérrimo da energia nuclear, porque acho que nós na Europa fizemos o erro tremendo de continuar a ignorar ou de pensar que o nuclear é uma coisa horrível, quando, ainda por cima, nós em Portugal temos aqui nas fronteiras, em Espanha, algumas centrais nucleares espanholas. O que devíamos insistir é por centrais nucleares de 3ª geração, que são as que antecipam a fusão nuclear, mas isso ainda é para o futuro. O programa europeu, absolutamente. Pergunte à "Geração do Bem-Estar” se está disposta à controvérsia e a "Geração do Bem-Estar” diz-lhe que não.
 
Duarte Marques

Muito obrigado, Professor. Rui Pinto do Grupo Cinzento e de seguida o Vasco Moreira do Grupo Verde.

 
Rui Pinto

Muito boa tarde, Professor João de Deus Pinheiro.

O que eu lhe queria perguntar era a sua opinião acerca da presença de Durão Barroso na Comissão Europeia e da influência nesta presença de Portugal face à União Europeia. Obrigado.

 
João de Deus Pinheiro

Bom, eu acho que o Durão Barroso não começou bem, no primeiro mandato, inverteu essa tendência e acabou bem esse primeiro mandato. No segundo mandato foi completamente votado ao ostracismo pelo eixo franco-alemão e, portanto, neste momento é uma personagem com pouco influência infelizmente, porque eu acho que faz falta ter um Presidente da Comissão com voz activa. Para Portugal é muito importante ter um Presidente que conhece os problemas portugueses, muito embora, objectivamente, ele em termos de visibilidade não pode fazer nada que favoreça Portugal, tem de ser igual para todos os países. Mas para nós é bom que haja um Presidente português.

 
Vasco Moreira

Em primeiro lugar, muito boa tarde. Os meus cumprimentos ao Professor Doutor João de Deus Pinheiro e à restante mesa.

Como disse há pouco, é notório que o modelo europeu não resulta e tem de mudar. A minha pergunta é: se numa reestruturação da União Europeia um país como a Alemanha decidisse que quer sair ou Portugal fosse mesmo obrigado a se afastar, qual seria o real impacto para Portugal e para a Europa? Obrigado.

 
João de Deus Pinheiro

Bom, no caso da Alemanha, eu acho que se saísse acabava a União Europeia: ela é o maior em Economia e está no centro da Europa, foi a grande causadora de duas Guerras e foi o grande motor da Europa, juntamente com a França, nos primeiros anos da integração europeia e continua a ser para o bem e para o mal.

Portugal já é diferente; Portugal ou outros países ditos periféricos. Da mesma maneira que a presença de vários países, como Portugal, Grécia e os que aderiram mais tarde, Letónia, Lituânia, Eslováquia, etc., são importantes, cada um deles per se, a dar a ideia que a Europa é um todo solidário, diversificado mas solidário, a saída de um país seja ele qual for, quebra muito esta noção.

Eu julgo que seria o princípio do fim da Europa. Por outro lado, nenhum destes países, Portugal, a Grécia ou a Irlanda, poderia a curto prazo sobreviver se saísse da Europa porque a questão da dívida é a questão que já se pôs a África há muitos anos: são dívidas que se contraíram em Euros e depois teriam de ser pagas em Escudos. Com a desvalorização do Escudo cada vez mais teríamos que fazer mais esforço para pagar a dívida. É o problema dos países africanos: contraíram dívidas em dólares ou em Euros e depois a sua moeda ia-se desvalorizando e portanto os cidadãos cada vez mais faziam esforço para pagar e a dívida praticamente não diminuía. Só para lhe dar uma ideia, a Jamaica tinha 70% do Orçamento de Estado que era para pagar a dívida externa.

Ora isto é impossível, é uma situação exclusiva, portanto, eu direi que há que fazer os impossíveis para manter esta coesão da União Europeia que não é fácil, sobretudo para países, não como Portugal que está a voltar a ser o bom aluno, mas para a Grécia, pois as estatísticas da Grécia, aquilo que reportava à União Europeia, não tinha nada a ver com a realidade. Digamos, que o Governo de José Sócrates ao pé dos Gregos foi completamente um santo, um arcanjo no céu. Porque os Gregos ultrapassaram tudo. Agora para um alemão ou um holandês... – só para vos dar uma ideia, os Holandeses tinham 80 mil pessoas indicadas como parcialmente deficientes do trabalho e, portanto, estavam desligadas do trabalho porque eram considerados deficientes de trabalho, pagos; foram reavaliá-los a todos e cerca de 60 mil foram reintegrados no trabalho, específico e adaptado. Este é o tipo de atitude de um país que, quando pensa que em certos países a idade da reforma é de 60 anos e não de 65, que o número de dias de trabalho por ano são x e não os 301 alemães, quero dizer, isto é muito difícil de engolir. Mal comparado, faz lembrar aqueles dois alunos, que um era grande aluno e outro era um grande cábula, quando chegaram as notas um teve 18 e outro chumbou. O tipo que chumbou perguntou à professora "então não respondi bem?”, "respondeu lindamente, mas copiou tudo pelo colega do lado”, "mas tem alguma prova disso?”, "tenho, a única alínea que ele não respondeu, ele escreveu: não sei; e o senhor escreveu: também não”.

[RISOS]

Portanto, os Gregos foram um bocadinho "eu também não”, foram também apanhados nisto. Eu tenho esperança que a "Geração do Bem-Estar” não caia no erro de destruir por dentro a União Europeia, mas vai ser uma luta interessante de se seguir.

 
Duarte Marques

Muito obrigado, Professor. Vera Artilheiro do Grupo Laranja.

 
Vera Artilheiro

Boa tarde a todos. Um dos pilares da constituição da União Europeia foi a solidariedade entre os países. Não considera que esta solidariedade se não foi posta em causa, está hoje pelo menos muito fragilizada, sobretudo porque houve sobreposição dos interesses individuais ao interesse comum dos países da União Europeia.

 
João de Deus Pinheiro

A solidariedade é, digamos assim, e foi sempre, a grande base do modelo social e político europeu, foi também nas próprias alianças como a NATO e a UEO que existiram e portanto, no fundo a chamada coesão económica e social que teve como base este princípio de solidariedade social e que tão benéfico foi para tantos países, continua a ser perfeitamente justificada.

Há alguns que querem fazer esquecer, porque dizem que são eles que estão a pagar mais para o orçamento comunitário. Sempre que essa discussão veio a lume, quando eu era Ministro dos Negócios Estrangeiros e penso que continua a ser assim ainda hoje, o que nós dizíamos "sim senhor, você é o que paga mais, agora vamos também discutir quem é que recebe mais”. Se a gente discute quem é que paga mais, também discutimos quem é que tira mais benefícios; só assim a discussão faz sentido e era aí que isso se tornava incómodo para alguns como os alemães, os holandeses ou os franceses.

Portanto é nessa base que temos de discutir. Há uns que pela sua presença no interior da Europa têm mais facilidade de criar ou ganhar, por exemplo, com o alargamento, do que outros, como Portugal, que perderam com o alargamento, mas se houver o conceito de solidariedade tem de haver mecanismos de compensação para estes países como Portugal ou outros países periféricos.

Este tem de ser o conceito e isto tem de ser dito e redito e repetido e que fora disto uma União Europeia não faz sentido. Uma União Europeia só de interesses é finita; tem de ter valores, solidariedade e interesses.

 
Duarte Marques

Tânia Bragança e depois será o José Vitorino.

 
Tânia Bragança

Olá, muito boa tarde a todos. Muito boa tarde, senhor Professor João de Deus Pinheiro. Muito obrigada pelas suas palavras e por estar aqui a esclarecer-nos algumas dúvidas.

A minha questão juntamente com o Grupo Amarelo é: que ligação pensa que a Europa vai continuar a cultivar com os países da África Ocidental, tendo em conta que nos últimos anos temos verificado um acentuado desenvolvimento e, por exemplo, Angola que tem vindo a recrutar muitos profissionais para lá? Até que ponto isso pode ser benéfico para a Europa? Muito obrigada.

 
João de Deus Pinheiro

Muito obrigado pela sua pergunta. Eu não estou a responder a dúvidas, eu estou a suscitar questões, porque eu não tenho a pretensão de saber, eu quero é suscitar reflexão, que vós no vosso conjunto ou individualmente possam pensar "a minha ideia é isto”, ou "em relação àquilo não concordo nada”, ou "gostava de estudar mais aquele assunto”, isso é que me interessa. Eu não sei tudo, pelo contrário, quero dizer, cada vez sei menos. Mas sobre África pode-se dizer o seguinte: se nós somarmos as contribuições europeias, através da Comissão Europeia, dos Estados-Membros individualmente, do Banco Mundial, das Nações Unidas, designadamente do PNUD e do Fundo Monetário, a ajuda ao desenvolvimento em África pela qual a Europa é responsável, é de 85%! 85%! Que é uma coisa extraordinária que ninguém faz ideia, portanto, aquilo que os Estados Unidos contribuem ou que a China, ou o Japão contribuem, comparado é completamente ridículo. Mas isto não é visível e as pessoas não conhecem os números, mas é a realidade. Segunda questão: eu acho que há muitas áfricas; pensar que África é homogénea é um erro completo.

O Magrebe não tem nada a ver com a África Ocidental, ou Oriental, ou mesmo Austral, ou com África Central – são realidades diferentes e mesmo dentro dessas áreas há especificidades que são diferentes. Angola, por exemplo, que referiu, é neste momento um país que tem uma situação que no Brasil, em que há muito capital e pouca capacidade de absorção.

Um país tem como limite, normalmente, para sua a sua capacidade de absorção cerca de 4% do produto. Sempre que, aquilo que é a liquidez que permite o investimento, é superior a isso, o país não consegue absorver e aí tem que investir noutros mercados. A razão por que nós assistimos hoje a investimentos angolanos em Portugal é porque há excesso de liquidez em Angola, graças ao preço do petróleo sobretudo e tem de pesquisar mercados para esses investimentos, e no Brasil passa-se o mesmo, é um caso específico que já noutros casos de outros países a situação é completamente diferente. Cabo Verde, por exemplo, não tem recursos naturais e como me dizia uma vez um técnico da Comissão Europeia que visitou Cabo Verde, "os Cabo-Verdianos conseguem fazer crescer rosas em rochas”, para mostrar a luta titânica, mas graças ao Turismo agora tem também continuado a crescer de uma forma muito sustentada. Portanto, eu direi que a África para a Europa tem sido sempre uma prioridade mas que, nem sempre, a Europa olhou para África com a melhor atitude. Durante muitos anos houve uma atitude assistencialista, a partir de 1995, mais coisa menos coisa, com a mudança da Convenção de Lomé, houve uma atitude de parceria no sentido de haver um empowerment, uma capacitação dos africanos para traçar o seu próprio destino, sendo a União europeia um coadjuvante para encontrar um meio para atingir as soluções mas não para ditar as soluções. E, em muitos casos, este tipo de atitude foi compreendida e teve algum sucesso; noutros casos ainda não. Sobretudo quando se quiseram impor algumas regras de Democracia que são pouco ajustadas muitas vezes aos países africanos.

Vou-vos contar muito rapidamente para que possam perceber: como sabem, houve aquele conflito no Ruanda e no Burundi e na parte Leste do Congo que faz fronteira com esses dois países e houve um dos Generais que me disse: "Está a ver aquela árvore ali? Aquilo é o limite do reino da rainha”, das rainhas de lá, locais, mas não tem nada a ver com a fronteira, porque quando a fronteira foi traçada, foi traçada num caminho que ninguém sabe onde é. Portanto, cada vez que alguém passa além daquilo, está à mesma no reino da rainha não-sei-quantos, mas já está noutro país. Desde que se invadiu o outro país, ninguém sabe onde é que é a fronteira.

Segunda questão: em África há muito respeito pelos Anciãos e os chamados "mais velhos” têm um papel muito institucional e são pessoas muito importantes nas suas comunidades. A Democracia tem de ter em atenção estas especificidades e estes líderes naturais têm de ser integrados de forma inovadora para que se respeitando a tradição se possa ter um mecanismo de escolha por parte dos cidadãos. Impor uma Democracia parlamentar a todo o custo, com as regras da velha Inglaterra, ou de Portugal, é do meu ponto de vista muitas vezes um excesso que se impôs a alguns países africanos. Portanto, eu direi que a Europa é uma referência para muitos países, é o grande parceiro, mas desde a Convenção de Lomé que a tipologia das relações felizmente se alterou. Ela tem de ser assente, sobretudo, numa parceria assimétrica, isto é, as concessões a fazer aos países menos desenvolvidos em termos de mercado e de troca tem de ser assimétrica com mais concessões aos países menos desenvolvidos; é isto que a nova Convenção preconiza, um regime transitório que se estende por 25 anos e eu tenho esperança que no fim, nesse aspecto, haja um maior desenvolvimento do que aquele que seria expectável, muito embora os objectivos do Milénio estejam um pouco atrasados, a culpa disso está longe de ser da Europa, do meu ponto de vista.
 
Duarte Marques

Muito obrigado, Professor. José Vitorino.

 
José Miguel Vitorino

Boa tarde a todos. O meu obrigado ao Professor João de Deus Pinheiro pela sua intervenção aqui.

Com esta crise económica e social generalizada na Europa, acha que o projecto europeu de ter uma política de união europeia continua a ser possível e se concorda com esta união.

 
João de Deus Pinheiro

Eu acho que é um grande, grande teste que neste momento se põe aos Europeus, esta chamada crise social das dívidas soberanas e tenho esperança que a Europa os supere, senão não sobrevive.

Não é possível, como disse há pouco, em que alguns países deixam de ser Europa, isso não é possível, isso é a desagregação europeia, portanto, há que fazer os possíveis para que esta Europa sobreviva. Por isso é que me custa muito a perceber certas posições de líderes como Sarkozy ou a senhora Merkel que, digamos, parece não ter em conta uma coisa que é uma evidência para todos aqueles que alguma vez pensaram um bocadinho sobre esta questão europeia.

Mas como diz a própria Bíblia: "põe a mão, que eu te ajudarei”. É preciso que aqueles que precisam de ajuda, demonstrem que precisam de ajuda e que merecem ser ajudados e que Portugal vai ser esse caso e que os Gregos, quer queiram, quer não, também hão-de estar, porque até agora as questões não têm sido fáceis em termos gregos, portanto, muito mais problema que a Irlanda ou Portugal, vai ser a Grécia o caso mais bicudo para resolver. Mas eu acredito, porque não vejo outra alternativa a esta Europa e é como dizia Pedro a Cristo "mas para onde é que nós vamos se só tu é que tens palavras de vida eterna?”, para onde é que nos viramos se a Europa não vingar? Não há alternativa. Temos de acreditar.

 
Duarte Marques

Rogério Gomes e Laura.

 
Laura Horta

Boa tarde, Professor Doutor João de Deus Pinheiro.

Numa altura em que um número preocupante de países europeus vive uma crise económica, qual é a sua posição perante os especialistas que defendem um afastamento desses mesmos países da Europa e qual seria o verdadeiro impacto desse possível afastamento.
 
João de Deus Pinheiro

Eu acho que já respondi a isso; eu acho que se houver países que saírem do Euro o modelo europeu desaparece. Ponto final.

 
Rogério Gomes Gouveia

Ora, boa tarde, também quero agradecer a sua presença. É para mim uma grande satisfação de estar cá a ouvir.

Nós temos vindo a falar durante esta tarde sobre desafios que não sendo novos, assumem proporções inéditas. A minha questão é: como relançar a competitividade e lutar contra o desemprego preservando o modelo social europeu.

 
João de Deus Pinheiro

É uma pergunta, Rogério, que nos dava para mais de três horas aqui. Eu tentei dar algumas respostas em relação a isso. A ideia de que há políticas de emprego, para mim, é uma das chamadas falácias da Esquerda, porquê? Porque o Emprego deriva de haver Empresas e as Empresas de haver Empreendedores. Portanto, se queremos criar Emprego, temos de criar Empresas e Empreendedores. Portanto, temos de ir aos Empreendedores; tentar que haja condições para que haja empreendedores ou para que as Empresas se desenvolvam. Segundo: tem de haver incentivos à criatividade e à inovação. Como? Eu já referi há bocado que em Portugal há muito a ideia que se um tipo falhou, pronto, é um falhado, não é verdade! Digamos, se em dez tentativas, três vingarem, à primeira, é fantástico, fantástico! Porque a maior parte dos empreendedores não vingam à primeira, às vezes só à segunda, ou à terceira, ou à quarta, portanto é este espírito e estas condições, através dos chamados business angels ou do seed money das empresas, que nem é preciso muito dinheiro envolvido, é dizer aos jovens que vão para a frente, com serviços de proximidade, com Novas Tecnologias, construção de novas coisas, no Comércio, na Pequena Indústria, atirem-se para a frente com condições para que isso aconteça; isso para mim é a batalha. Também na Agricultura, como eu disse há pouco, a ideia de que a Agricultura e o sector primário é para os tontinhos, é uma ideia errada completamente. Basta ir à França, hoje em dia, ou à Alemanha para perceber que os agricultores são gente de alto gabarito intelectual, científico, etc., portanto, nós e a crise europeia é, atenção, vamos com calma, não é de toda a Europa; há alguma Europa que apesar de tudo vai sobrevivendo.

Os novos países da adesão são países que têm tido taxas de crescimento relativamente elevadas; onde a coisa tem piorado é nos chamados países da orla do Sul e da chamada periferia que a coisa tem beliscado, mas se as regras foram de apoio ao Turismo e às Empresas, de viver de acordo com as possibilidades, perder os hábitos aristocráticos que ganhámos e perder os "ismos” a que nos fomos habituando; eu para mim considero completamente irracional, louco e suicidário que nós tenhamos escolas onde os alunos não chumbam por faltas, onde não precisam ter aproveitamento para passar, onde é tudo facilidades porque o menino pode ser traumatizado. Isto é insano. Se eu fizesse isso, se nós fizéssemos isso aos nossos filhos, eu considerava que esse pai devia ser internado. Isto tem de ser dito de uma forma clara para que todos percebam. Tem que haver respeito pelo professor, tem que haver prémio ou mérito e tem que haver capacidade para queles que querem mais e melhor terem meios para o fazer, a sociedade deve dar esses meios e eu repito aquilo que disse há pouco: tenho muita esperança e convicção que este Governo vai dar a volta aos últimos quinze anos de pasmaceira e de irracionalidade em que se viveu.

[APLAUSOS]
 
Duarte Marques

David Castro do Grupo Bege e de seguida o Diogo Antunes do Grupo Bege também.

 
David Pereira de Castro

Muito boa tarde a todos. Agradecer desde já a sua participação na UV, Professor.

Em primeiro lugar acredito que os interesses individuais franco-germânicos têm posto muito em causa a nossa União Europeia, aliás, a solidariedade europeia (e nós já falámos sobre isso em algumas situações hoje), mas eu ponho também em causa a estratégia política e estratégia de liderança do Dr. Durão Barroso. Ou seja, não terá sido ele também a causa de podermos permitir a influência desta maneira da França e da Alemanha? Gostava de saber a sua opinião, sobre o facto de nós como países-membros, Portugal e outros, termos permitido que isso acontecesse, ou seja, que a França e a Alemanha tivessem imposto os seus interesses individuais e assim controlarem de certa forma aquilo que se estava a passar na União Europeia.

 
João de Deus Pinheiro

Digamos que o eixo franco-alemão é uma condição necessária, mas não uma condição suficiente.

No caso Durão Barroso, acho que ele aí assim, pouco pode fazer. Se os Estados não quiserem colaborar com ele, ele não os pode obrigar a colaborar ou a consultá-lo previamente e, portanto, está ali numa posição de tentar conciliar as coisas, numa posição relativamente difícil. É verdade que ele assumiu ser o rosto da Comissão e, portanto, expôs-se um bocadinho mais nessa matéria e acho que é louvável tê-lo feito dessa maneira.

O que me parece é que ao nível das lideranças europeias, não só as franco-alemãs, mas também a maior parte das outras, há um grande défice de qualidade em relação ao que existiu no passado. Isso aconteceu em Portugal também não há muito tempo. Aquilo que eu acho que é tempo de falarmos claro, é exigirmos qualidade, além do esforço, eficácia, humildade, exigirmos qualidade, nós não podemos correr o risco de sermos governados por gente sem qualidade ou mal preparada, não podemos nem a nível nacional nem a nível europeu. Portanto, aquilo que eu penso que vai acontecer dentro de um prazo relativamente curto é que estas questões vão ser também debatidas na França e na Alemanha. Digamos, não vão ser imunes a estes debates que estamos aqui a ter e os sinais que vêm da Alemanha é que a senhora Merkel está longe de ter a popularidade do senhor Kohl ou do senhor Konrad Adenauer. Portanto, embora seja da nossa família política a probabilidade de ela ser corrida é bastante grande nas próximas eleições. Se depois dela vem melhor, essa é outra questão que eu não sei responder, mas que vai pagar um preço pelas indecisões e pelos erros de julgamento, ai isso vai.

A Alemanha precisa da União Europeia como o próprio pão para a boca. Digamos, a Alemanha tem um crescimento positivo pela sua exportação sobretudo na área da União Europeia, portanto a Alemanha beneficia muito, não é pouco, e quando ela diz que é o maior contribuinte líquido também é o maior recebedor líquido, portanto as coisas na sua devida proporção. Eu acho é que a maior parte dos países, ou dos líderes, se têm acobardado um pouco na forma de explicar estas questões e usam fórmulas um pouco redondas para chamar os bois pelos nomes. Eu, hoje em dia, como não tenho nenhum cargo público e não tenho de responder por ninguém senão perante mim mesmo, digo as coisas às vezes de uma forma mais crua e espero que vocês, jovens, também se sintam à vontade para chamarem as coisas pelos nomes, porque eu estou um bocadinho cansado das chamadas redondilhas em torno de certos axiomas ou de certas questões que é como "o rei vai nu”, muitas vezes, em que a pessoa diz "afinal o rei vai nu”, "ah, pois vai”, mas toda a gente achava que o facto era fantástico.
 
Duarte Marques
Senhor Professor, muito obrigado. Ainda temos cerca de dez minutos para responder a perguntas, mérito do orador que é conciso e também vosso que foram muito rápidos a colocar questões. Eu dei prioridade aos que nunca tinham feito perguntas e até agora ninguém tinha feito, agora vou dar àqueles que não fizeram uma pergunta nesta sessão mas que já fizeram uma pergunta noutras, como o Diogo, peço desculpa mais vai ter de ficar para o fim se houver tempo. Por isso, Carolina Baptista do Grupo Azul.
 
Carolina Batista

Considera que as democracias africanas dos países de expressão portuguesa já encontraram a sua maturidade?

 
João de Deus Pinheiro

Algumas sim, outras não. Se perguntar se Cabo Verde hoje é um país maduro em termos de Democracia, eu direi que sim e até exemplar em muitos casos. Se perguntar se a Guiné Bissau é um país democraticamente maduro, eu dir-lhe-ia que não. Depois, há outros países como Moçambique, que têm feito progressos muito importantes, muito embora ainda com alguns resultados, e países como Angola que se tem uma idiossincrasia muito própria devido ao facto de terem tido uma Guerra Civil que criou muitos fossos e traumas entre a sua população e, portanto, a superação desse clima leva algum tempo, mas eu julgo que está a acontecer uma atitude positiva, portanto, direi que de um forma geral eu sou daqueles que acredito que depois de todos os traumas que passaram os nossos irmãos dos países africanos vão conseguir ter Democracias viáveis e eficazes.

 
Duarte Marques

Pedro Veiga do Grupo Castanho.

 
Pedro Veiga

Boa tarde a todos, em especial ao Professor João de Deus Pinheiro.

Na primeira ronda de perguntas respondeu ao meu colega Alexandre, que é do meu Grupo, que a Europa está a perder cada vez mais influência para as economias emergentes. O que eu gostava de saber é: quais as medidas essenciais que acha que a Europa deve tomar para combater esse facto? Obrigado.

 
João de Deus Pinheiro

Eu referi até com algum detalhe e porventura para muitos inapropriadamente os vários custos na produção de uma manufactura: a mão-de-obra, operacionais, ambientais, de contexto, tecnológico, etc. Para nós percebermos quando comparamos a competição com produtos oriundos de várias origens, nós temos que perceber como é que o factor de custo ou preço é determinado e perceber que em certas circunstâncias é impossível competir com o preço, porque se é do factor custo que nós temos aqui noutros países não existem ou não são respeitados. Portanto, primeira condição, na minha opinião, para reverter um desequilíbrio excessivo é uma concorrência sã. Portanto, dar à Organização Mundial de Comércio regras mais fortes e ao nível das negociações que a União Europeia faz directamente com esses países, bilateralmente, também pôr mais exigentes. Isso é condição sine qua non.

Segunda questão: ver em que sítios podemos ser mais competitivos e é na parte da Inovação. A Inovação só é relevante numa empresa se conseguirmos que ela seja, que ela actue, no momento próprio. Vamos ver se eu sou mais explícito. Se eu quero introduzir uma modificação numa máquina de produção, se eu demoro muito tempo a decidir outros concorrentes antecipar-se-ão e quando eu ponho o produto no mercado já outros se anteciparam a mim; portanto, o timingda Inovação é muito importante, para além da Criatividade. Segundo, acho que a Europa e Portugal também, têm um defeito tremendo, que é ter as Universidades alheadas do mundo real. Temos Universidades a estudar o electrão da terceira camada lá em cima e que pode eventualmente participar na quarta camada… está bem, isso é interessante do ponto de vista da Física Quântica ou da Química teórica, mas não temos ninguém a estudar os problemas reais da cortiça, ou do couro, ou os problemas reais da população, das utilizações do desenvolvimento rural na zona de Portalegre, ou outras questões reais aplicadas, onde nós precisávamos ter estratégias de Turismo. Qual é a estratégia de Turismo de Portugal e porquê? Qual é a base científica? Isto numa base científica, não é dar palpites. Esta falha de investigação aplicada, do meu ponto de vista, com a capacidade instalada que nós temos das Universidades, poderia ser uma das vias para nós termos uma boa base de decisão.

Direi ainda, em relação agora ao nosso País, que acho urgente que ao nível dos Partidos sejam reactivados os Grupos de Estudo que eram sítios onde as ideias borbulhavam, onde as pessoas se confrontavam com ideias, onde se podia discutir livremente e fazer propostas – depois o Governo ou os dirigentes aceitam ou não, mas as ideias eram discutidas. Eu tenho muita esperança que a base destas Universidades de Verão e da Europa, etc., que possam servir como uma zona de recrutamento nas várias áreas de grupos de reflexão e estudo, porque sobre muitos aspectos os próprios partidos não têm posição. Qual é a posição do PSD sobre, sei lá, a climatização ou Aquecimento Global, sobre a Globalização, as Células Estaminais – tudo questões novas que cortam transversalmente os partidos tradicionais, portanto temos de nos adaptar. Como é que nós vemos o Empreendedorismo? Como é que é possível dar novos apoios na realidade actual, quais são os mecanismos ágeis, quais os agentes que temos de mobilizar, qual o tempo certo? Criar a empresa na hora, muito certo e depois? Para dar nome à empresa é preciso estar dois anos à espera, porque o nome é provisório? Não podemos, porque se o nome é provisório não podem fechar a empresa – é o grande problema hoje, o grande drama. Esse tipo de questões são aquelas que têm de ser discutidas, muito mais que o electrão na quarta camada e o sexo do Arcanjo S. Miguel.

[RISOS] des ?gtspL?@? naturais têm de ser integrados de forma inovadora para que se respeitando a tradição se possa ter um mecanismo de escolha por parte dos cidadãos. Impor uma Democracia parlamentar a todo o custo, com as regras da velha Inglaterra, ou de Portugal, é do meu ponto de vista muitas vezes um excesso que se impôs a alguns países africanos. Portanto, eu direi que a Europa é uma referência para muitos países, é o grande parceiro, mas desde a Convenção de Lomé que a tipologia das relações felizmente se alterou. Ela tem de ser assente, sobretudo, numa parceria assimétrica, isto é, as concessões a fazer aos países menos desenvolvidos em termos de mercado e de troca tem de ser assimétrica com mais concessões aos países menos desenvolvidos; é isto que a nova Convenção preconiza, um regime transitório que se estende por 25 anos e eu tenho esperança que no fim, nesse aspecto, haja um maior desenvolvimento do que aquele que seria expectável, muito embora os objectivos do Milénio estejam um pouco atrasados, a culpa disso está longe de ser da Europa, do meu ponto de vista.
 
Duarte Marques

Obrigado, Professor. João Santos do Grupo Azul.

 
João Santos

Muito boa tarde a todos. Gostaria de saudar o senhor Professor João de Deus Pinheiro.

Aquando do seu tempo como Eurodeputado no Parlamento Europeu, se fosse confrontado com uma medida que acabasse por ser boa para a generalidade dos países da União Europeia mas que se revelasse nefasta a médio/longo prazo para o nosso país, como é que reagiria?

Muito obrigado.

 
João de Deus Pinheiro

Oh, eu acho que isso era uma situação que não se punha. Porque se ela é nefasta para um país, não pode ser boa para o conjunto. Por alguma razão é uma situação teórica que eu acho que na prática não antecipo. Mas agora devo dizer que durante o período que estive no Parlamento Europeu, tive a felicidade de ter como colegas deputados, um conjunto de pessoas de grande nível e categoria e procurávamos em conjunto explicar quais eram as áreas em que estávamos a trabalhar e quais as orientações que preconizávamos.

O Coordenador político e teórico era eu, o Coordenador Executivo era este senhor à minha esquerda, o ajudante era este senhor aqui à minha direita. Nós discutíamos livremente entre nós e tínhamos maneiras de pensar completamente diferentes às vezes, mas era enriquecedor este tipo de contacto.

Outra coisa que eu percebi era que a qualidade média dos nossos deputados europeus era francamente melhor que a generalidade que eu ia encontrando, com talvez a excepção dos ingleses que eram também de grande gabarito, mas outras delegações tinha gente de qualidade muito fraca. E muita gente desconhece as qualidades do Parlamento Europeu, pensa que é como há vinte anos, em que o PE era mais decorativo que outra coisa. Não, o Parlamento tem real poder hoje de influenciar as decisões. Portanto, é preciso estar atento ao que vai acontecer no Parlamento Europeu.

Eu direi que eu sinto-me tranquilo ao pensar que continuamos a ter o nosso Carlos Coelho lá no Parlamento Europeu, pessoa profundamente respeitada pelos seus pares, que é uma coisa difícil de acontecer no Parlamento Europeu, porque há lá muitos ex-Presidentes, ex-Ministros, ex-Comissários, e há também os que querem ser Primeiros-Ministros, Presidentes, Comissários, etc., portanto, ser respeitado no Parlamento Europeu não é fácil e é muito grato ver o Carlos Coelho, o José Silva Peneda, o Vasco Graça Moura e outros, serem profundamente respeitados pelos seus colegas.

Isso a mim sempre me deu uma satisfação profundíssima e por que não acrescentar também um orgulho semelhante também ao que a gente tem quando olha para o Mourinho.

Muito obrigado.

[APLAUSOS] ?;j pL?@?.

 

[RISOS]
 
Dep.Carlos Coelho

Muito bem, resta-nos agradecer ao Professor João de Deus Pinheiro o magnífico debate que ele nos proporcionou e o número recorde de perguntas que respondeu.

O Duarte Marques e eu vamos acompanhar o nosso convidado à saída. Eu depois regresso, que tenho uns avisos para fazer. Peço só ao Director-Adjunto Nuno Matias e aos avaliadores para regressarem aqui.

Ah, peço desculpa, há um pedido do Presidente da JSD para haver um acto público ao Professor João de Deus Pinheiro na vossa presença.

 
Duarte Marques

É um acto público, mas um acto público importante: Professor João de Deus Pinheiro, ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros, ex-Comissário Europeu, ex-Eurodeputado, um grande senhor da Democracia Portuguesa, vai assinar a Petição da JSD pelos jovens atletas nacionais.

[APLAUSOS]

 
Dep.Carlos Coelho

Muito bem, com esta assinatura termina esta sessão. Em nome da Universidade de Verão, muito obrigado senhor Professor João de Deus Pinheiro.

[APLAUSOS].